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Acórdão 117/2015, de 7 de Abril

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Sumário

Julga inconstitucional a norma da alínea d) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 46/2007, de 24 de agosto, interpretada no sentido de abranger apenas as empresas públicas que emergem diretamente do Estado, com exclusão das empresas do setor público criadas por empresas públicas

Texto do documento

Acórdão 117/2015

Processo 686/12

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I - Relatório

1 - A Mediacom Iberia, S. A., requereu no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa (TAF) que as sociedades SOGRUPO - Compras e Serviços Partilhados, ACE e a Caixa Geral de Depósitos, S. A., fossem intimadas a facultar-lhe certos documentos explicativos da escolha da proposta apresentada no procedimento pré-contratual de seleção de candidatos à contratação de serviços publicitários.

O TAF de Lisboa deferiu o pedido, mas em recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul essa decisão foi revogada, com o indeferimento da requerida intimação.

Desse aresto, foi interposto recurso excecional de revista para o Supremo Tribunal Administrativo que, por acórdão de 30 de maio de 2012, negou provimento ao mesmo, embora por fundamentos diferentes.

2 - A recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional desse acórdão, solicitando a fiscalização da constitucionalidade da interpretação normativa que foi dada aos artigos 3.º e 4.º da Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (LADA), por violação do disposto nos artigos 20.º e 268.º, n.os 2 e 4 da Constituição da República Portuguesa (CRP), com a seguinte fundamentação:

"A interpretação do n.º 1 do artigo 3.º da LADA veiculada no referido acórdão é a de que não são documentos administrativos os detidos por uma pessoa coletiva de direito privado constituída pela CGD e por empresas 100 % detidas por esta, como o Sogrupo, respeitantes a um procedimento pré-contratual de contratação de serviços publicitários, para serem prestados diretamente a empresas públicas agrupadas, de entre as quais a CGD, desenvolvido em nome, por conta e nas condições definidas por estas empresas públicas. O despacho de indeferimento da arguição de nulidades e do pedido de reforma do STA veio manter esta interpretação com base no argumento legal de que entre o ACE supra descrito e as Empresas Públicas beneficiárias dos serviços contratados não existe um mandato com representação ou outra figura jurídica afim.

Por sua vez, a alínea b) do n.º 2 do artigo 3.º da LADA foi interpretada pelo supra referido acórdão do STA no sentido de excluir da noção de documento administrativo aqueles que são detidos por empresas públicas criadas por outras empresas públicas, como o Sogrupo, com o argumento de que estas não desenvolvem um "atividade administrativa".

Quanto à interpretação do artigo 4.º da LADA, entendeu o mesmo acórdão que a noção de empresa pública constante da alínea d) do n.º 1 do artigo 4.º da LADA deve ser restritivamente interpretada no sentido de apenas abranger as empresas que diretamente emergem do Estado, das regiões autónomas ou autarquias, e não as empresas que provenham de outras empresas públicas, como o Sogrupo em relação às suas agrupadas.

Estas interpretações padecem de inconstitucionalidade porque resultaram na denegação do direito à informação não procedimental de acesso aos registos e arquivos administrativos, consagrado no artigo 268.º n.º 2 da CRP, relativamente a um procedimento pré-contratual de montante invulgarmente vultuoso no mercado publicitário português, face ao qual se comprovaram existir indícios da prática de irregularidades que levaram à preterição da proposta da ora Recorrente. Essa denegação de informação resultou na impossibilidade da Recorrente exercer o direito de acesso aos tribunais, consagrado nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP, para tutela da sua posição jurídica e controlo jurisdicional da atuação das empresas públicas em respeito pelas limitações jurídico-públicas aplicáveis.

A questão da inconstitucionalidade aqui em causa foi suscitada pela ora Recorrente:

i) No artigo 13.º das contra-alegações apresentadas no recurso interposto pela CGD da sentença do TAC de Lisboa para o TCAS;

ii) Nos artigos 1.º, 15.º a 17.º, 23.º e 24.º, 66.º e 67.º, e Conclusões D), G) e K), S), das alegações do recurso excecional de revista por si interposto do Acórdão do TCAS para o STA".

3 - Após decisão sumária que não tomou conhecimento do recurso por falta de cumprimento dos pressupostos processuais, foi decidido em Conferência, através do Acórdão 130/2013, ordenar o prosseguimento dos autos, tendo o objeto do recurso sido definido nos seguintes termos:

"Impõe-se, no entanto, que se proceda desde já à delimitação do respetivo objeto. O recurso de constitucionalidade tem uma função instrumental o que exige, desde logo, que exista uma coincidência entre a norma ou normas apreciadas e o que tenha constituído ratio decidendi da decisão recorrida. Sendo certo que a recorrente integra, no seu requerimento de interposição, três questões de constitucionalidade, apenas uma delas atinge aquele que foi o fundamento normativo da decisão do Supremo Tribunal Administrativo. Esse fundamento reside, precisamente, na interpretação do artigo 4.º da Lei 46/2007, mais concretamente do artigo 4.º, n.º 1, alínea d).

Efetivamente, quanto à Caixa Geral de Depósitos a improcedência da pretensão da requerente resultou da circunstância de não ser detentora dos documentos em causa. Não entraram aqui considerações sobre a natureza do documento ou sobre o regime jurídico ou a área de atuação da empresa.

E quanto ao Sogrupo, o acórdão começa por dizer que o pretendido acesso aos documentos requeridos depende de eles poderem ser qualificados como "documentos administrativos". Adianta, porém, que esta qualificação não depende da natureza ou função desses documentos, mas sim da qualidade do ente que titula a respetiva posse ou detenção. Assim, essa qualificação vai depender do modo como o artigo 4.º da LADA seja interpretado de modo a abranger ou excluir uma entidade como o recorrido SOGRUPO. Quanto ao n.º 1 do artigo 4.º da LADA, o Tribunal concentrou o seu esforço hermenêutico na concretização do sentido da respetiva alínea d), em moldes que vieram a desencadear a conclusão de que a mesma não abrange entidades empresariais do tipo das do recorrido.

E, passando a apreciar se o pedido poderia caber no n.º 2 do artigo 4.º da LADA, o acórdão, embora reconhecendo que o Sogrupo é dominado por uma empresa pública - a CGD - conclui que aquela entidade não foi criada para "satisfazer de um modo específico necessidades de interesse geral, sem caráter industrial ou comercial". Porém, esta norma não é visada no presente recurso.

Verifica-se, assim, que o acórdão recorrido interpretou o artigo 4.º, n.º 1, alínea d), da LADA, no sentido de que o conceito de empresa pública ali previsto deve ser restritivamente interpretado (em relação ao disposto no artigo 3.º do Decreto-Lei 558/99, de 17 de dezembro), abrangendo apenas aquelas que "como primeira emanação do Estado (e das regiões ou autarquias), devem seguramente incluir-se numa noção lata de administração, aqui indireta." Ou seja, tal "não abrangerá sociedades criadas por empresas públicas [...]" (cf. fl. 523). Pelo que, das questões de constitucionalidade enunciadas no requerimento de interposição, o recurso só pode prosseguir relativamente à norma da alínea d) do n.º 1 do artigo 4.º da LADA.

Nestes restritos termos, com o objeto assim delimitado, a reclamação é parcialmente procedente".

4 - Notificada para o efeito, a recorrente apresentou alegações, onde concluiu o seguinte:

1 - Os presentes autos nascem da recusa - administrativa e posteriormente jurisdicional - de uma pretensão que a Recorrente dirigiu à CGD e ao Sogrupo no âmbito de um procedimento contratual jurídico-privado de "disponibilização da informação que permita conhecer as circunstâncias factuais e legais que determinaram a decisão final do procedimento de Consulta supra referido".

2 - A Recorrente aduziu que tal informação se destinava a "escrutinar a legalidade da decisão de adjudicação, designadamente no que toca ao respeito pelos princípios de bom governo que norteiam as decisões das empresas detidas pelo Estado, como sejam os da transparência, concorrência, igualdade de oportunidades, racionalidade, economia e eficiência".

3 - Em causa estava apurar as razões da escolha do adjudicatário da contratação de serviços no valor de 3.405.000,00 (euro), cuja decisão foi assim comunicada à Recorrente: "No seguimento do concurso e das vossas propostas, o Sogrupo - Compras e Serviços Partilhados, ACE, em nome e representação das suas agrupadas Caixa Geral de Depósitos, SA, Via Direta - Companhia de Seguros, SA e Companhia de Seguros Fidelidade Mundial, SA, vem informar, pela presente, que após análise às propostas recebidas, informa-se não caber a essa empresa a respetiva adjudicação. Aproveitamos, no entanto, para agradecer a atenção dispensada ao assunto".

4 - Tanto a CGD, como o Sogrupo recusaram à Recorrente o acesso à informação requerida, decisão que foi contrariada pelo Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa mas subsequentemente revertida pelo Tribunal Central Administrativo e pelo Supremo Tribunal Administrativo.

5 - O Tribunal Constitucional delimitou o objeto deste recurso à parte do acórdão recorrido (Acórdão do STA de 30.05.2012) que negou o pedido de intimação jurisdicional das Requeridas com base na interpretação de que o conceito de empresa pública previsto do artigo 4.º, n.º 1, alínea d), da LADA deve ser restritivamente interpretado em relação ao disposto no artigo 3.º do Decreto-Lei 558/99, de 17 de dezembro.

6 - Segundo interpretação restritiva veiculada pelo acórdão recorrido, a norma do artigo 4.º, n.º 1, alínea d) da LADA abrange apenas aquelas empresas púbicas que "como primeira emanação do Estado (e das regiões ou autarquias), devem seguramente incluir-se numa noção lata de administração, aqui indireta. O que já não abrangerá sociedades criadas por empresa públicas, ainda que merecedoras deste qualificativo à luz do artigo 3.º do Decreto-Lei 558/99, de 17/12.(cf. fls. 523).

7 - O fundamento desta decisão é o de que as empresas públicas criadas por outras empresas públicas, e não diretamente pelo Estado, não gozam da presunção de que desenvolvem "uma atividade administrativa, ao menos «lato sensu»", admitindo o STA que podem "perfeitamente atuar à margem de quaisquer interesses públicos, gerais ou coletivos, ficando-se por áreas de atividade indiferentes à noção geral e ampla de administração pública".

8 - A Recorrente entende que esta interpretação restritiva é inconstitucional por ser incompatível com uma leitura atualista do âmbito objetivo e subjetivo de proteção constitucional do direito à informação não procedimental de acesso aos registos e arquivos administrativos, consagrado no n.º 2 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa ("CRP") e por resultar numa eliminação dos níveis de transparência e de garantias de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais próprios do modelo de Estado de Direito, consagrado no artigo 2.º da CRP.

9 - Indiretamente, tal interpretação resulta na eliminação de efetivas possibilidades de exercício do direito de acesso à Justiça para controlo das limitações jurídico-públicas que impendem sobre as empresas públicas criadas por outras empresas públicas, pelo que viola também o direito de acesso à Justiça, consagrado nos artigos 20.º e 268.º n.º 4 da CRP.

10 - Entende a Recorrente que o critério fundamental de delimitação do âmbito subjetivo passivo do direito de acesso à informação consagrado no n.º 2 do artigo 268.º da CRP não está na forma jurídica da entidade titular da informação requerida.

11 - Está, sim, no facto da informação respeitar a uma atuação limitada por vinculações de direito público, que tenha implicações que são do interesse da coletividade e não apenas dos acionistas privados (di-lo Miguel Assis Raimundo em artigo publicado após a apresentação das alegações deste recurso em anotação critica ao acórdão recorrido, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 98, pág. 48).

12 - Tais vinculações de direito público impendem sobre pessoas coletivas privadas que sejam maioritariamente constituídas ou que giram um substrato patrimonial público ou cuja atuação tenha como fim prosseguir a missão pública de contribuir para o equilíbrio económico e financeiro do conjunto do setor público, para obtenção de níveis adequados de satisfação das necessidades da coletividade ou de servir de instrumento estadual de intervenção económica pública na sociedade, designadamente por estarem sujeitas a uma influência pública dominante.

13 - Ora, a informação requerida na situação sub judice foi produzida pelo Sogrupo, Agrupamento Complementar de Empresas, o qual é constituído integralmente por capital de empresas públicas suas Agrupadas, uma vez que não dispõe de capital próprio (n.º 1 da cláusula 12.ª dos seus Estatutos Sociais).

14 - São as empresas públicas Agrupadas que contribuem anualmente para os encargos gerais de funcionamento do Sogrupo, que são diretas beneficiárias dos serviços e bens por este contratados e que pagam o valor d todas as aquisições contratuais por aquele realizadas, designadamente os serviços de agência que foram contratados por via do procedimento de Consulta sub judice (cf. n.º 2 e 3 da cláusula 12.ª dos seus Estatutos Sociais).

15 - Todo o substrato patrimonial que o Sogrupo tem e que gere corresponde, pois, a capital público, detido pelo Estado, direta ou indiretamente, por via de uma relação de desdobramento patrimonial e funcional que se processa em cascata entre Estado - CGD - Demais Agrupadas - Sogrupo.

16 - O Sogrupo existe com o único e exclusivo fim de "melhorar as condições e resultados de exercício das Agrupadas" (cf. cláusula 4.ª dos seus Estatutos Sociais) existindo apenas como uma "Central de Compras" comum a várias empresas públicas, que visa a obtenção de benefícios de economia de escala decorrentes da concentração de procedimentos de contratação.

17 - Os benefícios ou perdas decorrentes da atuação do Sogrupo refletem-se diretamente no aumento ou redução do património do Estado, que detém 100 % do capital social da CGD, que por sua vez detém 100 % do capital social de todas as demais Agrupadas do Sogrupo (conforme comprovado pelo Doc. 1 anexo ao Requerimento Inicial da ação de intimação que deu origem a este recurso).

18 - Por isso, é direito de todos, e em particular dos Concorrentes preteridos, saber quais as razões de decisão dos procedimentos contratuais de afetação de fundos públicos conduzidos pelo Sogrupo.

19 - Conforme reconheceu o tribunal recorrido, o Sogrupo é qualificável como empresa pública nos termos e para os efeitos do artigo 3.º n.º 1, do Decreto-Lei 558/99 porque sujeito a influência dominante direta de uma ou mais empresas que são, elas próprias, empresas públicas, e a uma influência dominante indireta do próprio Estado, por via da CGD que este diretamente detém a 100 %.

20 - O Estado exerce uma influência dominante indireta sobre a vida e o destino do Sogrupo, por via da influência direta que exerce sobre a CGD, sua Agrupada dominante, fazendo de todas as empresas do "Grupo Caixa" um instrumento para intervir no espaço social, por meio de uma intervenção indireta que representa "uma intervenção pública".

21 - Neste sentido, as imposições de venda de participações sociais que o Programa do atual Governo faz recair sobre a CGD resultam em consequências drásticas para o Sogrupo, que terá de alterar a sua constituição, uma vez que as Agrupadas Companhia de Seguros Fidelidade-Mundial, S.A e a Via Direta - Companhia de Seguros, S.A deixarão de pertencer ao grupo CGD em virtude da sua futura privatização.

22 - Por tudo isto, é manifestamente infundado o juízo do tribunal recorrido segundo o qual o Sogrupo pode "perfeitamente atuar à margem de quaisquer interesses públicos, gerais ou coletivos, ficando-se por áreas de atividade indiferentes à noção geral e ampla de administração pública."

23 - Segundo o atual estádio de evolução conceptual, de que os referidos acórdãos são paradigmáticos, está consolidado o entendimento de que as empresas públicas - emergentes ou não diretamente do Estado - não ficam eximidas de observar vinculações jurídico-públicas, designadamente o direito de acesso à informação consagrado no n.º 2 do artigo 268.º da CRP, porque são também elas parte integrante da Administração Pública em sentido orgânico e desenvolvem parcialmente uma atividade materialmente administrativa.

24 - Neste sentido, a Recorrente invoca o entendimento atualista acerca das limitações jurídico-públicas que impendem sobre empresas públicas sob forma privada, que tem sido veiculado para delimitar o alcance subjetivo passivo do direito à informação constitucionalmente consagrado, pela Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, pela doutrina e pela jurisprudência, designadamente pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 496/2010 (proc. n.º 964/09), o qual veio confirmar o anterior julgamento do Supremo Tribunal Administrativo que, em recurso excecional de revista, havia decidido nesse mesmo sentido (Ac. STA de 30.09.2009, proc.º 0493/09), tal como anteriormente o havia feito o Tribunal Central Administrativo do Sul (Ac. TCAS de 12.03.2009, proc.º 04818/09).

25 - Aliás, o acórdão recorrido decidiu no pressuposto de que a forma de "Agrupamento Complementar de Empresas", sob a qual é constituído o Sogrupo, é irrelevante para efeitos de qualificação ou não como empresa pública, e efetivamente os ACE são equiparados por lei às sociedades comerciais, para fins de registo, e o seu regime jurídico supletivo é o das sociedades comerciais em nome coletivo, hoje sociedades anónimas (cf. artigo 4.º e 20.º do Decreto-Lei 430/73, que aprovou o Regime dos Agrupamentos Complementares de Empresas).

26 - Logo, se tanto as Agrupadas (em nome e por conta de quem o Sogrupo produziu e detém a informação requerida), como o próprio Sogrupo, constituem do ponto de vista subjetivo e material empresas públicas, de véu privado mas de substrato público, não há razão material suficiente para não as sujeitar indiferenciadamente ao respeito e à concretização do direito de acesso à informação que está consagrado no n.º 2 do artigo 268.º da CRP.

27 - Situação idêntica a esta foi assim enquadrada pelo supra citado acórdão do Tribunal Constitucional n.º 496/2010, de 15.12.2010, proc.º 964/09, que considerou "empresa pública" a Gestamo - Sociedade de Participações Empresariais Sociais Imobiliárias, S. A., cujo capital é, na sua totalidade, detido pela Parpública - Participações Públicas, SGPS, S. A., esta sim diretamente detida a 100 % pelo Estado, tal como a CGD.

28 - No já referido artigo publicado após a apresentação das alegações deste recurso, Miguel Assis Raimundo convoca o alargamento do conceito de empresa pública fruto de uma interpretação conforme do direito nacional ao direito euro-comunitário (in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 98, pág. 45).

29 - Segundo esta jurisprudência e doutrina, ao contrário do que o Acórdão recorrido parece fazer crer, os princípios da igualdade entre operadores económicos ou da concorrência não justificam a exclusão das empresas públicas do âmbito de sujeição do direito de acesso à informação consagrado no n.º 2 do artigo 268.º da CRP;

30 - Isto porque a atuação das empresas públicas sob forma jurídico-privada está publicizada, ie, sujeita a limitações jurídico-públicas, que introduzem um desvio à lógica puramente privada da sua atuação mesmo quando esta obedece a uma lógica concorrencial.

31 - Valores como imparcialidade, objetividade, racionalidade decisória, exigência de fundamentação, «accountability», «fairness», constituem, em conjunto com os direitos fundamentais, alguns dos valores de direito público que o direito privado incorporou, num fenómeno que a doutrina designa por "publicização do direito privado.

32 - In casu, a atuação do Sogrupo é necessariamente publicizada pela sujeição ao Código de Conduta da CGD e aos seus próprios Estatutos Sociais, que confirmam que a intervenção do Sogrupo no procedimento de Consulta supra referido não podia afastar-se das vinculações jurídico-públicas - legais e deontológicas - que impendem sobre a própria CGD e demais empresas públicas Agrupadas.

33 - Tais vinculações correspondem aos princípios gerais da atividade administrativa consagrados no artigo 266.º n.º 2 da CRP - princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé -, desenvolvidos nos artigos 3.º a 12.º do Código de Procedimento Administrativo ("CPA"), reafirmados como princípios de bom Governo que o Estado faz impender sobre as empresas do Setor Empresarial do Estado por via, designadamente, da Resolução de Conselho de Ministros n.º 49/2009 (pontos 6, 7 e 14 do ponto II da referida RCM), ao princípio da transparência na informação das condições de prestação de serviços e do desempenho da organização, consagrado no artigo 6.º al. b), e desenvolvido no artigo 16.º e 23.º, do Código de Conduta da CGD (aplicável ao Sogrupo ex vi do artigo 2.º n.º 1 e artigo 7.º do mesmo Código de Conduta).

34 - Acresce que os funcionários do Sogrupo podem ser sancionados penalmente por "crimes cometidos no exercício de funções públicas", a partir da equiparação a funcionário de "todos os gestores e trabalhadores de empresas públicas ou com participação maioritária de capital público, para além dos das empresas concessionárias de serviços públicos" (cf. artigo 386.º n.º 2 do Código Penal).

35 - Todas estas limitações jurídico-públicas sujeitam tanto as empresas públicas de primeiro grau, como as de segundo grau, o que só por si justifica que os particulares possam aceder à informação por estas detida nos termos do disposto no artigo 268.º n.º 2 CRP, uma vez que sem acesso à informação não há qualquer possibilidade de controlo nem de defesa pelos particulares lesados contra eventuais violações dessas limitações.

36 - O caso presente é ilustrativo: a sonegação da informação requerida pela Recorrente impediu-a até ao momento de fiscalizar se os avultados fundos públicos destinados ao pagamento dos serviços contratados a outro particular - adjudicados pelo Sogrupo mas pagos diretamente pela CGD e por outras duas "empresas públicas" agrupadas - foram afetos em respeito pelos critérios pré-definidos no Caderno de Encargos respetivo e em respeito pelas limitações jurídico-públicas supra referidas.

37 - Assim, pretende a Recorrente que o Tribunal Constitucional reconheça que o âmbito de proteção normativa do direito à informação consagrado no n.º 2 do artigo 268.º da Constituição não permite restringir a noção de empresa pública prevista artigo 4.º, n.º 1, alínea d), da LADA nos termos veiculados pelo tribunal recorrido.

38 - Só por via deste reconhecimento se garante a concretização dos fins constitucionalmente protegidos pelo artigo 268.º n.º 2 da CRP: fins de transparência e escrutínio do exercício da missão pública acometida às empresas do setor empresarial do Estado, concretamente das decisões relativas à utilização e destino de dinheiros públicos em respeito pelos princípios jurídico-públicos aplicáveis.

39 - A sujeição ao direito à informação constitucionalmente consagrado no artigo 268.º n.º 2 da CRP é, na verdade, uma das mais eficazes formas de dissuasão da realização de despesas forma confidencial ou não documentada, o que não pode deixar de se aplicar às empresas de segundo grau que geriam capitais públicos ou que têm uma missão pública a cumprir.

40 - O direito à informação constitucionalmente consagrado no artigo 268.º n.º 2 da CRP constitui um direito fundamental, de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, vinculando entidades públicas e privadas, estando a restrição do seu âmbito de proteção limitado ao necessário para salvaguardar outros direitos constitucionalmente protegidos (artigo 17.º e 18.º da CRP).

41 - Ora, conforme sublinhado nos acórdãos referidos supra (ponto 24), a extração do artigo 268.º n.º 2 da CRP de um princípio geral de sujeição de todas as empresas públicas salvaguarda os interesses legítimos das empresas públicas concorrenciais na não divulgação de informações que comprometam a sua atividade, uma vez que a lei consagra as necessárias e suficientes exceções e restrições ao acesso (artigos 3.º e 6.º da LADA, respetivamente).

42 - Na realidade, a afirmação de um princípio geral de acesso, integrado por um regime legal do acesso à informação que permite eventual expurga da informação reservada mediante circunstanciada justificação dessa limitação, resulta na forma de interpretação mais equilibrada e proporcional dos vários interesses em presença em matéria de acesso à informação administrativa.

43 - Tal possibilidade de expurgo foi, aliás, determinada pelo acórdão do TAC de Lisboa que primeiramente deferiu o pedido de intimação da ora Recorrente.

44 - Nestes termos, em conformidade com o âmbito normativo do artigo 268.º n.º 2 CRP, a noção de "empresa pública" constante da alínea d) do n.º 1 do artigo 4.º da LADA deve ser interpretada no sentido de abranger todas as empresas que diretamente emergem do Estado, das regiões autónomas ou autarquias, e as empresas que provenham de outras empresas públicas, como ocorre com Sogrupo em relação às suas agrupadas.

45 - Se tal interpretação não vingar, bastará às empresas públicas arranjarem intermediários, como o Sogrupo, para realizarem os seus negócios de modo absolutamente obscuro e à margem do escrutínio público e, por essa via, deixarem de prestar contas públicas, nomeadamente àqueles que na qualidade de Concorrentes preteridos são diretamente prejudicados por procedimentos de afetação de fundos públicos realizados em violação de limitações jurídico-públicas.

46 - O que é particularmente grave no âmbito de contratos milionários suportados por capitais públicos.

47 - E é particularmente absurdo numa situação como a presente, em que a empresa de segundo grau (Sogrupo) surge do ponto de vista formal como uma pessoa jurídica distinta da de primeiro grau (CGD), mas não é uma pessoa jurídica distinta do ponto de vista existencial, patrimonial e funcional.

48 - O Sogrupo está integralmente funcionalizado à prossecução de tarefas e incumbências que são originariamente das próprias Agrupadas (cf. cláusula 4.ª dos seus Estatutos Sociais), o objeto social do Sogrupo traduz-se integral e exclusivamente na prestação de serviços a cada uma das Agrupadas "na medida da respetiva solicitação" (cf. cláusula 5.ª dos Estatutos Sociais, Doc. 2 em anexo), são as empresas públicas suas Agrupadas que procedem à definição específica da oportunidade, conteúdo, extensão e duração da prestação de serviços, ou outras atividades a realizar pelo Agrupamento a favor de cada Agrupada, assim como as condições dessa prestação (cláusula 6.ª n.º 2 dos Estatutos Sociais).

49 - A sede do Sogrupo coincide com a sede da CGD (cf. cláusula 2.ª dos Estatutos Sociais e Doc. 2 anexo ao RI) e os interlocutores do Sogrupo utilizam endereços de correio eletrónico com o domínio "@cgd" no desempenho da sua atividade profissional (cf. Emails para Rodrigo Barreira e Pedro Moreno anexos como Docs. 6 a 8).

50 - Aliás, a prova de que não é possível diferenciar materialmente as contratações feitas pelo Sogrupo das incumbências próprias das suas Agrupadas está na cláusula dos Estatutos Sociais do Sogrupo que dispõe que "As atividades que integram o objeto do Agrupamento poderão, também, ser exercidas, individualmente, pelos membros do mesmo (cláusula 6.ª n.º 3 dos Estatutos Sociais).

51 - Isto significa que a informação requerida respeita a um tipo de atuação que podia estar a ser desenvolvida individualmente pela CGD, caso em que, segundo o critério do tribunal recorrido, haveria direito de acesso a tal informação, uma vez que a CGD é uma empresa pública diretamente criada pelo Estado.

52 - É por isso completamente isenta de fundamentação a interpretação formalista do tribunal recorrido de que apenas a atuação das empresas diretamente emergentes do Estado recai no âmbito de atividade administrativa que o direito à informação que está consagrado no n.º 2 do artigo 268.º da CRP.

53 - Repare-se que, pelo facto de que podia ter sido produzida autonomamente por cada uma das empresas públicas Agrupadas, a informação requerida a uma empresa de segundo grau é materialmente idêntica à que a LADA faz recair sobre o conceito de "documento administrativo"!

54 - Efetivamente, quando não há diferenciação material entre a atuação de uma empresa de primeiro grau e outra de segundo grau não existe qualquer razão suficiente para isentar esta última empresa do mesmo grau de publicidade, transparência e escrutínio que o direito à informação não procedimental de acesso aos registos e arquivos administrativos impõe à primeira.

55 - Esta interpretação é fundamental para induzir todas as empresas públicas a um nível mais exigente de atuação, sujeitando-o à lógica da publicidade, da transparência, da igualdade, da justiça e da imparcialidade subjacente ao disposto no artigo 268.º n.º 2 da CRP e expressamente referida no artigo 1.º LADA.

56 - Caso a alínea d) do n.º 1 do artigo 4.º da LADA não seja interpretada no sentido de abranger empresas como o Sogrupo, estar-se-á a veicular uma interpretação contrária ao fim jurídico-constitucionalmente protegido pelo direito à informação não procedimental de acesso aos registos e arquivos administrativos visa salvaguardar consagrado no n.º 2 do artigo 268.º da CRP.

57 - Mais considera a Recorrente que, quando a informação requerida se destine a habilitar o requerente a avaliar do respeito pelas limitações jurídicas que impendam sobre a entidade requerida, a tal interpretação restritiva do tribunal recorrido viola o direito de acesso à Justiça, decorrente do artigo 20.º e 268.º n.º 4 CRP.

58 - O litígio subjacente a este recurso é paradigmático de uma tal situação, pois a interpretação restritiva veiculada pelo tribunal recorrido inviabilizou até agora qualquer possibilidade de defesa jurisdicional da Recorrente numa situação em que é fundado o seu receio de desrespeito pelas vinculações jurídico-públicas que impendem sobre o Sogrupo.

59 - Por fim, alega a Recorrente que no atual contexto que se vive na sociedade portuguesa, a decisão deste recurso no sentido supra exposto será particularmente relevante do ponto de vista social, uma vez que os contribuintes, hoje mais do que nunca, são merecedores de efetivas possibilidades de escrutínio das opções de afetação de dinheiros públicos, o que depende de reais possibilidades de acesso à informação detida pelas entidades que os usam, como é o caso das empresas Requeridas.

5 - A recorrida SOGRUPO - Compras e Serviços Partilhados, ACE apresentou contra-alegações, concluindo da seguinte forma:

1 - Está em causa, no âmbito do presente recurso, a questão - mais restrita do que aquela que vem colocada pela recorrente - de saber se será inconstitucional interpretação das normas da LADA que impeça o direito de acesso dos particulares a documentação constante de procedimento, lançado ao abrigo do direito privado, por parte de entidade de direito privado - agrupamento complementar de empresas - constituído para prestar serviços às respetivas agrupadas, designadamente a empresa pública cujo objeto seja o exercício da atividade bancária, nos mais amplos termos permitidos por lei.

2 - Atendendo à natureza instrumental do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, a intervenção por parte do Tribunal Constitucional deverá reconduzir-se à dimensão do caso sub judice e não, conforme parece pretender a recorrente, abranger as questões genéricas da aplicabilidade da LADA a uma generalidade de instituições, independentemente da respetiva natureza ou da qualificação como documentos administrativos de todos os documentos produzidos e/ou detidos por uma determinada entidade.

3 - O processo de" consulta sobre serviços de agência de meios para empresas do grupo CGD" não configurou qualquer procedimento administrativo, antes devendo qualificar se como um convite à apresentação de propostas lançado pelo Sogrupo a determinadas entidades de direito privado a operar no mercado de meios e publicidade.

4 - TaI significa que a documentação ao mesmo atinente não deve considerar-se englobada no âmbito de aplicação do direito de acesso previsto no n.º 2 do artigo 268.º da CRP.

5 - O caráter "administrativo" da atividade da Administração afigura-se como essencial à atribuição do direito de acesso constitucionalmente previsto, conforme decorre igualmente da LADA.

6 - O Sogrupo não se enquadra na listagem de entidades constante do artigo 4.º da LADA.

7 - O Sogrupo não é órgão de qualquer empresa, não tem natureza societária, antes se reconduzindo à natureza de agrupamento complementar de empresas, pelo que cai objetivamente fora da previsão do artigo 4.º, n.º 1, alínea d), da LADA.

8 - Ainda que assim não se concluísse, o que por mera hipótese se configura, sem conceder, cumpriria determinar a que corresponde o conceito de "entidade pública estadual" contido no artigo 3.º do Decreto-Lei 558/99, de 17/12, o qual não parece poder ser interpretado de molde a englobar as próprias empresas públicas.

9 - O artigo em causa ocupa-se da definição de empresa pública, pelo que não faria qualquer sentido que se referisse, de forma equívoca, a realidade que englobasse o próprio conceito que pretende definir, em termos nitidamente divergentes.

10 - Nestes termos, o conceito de "entidade pública estadual" não deverá poder conter o de empresa pública.

11 - Para o caso de assim não se entender, o que apenas como hipótese se admite, sem conceder, concluindo-se antes que essas outras "entidades públicas estaduais" possam ser empresas públicas, parece que teria efetivamente que se qualificar o Sogrupo, face ao facto de todas as respetivas agrupadas serem sociedades anónimas detidas, em última análise, pelo Estado, como empresa pública, tal não significando, no entanto, que a recorrente possa ter acesso à documentação por aquele produzida/detida.

12 - Dispondo o Sogrupo de persona1idade jurídica própria e tendo lançado a consulta ao mercado da qual consta a documentação a que a recorrente pretende aceder no âmbito do exercício da respetiva atividade estatutária, dúvidas não restam de que detém a mencionada documentação em nome próprio, pelo que não pode concluir-se que os documentos em causa são detidos pelo Sogrupo «em nome da CGD, caso em que poderia, em abstrato, pretender aplicar-se ao caso o artigo 3.º n.º 1, alínea a), in fine, da LADA.

13 - Ainda que se tivesse concluído que o Sogrupo fosse órgão ou entidade elencado no n.º 1 do artigo 4.º da LADA, ou detivesse documentos em nome daqueles, nos termos do disposto no respetivo artigo 3.º, n.º 1, alínea a), in fine, o que por mera hipótese se configura, sempre cumpriria atentar no disposto na línea b) do n.º 2 do artigo 3.º, que dispõe que não se consideram documentos administrativos, para os efeitos da LADA, aqueles que não relevem da atividade administrativa.

14 - Reitera-se que não está em causa no presente processo o desempenho de qualquer atividade administrativa, uma vez que o objeto da CGD é - exclusivamente - o exercício da atividade bancária, e o do Sogrupo o de prestar serviços às respetivas agrupadas.

15 - Deverá proceder-se à ponderação dos elementos do caso concreto na determinação de uma certa entidade - ainda que qualificada como empresa pública se encontrar ou não adstrita a permitir o acesso de particulares à documentação que se encontre na sua posse.

16 - Ora, no caso em apreço, é patente que nenhuma das entidades requeridas CGD ou Sogrupo se deverá considerar obrigada a permitir o acesso da recorrente à documentação pretendida.

17 - Não foi feita, a propósito dos deveres de informação e controlo a que a CGD se encontra sujeita, qualquer referência aos constantes da LADA, a qual foi considerada inaplicável pelo legislador, atendendo à natureza jurídica da CGD e ao âmbito da respetiva atividade, a qual não é, nem remotamente, administrativa.

18 - O mesmo se refere, por maioria de razão, quanto ao Sogrupo, que se encontra num patamar ainda mais afastado do âmago da natureza pública do que a CGD, além de a respetiva atividade se dever coadunar com a das respetivas agrupadas.

19 - O facto de o Sogrupo ter que permitir acesso à documentação pretendida pela recorrente contenderia aliás frontalmente com o interesse público, na medida em que poderia constituir entrave injustificado ao exercício da respetiva atividade, com as inerentes consequências designadamente a nível de qualidade do serviço e/ou da obtenção de benefícios por parte das agrupadas.

20 - A negação à recorrente do acesso a documentação detida pelo Sogrupo só poderá ser julgada contrária à Constituição quando não encontre razão de ser nos valores constitucionais contidos no artigo 268.º, n.º 2, da CRP.

21 - Ora tal não pode concluir-se quanto a empresas como o Sogrupo, nos termos concretamente apurados, ao qual não foi julgada aplicável a LADA, na interpretação que lhe foi conferida pela decisão recorrida.

22 - O objeto social da CGD e do Sogrupo prende-se, respetivamente, com o exercício da atividade bancária e com a prestação de serviços a agrupadas, não se reportando, ainda que remotamente, a qualquer atividade administrativa, na medida em que não envolve o exercício de prerrogativas de poder público ou a sujeição a disposições ou princípios de direito administrativo.

23 - Não deverá consequentemente considerar-se aplicável a tais entidades o dever de informação sobre documentos que tenham em seu poder, por efeito do exercício da respetiva atividade, e que provêm apenas da prática de atos correntes de gestão privada.

24 - É que, pese embora o facto de o artigo 3.º, n.º 1, alínea a), da LADA ter ligado o conceito de documento administrativo à natureza do respetivo possuidor, o que é facto é que perpassa por toda a LADA a ideia chave de que os possuidores aí elencados deverão exercer uma atividade administrativa, ao menos lato sensu.

25 - Tal decorre, evidentemente, do facto de a LADA corresponder à concretização do disposto no artigo 268.º da CRP, relativo à atividade da Administração.

26 - O Acórdão recorrido parece ter interpretado as normas jurídicas constantes da LADA como consagrando a opção legislativa de aplicação do princípio do arquivo aberto apenas quando e na medida em que a empresa pública que se encontre em poder da documentação exerça poderes de autoridade, sendo certo que, conforme já se referiu, o Sogrupo não exerce tais poderes, sendo que tal interpretação se afigura conforme à Constituição.

27 - A interpretação que a recorrente pretende fazer das normas em causa seria, além de contra legem, inconstitucional

28 - No entender da ora recorrida, a delimitação negativa operada pelo n.º 2 do artigo 3.º da LADA permite justamente que seja assegurado o respeito pelos princípios fundamentais da organização económico-social constantes do artigo 80.º e pelo princípio da eficiência do setor público previsto na alínea c) do artigo 81.º, ambos da CRP.

29 - A interpretação por parte do STA das disposições da LADA não bule com o princípio de livre acesso aos registos e arquivos administrativos consagrado no artigo 268.º da CRP, contrariamente ao que pretende a recorrente, uma vez que não está em causa qualquer atividade administrativa.

30 - Pelo contrário, decorre antes do que se explanou que foi assegurado pelo STA o respeito pelos direitos fundamentais da propriedade e da iniciativa económica privada, bem como pelos princípios da coexistência dos setores público, privado, cooperativo e social e da concorrência.

31 - No caso em apreço, a tese da recorrente não pode vingar, sob pena de violação do princípio da equiparação pressuposto nas disposições dos artigos 80.º, alínea c) e 81.º, alínea c), ambos da CRP, e ainda de ilegalidade, por violação do disposto nos artigos 1.º a 6.º da LADA.

32 - Tão pouco se verificou violação do direito de acesso aos Tribunais, nos termos previstos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, ambos da CRP, carecendo igualmente nesse ponto de razão a recorrente.

33 - À Mediacom assiste evidentemente o direito a recorrer a juízo para tutela dos direitos de que entenda dispor, nos termos gerais, os quais deverão ser exercidos no pressuposto da aplicação ao caso das regras de direito civil e de direito processual civil.

34 - Interpretando-se a LADA no sentido pretendido pela recorrente, seria forçoso concluir que tal medida legislativa colocaria objetivamente em causa o principio da eficiência do setor público e o principio da concorrência entre empresas dos setores público e privado que intervenham na mesma área de atividade.

6 - A recorrida Caixa Geral de Depósitos, S. A., também apresentou contra-alegações, concluindo da seguinte forma:

1 - Está em causa, no âmbito do presente recurso, a questão - mais restrita do que aquela que vem colocada pela recorrente - de saber se será inconstitucional interpretação das normas da LADA que impeça o direito de acesso dos particulares a documentação constante de procedimento, lançado ao abrigo do direito privado, por parte de entidade de direito privado - agrupamento complementar de empresas constituído para prestar serviços às respetivas agrupadas, designadamente a empresa pública cujo objeto seja o exercício da atividade bancária, nos mais amplos termos permitidos por lei.

2 - Atendendo à natureza instrumental do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, a intervenção por parte do Tribunal Constitucional deverá reconduzir-se à dimensão do caso sub judice e não, conforme parece pretender a recorrente, abranger as questões genéricas da aplicabilidade da LADA a uma generalidade de instituições, independentemente da respetiva natureza ou da qualificação como documentos administrativos de todos os documentos produzidos e/ou detidos por uma determinada entidade.

3 - O processo "de consulta sobre serviços de agência de meios para empresas do grupo CGD" não configurou qualquer procedimento administrativo, antes devendo qualificar-se como um convite à apresentação de propostas lançado pelo Sogrupo a determinadas entidades de direito privado a operar no mercado de meios e publicidade.

4 - Tal significa que a documentação ao mesmo atinente não deve considerar se englobada no âmbito de aplicação do direito de acesso previsto no n.º 2 do artigo 268.º da CRP.

5 - O caráter administrativo da atividade da Administração afigura-se como essencial à atribuição do direito de acesso constitucionalmente previsto, conforme decorre igualmente da LADA.

6 - O Sogrupo não se enquadra na listagem de entidades constante do artigo 4.º da LADA.

7 - O Sogrupo não é órgão de qualquer empresa, não tem natureza societária, antes se reconduzindo à natureza de agrupamento complementar de empresas, pelo que cai objetivamente fora da previsão do artigo 4.º, n.º 1, alínea d), da LADA.

8 - Ainda que assim não se concluísse, o que por mera hipótese se configura, sem conceder, cumpriria determinar a que corresponde o conceito de "entidade pública estadual" contido no artigo 3.º do Decreto-Lei 558/99, de 17/12, o qual não parece poder ser interpretado de molde a englobar as próprias empresas públicas.

9 - O artigo em causa ocupa-se da definição de empresa pública, pelo que não faria qualquer sentido que se referisse, de forma equívoca, a realidade que englobasse o próprio conceito que pretende definir, em termos nitidamente divergentes.

10 - Nestes termos, o conceito de "entidade pública estadual" não deverá poder conter o de empresa pública.

11 - Para o caso de assim não se entender, o que apenas como hipótese se admite, sem conceder, concluindo se antes que essas outras entidades públicas estaduais possam ser empresas públicas, parece que teria efetivamente que se qualificar o Sogrupo, face ao facto de todas as respetivas agrupadas serem sociedades anónimas detidas, em última análise, pelo Estado, como empresa pública, tal não significando, no entanto, que a recorrente possa ter acesso ã documentação por aquele produzida/detida.

12 - Dispondo o Sogrupo de personalidade jurídica própria e tendo lançado a consulta ao mercado da qual consta a documentação a que a recorrente pretende aceder no âmbito do exercício da respetiva atividade estatutária, dúvidas não restam de que detém a mencionada documentação em nome próprio, pelo que não pode concluir-se que os documentos em causa são detidos pelo Sogrupo "em nome" da CGD, caso em que poderia, em abstrato, pretender aplicar-se ao caso o artigo 3.º, n.º 1, alínea a), in fine, da LADA.

13 - Ainda que se tivesse concluído que o Sogrupo fosse órgão ou entidade elencado no n.º 1 do artigo 4.º da LADA, ou detivesse documentos em nome daqueles, nos termos do disposto no respetivo artigo 3.º, n.º 1, alínea a), in fine, o que por mera hipótese se configura, sempre cumpriria atentar no disposto na línea b) do n.º 2 do artigo 3.º, que dispõe que não se consideram documentos administrativos, para os efeitos da LADA, aqueles que não relevem da atividade administrativa.

14 - Reitera-se que não está em causa no presente processo o desempenho de qualquer atividade administrativa, uma vez que o objeto da CGD é - exclusivamente o exercício da atividade bancária, e o do Sogrupo o de prestar serviços às respetivas agrupadas.

15 - Deverá proceder-se à ponderação dos elementos do caso concreto na determinação de uma certa entidade ainda que qualificada como empresa pública se encontrar ou não adstrita a permitir o acesso de particulares à documentação que se encontre na sua posse.

16 - Ora, no caso em apreço, é patente que nenhuma das entidades requeridas - CGD ou Sogrupo - se deverá considerar obrigada a permitir o acesso da recorrente à documentação pretendida.

17 - Não foi feita, a propósito dos deveres de informação e controlo a que a CGD se encontra sujeita, qualquer referência aos constantes da LADA, a qual foi considerada inaplicável pelo legislador, atendendo à natureza jurídica da CGD e ao âmbito da respetiva atividade, a qual não é, nem remotamente, administrativa.

18 - O mesmo se refere, por maioria de razão, quanto ao Sogrupo, que se encontra num patamar ainda mais afastado do âmago da natureza pública do que a CGD, além de a respetiva atividade se dever coadunar com a das respetivas agrupadas.

19 - O facto de o Sogrupo ter que permitir acesso à documentação pretendida pela recorrente contenderia aliás frontalmente com o interesse público, na medida em que poderia constituir entrave injustificado ao exercício da respetiva atividade, com as inerentes consequências - designadamente a nível de qualidade de serviço e/ou da obtenção de benefícios por parte das agrupadas.

20 - A negação à recorrente do acesso a documentação detida pelo Sogrupo só poderá ser julgada contrária à Constituição quando não encontre razão de ser nos valores constitucionais contidos no artigo 268.º, n.º 2, da CRP.

21 - Ora tal não pode concluir-se quanto a empresas como o Sogrupo, nos termos concretamente apurados, ao qual não foi julgada aplicável a LADA, na interpretação que lhe foi conferida pela decisão recorra.

22 - O objeto social da CGD e do Sogrupo prende-se, respetivamente, com o exercício da atividade bancária e com a prestação de serviços a agrupadas, não se reportando, ainda que remotamente, a qualquer atividade administrativa, na medida em que não envolve o exercício de prerrogativas de poder público ou a sujeição a disposições ou princípios de direito administrativo.

23 - Não deverá consequentemente considerar-se aplicável a tais entidades o dever de informação sobre documentos que tenham em seu poder, por efeito do exercício da respetiva atividade, e que provém apenas da prática de atos correntes de gestão privada.

24 - É que, pese embora o facto de o artigo 3.º, n.º 1, alínea a), da LADA ter ligado o conceito de documento administrativo à natureza do respetivo possuidor, o que é facto é que perpassa por toda a LADA a ideia chave de que os possuidores aí elencados deverão exercer uma atividade administrativa, ao menos lato sensu.

25 - Tal decorre, evidentemente, do facto de a LADA corresponder à concretização do disposto no artigo 268.º da CRP, relativo à atividade da Administração.

26 - O Acórdão recorrido parece ter interpretado as normas jurídicas constantes da LADA como consagrando a opção legislativa de aplicação do princípio do arquivo aberto apenas quando e na medida em que a empresa pública que se encontre em poder da documentação exerça poderes de autoridade, sendo certo que, conforme já se referiu, o Sogrupo não exerce tais poderes, sendo que tal interpretação se afigura conforme à Constituição.

27 - A interpretação que a recorrente pretende fazer das normas em causa seria, além de contra legem, inconstitucional.

28 - No entender da ora recorrida, a delimitação negativa operada pelo n.º 2 do artigo 3.º da LADA permite justamente que seja assegurado o respeito pelos princípios fundamentais da organização económico-social constantes do artigo 80.º e pelo princípio da eficiência do setor público previsto na alínea c) do artigo 81.º, ambos da CRP.

29 - A interpretação por parte do STA das disposições da LADA não bule com o principio de livre acesso aos registos e arquivos administrativos consagrado no artigo 268.º da CRP, contrariamente ao que pretende a recorrente, uma vez que não está em causa qualquer atividade administrativa.

30 - Pelo contrário, decorre antes do que se explanou que foi assegurado pelo STA o respeito pelos direitos fundamentais da propriedade e da iniciativa económica privada, bem como pelos princípios da coexistência dos setores público, privado, cooperativo e social e da concorrência.

31 - No caso em apreço, a tese da recorrente não pode vingar, sob pena de violação do princípio da equiparação pressuposto nas disposições dos artigos 80.º, alínea c) e 81.º, alínea c), ambos da CRP, e ainda de ilegalidade, por violação do disposto nos artigos 1.º a 6.º da LADA.

32 - Tão pouco se verificou violação do direito de acesso aos Tribunais, nos termos previstos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, ambos da CRP, carecendo igualmente nesse ponto de razão a recorrente.

33 - À Mediacom assiste evidentemente o direito a recorrer a juízo para tutela dos direitos de que entenda dispor, nos termos gerais, os quais deverão ser exercidos no pressuposto da aplicação ao caso das regras de direito civil e de direito processual civil.

34 - Interpretando-se a LADA no sentido pretendido pela recorrente, seria forçoso concluir que tal medida legislativa colocaria objetivamente em causa o princípio da eficiência do setor público e o princípio da concorrência entre empresas dos setores público e privado que intervenham na mesma área de atividade.

7 - Notificadas das conclusões de recurso que foram apresentadas pela recorrente num momento posterior ao da apresentação das alegações, as recorridas vieram alegar que essas conclusões contêm "matéria que, manifestamente, não reveste caráter conclusivo e que, como tal, não deverá ser considerada por esse venerando Tribunal. Com efeito, decorre da letra das conclusões formuladas que a Recorrente aproveita o convite que lhe foi dirigido no sentido de suprir deficiência processual para aduzir novos argumentos de defesa, que não constam da respetiva alegação de recurso e que, como tal, não poderão ser tidos em conta em sede conclusiva. Nestes termos, por não ter correspondido adequadamente ao convite que lhe foi formulado, deverão ser tidas como não escritas as conclusões de recurso produzidas pela Recorrente, não se conhecendo do objeto do recurso".

II - Fundamentação

8 - Comecemos pela questão processual invocada pelas recorridas quanto ao não conhecimento do objeto do recurso pelo facto da recorrente, nas conclusões que apresentou a convite do Tribunal, ter aduzido novos argumentos de defesa que não constam das alegações.

Essa questão prévia não tem, porém, qualquer relevância na decisão do recurso.

A disciplina processual do recurso de constitucionalidade em fiscalização concreta consta, em primeira linha, das normas da LTC que lhe são próprias (artigos 70.º e segs.) e, subsidiariamente, das normas do Código de Processo Civil (artigo 635.º e ss.). Uma das especificidades desse tipo de recursos é que, independentemente da perspetiva que se adote quanto ao exato sentido e alcance do conceito processual de objeto do recurso, não está o Tribunal Constitucional obrigado a pronunciar-se sobre questões de inconstitucionalidade cuja apreciação não foi requerida no momento processualmente oportuno, que é precisamente o do requerimento de interposição do recurso, onde deve consequentemente constar a indicação, não apenas da norma cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada, mas também da norma ou princípio constitucional que se considera violado (artigo 75.º-A, n.os 1 e 2, da LTC) - cf., neste sentido, Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 139/03, 424/2007 e 107/1011 (disponíveis em http://www.tribunalconstitucional.pt). Por outro lado, nos termos do artigo 79.º- C da LTC, o Tribunal Constitucional pode oficiosamente julgar inconstitucional a norma que a decisão recorrida tenha aplicado com fundamento na violação de normas ou princípios constitucionais diversos daqueles cuja violação foi invocada.

Assim sendo, pouco releva o facto de as conclusões de recurso terem extravasado o invocado nas alegações de recurso. Tal facto não pode ter qualquer influência no objeto do recurso, que foi fixado no requerimento de interposição de recurso e, posteriormente, delimitado no Acórdão 130/2013. Esse objeto, assim, não poderia ser modificado nem nas alegações nem nas conclusões de recurso. Por outro lado, no que toca aos fundamentos que podem sustentar um eventual juízo de inconstitucionalidade, como se denota da leitura do referido artigo 79.º-C da LTC, o Tribunal Constitucional pode basear o seu juízo quer nos fundamentos invocados pelo recorrente, quer ainda em qualquer outro fundamento que entenda conhecer oficiosamente.

Pelo exposto, não releva para a apreciação do recurso de constitucionalidade saber se o conteúdo das conclusões da recorrente extravasou o conteúdo das alegações de recurso.

9 - Tal como foi delimitado pelo Acórdão 130/2013, o objeto do presente recurso é constituído pela norma contida na alínea d), do n.º 1, do artigo 4.º da Lei 46/2007, de 24 de agosto - Lei do Acesso aos Documentos Administrativos (LADA) -, interpretada no sentido de que o conceito de empresa pública ali previsto abrange apenas (em relação ao disposto no artigo 3.º do Decreto-Lei 558/99, de 17 de dezembro), aquelas que "como primeira emanação do Estado (e das regiões ou autarquias), devem seguramente incluir-se numa noção lata de administração, aqui indireta", não abrangendo sociedades criadas por empresas públicas.

O acórdão recorrido julgou que um agrupamento complementar de empresas (ACE) criado por empresas públicas não tem, nos termos da LADA, de facultar a uma sociedade que consultara - no âmbito de um procedimento pré-contratual que correu sob regime privado - a documentação explicativa de haver contratado com outrem. Tal decisão fundamenta-se no facto do ACE não integrar o elenco previsto nas normas do n.º 1, do artigo 4.º da LADA, nem caber na norma do n.º 2 do mesmo artigo, já que não foi criado para satisfazer necessidades de interesse geral, sem caráter industrial ou comercial.

Atendendo à natureza instrumental do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, importa precisar qual a interpretação normativa que foi efetivamente aplicada ao caso concreto e que, na ótica da recorrente, afronta parâmetros constitucionais.

O acórdão recorrido, depois de considerar que apenas são documentos administrativos os possuídos ou detidos pelos órgãos e entidades enunciados no artigo 4.º da LADA e de integrar o Sogrupo - ACE constituído por várias sociedades anónimas do chamado «Grupo Caixa Geral de Depósitos» - no conceito de empresa pública constante do artigo 3.º do Decreto-Lei 558/99, de 17 de dezembro, faz uma interpretação restritiva da alínea d), do n.º 1, daquele artigo 4.º, de modo a excluir o Sogrupo do âmbito de incidência do direito de acesso aos documentos administrativos.

Os argumentos que sustentam essa interpretação são dois: (i) «a referência às várias entidades elencadas no artigo 4.º e a afirmação de que são administrativos os documentos que elas possuam arranca de uma espécie de presunção: a de que tais entidades desempenham uma atividade administrativa material, ao menos «lato sensu»; (ii) «as empresas públicas estão segmentadas no artigo 4.º da LADA: constam do n.º 1, alínea d) as que emanam diretamente do Estado; constam do n.º 2 do artigo as criadas, secundariamente, por outra empresa pública».

A presunção de que as entidades elencadas no artigo 4.º desempenham uma "atividade administrativa material" é extraída da alínea b), do n.º 2, do artigo 3.º da LADA, ao preceituar que «não se consideram documentos administrativos para o efeito da presente lei, os documentos cuja elaboração não releve da atividade administrativa». No que toca às empresas públicas, entende o Supremo que uma tal "presunção" só pode estabelecer-se relativamente àquelas que diretamente emergem do Estado (e das regiões ou autarquias), «enquanto instrumentos de uma administração indireta ao serviço de fins de interesse geral»; ao invés, uma empresa pública que provenha de outra empresa pública pode atuar à margem de quaisquer interesses públicos, gerais ou coletivos, «ficando-se por áreas de atividade indiferentes à noção geral e ampla de administração pública». Daí concluir que a ratio de na alínea d), do n.º 1, do artigo 4.º da LADA se aludir a empresas públicas «só deveras se põe e subsiste relativamente àquelas que, como primeira emanação do Estado (e das regiões ou autarquias), devem seguramente incluir-se numa noção lata de administração, aqui indireta. O que já não abrangerá sociedades criadas por empresas públicas, ainda que merecedoras deste qualificativo à luz do artigo 3.º do Decreto-Lei 558/99, de 17/12».

E em abono dessa conclusão o Tribunal invoca que a norma do n.º 2 do artigo 4.º, ao estender as disposições da LADA a certas sociedades financiadas, geridas e controladas pelas «entidades referidas no número anterior», faz uma distinção entre empresas que emanam diretamente do Estado, as que constam da alínea f), do n.º 1, e as empresas criadas, secundariamente, por outra empresa pública, as referidas naquele n.º 2. Como a norma deste n.º 2 exige que as empresas sejam criadas para satisfazer «necessidades de interesse geral», a Sogrupo, que atua numa lógica mercantil e concorrencial, não é sujeito passivo do direito de acesso à informação.

Ora, esta norma - que não é objeto de fiscalização de constitucionalidade - apesar de ter influência efetiva na decisão concretamente tomada, na medida em que se julgou que o Sogrupo também não está coberto por ela, foi invocada sobretudo como mais um elemento de interpretação da alínea d), do n.º 1, do artigo 4.º, no sentido de excluir do seu âmbito as empresas públicas criadas por outras empresas públicas. Na interpretação perfilhada pelo acórdão recorrido, apenas as empresas que «emanam diretamente do Estado» estão sujeitas genericamente ao direito de acesso, por se "presumir" que exercem uma atividade de administração pública.

Assim, o critério normativo da decisão efetivamente aplicado à dirimição do litígio é que o conceito de «empresa pública» constante da alínea d), do n.º 1, do artigo 4.º da LADA abrange apenas as empresas que emanam diretamente do Estado e não as empresas públicas criadas por outras empresas públicas.

O objeto de fiscalização de constitucionalidade está, pois, limitado a este critério normativo e não ao processo hermenêutico através do qual o mesmo foi obtido. Embora o Tribunal possa interpretar as normas legais submetidas ao controlo de constitucionalidade de modo diferente daquele em que elas foram interpretadas pela decisão recorrida, porque é livre na interpretação do direito, são insindicáveis os elementos ou fatores que o acórdão recorrido utilizou na determinação da norma aplicável ao caso decidendo. De modo que, apesar de controversos, não são objeto de censura os argumentos invocados no sentido de que: (i) o facto de uma entidade estar referida no artigo 4.º, n.º 1, da LADA não é decisivo para sujeitar ao acesso os documentos que ela produz; (ii) existe uma "presunção" de que as entidades referidas nesse n.º 1 desempenham uma atividade administrativa material; (iii) essa presunção apenas se aplica às entidades emanadas diretamente do Estado; (iv) a LADA segmenta as empresas em duas classes, as emanadas diretamente do Estado, a que se aplica a alínea d), do n.º 1, do artigo 4.º e as criadas por outras empresas públicas, a que se aplica o n.º 2 do mesmo artigo; (v) o Sogrupo é um ACE que não foi criado diretamente pelo Estado para a satisfação de necessidades de interesse geral.

10 - A recorrente entende que o critério normativo aplicado pelo acórdão recorrido é inconstitucional por ser (i) incompatível com uma leitura atualista do âmbito objetivo e subjetivo de proteção constitucional do direito de acesso aos registos e arquivos administrativos, consagrado no n.º 2 do artigo 268.º da CRP e por (ii) resultar na eliminação de efetivas possibilidades de exercício do direito de acesso à justiça para controlar as limitações jurídico-públicas que impendem sobre as empresas públicas, que está assegurado no artigo 20.º e no n.º 4 do artigo 268.º da CRP.

A constitucionalidade da norma extraída da alínea d), do n.º 1, do artigo 4.º, em conjugação com a alínea b), do artigo 3.º da LADA, interpretadas no sentido de garantir a todos os cidadãos o acesso aos documentos de empresas públicas constituídas sob a forma societária já foi apreciada pelo Tribunal Constitucional no Acórdão 496/2010, quando aplicada a uma empresa pública que tem por objeto social a gestão e alienação do património imobiliário público.

O que estava em discussão no recurso onde foi proferido esse Acórdão era saber se o acesso à informação detida por empresas públicas criadas sob a forma societária, com capitais exclusivamente públicos ou dominadas por capitais maioritariamente públicos, constitui uma restrição desproporcional de algumas dimensões do direito de propriedade e do direito de iniciativa económica privada, bem como de alguns princípios fundamentais da "constituição económica", designadamente o da coexistência dos setores público e privado e o da concorrência.

A essa questão, o Tribunal respondeu que a sujeição das empresas públicas concorrenciais ao direito de acesso aos documentos administrativos não viola qualquer dos parâmetros constitucionais referidos: não viola o direito de iniciativa económica previsto no n.º 1, do artigo 61.º da CRP, porque as empresas públicas não cabem no âmbito de aplicação deste preceito; não contende com a garantia do direito de propriedade privada, assegurada pelo artigo 62.º da CRP, porque não incide sobre a relação privada dessas entidades com quaisquer bens ou direitos patrimoniais; e não contraria o princípio da concorrência estabelecido na alínea f), do artigo 81.º da CRP e a garantia institucional da coexistência dos setores, prevista na alínea b), do artigo 80.º da CRP, porque a dupla natureza das empresas públicas - de intervenientes no mercado e de instrumentos do ente público instituidor para prosseguir interesses da coletividade postos por lei a seu cargo - pode justificar a imposição de obrigações e ónus inerentes à natureza pública das tarefas prosseguidas ou dos meios envolvidos, como é o caso do acesso à informação em seu poder.

Nos termos em que a questão foi colocada e discutida, o Tribunal limitou-se a apreciar se o direito de acesso aos arquivos e registos detidos por empresas públicas é uma solução normativa constitucionalmente permitida. Do que se tratou foi averiguar se as normas e princípios constitucionais que caracterizam a organização económica (a chamada "constituição económica") deixam ao legislador um espaço de liberdade para se criar aquela solução normativa.

Já no presente processo, a questão de constitucionalidade é colocada num plano diverso: procura-se determinar se o direito de acesso à informação detida por empresas públicas (todas ou apenas algumas) é uma solução normativa constitucionalmente imposta pelo n.º 2 do artigo 268.º do CRP. É que a interpretação normativa objeto de fiscalização foi perspetivada e aplicada ao caso concreto de modo diferente. De facto, enquanto o recurso de fiscalização de constitucionalidade decidido pelo Acórdão 496/2010 versava sobre uma decisão judicial que aplicou a alínea d), do n.º 1 do artigo 4.º da LADA, interpretada no sentido de garantir a todos o acesso aos documentos das empresas públicas resultante da sua atividade, seja paritária e/ou autoritária, seja de gestão privada e/ou de gestão pública, e se procurava captar o âmbito de liberdade do legislador na criação de uma norma com tal dimensão, no presente processo, o acórdão recorrido recusou aplicar uma norma com esse sentido e alcance, o que no entender da recorrente está em desconformidade com o princípio do arquivo aberto consagrado no n.º 2 do artigo 268.º da CRP.

11 - A Revisão Constitucional de 1989 aditou ao artigo 268.º o n.º 2, que diz o seguinte: «Os cidadãos têm também o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas».

Esta norma veio consagrar, no plano constitucional, o princípio da administração aberta ou do arquivo aberto, que permite a qualquer cidadão o acesso a arquivos e registos administrativos. Na raiz do princípio está a pretensão de substituir e superar o princípio da arcana praxis ou o princípio do segredo, característico de um modelo de Administração Pública autoritária, burocrática, fechada sobre si mesmo, que decide em segredo, pelo princípio geral da publicidade ou da transparência, próprio de uma Administração aberta, participada, que age em comunicação com os administrados.

A mudança para uma nova Administração traduz-se, além do mais, em facultar «aos cidadãos uti universi informações em primeira mão sobre atitudes, orientações e projetos da Administração, munindo-os de meios indispensáveis à sua participação, enquanto agentes cívicos, em quaisquer campos da ação administrativa, sobretudo naqueles que mais interesse suscitam na opinião pública. Sob este aspeto, o princípio do arquivo aberto organiza, no pano do direito administrativo, o direito cívico que se filia na liberdade de dar, de receber e de procurar informações. É portanto, um instrumento do direito à informação, hoje incluído por muitos no catálogo dos direitos fundamentais do cidadão» (cf. Barbosa de Melo, As garantias dos Administrados na Dinamarca e o Principio do Arquivo Aberto, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Vol. LVII, 1981, pág. 270).

A conexão entre o direito à informação e uma Administração Pública assente em ideias democráticas e participativas é uma evidência na CRP: no n.º 1, do artigo 37.º garante-se a todos o «direito de informar, de se informar, e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações»; nos n.os 1 e 2, do artigo 48.º, articula-se o direito à participação na vida pública com o direito ao esclarecimento sobre atos do Estado e com o direito à informação acerca da gestão dos assuntos públicos; e no n.º 4, do artigo 267.º impõe-se a existência de um procedimento administrativo que assegure a participação dos cidadãos nos atos que lhe digam respeito.

Destas normas infere-se que o direito à informação em geral, associado ao direito de participação, avulta como fator de uma Administração Pública mais democrática e transparente. Ao ligar-se a interesses públicos de primordial importância num Estado de Direito democrático, como os da transparência e participação na vida administrativa, o direito à informação acaba por constituir um «instrumento de transparência de negócios públicos», «uma garantia da responsabilidade pública (accountability) dos órgãos do poder», e o suporte de «uma certa quota de legitimação e legitimidade» da Administração Pública (cf. J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª ed. pág. 666).

Ora, na dimensão específica de direito à informação administrativa, a publicidade dos arquivos e registos administrativos, garantida no n.º 2, do artigo 268.º da CRP, constitui também um instrumento necessário à democratização da vida administrativa, pois só o acesso a essa documentação torna possível o controlo democrático da atividade administrativa, a real participação dos cidadãos e a efetiva defesa dos seus direitos e interesses. Assim o referem Gomes Canotilho e Vital Moreira: a garantia do princípio do arquivo aberto «é um elemento dinamizador da «democracia administrativa» e um instrumento fundamental contra o «segredo administrativo» (cf. ob. cit. Vol. II, pág. 824).

E esta intenção não pode deixar de ser tida em conta na determinação do âmbito normativo-constitucional do princípio do arquivo aberto. É certo que o acesso aos arquivos e registos administrativos está inserido num disposição que condensa as dimensões mais significativas da posição jurídico-constitucional dos particulares perante a Administração Pública, acentuando-se desse modo a dimensão subjetiva inerente ao direito à informação administrativa. O n.º 2, do artigo 268.º, ainda que careça de concretização legislativa, concede aos cidadãos um «direito» que não pode deixar de ser considerado de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, nos termos do artigo 17.º da CRP, e como tal diretamente aplicável e imediatamente vinculante (cf. Acórdãos n.os 176/92, 177/92, 80/95, 254/99 e 2/2013).

Mas o acesso à documentação administrativa assume também uma dimensão institucional, quando visa dar proteção jurídico-constitucional ao princípio e valor da transparência administrativa. Com efeito, a exigência de transparência há de traduzir-se na obrigação da Administração Pública permitir a visibilidade da sua atuação. E daí que a intenção normativa de afastar o segredo administrativo e de tornar o funcionamento da Administração mais democrático e transparente só possa ser concretizada através do conhecimento da informação constante dos seus arquivos e registos, com as exceções legais justificadas na segurança interna e externa, na investigação criminal e na privacidade das pessoas.

Quer isto dizer que a transparência administrativa não é um valor que se reflita exclusivamente no plano dos direitos fundamentais dos administrados. A acentuação das dimensões subjetivas da transparência administrativa «não impede, como é óbvio, a existência de um interesse público objetivamente radicado na transparência em si mesma. Esta é um cânone hermenêutico da ação administrativa, de forma, a otimizar o cumprimento dos princípios da imparcialidade, legalidade, igualdade e justiça» (cf. Gomes Canotilho, "Anotação aos Acórdãos n.os 176/92 e 177/92 do Tribunal Constitucional, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 125.º, n.º 3.821, pág. 253).

12 - O princípio e valor da transparência administrativa suporta diferentes expressões do direito à informação administrativa, entre as quais: o direito à informação administrativa procedimental, consagrado no n.º 1 do artigo 268.º, da CRP, e o direito ao acesso a arquivos e registos administrativos, previsto no n.º 2 do mesmo artigo.

Não obstante a óbvia conexão entre estes direitos, o direito de acesso a arquivos e registos administrativos goza de autonomia face ao direito à informação administrativa procedimental, que se justifica pela diversidade de contextos em que o particular se dirige à Administração Pública e pelos distintos planos em que se efetiva a eventual participação na atividade administrativa.

Desde logo, a Constituição autonomiza os dois direitos quanto aos respetivos titulares: enquanto os titulares do direito à informação administrativa procedimental são apenas os «diretamente interessados» num procedimento administrativo, os titulares do direito de acesso são os «cidadãos», enquanto membros da comunidade interessados na res publica, independentemente de estar em curso qualquer procedimento administrativo. Ou seja, no primeiro direito pressupõe-se a existência de uma relação procedimental concreta entre a Administração Pública e um particular, passível de vir a ser diretamente afetado pela decisão nele tomada; já no segundo direito permite-se o acesso generalizado, sem necessidade de demonstração de uma posição legitimante, que não seja a de serem cidadãos comuns.

Para além de ser diverso o âmbito pessoal de aplicação - mais alargado no direito de acesso - estes direitos desempenham uma função normativa claramente distinta: o direito a ser informado sobre o andamento do procedimento e o direito de conhecer as resoluções definitivas que sobre ele forem tomadas tem por efeito permitir a participação dos interessados na formação das decisões que lhes digam respeito - direito à informação uti singuli; já o direito à informação contida nos arquivos e registos administrativos tem por efeito permitir o controlo e a participação no desempenho da ação administrativa - direito à informação uti cives.

De facto, o direito à informação consagrado no n.º 1, do artigo 268.º é uma das principais expressões do direito de participação previsto no n.º 4, do artigo 267.º da CRP, uma vez que quem participa efetivamente num procedimento não pode deixar de conhecer o seu objeto e os atos e formalidades que o formam; já o direito à informação consagrado no n.º 2 do artigo 268.º é expressão, no domínio dos direitos e garantias dos administrados, do mais amplo direito à informação garantido no n.º 2 do artigo 48.º da CRP, que se funda nas exigência de democratização e transparência da vida administrativa. E daí que os dois direitos tenham objetivos diferentes: «o direito à informação administrativa procedimental visa a tutela de interesses e posições subjetivas diretas, enquanto o direito de acesso a arquivos e registos administrativos está configurado como um dos instrumentos de proteção de interesses mais objetivos partilhados pela comunidade jurídica, designadamente o da transparência da ação administrativa» (cf. Raquel Carvalho, O Direito Á Informação Administrativa Procedimental, Publicações Universidade Católica, Porto, 1999, págs. 160 e 161).

13 - Apesar de ser necessária uma intervenção legislativa que regulamente e concretize estes direitos - o que ocorreu com o CPA, para o direito à informação procedimental, e com a LADA, para o acesso aos arquivos e registos administrativos - o preceito constitucional que os consagra delimitou-lhes o respetivo âmbito com densidade normativa suficiente para serem diretamente aplicáveis.

Dentro das várias implicações que o direito de acesso aos registos e arquivos administrativos pode ter no caso concreto, em que se discute o acesso à informação detida por empresas públicas, assume particular importância conhecer quem são os sujeitos abrangidos pelo dever de informação. Como se trata de um direito fundamental diretamente aplicável, os sujeitos passivos do acesso devem ser, no essencial, determináveis ao nível constitucional, por via de interpretação (cf. Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 5.ª ed. pág. 198).

Na definição constitucional, os titulares do dever de assegurar o acesso à informação são as entidades que fazem parte da Administração (cf. n.os 1 e 6 do artigo 268.º). O termo adotado - «Administração» -, por estar enunciado no Título IX, dedicado à Administração Pública, por certo que se quer referir ao conceito básico de «administração pública», o que torna bem complexa a tarefa de delimitar o conjunto dos sujeitos obrigados ao acesso, dada a dificuldade que atualmente existe em determinar o universo das entidades que integram a Administração Pública, bem como as fronteiras do direito administrativo que forma o seu estatuto.

Desde logo, poder-se-á questionar se a noção operativa «Administração», no seu fundamento etimológico, não descreverá realidades que se afastam de um conceito estrito de Administração Pública. De facto, tal formulação contém os meios enunciativos necessários para abranger, na definição de certa doutrina, quer a «Administração indireta pública», constituída por entidades coletivas dotadas de personalidade jurídica de direito público, quer uma «Administração indireta privada», integrada por sociedades de capitais públicos e sociedades de capitais mistos maioritariamente titulados pelo Estado (cf. Paulo Otero, Vinculação e Liberdade de Conformação Jurídica Do Setor Empresarial do Estado, Coimbra Editora, pág. 229).

Todavia, delimitar, no plano constitucional, o conjunto dos sujeitos obrigados ao acesso é um problema que exige conhecer em que sentido a Constituição utiliza o conceito de administração pública.

Tradicionalmente, e seguindo o ensinamento da generalidade dos autores, fala-se de Administração Pública (ou simplesmente da Administração) num duplo sentido: em sentido orgânico ou subjetivo, quando representada por uma ideia organizacional ou institucional, um sistema de órgãos, serviços e agentes; e em sentido material ou objetivo, quando representada por uma ideia de atividade, de tarefa administrativa, que visa a satisfação das necessidades de bem-estar económico, social, cultural e de segurança.

Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, no capitulo relativo à Administração Pública - artigos 266.º a 272.º - a Constituição utiliza o conceito de administração pública nos dois sentidos referidos, pelo que «só no contexto de cada preceito é possível saber qual o sentido utilizado». E se os preceitos, individualmente considerados, não especificarem o âmbito subjetivo de aplicação, «deve entender-se que os princípios consagrados neste título têm um conteúdo institucional geral, extensivo a todas as formas de administração pública, visto que constitucionalmente não existe um princípio de unicidade, mas sim um princípio de pluralidade de administrações públicas» (cf. ob. cit., Vol. II, pág. 793 e 794).

14 - Apesar de não desenvolver um modelo concreto de Administração Pública, deixando ao legislador uma ampla margem de liberdade de escolha das formas de organização jurídico-públicas, a Constituição aceita e garante um sistema administrativo organicamente plural, composto por várias administrações públicas: a administração estadual direta, totalmente dependente do Governo (alínea d), do artigo 199.º); administração estadual indireta, constituída por entidades públicas que desenvolvem, com personalidade jurídica própria e autonomia, uma atividade administrativa sob a superintendência do Governo (alínea d), do artigo 199.º; administração autónoma, constituída por pessoas coletivas de base territorial, associativo ou institucional, sob a tutela do Governo (artigos 199.º, alínea d), 227.º, 235.º e 267.º, n.º 4); administração «delegada» ou «concessionada», constituída por entidades privadas, às quais foi confiada a capacidade para exercer tarefas administrativas, incluindo poderes de autoridade (artigos 63.º, n.º 5 e 267.º, n.º 6); e autoridades administrativas independentes, que se caracterizam pelo facto de desenvolverem funções (regulatórias, garantísticas ou mistas) sem sujeição a quaisquer ordens ou instruções governamentais (artigo 267.º, n.º 3).

Uma das manifestações deste pluralismo organizativo consiste na diversidade jurídico-formal, o que torna problemático determinar as entidades que integram a Administração em sentido orgânico ou subjetivo. As dificuldades surgem quando se assiste nas últimas décadas a fenómenos algo contraditórios como a privatização da Administração Pública, através de entidades públicas que atuam sobre os cânones da gestão privada e a publicização da vida privada, através de entidades privadas que exercem funções públicas. Este fenómeno de "fuga para o direito privado", que se processa também ao nível das formas de atuação, colocou à doutrina administrativa a questão de saber se a Administração Pública também comporta entidades de direito privado.

A resposta tem divergido em função do critério ou fator utilizado para delimitar o conceito de Administração: a doutrina mais tradicional recorta o conceito orgânico de Administração através de um critério formal, baseado na personalidade de direito público, que exclui as formas organizativas de direito privado (cf. Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol I, 2.ª ed, pág. 34 e segs. e 565, Aroso de Almeida, Teoria Geral do Direito Administrativo: temas nucleares, Almedina, pág. 24 e ss.); outra corrente substitui o critério formal por um critério material que, assente na distinção entre setor público e setor privado, integra na Administração em sentido orgânico as entidades formalmente privadas, criadas pela administração ou que se encontrem sob a sua influência dominante (cf. João Estorninho, A fuga para o Direito Privado, Coimbra, Almedina, 1996, pág., 327; Paulo Otero, Legalidade e Administração Pública, Almedina, pág. 305; Vital Moreira, Administração Autónoma e Associações Públicas, Coimbra Editora, pág., 285 e 286); uma terceira posição delimita o conceito de Administração através de um critério funcional que, além das pessoas públicas, abrange quaisquer entidades privadas investidas de funções públicas (cf. Sérvulo Correia, Noções de Direito Administrativo, Editora Danúbio, pág. 32; Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral, Tomo I, Dom Quixote, pág. 46; João Caupers, Introdução ao Direito Administrativo, Âncora Editora, 1.ª ed. pág. 34; Pedro Gonçalves, Entidades Privadas com Poderes Públicos, Almedina, págs. 282 a 288).

No plano jurídico-constitucional não existe qualquer obstáculo que impeça integrar no conceito de Administração entidades que obedeçam a um modelo de estruturação orgânico regulado por normas de direito privado.

Pelo contrário, as empresas integradas o setor público empresarial, tal como definido no n.º 2 do artigo 82.º da CRP, não dependem da forma jurídico-organizatória, podendo ser constituídas sob a forma privada, por força da ampla liberdade de auto-organização empresarial dos poderes públicos. E tal integração assume relevo para efeitos constitucionais, entre eles, o de não estar excluído que «perante uma concreta disposição constitucional que se refira genericamente às entidades públicas, que se possa concluir, em função da sua teleologia, que ela abrange empresas com personalidade jurídica de direito privado que se integram no setor público (v.g. artigos 18.º, n.º 1 e 156.º, alínea e)» (cf. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo II, pág. 39).

E também dos princípios constitucionais que regem a organização da Administração Pública, nomeadamente do princípio da descentralização administrativa (artigo 267.º, n.º 2), se pode aceitar a integração institucional na Administração Pública de pessoas coletivas privadas que estão sob o domínio ou influência dominante de pessoas públicas; assim como se pode admitir a integração funcional na Administração Pública de entidades particulares com funções públicas administrativas (artigo 267.º n.º 6). Relativamente àquelas, refere Vital Moreira que «a admissibilidade constitucional das entidades administrativas privadas não suscita objeções de princípio. A Constituição não as menciona expressamente mas também não as proíbe explicitamente nem impõe que a Administração consista somente em organizações jurídico-públicas. [...] Apesar de criadas e regidas pelo direito privado, estas entidades não deixam, no entanto, de ser entidades administrativas: pertencem à organização administrativa e desempenham tarefas administrativas, pelo que não podem fugir à vinculação aos direitos fundamentais e ao respeito pelos princípios fundamentais da atividade administrativa» (cf. "Nova gestão pública e direito administrativo,in, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 342, n.º 3978, pág. 191 e Administração autónoma... cit. pág. 286). E em relação às entidades particulares que se dedicam à execução de funções administrativas escreve Pedro Gonçalves que «o conceito institucional de Administração Pública neste sentido funcional parece, aliás, revelar-se mais operativo em termos constitucionais, visto que as disposições da CRP sobre os princípios fundamentais de ação da Administração não podem deixar de se aplicar a qualquer entidade - seja qual for a sua natureza jurídica ou origem - responsável pela execução de funções administrativas» (cf. ob. cit. pág. 285 e 286).

A CRP, particularmente nos artigos 266.º a 268.º, adota um conceito amplo de Administração Pública que, além das pessoas coletivas de direito público, abrange, quer as formas de organização de caráter privado que pertencem ao setor público ou que se encontrem sob a influência dominante dos poderes públicos, quer as entidades particulares a quem foram delegadas funções públicas. De facto, a opção por um modelo de Administração Pública desconcentrada e descentralizada, com uma organização administrativa desdobrada numa multiplicidade de entes diferenciados, que seja eficiente e transparente, não pode abdicar de um conceito de administração pública que seja aplicável a todas as entidades encarregadas da execução da função administrativa. Ora, para ser aplicável a todas as realidades institucionais admitidas pela Constituição, o conceito constitucional de administração pública tem que assegurar «uma articulação minimamente satisfatória de um conceito organizatório de administração pública com um conceito tendencialmente material» (cf. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 5.ª ed. pág. 644). Só a correspondência entre administração pública em sentido material e Administração Pública em sentido orgânico permitirá abranger, no plano constitucional, todas as entidades que se dedicam à execução da função administrativa, independentemente da sua natureza ou substrato.

Um conceito alargado de administração pública permitirá assim considerar "entidades públicas", para efeitos de vinculação aos direitos fundamentais (n.º 1 do artigo 18.º da CRP), as pessoas coletivas privadas de «mão pública», como é o caso das empresas de capitais exclusiva ou predominantemente públicos. É que, como refere Vieira de Andrade, «essas entidades, em vista da sua ligação organizativa, funcional ou material à atividade administrativa em sentido estrito, devem estar sujeitas em primeira linha aos direitos, liberdades e garantias, não devendo ser tratadas como entidades dotadas de autonomia privada» (cf. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 5.ª ed. pág. 223).

De igual modo, um conceito amplo de administração pública é o que mais se adequa à aplicação dos princípios constitucionais da Administração Pública quando ela utiliza formas organizativas e meios de atuação de direito privado para a prossecução de interesses públicos. É que, como diz Sérvulo Correia, «nos seus artigos 266.º e seguintes a Constituição, não estabelece qualquer dicotomia entre administração por meios de direito público e de direito privado. As normas de fundo ali estatuídas dirigem-se a todo o complexo das atividades administrativas» (cf. Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos administrativos, Almedina, pág. 532).

15 - É nesse sentido alargado que o conceito de «Administração» deve ser entendido para efeitos da vinculação ao princípio do arquivo aberto. O direito de acesso aos registos e arquivos administrativos consagrado no n.º 2 do artigo 268.º deve ser interpretado com a maior largueza consentida pela sua justificação teleológica. Como já foi mencionado, a acessibilidade aos arquivos e registos administrativos pelos particulares, sem necessidade de se demonstrar uma posição legitimante, radica na exigência de transparência da atividade administrativa. E esta exigência projeta-se em quaisquer campos da ação administrativa e não apenas naquela que é exercida através de poderes públicos de autoridade. A Administração deve permitir a visibilidade da sua atuação, qualquer que seja a forma como se organiza e atua, pois toda a ação pública, mesmo quando levada a efeito por entidades privadas, deve ser desenvolvida sob a égide da publicidade, para que os cidadãos possam aferir o pleno cumprimento das vinculações legais da Administração Pública e tenham a possibilidade de participarem na vida administrativa. É esta dimensão democrática da transparência administrativa que explica a amplitude que o n.º 2 do artigo 268.º da CRP atribui ao princípio do arquivo aberto, ao dispensar a invocação de uma posição legitimante.

O pressuposto essencial do direito de acesso é a natureza pública da atividade desenvolvida pelas entidades oneradas com o dever de assegurar o acesso aos arquivos e registos administrativos. E daí que todas as entidades responsáveis pela execução de tarefas administrativas sejam sujeitos passivos do direito de acesso. Abrangidos pela regra geral do acesso aos arquivos e registos administrativos estão assim, não apenas as tradicionais pessoas coletivas de direito público, mas todas as entidades públicas que se dediquem à execução de tarefas administrativas, como é o caso das entidades administrativas privadas, ou seja, das organizações administrativas de estatuto jurídico-privado sob o domínio ou influência dominante de pessoas públicas, e as entidades particulares, quando investidas em funções públicas administrativas.

Qualquer uma destas entidades é constitucionalmente lícita e admissível: a previsão de um setor público da economia - n.º 2 do artigo 82.º da CRP - legitima a criação de entidades públicas em forma jurídico-privada; e o n.º 6 do artigo 267.º da CRP legitima a delegação de tarefas públicas em entidades genuinamente privadas. O envolvimento direto ou indireto do Estado ou de outras entidades públicas nessas entidades, incumbindo-as de realizar interesses públicos, tem como consequência a sujeição às limitações impostas pelos princípios gerais resultantes da Constituição para a organização e funcionamento da Administração Pública. De modo que também elas têm a obrigação de serem transparentes no exercício da atividade pública que desenvolvem, o que implica a submissão ao princípio do arquivo aberto.

Há, porém, que distinguir as que estão genericamente sujeitas ao dever de acesso, dada a situação institucional em se encontram, das que estão obrigadas apenas na exata medida em que exercem funções administrativas.

As entidades administrativas privadas localizam na esfera do Estado e por isso mesmo desenvolvem sempre uma ação pública, não obstante revestirem formato privado. Como refere Pedro Gonçalves, «o facto do Estado ou uma outra entidade pública criar ou, de qualquer modo, assumir uma posição dominante numa entidade privada só pode querer significar que pretende fazer dessa mesma entidade um instrumento para intervir no espaço social. Ora, para nós, essa intervenção indireta representa uma intervenção pública» (cf. Entidades Privadas com Poderes Públicos, pág. 466). A natureza pública da atividade desenvolvida por essas entidades implica que os arquivos e registos que dispõem sejam sempre produto de uma atividade ou função materialmente administrativa e por conseguinte todos eles objeto do direito de acesso.

Já as entidades particulares incumbidas de participar na execução de tarefas públicas localizam-se na Sociedade, na esfera privada, e por isso mesmo a atividade que desenvolvem, em princípio, é uma ação privada. Mas quando desempenham funções administrativas que foram delegadas por uma entidade pública, a atividade exercida deve ser qualificada como pública. Nestes casos excecionais, o direito de acesso só pode abarcar os documentos produzidos no âmbito das atividades conexionadas com a ação pública e não os que relevem da ação privada.

16 - No conceito alargado de Administração que delimita, no plano constitucional, o universo dos sujeitos obrigados ao acesso aos arquivos e registos administrativos, incluem-se as empresas que fazem parte do setor público empresarial.

Como já foi referido, a pertença ao setor público empresarial não depende da forma jurídico-organizatória da empresa, podendo revestir a forma de pessoa coletiva pública, de sociedade comercial, ou até de ente não personalizado. O regime jurídico do setor público empresarial consta hoje do Decreto-Lei 133/2013, de 3 de outubro, que revogou o anterior Decreto-Lei 558/99, de 17 de dezembro. De acordo com a caracterização seguida no artigo 5.º desse diploma, são empresas públicas: (i) as entidades públicas empresariais, pessoas coletivas de direito público, com natureza empresarial, criadas pelo Estado para a prossecução dos seus fins - que correspondem às entidade empresas públicas stricto sensu (artigos 5.º, n.º 2 e 56.º); (ii) e as empresas públicas de natureza societária, «organizações empresariais constituídas sob forma de sociedade de responsabilidade limitada nos termos da lei comercial, nas quais o Estado ou outras entidades públicas possam exercer, isolada ou conjuntamente, de forma direta ou indireta, influência dominante».

Tratando-se de uma entidade pública empresarial, por revestir a forma de pessoa coletiva pública, não há quaisquer dúvidas que se integra no conceito de Administração Pública, para efeitos do âmbito de incidência do direito de acesso aos documentos administrativos. Mas quanto às empresas públicas sob a forma societária colocam-se dúvidas na delimitação do universo das empresas obrigadas genericamente ao acesso, porque o conceito legal de empresa pública é muito mais amplo do que a delimitação que o n.º 2 do artigo 82.º das CRP faz do setor público empresarial.

De facto, para integrar o setor público, o preceito constitucional exige a natureza pública tanto da propriedade como da gestão da empresa. Ora, os critérios que o legislador usou para definir influência dominante não obedecem necessariamente aos critérios de delimitação do setor público empresarial. Nos termos do artigo 9.º do Decreto-Lei 133/2013, a influência dominante concretiza-se através de alguns fatores que dispensam a propriedade jurídica da empresa, nomeadamente, a maioria dos direitos de voto, a possibilidade de designar ou destituir a maioria dos membros do órgão de administração ou do órgão de fiscalização, e a posse de participações qualificadas ou direitos especiais. Isto significa que o conceito legal de empresa pública, que teve a influência do direito comunitário, abrange também empresas nas quais o setor público não tem participação maioritária no capital social. Ou seja, as empresas públicas de capitais maioritariamente privados não integram o setor público empresarial, embora sejam entidades particulares que o legislador, dentro da sua liberdade de conformação, entendeu incluir na noção de empresa pública (cf. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo II, pág, 37).

Já as empresas de capitais exclusivamente ou maioritariamente públicos, quando revestem formato privado, qualificam-se como entidades administrativas privadas. A relação específica que mantêm com as entidades públicas que as criaram é uma relação de domínio ou de influência dominante, o que as coloca na esfera do Estado e da Administração Pública. Perante a ausência de um conceito unitário de Administração Pública, grande parte da doutrina integra, do ponto de vista institucional, as empresas públicas sob forma societária no conceito de Administração Pública em sentido orgânico, usando os conceitos de "Administração indireta privada" ou de "Administração Pública em forma privada" (cf. Pedro Gonçalves, Entidades Privadas com Poderes Públicos, págs. 283, 397 e 433 e Entidades Privadas com poderes administrativos, Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 58, pág. 52; Paulo Otero, Legalidade e Administração Pública, pág. 305, e Vinculação e Liberdade de Conformação Jurídica do Setor Empresarial do Estado, pág. 228 e Miguel Assis Raimundo, As Empresas Públicas nos Tribunais Administrativos, Almedina, pág. 61 e ss.).

Paulo Otero considera mesmo que «há uma equivalência estrutural e funcional entre estas entidades privadas e os institutos públicos integrantes da Administração indireta», uma vez que estão vinculadas à prossecução do interesse público, enquanto expressão instrumental de interesses integrantes dos fins ou atribuições da entidade pública que participa no respetivo capital; e Pedro Gonçalves fala numa "integração institucional" das empresas públicas na Administração Pública em sentido estrito, pretendendo esclarecer que «um tal efeito surge (exclusivamente) determinado pela situação subjetiva da entidade privada, em concreto, pelo facto de se tratar de uma entidade privada sob domínio público».

Independentemente da conceção que se tenha sobre a integração das empresas públicas na teoria da organização administrativa, o que não oferece dúvida é que as empresas que fazem parte do setor público empresarial, tal como definido no n.º 2 do artigo 82.º da CRP, embora possam ver a sua atuação regulada pelo direito privado, desenvolvem uma atividade pública, caracterizada por fins de natureza pública. A circunstância de atuarem em ambiente de concorrência e de mercado, como qualquer outro operador económico, não permite esquecer que a sua existência e o seu agir radica nas entidades públicas que as criaram. Subjacente à criação (ou conversão) de uma empresa pública estão sempre interesses e finalidades públicas que integram os fins ou atribuições da entidade instituidora. As empresas do setor público empresarial não deixam de ser públicas no exercício da sua atividade, mesmo quando usam formas ou instrumentos de direito privado, pois não atuam na área da autonomia privada e da liberdade, como qualquer particular, antes obedecendo aos princípios da legalidade e da competência. De facto, como refere Pedro Gonçalves «na dicotomia entre Estado e Sociedade, as empresas do setor público integram o primeiro pólo e veem, por isso mesmo, a sua existência e o seu agir juridicamente suportados pelos canais e instrumentos normais da legitimidade democrática, e não pelos direitos e liberdades dos cidadãos»» (cf. O direito de acesso à informação detida por empresas do setor público, in, Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 81, pág. 4).

O interesse público justificativo da existência e do agir das empresas que pertencem ao setor público empresarial é o critério causal de legitimação do direito de acesso aos registos e arquivos administrativos detidos por essas empresas. A atividade das empresas públicas, mesmo quando concorrencial, é sempre uma atividade administrativa, na medida em que visa a prossecução do interesse público ao serviço do qual foram instituídas e é uma atividade exercida de forma subordinada à Constituição, à lei, aos princípios constitucionais e no respeito pelos direitos fundamentais (artigos 18.º e 266.º da CRP). Ora, o desenvolvimento indireto de uma atividade vinculada aos direitos fundamentais e aos princípios gerais resultantes da Constituição não pode prescindir de uma exigência de transparência, uma condição essencial para se indagar o cumprimento de tais parâmetros. Com efeito, sem informação não é possível aos cidadãos conhecerem se a atividade desenvolvida pelas empresas públicas está de harmonia com os princípios constitucionais da atividade administrativa e com as normas da Constituição relativas a direitos, liberdades e garantias dotadas de aplicabilidade direta.

A transparência administrativa é assim um dos cânones hermenêuticos da atividade das empresas públicas, de forma a permitir ao cidadão comum, enquanto membro da comunidade, aferir o cumprimento das vinculações constitucionalmente impostas à sua atividade, seja ela regida por formas de atuação jurídico-públicas ou jurídico-privadas. A aplicabilidade às empresas do setor público do princípio do arquivo aberto, consagrado no n.º 2 do artigo 268.º da CRP, impondo a publicidade e transparência das diversas formas de atuação, constitui um instrumento de garantia do respeito pela vinculação aos princípios da prossecução do interesse público, igualdade, proporcionalidade, justiça, imparcialidade e boa fé, e pela vinculação especial aos preceitos constitucionais sobre direitos, liberdades e garantias dotados de aplicabilidade direta.

17 - A atuação das empresas públicas segundo o direito privado, que é o regime geral da sua atividade (cf. n.º 1, do artigo 14.º da Lei 133/2013) envolve consequências de natureza constitucional quanto ao âmbito de incidência do direito de acesso aos documentos administrativos. Apesar de vinculadas aos direitos fundamentais e aos princípios constitucionais da atividade administrativa, as empresas públicas exercem, por regra, uma atividade de gestão privada, uma atuação que é regida pelo direito privado. Mas a submissão a este "direito privado administrativo", como o qualifica alguma doutrina, não faz esquecer que as empresas públicas intervêm no mercado em concorrência com as empresas privadas e que esse facto reclama igualdade nas condições de atuação.

A equiparação das empresas públicas que atuam em ambiente de mercado às empresas privadas, quer quanto a privilégios quer quanto a ónus e deveres especiais, justifica por si só algumas cautelas quanto à revelação de certos documentos da atividade empresarial, sob pena de desigualdade injustificada entre operadores económicos e de se criar risco de concorrência desleal entre eles.

Só que imperativo da igualização não justifica a exclusão genérica do dever de permitir o acesso aos documentos emergentes da sua atividade. Como diz Aroso de Almeida, precisamente a propósito do âmbito do direito de acesso aos arquivos e registos administrativos consagrado no n.º 2 do artigo 268.º da CRP «poder-se-ão, é certo justificar, certas precauções quanto ao enquadramento das empresas comerciais e industriais detidas pelo Estado (tenham ou não o estatuto específico de empresas públicas) na medida (ou nas áreas de atuação) em que não exerçam efetivos poderes de autoridade (designadamente, cuja atividade não envolva a exploração de bens ou serviços públicos), desenvolvendo uma atividade económica substancialmente idêntica à das empresas privadas. A questão não se coloca, no entanto, em termos de excluir estas empresas do âmbito das entidades abrangidas, mas em termos de admitir o condicionamento do acesso a certo tipo de documentos, destinados a proteger a capacidade económica e a competitividade das empresas em causa» (cf. Os Direitos Fundamentais dos Administrados após a Revisão Constitucional de 1989, in, Revista Direito e Justiça, Vol. VI., 1992, pág. 307).

A proteção dos interesses constitucionalmente relevantes das empresas do setor público que atuam em ambiente de mercado é feita através de restrições ou condicionamentos no acesso a determinados tipo de documentos e não através da exclusão genérica do âmbito subjetivo de incidência do dever de acesso. No n.º 2 do artigo 268.º da CRP, o direito de acesso aos registos e arquivos administrativos é a regra e não a exceção. Na verdade, «com as ressalvas legais em matérias de segurança interna e externa, investigação criminal e intimidade das pessoas (n.º 2, in fine), a Constituição torna claro que a liberdade de acesso é a regra, sendo os registos e arquivos um património aberto da coletividade» (cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit. Vol. II., pág. 824).

A consagração da transparência e da publicidade como regra não exclui a existência de áreas de exercício do direito em que se justifica o segredo para proteção de determinados valores com assento constitucional. O direito de acesso aos arquivos e registos administrativos não é um direito absoluto ou ilimitado, uma vez que, mediante expressa autorização constitucional, está sujeito aos limites que a lei vir a estabelecer em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas. A formulação da reserva de lei para esta «trindade restritiva» não implica, porém, uma prevalência abstrata dos valores aí mencionados sobre o direito ao acesso. A salvaguarda destes direitos e interesses constitucionalmente protegidos só pode justificar a confidencialidade dos documentos detidos pelas entidades sujeitas ao acesso, desde que não se comprometa o conteúdo essencial do direito e se obedeça a um critério de proporcionalidade (cf. n.º 2 do artigo 18.º da CRP).

De modo que a solução legislativa para este conflito de valores e interesses - o da transparência em que se baseia o arquivo aberto e o da confidencialidade exigida pelos valores da segurança, investigação criminal e intimidade das pessoas - não pode deixar de ser construída através de uma valoração, por meio da qual os valores e interesses contraditórios e conflituantes possam ser otimizados num compromisso que assegure o justo equilíbrio entre eles. Dada a necessidade de se ter em conta as circunstâncias relevantes no caso concreto, a resolução do conflito por via legislativa implica normalmente uma abertura normativa que assegure a consideração dessas circunstâncias, limitando-se a lei a fixar "critérios de ponderação" que orientem os juízes nos casos concretos (cf. Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais...cit, pág. 306).

18 - Para além das restrições expressamente previstas no n.º 2 do artigo 268.º da CRP, a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem admitido que o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos pode sofrer outras restrições impostas pela necessidade de salvaguardar direitos e interesses constitucionalmente protegidos.

A consagração constitucional da transparência como regra, empurrando o segredo para o domínio da exceção, não exclui a existência de outras áreas onde se justifique uma intervenção legislativa destinada a resolver, por via geral e abstrata, um conflito entre direitos e valores afirmados por normas e princípios constitucionais. O facto da Constituição consagrar limites expressos não implica que nenhum outro limite seja admitido. É que, qualquer que seja o âmbito e intensidade de proteção de um direito na Constituição, podem existir limites que resultam simplesmente da existência de outros direitos e bens, igualmente reconhecidos na Constituição e que em certas circunstâncias com eles conflituam. Como se refere no Acórdão 254/99, «o n.º 2 do artigo 268.º implica que em matérias que não sejam relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas, o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos não tem à partida (prima facie, a priori) os limites que resultam da lei nestas matérias. Nessas outras matérias apenas pode ter a posteriori os limites que resultam da solução constitucional das situações de conflito com outros bens ou interesses constitucionalmente protegidos».

Por conseguinte, há domínios não referidos no n.º 2 no artigo 268.º que podem conflituar com o direito de acesso, como é o caso dos documentos que contenham informação sobre a vida económica das empresas ou relacionada com direitos de propriedade intelectual ou industrial e respetivos segredos comerciais e industriais. Estes interesses económicos, protegidos em várias normas constitucionais (cf. artigos 42.º, 61.º, n.º 1, 62.º, 80.º, alínea c), 81.º, alínea f)) podem justificar a prevalência do secretismo de certa categoria de documentos, em termos que permitam o controlo da sua razoabilidade. Todavia, como refere Gomes Canotilho, «uma eventual relação de prevalência só em face das circunstâncias concretas e depois de um juízo de ponderação se poderá determinar, pois só nessas condições é legítimo dizer que um direito tem mais peso do que outro» (cf. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 5.ª ed. pág. 1256).

Por se considerar que esse juízo de ponderação foi efetuado por via legislativa, segundo um critério de proporcionalidade, o Tribunal Constitucional julgou não desconforme com o princípio do arquivo aberto as normas do artigo 62.º do Código de Procedimento Administrativo e do artigo 10.º da Lei 63/93, de 26 de agosto (primitiva LADA) que não admitem o acesso a documentos que revelem segredos comerciais, industriais ou autorais ou sobre a vida interna das empresas (Acórdãos n.os 254/99, 335/99, 384/99, 385/99, 386/99 e 136/2005).

No caso das empresas públicas de formato societário, que atuam em ambiente de mercado, o princípio do arquivo aberto confronta-se com o princípio da concorrência consagrado na alínea f), do artigo 81.º da CRP. A garantia da equilibrada concorrência entre empresas refere-se também às empresas do setor público empresarial, impedindo que sejam favorecidas ou prejudicadas em relação às demais empresas que atuam no mercado. Perante esse princípio constitucional pode questionar-se se a sujeição das empresas públicas concorrenciais ao dever de acesso não constitui concorrência desleal, suscetível de prejudicar os legítimos interesses dessas empresas.

A essas questão, o Tribunal Constitucional já respondeu no Acórdão 496/2010 que «não pode retirar-se do princípio da concorrência, isolado ou conjugadamente com a garantia da coexistência dos setores, uma imposição de igualitarização necessária de condições de funcionamento e organização das entidades empresariais públicas que prevaleça sobre outros princípios a que, pela sua dupla natureza - de interveniente no mercado e de instrumento do ente público instituidor para prosseguir interesses da coletividade nacional postos pela lei a seu cargo, mediante a mobilização de fundos públicos -, devam ficar sujeitas, de modo tal que, em maximização daquele princípio, não lhe pudessem ser impostas obrigações ou deveres inerentes ou justificáveis pelo seu caráter público. Um desses ónus ou servidões, inerentes à natureza pública das tarefas prosseguidas ou dos meios envolvidos, é o que decorre do princípio da transparência administrativa que pode justificar que a empresa pública seja colocada, quanto à reserva de informação em seu poder, em termos menos favoráveis de intervenção no mercado do que os seus concorrentes».

E conclui-se nesse Acórdão que se deve entender que o «princípio da concorrência não é absoluto, tendo de ser compatibilizado com outros princípios ou valores constitucionais, de modo algum podendo extrair-se dele um imperativo de igualização em função do qual seja constitucionalmente vedado sujeitar as empresas do setor público que atuam em ambiente de mercado a um regime de information disclosure que não seja aplicável às empresas concorrentes, mas que tem justificação na sua ligação organizativa, funcional ou material à Administração Pública em sentido estrito. A adoção de formas de direito privado não afasta o caráter público do substrato financeiro e patrimonial dessas entidades e o caráter público da atividade que desempenham e dos meios de que se servem ou comprometem. Como diz Pedro Gonçalves (loc. cit., p. 10) "o acesso à informação das empresas do setor público revela-se um dos domínios em que se justificam desvios que atendam precisamente ao facto de se tratar de empresas que, mesmo atuando em ambiente de mercado - e nem sempre este é o caso -, não são empresas como as outras (do setor privado), pois pertencem aos poderes públicos e desenvolvem uma ação que é ação pública, que se funda numa competência e não na liberdade"».

Todavia, o facto de não se aceitar a prevalência sistemática do princípio da concorrência sobre o princípio do arquivo aberto, dado estar em causa uma empresa do setor público, isso não significa que o interesse das empresas públicas na confidencialidade de certo tipo de registos e arquivos não deva ser ponderado, sob pena de se criarem situações de efetiva desigualdade com as empresas privadas. O acesso indiscriminado à informação das empresas do setor público pelos operadores económicos concorrentes, para fins privados ou para competir com elas, geraria uma intolerável situação de concorrência desleal. Daí que o interesse das empresas públicas concorrenciais na não divulgação de informação que comprometa a sua atividade tenha que ser ponderado em cada caso concreto com o interesse na publicidade dessa informação. O que não se justifica, dado a "duplo estatuto" das empresas do setor público, é a exclusão genérica do dever de permitir o acesso aos arquivos e registos da sua atividade; mas já se impõe que, tendo em conta as circunstâncias relevantes do caso concreto, se avalie e pondere a necessidade, adequação e proporcionalidade da abertura de alguma dessa documentação.

19 - O direito de acesso aos arquivos e registos administrativos foi inicialmente regulamentado ou concretizado por uma lei - Lei 65/93, de 26 de agosto - que não teve suficientemente em conta a força expansiva desse direito fundamental. Com efeito, para além de não fazer referência às empresas do setor público, a letra da lei parecia exprimir a intenção de apenas se permitir o acesso a documentos que fossem relacionados como o exercício de «poderes de autoridade» (cf. n.º 1 do artigo 3.º).

Tal limitação gerou controvérsia na doutrina e na jurisprudência sobre o acesso à informação detida por empresas públicas: uma corrente considerava que a lei não deixava margem para dúvidas que o regime de acesso aos documentos detidos por empresas públicas só era aplicável quando e na medida em que exercessem poderes de autoridade (cf. Pedro Gonçalves, Entidades Privadas com Poderes Públicos, pág. 293-294; Fernando Condesso, Direito à Informação Administrativa, pág. 103-104; Raquel Carvalho, Lei de Acesso aos Documentos da Administração, pág. 24; José Renato Gonçalves, Acesso à Informação das Entidades Públicas, pág. 40-41 e 140 e segs.); outra corrente, que prevalecia na Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, apoiando-se na natureza jusfundamental do direito, defendia a sujeição genérica das empresas públicas ao regime de acesso aos documentos administrativos (cf. Pareceres da CADA n.os 164/2001, 12/2005, 44/2005 e 81/2005, in, www.cada.pt; Miguel Assis Raimundo, As Empresas Públicas nos Tribunais Administrativos, pág. 204 e segs.).

A atual LADA - aprovada pela Lei 46/2007, de 24 de agosto - resolveu o problema ao incluir as empresas públicas no âmbito subjetivo de aplicação do diploma, sem lhe acrescentar qualquer outra exigência funcional. Na verdade, as empresas públicas surgem autonomizadas nas alíneas d) e f), do n.º 1, do artigo 4.º, numa situação totalmente equiparada a todas as outras entidades públicas, sem qualquer distinção, quer quanto à forma que podem revestir (jurídico-pública ou jurídico-privada), quer quanto ao respetivo objeto (as que atuam em regime de concorrência ou no exercício de poderes públicos de autoridade). A noção de empresa pública que foi adotada não obedece sequer ao critério de delimitação do setor público estabelecido no artigo 82.º, n.º 2 da CRP, pois tem a intenção de abranger todas as que se encontram sob influência dominante dos poderes públicos, tal como definidas no artigo 5.º do Decreto-Lei 133/2013 de 3 de outubro (artigo 3.º do anterior Decreto-Lei 558/99, de 17/12).

As empresas públicas estão abrangidas pela LADA em claro contraste com as entidades genuinamente privadas a quem foram delegados poderes públicos: enquanto aquelas estão genericamente sujeitas ao acesso, estas apenas estão abrangidas em relação à atividade relacionada como o «exercício de funções administrativas ou de poderes públicos» (cf. alínea g), do n.º 1 do artigo 4.º). E também estão autonomizadas em relação aos "organismos de direito público" referidos no n.º 2 do artigo 4.º, pelo que não é necessário preencherem os elementos deste conceito para estarem sujeitas ao dever de informação consagrado na LADA.

Em conformidade com o princípio constitucional do arquivo aberto, a regra geral é a submissão das empresas públicas ao direito de acesso a todos os documentos emergentes da sua atividade, independentemente do ambiente jurídico e material em que atuem. É com esse sentido e alcance que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, socorrendo-se de elementos de natureza histórica, sistemática e teleológica, interpreta as alíneas d) e f), do n.º 1, do artigo 4.º da LADA, sujeitando as empresas públicas aos deveres de informação estabelecidos no diploma, independentemente do exercício ou não de poderes de autoridade (cf. Acórdãos n.os 451/09, de 8/7/2009, 493/09, de 30/9/2009, 965/09, de 6/1/2010 e 1110/09, de 20/1/2010). E à obtenção deste critério normativo não obsta o facto da alínea b), do n.º 2 do artigo 3.º da LADA excluir do acesso «os documentos cuja elaboração não releve da atividade administrativa», porque tal referência tem apenas em vista excluir do acesso os documentos emergentes de outras funções do Estado, como se extrai dos exemplos dados pela própria norma.

Mas a inclusão de todas as empresas públicas no âmbito incidência subjetiva da LADA não significou total discriminação relativamente às empresas concorrentes. Captando o sentido das restrições autorizadas pelo n.º 2 do artigo 268.º da CRP, o legislador entendeu que o interesse das empresas públicas em não revelarem documentos da sua atividade, que também é protegido como valor fundamental, deve ser assegurado através da exigência de uma posição legitimante e de uma "ponderação casuística" entre esse interesse e o interesse público da transparência administrativa. Com efeito, no n.º 6 do artigo 6.º da LADA estabeleceu-se que «um terceiro só tem direito de acesso a documentos administrativos que contenham segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa se estiver munido de autorização escrita desta ou demonstrar interesse direto, pessoal, e legítimo suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade». Com invocação desta norma, a empresa pode recusar o acesso aos arquivos e registos da sua atividade, obrigando o requerente a alegar e demonstrar em tribunal que, no caso concreto, o interesse em aceder à informação deve prevalecer sobre os interesses da empresa.

20 - A expressão "empresas públicas" constante da alínea d), do n.º 1 do artigo 4.º da LADA foi interpretada pelo acórdão recorrido no sentido de abranger apenas as empresas públicas que emergem diretamente do Estado, enquanto instrumentos de uma administração indireta ao serviço de fins de interesse geral. Com o argumento de que apenas em relação às empresas públicas detidas diretamente pelo Estado é possível "presumir" que desempenham uma atividade administrativa material, exclui-se do âmbito de incidência normativa da LADA as empresas públicas que são detidas, elas próprias, por outras empresas públicas.

Não cabe ao Tribunal ajuizar sobre o eventual acerto ou desacerto das operações subsuntivas que o julgador realizou no estrito plano infraconstitucional, pois o que se lhe pede resume-se em saber se o critério normativo da decisão afronta determinados princípios ou preceitos constitucionais (artigo 277.º, n.º 1 da CRP). E sendo assim, o que é sindicável pelo Tribunal Constitucional é o critério normativo que está subjacente à interpretação judicial da norma da alínea d), do n.º 1, do artigo 4.º da LADA e que se traduz na exclusão genérica das empresas públicas criadas ou dominadas por outras empresas públicas ao dever de permitir o acesso aos arquivos e registos administrativos que detenham.

Esta regra, abstratamente enunciada no acórdão recorrido, foi aplicada a um agrupamento complementar de empresas (Sogrupo - Compras e Serviços Partilhados, ACE) constituído por várias sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos do chamado "Grupo Caixa Geral de Depósitos". O Sogrupo é constituído integralmente por capital público das empresas públicas agrupadas, uma vez que não dispõe de capital próprio (cf. n.º 1 da cláusula 12.ª dos seus Estatutos). Dotado de personalidade jurídica própria, tem por finalidade principal o melhoramento das condições de exercício ou das atividades económicas das sociedades agrupadas (cf. n.º 1 da Base I da Lei 4/73, de 4 de junho). Com esta configuração, não há dúvida que se trata de uma organização empresarial sujeita a influência dominante de empresas públicas estaduais, e por conseguinte, integrada no setor público empresarial, segundo os critérios estabelecidos no n.º 2 do artigo 82.º da CRP. De resto, a influência dominante não resulta apenas da circunstância do substracto patrimonial do ACE ser detido e gerido exclusivamente pelas empresas públicas agrupadas, mas também pela equiparação da CGD ao Estado, no que respeita ao funcionamento da sua estrutura organizatória (cf. artigo 524.º do Código das Sociedades Comerciais e artigo 20.º do Decreto-Lei 430/73, de 25 de agosto).

Estando as empresas do setor público integradas no conceito amplo de Administração, para efeito de sujeição ao princípio do arquivo aberto, a interpretação normativa sindicada afasta do universo das empresas públicas sujeitas ao dever de acesso todas as empresas públicas que sejam criadas ou dominadas por outras empresas públicas. Esta regra tem subjacente a intenção de manter em segredo, nas relações ad extra, os arquivos e registos resultantes da atividade das empresas do setor público empresarial cuja influência dominante é exercida diretamente através do património e controlo de outras empresas públicas e indiretamente pelo Estado. Para esta subclasse de entidades administrativas privadas impõe-se a regra do segredo, uma vez que os documentos por ela detidos não constituem, à partida, objeto do direito de acesso. Dessa regra resulta que, a um nível geral e abstrato, se dá prevalência absoluta ao interesse da confidencialidade, sem qualquer possibilidade de ponderação de outros valores e interesses que com ele possam eventualmente conflituar.

Ora, a definição constitucional do objeto do direito aos arquivos e registos administrativos impede que o segredo seja erigido em regra e a transparência em exceção. O n.º 2 do artigo 268.º da CRP é perentório ao excluir o direito ao segredo como regra geral, quando estabelece uma reserva de lei para certas matérias em que o interesse da confidencialidade pode excecionalmente prevalecer. Como acima se disse, com as ressalvas legais em matérias de segurança interna e externa, investigação criminal e intimidade das pessoas, a Constituição tornou claro que a transparência é a regra e o segredo a exceção.

Acontece que a norma sindicada restringe o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos de determinadas empresas públicas em nome do segredo pelo segredo, já que tais empresas são recortadas segundo um critério puramente formal, que é o de terem sido criadas ou dominadas por outras empresas públicas. Só que, como vimos, este critério não é constitucionalmente aceitável para se limitar o âmbito de proteção do direito geral à informação ou para se justificar uma restrição que conduza ao sacrifício da transparência e da publicidade. O direito de acesso e o direito ao segredo, nos casos expressamente autorizados e nas hipóteses de conflito de direitos ou interesses constitucionalmente reconhecidos, são direitos prima facie que só se radicam subjetivamente após valoração e ponderação das circunstâncias do caso concreto. É possível ao legislador ou ao juiz estabelecer restrições e condicionamentos ao direito de acesso, mas a tipificação dessas situações ou a elaboração da norma de decisão para o caso concreto exige sempre um juízo de ponderação dos aspetos relevantes do caso concreto. O n.º 2 do artigo 268.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º da CRP, impõe que as restrições ao direito de acesso assentem num critério de ponderação dos valores ou interesses que estão em jogo numa determinada situação concreta.

Ora, não foi com base num critério dessa natureza que o acórdão recorrido «construiu» a norma sindicada, uma vez que recusou, prima facie, o acesso aos documentos de um conjunto de empresas do setor público sem ter em conta os direitos e interesses em presença. O fundamento genérico da recusa do acesso é apenas o facto da empresa pública ter sido criada por outra empresa pública e não diretamente pelo Estado. A adoção deste critério formal não só afeta a ratio do princípio do arquivo aberto, que só pode ser restringido por outros direitos e interesses prevalecentes no caso concreto, como legitima a utilização de empresas públicas apenas com o intuito de se subtraírem às vinculações públicas de natureza constitucional.

Note-se, no entanto, que o legislador formula no n.º 6 do artigo 6.º da LADA um critério metódico que orienta, precisamente, a tarefa de ponderação concreta dos interesses das empresas em não revelarem a informação e dos interesses de terceiros em aceder a essa informação. Só que a interpretação normativa objeto de fiscalização, que se traduziu na exclusão genérica de determinadas empresas públicas do dever de permitir o acesso aos arquivos e registos da sua atividade, inviabilizou que o tribunal efetuasse uma ponderação dos interesses legítimos das empresas em não divulgarem a informação solicitada com o interesse direto, pessoal e legítimo do requerente da informação, ponderação casuística que eventualmente poderia conduzir a um resultado diferente.

Conclui-se, assim, que a norma da alínea d), do n.º 1 do artigo 4.º da LADA, quando interpretada no sentido de excluir genericamente do dever de acesso aos arquivos e registos administrativos as empresas públicas criadas por outras empresas públicas viola o n.º 2 do artigo 268.º da CRP.

A inconstitucionalidade da norma sindicada por afronta ao princípio do arquivo aberto torna inútil a apreciação do mesmo vício em face do direito instrumental à informação derivado do direito dos administrados à tutela jurisdicional dos n.os 4 e 5 do artigo 268.º da CRP.

III - Decisão

Nos termos em pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:

a) Julgar inconstitucional, por violação das disposições conjugadas do n.º 2 do artigo 268.º e do n.º 2 do artigo 18.º da CRP, a norma da alínea d), do n.º 1, do artigo 4.º da Lei 46/2007, de 24 de agosto, interpretada no sentido de abranger apenas as empresas públicas que emergem diretamente do Estado, com exclusão das empresas do setor público criadas por empresas públicas.

b) Conceder, em consequência, provimento ao recurso, devendo o acórdão recorrido ser reformado de acordo com o presente juízo de inconstitucionalidade.

Lisboa, 12 de fevereiro de 2015. - Lino Rodrigues Ribeiro - Carlos Fernandes Cadilha (com declaração) - Catarina Sarmento e Castro - Maria José Rangel de Mesquita - Maria Lúcia Amaral.

Declaração de Voto

Votei a decisão apenas na medida em que a interpretação normativa sindicada implicava uma exclusão genérica do direito de acesso aos arquivos e registos administrativos em relação a empresas públicas detidas por outras empresas públicas, com base numa distinção - que se afigura não ter fundamento legal - entre empresas em que o Estado (ou outras entidades públicas) exerçam, direta ou indiretamente, uma influência dominante.

Mantenho, no entanto, as objeções que manifestei no voto de vencido aposto no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 496/2010, que analisava a constitucionalidade da norma extraída do artigo 4.º, n.º 1, alínea d), da Lei 47/2007, de 28 de agosto, quando interpretada no sentido de garantir a todos os cidadãos o acesso a documentos das empresas públicas constituídas sob a forma societária que tenham por objeto a gestão e alienação do património imobiliário, em termos de considerar essa solução como constitucionalmente permitida.

Considero que as empresas públicas puramente concorrenciais, que exercem uma atividade privada e se encontram no mercado em situação equiparada à de outras empresas concorrentes do setor privado, enquanto empresas privadas de mão pública, apenas poderão encontrar-se subordinadas aos princípios da atividade administrativa, entendidos estes como limites negativos de atuação ou parâmetros de juridicidade, e não como critérios diretos de atuação. E nesse sentido é exigível, por exemplo, que aos respetivos órgãos dirigentes se torne extensivo o regime de impedimentos do CPA (por respeito ao princípio da imparcialidade) ou o critério de tratamento igualitário dos particulares (por respeito ao princípio da igualdade), mas não já o dever de decisão (artigo 9.º do CPA) ou o dever de fundamentação das decisões (artigo 124.º do CPA), ou ainda o dever de informação sobre documentos que tenham em seu poder, por efeito do exercício da sua atividade, e que provêm apenas da prática de atos correntes de gestão privada.

Uma medida legislativa que, para efeito do acesso à informação, confira relevo apenas ao facto de se tratar de empresas do setor público, desconsiderando que atuam como meros operadores económicos, coloca essas empresas numa situação de discriminação e efetiva desigualdade perante as empresas privadas concorrentes, o que representa, em si, um desvio ao princípio da eficiência do setor público e da equiparação entre empresas dos setores público e privado que intervenham na mesma área de atividade, que estão pressupostos nas normas dos artigos 80.º, alínea c), e 81.º, alínea c), da Constituição.

Para a salvaguarda destes outros valores constitucionais poderá não ser suficiente a aplicação das restrições legais previstas no artigo 6.º, n.º 6, da Lei 47/2007, tanto que os critérios aí assinalados serão dificilmente aplicáveis no setor empresarial do Estado (segredo comercial ou segredo industrial) ou respeitam a aspetos da organização empresarial (vida interna da empresa) que são dissociados da atividade que a empresa exerce em economia de mercado e cuja divulgação agrava a sua posição negocial e põe em risco a sua aptidão para atuar em regime de concorrência.

Por isso, relativamente à norma do artigo 4.º, n.º 1, alínea d), da Lei de Acesso aos Documentos Administrativos, e na ausência de uma suficiente ponderação por via legislativa, seria possível, em certas situações, formular uma interpretação conforme à Constituição que viesse a considerar a referência aí feita aos "órgãos das empresas públicas" como respeitando apenas aos documentos produzidos por entidades jurídico-privadas que disponham de prerrogativas de autoridade ou submetam certos aspetos do seu funcionamento a um regime de direito administrativo, e não já àqueles que sejam elaborados ou obtidos no âmbito de atividades que se regem pela lógica de mercado e de livre concorrência ou visam a simples prossecução de interesses privados, ainda que de caráter não lucrativo. - Carlos Alberto Fernandes Cadilha.

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Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/593859.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1973-06-04 - Lei 4/73 - Presidência da República

    Estabelece normas sobre a constituição e o regime dos agrupamentos complementares de empresas.

  • Tem documento Em vigor 1973-08-25 - Decreto-Lei 430/73 - Ministério da Justiça - Gabinete do Ministro

    Regulamenta a constituição e o funcionamento dos agrupamentos complementares de empresas.

  • Tem documento Em vigor 1993-08-21 - Lei 63/93 - Assembleia da República

    Autoriza o Governo a aprovar um novo Código da Estrada.

  • Tem documento Em vigor 1993-08-26 - Lei 65/93 - Assembleia da República

    REGULA O ACESSO DOS CIDADAOS A DOCUMENTOS RELATIVOS A ACTIVIDADES DESENVOLVIDAS POR ÓRGÃOS DO ESTADO E DAS REGIÕES AUTÓNOMAS, QUE EXERCAM FUNÇÕES ADMINISTRATIVAS, ÓRGÃOS DOS INSTITUTOS PÚBLICOS, ASSOCIAÇÕES PÚBLICAS E ÓRGÃOS DAS AUTARQUIAS LOCAIS, SUAS ASSOCIAÇÕES E FEDERAÇÕES, BEM COMO OUTRAS ENTIDADES NO EXERCÍCIO DE PODERES DE AUTORIDADE EXCEPTUANDO-SE O ACESSO A NOTAS PESSOAIS, ESBOÇOS, APONTAMENTOS E REGISTOS DE NATUREZA SEMELHANTE E A DOCUMENTOS CUJA ELABORACAO NAO RELEVE DA ACTIVIDADE ADMINISTRATIVA, (...)

  • Tem documento Em vigor 1999-12-17 - Decreto-Lei 558/99 - Ministério das Finanças

    Estabelece o regime jurídico do sector empresarial do Estado e das empresas públicas.

  • Tem documento Em vigor 2007-08-24 - Lei 46/2007 - Assembleia da República

    Regula o acesso aos documentos administrativos e a sua reutilização, revoga a Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, com a redacção introduzida pelas Lei n.os 8/95, de 29 de Março, e 94/99, de 16 de Julho, e transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2003/98/CE (EUR-Lex), do Parlamento e do Conselho, de 17 de Novembro, relativa à reutilização de informações do sector público.

  • Tem documento Em vigor 2007-08-28 - Lei 47/2007 - Assembleia da República

    Altera (primeira alteração) a Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, que altera o regime de acesso ao direito e aos tribunais.

  • Tem documento Em vigor 2013-10-03 - Decreto-Lei 133/2013 - Ministério das Finanças

    Aprova o novo regime jurídico do sector público empresarial, incluindo as bases gerais do estatuto das empresas públicas.

Aviso

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