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Acórdão 496/2010, de 27 de Janeiro

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Sumário

Decide não julgar inconstitucional a norma extraída do artigo 4.º, n.º 1, alínea d), em conjugação com o artigo 3.º, n.º 2, alínea b), da Lei n.º 46/2007, de 24 de Agosto (Lei do Acesso aos Documentos Administrativos), interpretada no sentido de garantir a todos os cidadãos o acesso aos documentos das empresas públicas constituídas sob forma societária cujo objecto seja a gestão e alienação do património imobiliário público e que respeitem a essa sua actividade, com os limites que decorrem do artigo 6.º da mesma lei. (Processo nº 964/09)

Texto do documento

Acórdão 496/2010

Processo 964/09

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional I - Relatório. - 1 - ESTAMO - Participações Imobiliárias, S. A. e SAGESTAMO - Sociedade Gestora de Participações Sociais Imobiliárias (recorrentes) foram intimadas, a pedido de Luís Miguel dos Santos Albano Rosa, por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, proferida num processo de intimação para a prestação de informações, consulta de processo ou passagem de certidões (artigo 104.º e segs. do Código de Processo nos Tribunais Administrativos), a facultar o acesso do requerente, jornalista de profissão, aos documentos que possuam ou detenham respeitantes à alienação, nos anos de 2005, 2006 e 2007, de imóveis do Estado anteriormente sob tutela do Ministério da Justiça.

Esta decisão foi sucessivamente confirmada pelo Tribunal Central Administrativo Sul e (em recurso excepcional de revista - artigo 150.º do CPTA) pelo Supremo Tribunal Administrativo, este por acórdão de 30 de Setembro de 2009.

As requeridas interpuseram recurso deste acórdão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro (LTC), visando a apreciação da inconstitucionalidade do artigo 4.º da lei de Acesso aos Documentos Administrativos (Lei 46/2007, de 24 de Agosto de 2007 - LADA), na interpretação de que permite a todos os cidadãos um acesso ilimitado a todos os documentos detidos por empresas públicas.

2 - Tendo o recurso prosseguido, as recorrentes apresentaram alegações em que

concluem da seguinte forma:

"1 - A interpretação do artigo 4.º, n.º 1, al. d), conjugada com aquela partilhada do artigo 3.º, n.º 2, al. b), ambos da lei de Acesso aos Documentos Administrativos, perfilhada no Acórdão de que agora se recorre, no sentido de garantir a todos o acesso a todos os documentos das empreses públicas resultante da sua actividade (paritária e ou autoritária, de gestão privada e ou de gestão pública), é inconstitucional.

2 - Com efeito, a referida interpretação normativa, ao não distinguir a particular situação das empresas públicas que se submetem à lógica do mercado e da concorrência das restantes - que possuem prerrogativas especiais de direito público -, sujeitando-as a obrigações totalmente diversas das restantes empresas privadas, sem um mecanismo de adequada ponderação, põe em causa não só o direito de propriedade e a liberdade de empresa (tutelados nos artigos 61.º e 62.º da CRP), mas também os princípios da coexistência dos sectores público, privado e cooperativo e social e da concorrência (consagrados na alínea d) do artigo 80.º e na alínea c) do artigo 81.º, respectivamente), bem como, em última análise, o próprio princípio da igualdade (dado que trata de modo muito diverso aquelas empresas públicas das restantes empresas privadas, com as quais se encontram em concorrência).

3 - O direito ao acesso aos documentos administrativos (também denominado como princípio do arquivo aberto] é um direito fundamental dos cidadãos [rectius, de todos] que é alvo de uma múltipla tutela no nosso ordenamento jurídico. Assim, ele tem, desde logo, consagração constitucional no artigo 268.º, n.º 2, da CRP. E tem, depois, tutela legal em diversos diplomas jurídicos, entre os quais avulta a tutela que lhe é facultada pela lei de Acesso aos Documentos Administrativos - a Lei 46/2007.

4 - A consagração constitucional daquele princípio do arquivo aberto não é, nem poderia ser, ilimitada. Não o é, de resto, em diversos sentidos.

5 - Esse mesmo entendimento foi já, de resto, firmado pelo Tribunal Constitucional.

Como se pode ler no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 254/99, «todos os direitos de informação frente à Administração Pública consagrados no artigo 268.º estão limitados por outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos que com eles

conflituam».

6 - Uma correcta interpretação daquele princípio constitucional demonstra que o mesmo apenas exige o acesso aos arquivos e documentos das entidades públicas que desempenhem funções administrativas e que, naturalmente, correspondam ao

desempenho de urna função administrativa.

7 - Foi com este sentido que o direito foi legalmente consagrado na Lei 65/93, de 26 de Agosto. Na verdade, e por força do artigo 3.º daquele diploma, estavam excluídas do âmbito de aplicação as empresas públicas que não exercessem poderem de autoridades e actuassem em mercados concorrenciais, como é o caso das aqui

Recorrentes.

8 - Muito embora a alteração de 2007 tenha procedido a um alargamento do âmbito de aplicação subjectivo do diploma (como se verifica pela redacção que a Lei 46/2007, de 24 de Agosto, deu ao artigo 4.º daquele diploma), o artigo 3.º da LADA, fundamental para a interpretação do artigo 4.º do mesmo diploma, dispõe expressamente que não são documentos administrativos aqueles «... cuja elaboração

não releve da actividade administrativa».

9 - Não foi este, no entanto, o entendimento perfilhado pelo Acórdão de que agora se recorre. Na verdade, o referido Acórdão fez uma interpretação conjugada daqueles preceitos (os artigos 4.º e 3.º da LADA) segundo a qual os mesmos abrangem «... toda a sua actividade [das empresas públicas] (paritária e ou autoritária, de gestão privada e

ou de gestão pública».

10 - Esta interpretação, não só é incorrecta (por motivos que não cabem no presente recurso), como conduz a uma solução normativa inconstitucional. Na verdade, aquela interpretação constitui uma restrição totalmente desproporcionada de algumas dimensões do direito de propriedade e da livre iniciativa económica e uma violação de alguns dos princípios jurídicos fundamentais da Constituição económica, como - além do princípio da igualdade - o princípio da coexistência dos sectores público, privado e cooperativo e social - princípio jurídico fundamental do nosso ordenamento jurídico (que constitui, mesmo, um limite material de revisão constitucional, cf. artigo 288.º, al.

f), da CRP) - e o princípio da concorrência, princípio fundamental para assegurar a referida coexistência entre aqueles sectores.

Senão vejamos,

11 - Uma das principais dimensões da liberdade de empresa é a liberdade de concorrência. Melhor dito, numa das suas vertentes, a liberdade empresa assume, naturalmente, a forma de uma liberdade de competição económica, ou seja: de conquista de um espaço de influência e negócio no mercado, no plano estratégico; de disputa operacional da preferência dos destinatários dos seus bens e ou serviços; etc..

E, a este respeito, importa ter presente o princípio da concorrência efectiva e equilibrada ou salutar que se extrai dos artigos 81.º, alínea f) e 99.º alíneas a) e c),

ambos da CRP.

12 - A liberdade de concorrência é, nestes termos, uma manifestação institucional da liberdade de empresa e, enquanto tal, simultaneamente, garantida e regulada pelo direito da concorrência, constitucional, infraconstitucional e também comunitário (cf.

artigos 81.º e seguintes do Tratado CE). Mas não deixa, por isso, de conservar a sua natureza de liberdade fundamental. E, nesta medida, a sua efectividade - para além de ser de interesse público económico e, até, social e político - é igualmente um imperativo

para o Estado (cf. artigo 2.º da CRP).

13 - Por sua vez, o «âmbito do direito de propriedade abrange pelo menos quatro componentes: a) a liberdade de adquirir bens; b) a liberdade de usar e fruir dos bens de que se é proprietário; c) a liberdade de os transmitir: d) o direito de não ser privado deles» - Cf. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo 1, 4.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, pág. 802.

14 - Muito embora não restem dúvidas de que as pessoas colectivas públicas não são detentoras de direitos fundamentais nos mesmos moldes que as pessoas colectivas privadas, isso não significa, no entanto, que se lhes negue em absoluto a titularidade de alguns direitos fundamentais (ou de algumas dimensões dos mesmos).

15 - Se não parecem restar dúvidas de que um dos direitos que não podem ser negados às pessoas colectivas públicas é o direito de propriedade, (cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo 1, 4.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, pág. 801), o mesmo se passa, também, com outros direitos fundamentais (ou com algumas dimensões dos mesmos).

16 - O que é tanto mais importante quando nos deparamos com empresas públicas que actuam em mercados concorrenciais, como têm sublinhado o Tribunal Constitucional Federal Alemão e a doutrina germânica, que têm vindo a admitir a possibilidade de reconhecimento da titularidade de direitos fundamentais a pessoas colectivas de direito público e, genericamente, às entidades de natureza empresarial integradas no sector público, quando a actuação destas se reconduza ao desenvolvimento de actividades de carácter económico e, em especial, quando inseridas num mercado concorrencial,

como sucede no presente caso.

17 - Esta orientação funda-se, no essencial, na consideração, inteiramente transponível para o caso que aqui nos ocupa, de que, nestes casos, as entidades integradas no sector público se encontram colocadas, no que toca à actividade económica desenvolvida, numa posição equiparável à de outras empresas de natureza privada

actuantes no mesmo mercado.

18 - Tudo isto é reforçado quando se conjuga a liberdade de empresa e o direito de propriedade com o princípio da coexistência dos sectores público, privado e cooperativo e social, inscrito no artigo 80.º da CRP como um dos princípios fundamentais da organização económico-social do Estado.

19 - O princípio da coexistência dos sectores público, privado e cooperativo e social implica, desde logo, que se o legislador pode, em determinado momento, privilegiar um desses sectores, já não pode "aniquilar" qualquer deles, constituindo, desse modo, um dos esteios fundamentais para assegurar a coexistência dos diversos sectores. Com efeito, a economia mista a que se refere a Constituição (e que decorre do princípio da coexistência dos diversos sectores) assenta numa economia de mercado aberto e livre

concorrência.

20 - O princípio da concorrência implica, desde logo, duas leituras: i) por um lado, e esta é talvez a dimensão mais associada ao princípio, é necessário assegurar a concorrência entre as próprias empresas privadas - impedindo, por exemplo, o abuso de posições dominantes ou as práticas restritivas de concorrência; ii) por outro lado, e este ponto é agora decisivo, a concorrência não se confina ao sector privado, tendo também reflexo na necessidade de assegurar uma sã concorrência entre o sector privado e o sector público da economia, procurando garantir o equilíbrio entre ambos.

21 - Assim, deve ser assegurada uma salutar concorrência entre as empresas públicas e privadas, tanto no sentido de impedir que o regime das empresas públicas (ou as suas prerrogativas) ponha em causa o regular funcionamento dos mercados, como no sentido de assegurar às empresas públicas condições de concorrer no mercado.

22 - Na nossa ordem jurídico-constitucional, o princípio da concorrência não permite qualquer capitis deminutio às empresas públicas incompatível com o princípio da coexistência dos sectores de propriedade, pelo que o legislador não pode impor às empresas públicas que actuam em mercados concorrenciais condições tais que as impossibilitam de competir com as empresas e operadores do sector privado, sob pena de, desse modo, pôr em causa o princípio da concorrência (cf. artigo 81.º da CRP) e, indirectamente, o princípio da coexistência dos diversos sectores, consagrado nos

artigos 80.º e 82.º da CRP.

23 - As considerações anteriores impõem que, neste domínio, se distinga claramente, no que ao sector público respeita, entre o sector administrativo stricto sensu, incluindo o empresarial de imediato interesse público, e o sector produtivo concorrencial. Na verdade, e ao contrário do que sucede no primeiro, neste último a afectação óptima dos recursos está em princípio assegurada pelas regras do mercado e respectiva regulação pública, em que se salientam os referidos princípios da eficiência dos mercados e da concorrência. Uma das vertentes deste último é a da paridade de tratamento: as empresas públicas e privadas devem estar em pé de igualdade e a respectiva competição deve ser equilibrada e salutar. No fundo, isso é também uma exigência, neste domínio, do princípio da igualdade (cfr artigo 13.º).

24 - Havendo constitucionalmente uma coexistência concorrente do sector produtivo público, nomeadamente, com o sector privado, e o desenvolvimento da actividade nesse ambiente competitivo, no quadro de uma economia de mercado mista e concorrencial, tal significa que as empresas públicas - necessariamente sujeitas a um princípio de igualdade concorrencial no confronto com as empresas privadas, quer por força do princípio da concorrência, quer em virtude da liberdade de empresa, que, no contexto em apreço, assume naturalmente a forma de liberdade de concorrer devem também, em princípio, beneficiar dessa mesma igualdade concorrencial, isto é, não devem ser desfavorecidas na luta concorrencial e na correspondente maximização da eficiência produtiva. O próprio princípio da igualdade (cf. artigo 13.º da CRP), quando aplicado à situação, leva ao mesmo resultado.

25 - Ora, um dos pressupostos fundamentais da luta concorrencial é a «reserva privada» de cada uma das empresas participantes, sejam elas públicas, privadas, cooperativas ou de outra natureza, o seu património de conhecimento e informação, compreendendo em especial os segredos de negócio (comerciais ou industriais) (cf.

artigo 318.º do CPI), a informação escriturada (abarcando, nomeadamente os registos contabilísticos das operações sociais e os respectivos documentos de suporte - artigos 29.º e seguintes do Código Comercial), os procedimentos gerais, sistemas remuneratórios, etc.. De facto, isso faz parte da sua armadura competitiva. A devassa da vida reservada das empresas sempre foi considerada um acto de concorrência desleal e ou uma violação da propriedade empresarial. E, nas organizações societário-empresariais, os próprios titulares do capital e membros das mesmas, singularmente considerados, têm um direito à informação limitado.

26 - Este quadro de valores e princípios, vertidos na lei Fundamental, não pode ser subvertido por leis ordinárias, porventura aprovadas por maiorias simples absolutas ou nem isso. Quer dizer, impõe-se ao legislador ordinário.

27 - A interpretação perfilhada no Acórdão recorrido ignora esta problemática constitucional. Ao concluir, afinal, pela sujeição de toda a actividade (paritária e ou autoritária, de gestão privada e ou de gestão pública) das empresas públicas a facultarem a todos (incluindo, claro está, aos seus concorrentes) os seus documentos, o Acórdão recorrido impõe um enorme constrangimento sobre actividade daquelas empresas, que passam a ver toda a sua actuação na praça pública.

28 - Ao contrário do que pressupõe o Acórdão recorrido, o artigo 6.º, n.º 6, da LADA, a restrição de acesso aos documentos ali consagrada tem um alcance muito diminuto, não permitindo tutelar aqueles outros valores e princípios constitucionais.

29 - Com aquele efeito, aquele preceito apenas permite que os documentos que contenham segredos comerciais, industriais e da vida interna das empresas poderão, em determinadas circunstâncias, não sejam facultados a todos (mas apenas àqueles demonstrarem um interesse directo, pessoal e legítimo segundo o princípio da proporcionalidade - cf. artigo 6.º, n.º 6, da LADA).

30 - Ao que acresce que aquelas três categorias de documentos têm um alcance muito menor do que aquele que implicitamente lhe é atribuído no Acórdão recorrido, pois são muito poucos os documentos tutelados por aqueles bens.

31 - Assim sendo, e ao contrário do que sugeriu o Acórdão recorrido, se se perfilhar a interpretação ali vertida quanto ao âmbito de aplicação do diploma - apenas se exceptuando aqueles que contenham segredos de comércio, de indústria ou sobre a vida interna da empresa - que, ainda assim, são consultáveis por quem tenha um interesse pessoal, directo e legítimo suficientemente relevante -, vemos que o modelo de arquivo aberto consagrado para as empresas públicas que actuam em mercados concorrenciais é tudo menos restritivo, pois quase toda a sua actividade fica acessível a

todos, nomeadamente aos seus concorrentes.

32 - Assim, será sempre inconstitucional uma interpretação que permite a devassa da informação relativa à empresa pública que opera no sector produtivo concorrencial com a única excepção dos segredos comerciais e industriais nos termos do artigo 318.º do CPI e de outros segredos internos, deixando de fora transacções como aquelas sobre que se pediu informação no caso sub judice, uma vez que, na medida em que não estejam em causa actos sujeitos a escritura pública e ou registo, a informação respectiva está coberta, pelo menos, pelo segredo da escrituração mercantil (artigos

29.º e seguintes do Código Comercial).

33 - A isso acresce que uma norma que permite o acesso a documentos respeitantes a negócios particulares das empresas públicas concorrenciais com outras empresas, sem o consentimento destas, contraria objectivamente o direito de propriedade e a liberdade de empresa. Na verdade, um tal consentimento só não será necessário quando os actos sejam públicos, maxime em virtude das regras de forma e da publicidade legal. Por conseguinte, qualquer interpretação da lei que não respeite este mínimo será inconstitucional: por violação do direito de propriedade e da liberdade de concorrência, ínsita do direito d iniciativa económica privada, e dos princípios fundamentais da Constituição económica, em especial, os princípios da concorrência e

da coexistência de sectores.

34 - É indubitável, por isso, que a interpretação do artigo 4.º, n.º 1, al. d), conjugada com aquela partilhada do artigo 3.º, n.º 2, al. b), ambos da LADA, no sentido de garantir a todos o acesso a todos os documentos das empreses públicas resultante da sua actividade (paritária e ou autoritária, de gestão privada e ou de gestão pública), apenas com o limite que decorre do artigo 6.º, n.º 6, da LADA, na interpretação do acórdão recorrido, afigura-se materialmente inconstitucional, pois permite (ao contrário do que se passa com as empresas privadas) que quase toda a actividade das empresas públicas concorrenciais seja por todos conhecida nomeadamente pelos seus

concorrentes.

Nestes termos e nos demais de Direito, requer-se a V. Exas. se dignem a julgar o presente recurso procedente, declarando a inconstitucionalidade da norma decorrente da aplicação conjugada dos artigos 4.º, n.º 1, alínea d), conjugado com o artigo 3.º, n.º 2, ambos da LADA, na interpretação que fez vencimento no acórdão recorrido - e, consequentemente, a revogar esse acórdão, determinado ao tribunal a quo a respectiva reformulação, de acordo com o decidido por esse Venerando Tribunal."

O recorrido contra-alegou, tendo concluído nos termos seguintes:

"A. O presente recurso foi interposto da decisão de não admissão do recurso pelo Supremo Tribunal Administrativo, com os fundamentos da alínea b) do n 1 do artigo

70.º da LTC;

B. Ora, o n.º 2 do artigo 75.º-A do LTC determina que o requerimento de recurso deve indicar as normas ou princípio constitucional violado e a peça processual em que tal foi suscitada, o que não efectuado no caso concreto;

C. Compulsados os autos, verifica-se que a inconstitucionalidade alegada pelas Recorrentes foi por violação dos artigos 18.º e 62.º da CRP, pelo que ficou delimitado

o âmbito dessa discussão;

D. Os presentes autos tiveram início por causa de um pedido efectuado pelo Recorrido, jornalista, com vista ao acesso a documentos administrativos em posse das

Recorrentes;

E. Tal acesso vem previsto no n.º 2 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), que assegura o acesso dos cidadãos aos arquivos e registos

administrativos;

F. Por outro lado, o Estatuto dos Jornalistas (EJ), na alínea a) do n.º 1 do artigo 8.º da Lei 1/99 de 13 de Janeiro, confere o direito de acesso às fontes de informação pelos órgãos da Administração Pública e o seu n.º 2 considera que o interesse no acesso às fontes de informação é sempre considerado legítimo, para os termos e efeitos do previsto nos artigos 61.º a 63.º do CPA;

G. Portugal é um Estado de Direito Democrático, que assenta em pilares como o pluralismo de expressão, no respeito e garantias de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais - artigo 2.º da CRP;

H. Ora, o direito de informar, de se informar e de ser informados, consta do elenco dos direitos, liberdades e garantias pessoais, são a liberdade de expressão e informação

consagrado no artigo 37.º da CRP;

I. O acesso a documentos administrativos elaborados pelas empresas públicas, não está ferido de ilegalidade, porquanto à a própria LADA que o prevê no seu artigo 4.º;

J. E, não existe violação do disposto nos artigos 18.º e 62.º da CRP, nem estamos perante inconstitucionalidade material, até por não serem aplicáveis ao caso concreto,

no seu conjunto;

K. Os documentos que o Recorrido pretende aceder são os referentes à compra e venda de património pertencente ao Estado e, por isso, sujeito ao escrutínio público e

controle por partes dos administrandos;

L. O Recorrido intentou o presente processo de intimação para prestação de informações, consulta de processo ou passagem de certidões, nos termos previstos nos artigos 104.º e seguintes do CPTA, para fazer valer um direito que lhe assiste, o qual foi considerado procedente, em 1.ª e 2.ª instâncias;

M. O pedido efectuado pelo Recorrido foi o de acesso à documentação relacionada com a compra, venda e revenda por parte das sociedades Recorrentes de património do Estado anteriormente tutelado pelo Ministério da Justiça, relacionadas com as aquisições e vendas do património do Estado, realizadas por estas, nos anos fiscais de

2005, 2006 e 2007;

N. Ou seja, alguns dos documentos pretendidos são contratos-promessa, escrituras de compra e venda ou qualquer outro tipo de documentação que existisse em arquivo, que alguns são de acesso público e de comunicação obrigatória nos termos da lei de

Branqueamento de Capitais;

O. As Recorrentes são sociedades anónimas com substrato patrimonial público, isto é, o capital que as constituem é integralmente público, como é afirmado pelo próprio Decreto-Lei 209/2000 de 2 de Setembro que criou a PARPUBLICA, esta sociedade gere o património público, apesar de entender que não precisa de estar na directa dependência do Estado, não deixa de ser uma sociedade que administra

património público;

P. A LADA, na redacção dada pela Lei 46/2007 de 24 de Agosto, integra as empresas públicas, nos organismos públicos que estão sujeitos a este mesmo diploma, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 4.º;

Q. E, quanto a delimitação do conceito de documento administrativo, basta ler todo o corpo do artigo 3 da LADA, que define o seu conceito e as únicas excepções

aplicáveis;

R. Os documentos solicitados não contém segredo comercial, pois para além da ausência de alegação e fundamentação necessárias, reportam-se a actos que já foram executados e não se reportam à política comercial ou estratégia de mercado;

S. Assim sendo, as informações pedidas não consubstanciam violação do segredo comercial, nem a sua divulgação não causará às Recorrentes qualquer tipo de lesão, nem desvantagem concorrencial, pois não se pediu a divulgação de estratégias comerciais, fórmulas secretas, pedem-se apenas documentos, alguns deles, de natureza pública e outros que mesmo que não tenham natureza pública estão com eles

relacionados;

T. De resto, podiam sempre ser facultados ao Recorrido documentos com as partes expurgadas da matéria que fosse considerada fundamentadamente sujeita a segredo nos

termos do artigo 6.º da LADA;

U. Pelo exposto, não procede as inconstitucionalidades suscitadas, por não terem

aplicação ao caso concreto;

V. Por tudo o que se disse, o acórdão recorrido, não merece censura, pois fez uma correcta análise dos factos e interpretou e aplicou correctamente a lei, maxime, CRP,

aos mesmos;

W. Nesta conformidade, deve o recurso em causa não ser admitido, ou se assim não se entender, o que por marca cautela de patrocínio se admite, deve ser julgado improcedente e, em consequência, deve ser confirmada e mantida o douto acórdão

proferido;

X. Sob pena de, em caso contrário, se violar o disposto nos:

Artigos 2.º 37.º, 38.º e 268.º da CRP

Artigos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 15.º, 16.º e 17.º da LADA."

II - Fundamentação. - 3 - Importa começar por delimitar o objecto do recurso, uma vez que no processo de que o presente recurso emerge está em causa um âmbito mais restrito de aplicação da norma do que parece resultar da formulação adoptada pelas recorrentes. Atendendo à natureza instrumental do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade só essa precisa dimensão aplicativa interessa, pelo que a ela deve ser reduzida a apreciação subsequente do Tribunal.

Efectivamente, embora partindo de uma enunciação mais geral do problema do acesso aos documentos e registos detidos por empresas do sector público empresarial, o acórdão recorrido socorre-se decisivamente de ponderações relativas ao escopo estatutário das empresas requeridas e à relação entre os documentos a que se pretende aceder e essa actividade para demonstrar a sujeição aos princípios de publicidade e transparência administrativa e ao inerente dever de facultar o acesso aos documentos atinentes a essa actividade. Essas ponderações ou especificações integram a ratio decidendi, do acórdão recorrido fazendo emergir uma dimensão da norma de âmbito mais restrito, aquela que respeita ao direito de acesso dos particulares aos arquivos das empresas públicas cujo objecto seja a gestão e alienação do património imobiliário público, e não, com carácter de generalidade, da sujeição de todas as empresas públicas ao dever de informação procedimental, seja qual for o seu escopo ou finalidade estatuária ou legal e as condições de actuação no mercado.

Assim, podendo as empresas públicas revestir diversas formas e podendo a adopção de formas organizativas empresariais corresponder a vários fins, uns mais próximos, outros mais distantes das tarefas ou fins inscritos na responsabilidade originária das entidades públicas instituidoras, participantes no respectivo capital, ou com posição de domínio na sua administração, o objecto do recurso deve ser restringido em conformidade com o que no caso integrou a ratio decidendi. Essa é a norma aplicada e é a sua apreciação que assume relevância para o caso.

Com efeito - e isso foi considerado no acórdão - a SAGESTAMO foi criada pelo Decreto-Lei 209/2000, de 2 de Setembro, como sociedade integralmente detida pela PARPUBLICA - Participações Públicas (SGPS) S. A., sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos que passou a ter como finalidade, além da gestão das participações sociais públicas que integrem o seu património, a gestão, através de empresas participadas de objecto especializado, do património imobiliário público que lhe seja afecto (cf. artigo 4.º dos Estatutos constantes do Anexo I ao Decreto Lei 209/2000). A SAGESTAMO tem por objecto a gestão de participações sociais de sociedades que exercem a sua actividade no sector imobiliário, incluindo as sociedades gestoras de fundos de investimento imobiliário, como forma indirecta de exercício de actividades económicas (cf. artigo 4.º dos Estatutos constantes do Anexo III ao mesmo diploma legal). Uma destas sociedades de "mão pública" é a ESTAMO cuja missão, enquanto empresa instrumental do Grupo SAGESTAMO, é apoiar a gestão e valorização do património imobiliário público, mediante operações de aquisição, alienação, promoção e arrendamento (vid. www.sagestamo.pt/estamo). Constitui o "veículo" terminal de uma cadeia de "fuga para o direito privado" no desempenho de actividade administrativa no domínio específico de gestão e alienação do património

imobiliário público.

Assim, o Tribunal passa a apreciar a constitucionalidade da norma extraída da alínea d) do n.º 1 do artigo 4.º, em conjugação com a alínea b) do n.º 2 do artigo 3.º da Lei 46/2007, de 24 de Agosto (LADA), interpretados no sentido de garantir a todos os cidadãos o acesso aos documentos das empresas públicas constituídas sob forma societária cujo objecto seja a gestão e alienação do património imobiliário público e que respeitem a essa sua actividade, com os limites que decorrem do artigo 6.º da

mesma lei.

4 - A Constituição consagra, no capítulo dos direitos e garantias dos administrados, dois direitos funcionalmente distintos, embora conexos, de acesso à informação administrativa (artigo 268.º): o direito à informação administrativa procedimental (n.º 1:

o direito dos administrados a serem informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam directamente interessados, bem como a conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas) e o direito à informação administrativa não procedimental (n.º 2: o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas). O primeiro tutela a posição do administrado enquanto sujeito do procedimento ou interessado em decisões nele tomadas; o segundo é um direito de todos, independentemente de qualquer interesse individual (uti cives).

Com efeito, o n.º 2 do artigo 268.º da Constituição, introduzido pela revisão constitucional de 1989, veio permitir o acesso generalizado dos administrados aos documentos e registos da Administração, sem necessidade de invocar uma posição legitimadora, a partir do momento em que tais elementos se não integrem ou respeitem a um procedimento administrativo em curso. Trata-se de um direito fundamental, de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias (Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, p. 601), embora essencialmente intencionado a salvaguardar o interesse de todos (o interesse público) na transparência da actividade administrativa, como forma de garantia do respeito pelos princípios constitucionais, norteadores dessa actividade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé (artigo 266.º da CRP) e, ainda, da eficiência administrativa e do bom uso dos fundos públicos, pelo menos reflexamente.

Inspirado numa tradição de abertura dos arquivos da Administração de origem nórdica (cf., Luís Alberto Pomed Sanchez, El derecho de acceso de los ciudadanos a los archivos e registros administrativos, p. 25 e segs.), este direito geral de acesso aos documentos em poder da Administração (o princípio do arquivo aberto) foi-se difundindo nas últimas décadas do século XX por diversos ordenamentos jurídicos europeus (designadamente, na Alemanha, França, Itália, Espanha e Portugal) onde, em maior ou menos grau consoante as diversas culturas jurídicas e de relacionamento entre a Administração e os cidadãos, de modo geral vigorava um princípio de reserva

(arcana praxis).

E também foi consagrado ao nível da Administração comunitária, onde o artigo 255.º do Tratado de Amesterdão (corresponde-lhe actualmente o artigo 15.º do TFUE) estabeleceu um princípio de geral acessibilidade aos arquivos relativos à actuação das instituições comunitárias, em desenvolvimento do qual veio a ser adoptado o Regulamento (CE) n.º 1049/2001, do Parlamento e do Conselho, de 30 de Maio de 2001, publicado no JO L 145, de 31/5/2001. E, com fonte comunitária, foi imposto em domínios específicos no direito interno dos Estados membros, designadamente nas áreas da contratação pública e do ambiente.

Refira-se, ainda, que o Conselho da Europa aprovou, em 18 de Junho de 2009, uma Convenção relativa ao acesso aos documentos públicos (Série des Traités du Conseil de l' Europe - n.º 205), considerando a importância que reveste, numa sociedade democrática pluralista a transparência das autoridades públicas e salientando que o exercício do direito de acesso aos documentos públicos (i) fornece uma fonte de informação ao publico; (ii) contribui para que o público forme uma opinião sobre o estado da sociedade e sobre as autoridades públicas; (iii) favorece a integridade, o bom funcionamento, a eficácia e a responsabilidade das autoridades públicas, contribuindo

para a afirmação da sua legitimidade.

5 - Obviamente que este direito não é absoluto. O princípio do arquivo aberto e o correspondente direito de acesso dos cidadãos aos documentos e registos em poder da Administração admite constitucionalmente limitações. Como se disse no acórdão n.º

254/99, in www.tribunalconstitucional.pt,:

"...todos os direitos de informação frente à Administração Pública consagrados no artigo 268.º estão limitados por outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos que com eles conflituam (assim Gomes Canotilho, ibidem). Tais limites, ditos a posteriori, por se determinarem depois da determinação do conteúdo do direito por via de interpretação (a qual poderá determinar limites desse conteúdo), sempre seriam admissíveis, quer no direito de informação procedimental do n.º 1, quer no direito de informação instrumental do direito de tutela jurisdicional. Os dois direitos estão, aliás, estreitamente ligados na sua regulação legal, na medida em que o CPA e a LPTA integram o último no regime do direito de informação procedimental do artigo 62.º do CPA e do artigo 82.º do LPTA, e ainda na medida em que se considera, como o acórdão aqui recorrido, que o interesse na informação pretendida para uso administrativo ou procedimental é um interesse legítimo no conhecimento dos elementos pretendidos a que se refere o 64.º do CPA para o efeito de considerar o direito de informação procedimental reconhecido no artigo 62.º extensivo às pessoas que provem ter tal interesse. Ora não há nenhuma razão para que limites do mesmo género não existam no caso do direito de acesso do n.º 2. É que se trata de um género de limites que existe qualquer que seja o modo de definição de um direito na Constituição, porque resultam simplesmente da existência de outros direitos ou bens, igualmente reconhecidos na Constituição e que em certas circunstâncias com eles conflituam, bem como da possibilidade de conflitos em certas circunstâncias entre direitos idênticos na titularidade de diferentes pessoas. Os conflitos não podem ser evitados a não ser pela previsão na Constituição dessas circunstâncias e pela consequente transformação dos elementos do conflito em elementos da definição dos direitos ou bens constitucionais em jogo. Ora a previsão exaustiva das circunstâncias que podem dar lugar a conflitos deste tipo é praticamente impossível pela imprevisibilidade das situações de vida e pelos limites da linguagem que procura prevê-las em normas jurídicas, além de que a Constituição nunca pretendeu regular pormenorizadamente, ou tão exaustivamente quanto possível, os direitos que consagra. Estas considerações aplicam-se a todos os direitos fundamentais reconhecidos na Constituição. Todos esses direitos podem ser limitados ou comprimidos por outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos, sem excluir a possibilidade de conflitos entre direitos idênticos na titularidade de diferentes pessoas (pense-se, quanto ao direito à vida, no regime legal de legítima defesa e do conflito de deveres, e no dever fundamental de defesa da Pátria - artigo 276.º n.º 1 da Constituição), sendo sempre necessário fundamentar a necessidade da limitação ou compressão quando ela não se obtém por interpretação das normas constitucionais que regulam esses direitos".

6 - A lei de Acesso aos Documentos Administrativos (Lei 46/2007, de 24/8 - LADA) regula, em geral, este último direito, o direito de acesso a arquivos e registos administrativos, como direito uti cives, fora do quadro subjectivo e cronológico de um

procedimento administrativo concreto.

No âmbito de aplicação da LADA, todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse legitimante, têm direito de aceso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo (artigo 5.º). Por documento administrativo entende-se, na definição do artigo 3.º dessa lei, "qualquer suporte de informação sob forma escrita, visual, sonora, electrónica ou outra forma material, na posse dos órgãos e entidades referidos no artigo seguinte, ou detidos em seu nome".

É particularmente problemático (e não apenas entre nós, como pode ver-se em F.

Caringella, R. Garofoli, M.T. Sempreviva, L' Accesso ai Documenti Amministrativi, p.

139 e segs.) o âmbito subjectivo de aplicação do regime de acesso no que respeita a documentos em poder de empresas do sector público, designadamente quando estas são organizadas sob forma societária e prosseguem a sua actividade sob a égide do

direito privado.

Anteriormente à Lei 46/2007, no domínio da Lei 65/93, de 26 de Agosto (alterada pelas Leis n.º 8/95, de 29 de Março e 94/99, de 16 de Julho, bem como pelo artigo 19.º da Lei 19/2006, de 12 de Junho) era controversa a extensão do direito de acesso a documentos detidos por empresas públicas, formando-se duas correntes principais na interpretação dessa lei: uma, que prevalecia na Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (cf. Pareceres da CADA n.os 164/2001, 12/2005, 44/2005 e 81/2005, in www.cada.pt; Miguel Assis Raimundo, As Empresas Públicas nos Tribunais Administrativos, p. 204 e segs.), no sentido da sujeição total das empresas públicas ao regime de informação administrativa não procedimental (princípio do arquivo aberto) e outra defendendo que esse regime só era aplicável quando e na medida em que tais entes exercessem poderes de autoridade (Pedro Gonçalves, Entidades Privadas com Poderes Públicos, p. 293-294; Fernando Condesso, Direito à Informação Administrativa, p. 103-104; Raquel Carvalho, lei de Acesso aos Documentos da Administração, p. 24; José Renato Gonçalves, Acesso à Informação das Entidades Públicas, p. 40-41 e p. 140 e segs.).

O acórdão recorrido interpretou, com recurso a elementos de natureza histórica, sistemática e teleológica, a evolução legislativa que culminou nas alíneas d) e f) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei 46/2007, onde se refere expressamente estarem abrangidos pelo âmbito de aplicação desse desta lei os "órgãos das empresas públicas" e os "órgãos das empresas regionais, intermunicipais e municipais", como consagrando a opção legislativa de sujeição das empresas públicas, independentemente do exercício ou não de poderes de autoridade, aos deveres de informação administrativa estabelecidos no diploma. Consequentemente, as empresas públicas têm de disponibilizar a quem o requeira informação não procedimental nos mesmos termos e apenas com as limitações geralmente aplicáveis a todos os órgãos administrativos ou que exercem poderes administrativos. E neste âmbito subjectivo fica incluído todo o universo das empresas públicas (as empresas municipais e regionais não estão directamente em consideração neste recurso, embora estejam igualmente abrangidas), quer se trate de entes públicos económicos organizados sob forma institucional de direito público (entes públicos empresariais - artigo 23.º do Decreto-Lei 558/99, de 17 de Dezembro, na redacção do Decreto-Lei 300/2007, de 23 de Agosto), quer de empresas constituídas sob a forma de sociedade comercial (sociedades nas quais o Estado ou outras entidades públicas estaduais possam exercer, isolada ou conjuntamente, de forma directa ou indirecta, uma influência dominante em virtude de alguma das seguintes circunstâncias: a) detenção da maioria do capital ou dos direitos de voto; b) direito de designar ou de destituir a maioria dos membros dos órgãos de administração ou de fiscalização - artigo 3.º do Decreto-Lei 300/2007).

O que está em discussão no presente recurso, de acordo com a delimitação a que anteriormente se procedeu, é se esta subordinação das entidades criadas sob forma societária, com capitais exclusivamente públicos ou dominadas por capitais exclusivamente públicos, para gestão e alienação do património imobiliário do Estado, constitui uma restrição desproporcionada de algumas dimensões de dois direitos fundamentais, o direito de propriedade e de iniciativa económica privada (artigos 62.º e 61.º da CRP, respectivamente), e de alguns princípios fundamentais da "constituição económica", designadamente o princípio da coexistência dos sectores público, privado e cooperativo e social e o princípio da concorrência (artigos 80.º, alínea c), e artigo

81.º, alínea f) da CRP, respectivamente).

Deve ter-se presente que a questão, tal como é colocada e discutida no presente recurso, não consiste em saber se a solução normativa em apreço, esse alargamento do direito de acesso por parte dos cidadãos aos arquivos e registos administrativos (ou esta extensão do âmbito subjectivo do dever, para quem considerar que isso já estava consagrado no regime legal anterior) corresponde a algo de necessário, por exigido pelo n.º 2 do artigo 268.º da Constituição. Com efeito, não vem discutido se essa é uma solução normativa constitucionalmente imposta; mas, apenas, se ela é

constitucionalmente permitida.

7 - Em primeiro lugar, a recorrente acusa a interpretação normativa sob fiscalização de violar algumas das dimensões da liberdade de iniciativa económica privada e do direito de propriedade, tutelados nos artigos 61.º e 62.º da Constituição. Merece, todavia, ser salientado que as recorrentes não afirmam a colisão frontal da norma em causa com esses preceitos constitucionais. Tecem uma argumentação mais subtil. O que afirmam é que ocorre uma incompatibilidade da interpretação normativa sub judicio "com algumas dimensões" desses direitos. E isto porque reconhecem que as pessoas colectivas públicas ou "de mão pública" (nomeadamente aquelas que estão aqui em causa, as sociedades de capitais integralmente públicos) não são detentoras de direitos fundamentais nos mesmos moldes que as pessoas colectivas privadas. Aceitam que, se estas apenas são titulares dos direitos fundamentais compatíveis com a sua natureza (artigo 12.º, n.º 2, da CRP), o âmbito de titularidade de direitos fundamentais das pessoas colectivas públicas ainda será menor. Mas, segundo sustentam, sem que se lhes negue em absoluto a titularidade de alguns direitos fundamentais ou de algumas dimensões dos mesmos, como sucederia com o direito de propriedade e o direito de iniciativa económica, pressupostos no princípio da concorrência e no princípio da coexistência dos sectores público e privado.

É, efectivamente, matéria de controvérsia a titularidade de direitos fundamentais por pessoas colectivas públicas (em sentido lato, na medida em que exerçam funções materialmente administrativas e estejam sujeitas a direcção pública, ainda que constituídas sob forma privada e agindo por meios de direito privado). Isto é, na perspectiva que nos interessa que é a da liberdade de conformação do legislador, é posta em dúvida a existência de limites conteudísticos da legislação directamente decorrentes de direitos (subjectivos) fundamentais de pessoas colectivas públicas.

Numa concepção extremada, fundada na ideia de que a função dos direitos fundamentais é a defesa da dignidade humana contra os poderes públicos, essa possibilidade estaria logicamente excluída. Esta concepção tem sido atenuada, como refere Vieira de Andrade (Os Direitos Fundamentais na Constituição da República Portuguesa de 1976, 4.ª ed., p. 122 e segs.), seja a partir de uma concepção dos direitos fundamentais menos centrada no indivíduo, seja perante a progressiva pulverização organizatória da Administração Pública. Alguma doutrina, pelo menos quanto a certas pessoas colectivas de direito público que prosseguem interesses constitucionalmente autonomizados (p. ex. as universidades, as autarquias locais), ou também dos indivíduos associativamente organizados (p. exemplo, as ordens profissionais), advoga o reconhecimento da titularidade de alguns direitos fundamentais (Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.º ed., p. 422).

Mas, ainda que nessas situações seja aceitável a atribuição da titularidade de direitos fundamentais a pessoas colectivas dessa natureza, por estar em jogo a defesa de valores ou bens de carácter pessoal perante o poder - todavia, é legítima a interrogação sobre se não será mais adequado conceber essas situações como garantias institucionais ou normas de atribuição constitucional de competências -, já descaracterizaria o étimo fundante dos direitos fundamentais atribuí-los a pessoas colectivas que são meros instrumentos do Estado-Administração, sem qualquer substracto individual relativamente ao qual expressem uma esfera de liberdade.

As empresas públicas, ainda quando se constituem sob forma privada e se regem pelo direito privado, actuando sem poderes de autoridade, são o instrumento (um dos instrumentos) de que o Estado se serve para prosseguir a sua acção, tendo uma esfera de direitos que encontra fundamento na missão ou nas atribuições que este lhes confere, nunca na ideia de liberdade ou de autonomia. O Estado (lato sensu) funcionaliza a personalidade jurídica dessas empresas, servindo-se delas como instrumento de prossecução das suas tarefas e incumbências. Trata-se de uma personalidade jurídica sem um substrato ôntico exterior ao ente de que constitui longa manus. Não é concebível que possam triunfantemente opor direitos originários ao legislador, que é livre de as instituir e competente para moldar a esfera de acção e os fins que lhes comete. A sua acção desenvolve-se com fundamento na lei e nas competências públicas e não na autonomia e na liberdade. Diversamente do que sucede com as pessoas colectivas privadas (sociedades comerciais, associações, fundações) que, em último termo, são instrumento dos indivíduos que põem em comum o seu esforço ou os seus capitais para prosseguirem, autónoma e livremente, a acção que por essa técnica jurídica projectam ou potenciam. Só porque (e quando) a formação e a actividade de uma pessoa colectiva seja a manifestação do livre desenvolvimento dos indivíduos tem sentido atribuir-lhe direitos fundamentais. É na medida em que, para lá do véu da personalidade jurídica, se descobrem os direitos das pessoas humanas que as integram ou cujos interesses prosseguem, que o artigo 12.º da Constituição reconhece a titularidade de direitos fundamentais por pessoas colectivas.

Para quem perfilhe esta perspectiva, não se verá razão para que o Estado legislador haja de ficar vinculado por direitos fundamentais das organizações que ele próprio é livre de criar por entender ser o instrumento jurídico-organizatório mais adequado para prosseguir fins próprios ou tarefas da Administração. Será desconforme com essa natureza instrumental concebê-las como titulares de direitos oponíveis ao legislador, mormente quando essa limitação possa sacrificar, colidir ou comprimir a optimização de princípios destinados a assegurar direitos dos cidadãos, sob pena de a empresarialização das tarefas administrativas mais do que uma "fuga ao direito administrativo" redundar numa "fuga ao direito constitucional" com sacrifício das

garantias dos administrados.

Posta esta reserva, nada obsta a que certas pretensões de defesa típicas de direitos (subjectivos) fundamentais (p. ex., os direitos fundamentais processuais, cujo reconhecimento às pessoas colectivas é generalizadamente aceite, mas que também podem ser vistos como princípios objectivos do procedimento, destinados a assegurar o correcto cumprimento da função judicial num Estado de Direito; cf. José Manuel Díaz Lemo, "Tienen Derechos Fundamentales las Personas Juridico-Publicas", Revista de Administração Pública, n.º 120, p. 118) sejam absorvíveis pelo princípio do Estado de Direito e pelas garantias institucionais que limitam objectivamente a discricionariedade legislativa. Com efeito, as normas que estabelecem direitos fundamentais consagram também valores constitucionais objectivos que moldam a ordem jurídica e que o legislador tem de respeitar. Nada impede que uma norma se conceba como estabelecendo um direito subjectivo fundamental e ao mesmo tempo uma garantia objectiva, para usar a expressão do Tribunal Constitucional Federal Alemão (apud Inaki Lasagabaster, "Derechos Fundamentales Y Personas Juridicas de Derecho Publico", in Estudios sobre la Constitucion Espanola - Homenaje al Professor Eduardo Garcia de Enterria, Tomo II, p. 672). As normas de direitos fundamentais não contêm apenas direitos subjectivos de defesa de cada sujeito frente ao Estado. Incorporam simultaneamente uma ordem objectiva de valores que, como decisão fundamental jurídico-constitucional, rege em todos os campos do Direito e dá directrizes e impulsos à legislação, administração e jurisprudência.

8 - A argumentação dos recorrentes vai dirigida a sustentar que a referida interpretação normativa, ao não distinguir a particular situação das empresas públicas que se submetem à lógica do mercado e da concorrência das restantes - que possuem prerrogativas especiais de direito público -, sujeitando-as a obrigações de informação totalmente diversas daquelas com que se deparam as empresas privadas, sem um mecanismo de adequada ponderação, põe em causa não só o direito de propriedade e a liberdade de empresa (tutelados nos artigos 62.º e 61.º da CRP), mas também o princípio da coexistência dos sectores público, privado e cooperativo e social e o princípio da concorrência (consagrados na alínea b) do artigo 80.º, no artigo 82.º e na alínea c) do artigo 81.º, respectivamente), bem como, em última análise, o próprio princípio da igualdade (dado que sujeita aquelas empresas públicas a um tratamento muito diverso daquele que rege as empresas privadas, com as quais se encontram em

concorrência).

Arranca esta argumentação da ideia de que a sujeição de toda a actividade das empresas públicas, paritária ou autoritária, de gestão privada ou de gestão pública, ao princípio da transparência administrativa constituiria uma restrição desproporcionada à liberdade de organização, gestão e actividade de empresa (a vertente institucional da

liberdade de iniciativa económica privada).

Há um equívoco na raiz desta argumentação. As empresas públicas, mesmo aquelas que se submetem à lógica do mercado e da concorrência, não cabem no âmbito subjectivo do direito de iniciativa económica previsto no artigo 61.º da Constituição, pelo que este preceito constitucional é imprestável para proibir medidas legislativas de que possam resultar restrições à actuação de tais entes económicos. Efectivamente, o que a Constituição aí reconhece (n.º 1 do artigo 61.º) e reconhece-o com a natureza de um direito fundamental (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª ed., p. 789), é a iniciativa económica não pública: a iniciativa privada, a iniciativa cooperativa e a iniciativa autogestionária. Tutela-se nesse preceito, em conjugação com o artigo 80.º, n.º 2, alínea c), a liberdade de iniciativa e de organização empresarial no âmbito de uma economia mista, mas por parte dos privados, não dos entes públicos, ainda que a exerçam através de entes personalizados que revistam forma de direito comercial ou desenvolvam a sua actividade segundo o direito privado. A iniciativa económica que através destes se desenvolve está no outro pólo do princípio da "economia mista" que a Constituição prevê: constituem iniciativa pública. Respeitam-lhes outras normas da "constituição económica" que estabelecem princípios objectivos da organização económica, mas não estas que conferem direitos

liberdades e garantias contra o Estado.

Não pode, pois, este princípio considerar-se violado pela norma em apreciação, uma vez que a situação não cabe no âmbito de aplicação do preceito.

9 - Também não é procedente a arguição de que o sentido normativo em causa atenta contra qualquer dimensão ou componente da garantia do direito de propriedade privada, assegurada pelo artigo 62.º da Constituição.

Na verdade, é manifesto que a sujeição ao dever de facultar a consulta dos documentos e registos de que se é detentor não é susceptível de contender (a) com a liberdade de adquirir bens, (b) com a liberdade de usar fruir os bens de que se é proprietário, (c) com a liberdade de os transmitir, (d) ou com o direito de não ser privado deles. Essa sujeição pode repercutir-se negativamente no desenvolvimento da actividade da empresa e diminuir a sua aptidão para gerar proveitos, mas não incide sobre a relação privada dessas entidades com quaisquer bens ou direitos patrimoniais.

10 - Importa seguidamente ponderar as objecções esgrimidas contra a interpretação normativa em causa a partir dos princípios fundamentais da ordem jurídico-política da economia, isto é, do conjunto de normas e princípios constitucionais que caracterizam basicamente a organização económica, determinando as principais regras do seu funcionamento, delimitando a esfera de acção dos diferentes sujeitos económicos e o papel do Estado na economia, prescrevendo os grandes objectivos da política económica (a chamada "constituição económica"). Essencialmente, considera a recorrente que a norma em causa fere desproporcionadamente os princípios da coexistência dos sectores público e privado da economia e o princípio da concorrência É certo que constituem princípios fundamentais da organização económico social a coexistência do sector público, do sector privado e do sector cooperativo e social de propriedade dos meios de produção [artigo 80.º, alínea b)] e a liberdade de iniciativa e organização no quadro de uma economia mista [artigo 80.º, alínea c)]. E que incumbe prioritariamente ao Estado, no âmbito económico e social, assegurar o funcionamento eficiente dos mercados, de modo a garantir a equilibrada concorrência entre as empresas, a contrariar as formas de organização monopolistas e a reprimir os abusos de posição dominante e outras práticas lesivas do interesse geral [alínea f) do artigo

81.º].

Trata-se de uma garantia institucional de cada um dos referidos sectores, impedindo a eliminação de qualquer deles, mas mantendo o poder político uma ampla margem de opção, segundo a concepção mais ou menos liberal ou intervencionista que democraticamente prevaleça. Como dizem G. Canotilho e V. Moreira, Constituição..., p. 958, as três formas de iniciativa são concorrenciais nas áreas em que "coabitam", não podendo o poder público tirar proveito da sua condição e dos seus poderes públicos para criar vantagens para as suas empresas. O princípio da concorrência não exclui as empresas públicas. A constituição económica garante a existência de um sector público mais ou menos extenso, mas impede que as empresas que fazem parte do sector público empresarial sejam favorecidos pelo Estado relativamente às suas concorrentes de outros sectores (ibidem, p. 970).

Porém, já não pode retirar-se do princípio da concorrência, isolado ou conjugadamente com a garantia da co-existência dos sectores, uma imposição de igualitarização necessária de condições de funcionamento e organização das entidades empresariais públicas que prevaleça sobre outros princípios a que, pela sua dupla natureza - de interveniente no mercado e de instrumento do ente público instituidor para prosseguir interesses da colectividade nacional postos pela lei a seu cargo, mediante a mobilização de fundos públicos -, devam ficar sujeitas, de modo tal que, em maximização daquele princípio, não lhe pudessem ser impostas obrigações ou deveres inerentes ou justificáveis pelo seu carácter público. Um desses ónus ou servidões, inerentes à natureza púbica das tarefas prosseguidas ou dos meios envolvidos, é o que decorre do princípio da transparência administrativa que pode justificar que a empresa pública seja colocada, quanto à reserva de informação em seu poder, em termos menos favoráveis de intervenção no mercado do que os seus concorrentes.

As empresas públicas são classicamente integradas pela doutrina e jurisprudência nacionais na chamada "administração indirecta", em virtude de constituírem entes, com personalidade de direito privado ou de direito público, que constituem instrumento de, mediata ou imediatamente, prosseguir fins e desempenhar tarefas postos pela Constituição e pela lei a cargo da Administração (Cf., por exemplo, Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. I, 3.ª ed., p. 353/360 e 384/417). Mas, sob esse comum enquadramento, podem encontrar-se em situações muito heterogéneas, seja quanto à relação com o desempenho de tarefas da responsabilidade originária do ente público criador, seja quanto à prestação de bens ou serviços e à intervenção

concorrencial no mercado.

Como diz Pedro Gonçalves, "O direito de acesso à informação detida por empresas do sector público" in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 81, p. 3.

"... as empresas do sector público podem dedicar-se a tarefas da esfera da responsabilidade originária das entidades públicas participantes - eis o que se verifica com as empresas que, por exemplo, se ocupam da gestão de serviços públicos da responsabilidade dos municípios, da gestão das obras públicas municipais ou da gestão do património regional; de igual modo, quanto às empresas públicas do Estado, também estas podem actuar no âmbito de tarefas públicas necessárias e até constitucionalmente impostas ao Estado, como sucede, por exemplo, nos domínios da prestação de cuidados de saúde ou da exploração do serviço público de rádio e de televisão. Situações próximas verificam-se com as empresas que têm como objecto a gestão e alienação do património público, gestão de espaços e de infra-estruturas públicas, a exploração de serviços públicos, etc. Mas, como se sabe, a adopção de formas organizativas empresariais não serve só o interesse de consagração de uma espécie de empresarialização da gestão de tarefas já publicamente apropriadas. Na verdade, não raro, a criação de empresas revela-se um meio para a expansão para novas áreas e, em particular, para o desenvolvimento da iniciativa económica pública e para o exercício de actividades económicas em ambiente de mercado ou, pelo menos, exercidas em vista da obtenção de um lucro (e não apenas em vista do incremento de uma gestão mais eficiente). Especialmente no segundo cenário - apesar de idênticas considerações se poderem tecer, muitas vezes, relativamente ao primeiro -, a empresa do sector público apresenta-se nas vestes de um "operador económico" e, tantas vezes, mesmo como mais um player, em competição e em disputa por uma clientela; assim sucede nos casos em que ingressa em sectores da economia expostos à concorrência e, por conseguinte, abertos à iniciativa económica privada. De forma especialmente notória quando actuam em ambiente de concorrência e de mercado, torna-se nítida uma certa confusão ou mesmo contradição de estatutos, posto que, apesar de se comportarem como operadores económicos, que se expandem para a esfera do mercado, procurando colocar-se sob a alçada da regulação da economia, as empresas não perdem a sua marca de origem, enquanto componentes do sector público e, portanto, elementos da Administração Pública. Não é, decerto, por acaso que a doutrina vem colocando este tipo de entidades numa zona de fronteira, entre o direito privado e o direito administrativo, referindo-se ainda, a este respeito, a uma relação de tensão entre delegação pública e concorrência".

Ora, empresas como as ora recorrentes pertencem claramente no primeiro grupo, mais próximo do directo cumprimento de tarefas públicas necessárias da Administração ou do agenciamento e gestão dos respectivos meios do que da intervenção económica em ambiente de mercado. A sua actuação não é intencionada ao exercício de uma actividade económica, como uma forma de intervencionismo do Estado na economia ou de exercício de iniciativa económica pública. Ao recorrer a esse tipo de entes empresariais, o Estado não pretendeu assumir uma política de intervenção no mercado, como mais um operador ou promotor imobiliário. Actua no mercado, embora tendencialmente liberto das "peias" do direito administrativo, como modo de prosseguir uma tarefa originariamente inserida na actividade administrativa directa. Mais, desempenham aquele tipo de actividade em que a Administração vive para si própria, que é a gestão dos bens que lhe estão afectos.

Com efeito, entre os mais importantes meios de que a Administração carece para prosseguir os interesses que lhe estão confiados contam-se os bens imóveis de que é titular ou sobre que detém poderes de uso ou disposição (recte, de que são titulares ou sobre que detêm direitos de gozo o Estado e demais pessoas jurídicas que integram a Administração Pública). A gestão (lato sensu, incluindo a aquisição e alienação) desses bens constitui ela própria actividade administrativa. Trata-se de uma área de actuação administrativa regida ou intensamente enquadrada por normas de direito público, ainda quando se trate de bens do domínio privado. Actuação essa que está submetida aos princípios gerais da actividade administrativa, designadamente aos princípios da legalidade, da prossecução do interesse público no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé. Embora, como se afirma no preâmbulo do Decreto-Lei 280/2007, de 7 de Agosto, que contém actualmente o regime geral do património imobiliário público, outros princípios concorram e se revistam de especificidade, como os da concorrência, transparência, colaboração, responsabilidade e controlo.

Com a empresarialização da estrutura organizatória administrativa neste domínio teve o legislador primacialmente em vista, potenciar "as capacidades de gestão da quantidade e qualidade dos imóveis do Estado e de alienação dos imóveis excedentários, promove[r] a racionalização das necessidades dos espaços dos serviços públicos e a colocação no mercado dos espaços excedentes" (preâmbulo do Decreto-Lei 209/2000). Assim, esta estrutura empresarial não se destina, primacialmente, a que o Estado intervenha no mercado como operador económico, em fomento da economia, para prover a necessidades gerais que se consideram insuficientemente satisfeitas pela iniciativa privada, para estabelecer padrões económicos (v. gr. de preço, inovação, ou qualidade), para preservar interesses ou posições estratégicas, ou em disputa com as empresas privadas na busca de uma clientela e obtenção de lucro. Embora não deixe de ter peso no mercado, considerando a extensão e valor do património imobiliário público (do lado da oferta) e as suas necessidades em bens desta natureza (do lado da procura), a Administração "privatiza-se" para se libertar ou aligeirar as vinculações jurídico-públicas que lhe limitam a acção no domínio administrativo e financeiro. Mas, apesar da forma societária e da ausência de poderes de autoridade, são ainda tarefas materialmente administrativas que as empresas do tipo agora considerado prosseguem e prosseguem-nas com recursos a fundos públicos.

Neste contexto - face à definição a que se procedeu do objecto do recurso, não cabe tomar posição sobre eventuais ponderações ou modulações desta doutrina relativamente a empresas com diferente ligação às tarefas básicas da Administração -, não pode considerar-se violado o princípio da concorrência e, muito menos, a garantia institucional da co-existência dos sectores (Aliás, mesmo na argumentação dos recorrentes esta garantia só de modo lateral, na medida em que se infligiam às empresas do sector público condições desfavoráveis de concorrência, seria comprometida pela

norma em causa).

O princípio da concorrência não é absoluto, tendo de ser compatibilizado com outros princípios ou valores constitucionais, de modo algum podendo extrair-se dele um imperativo de igualização em função do qual seja constitucionalmente vedado sujeitar as empresas do sector público que actuam em ambiente de mercado a um regime de information disclosure que não seja aplicável às empresas concorrentes, mas que tem justificação na sua ligação organizativa, funcional ou material à Administração Pública em sentido estrito. A adopção de formas de direito privado não afasta o carácter público do substrato financeiro e patrimonial dessas entidades e o carácter público da actividade que desempenham e dos meios de que se servem ou comprometem. Como diz Pedro Gonçalves (loc. cit., p. 10) "o acesso à informação das empresas do sector público revela-se um dos domínios em que se justificam desvios que atendam precisamente ao facto de se tratar de empresas que, mesmo actuando em ambiente de mercado - e nem sempre este é o caso -, não são empresas como as outras (do sector privado), pois pertencem aos poderes públicos e desenvolvem uma acção que é acção pública, que se funda numa competência e não na liberdade".

11 - É certo que a sujeição genérica das empresas do sector público ao dever de informação no âmbito da LADA, sobretudo daquelas que actuam em ambiente concorrencial, as pode colocar em situação de inferioridade relativamente a empresas do sector privado ou do sector social e cooperativo. Apesar de a acuidade do problema se apresentar minorada pelo facto de o dever de revelação incidir sobre documentos e registos relativos a processos negociais findos, tem de reconhecer-se que as empresas sujeitas a este especial e incondicionado dever de informação a qualquer interessado não poderão impedir que, por essa via, de modo directo ou indirecto, os seus competidores no mercado ou os seus potenciais parceiros de negócio acedam a dados reveladores das suas estratégias, das suas potencialidades e das suas necessidades ou disposições de actuação, com o consequente enfraquecimento da posição negocial e da aptidão ou condições para a disputa concorrencial. Acesso que as empresas do sector privado com escopo ou objecto equiparável não estão obrigadas a facultar. Assim, por via das particulares imposições de transparência acrescida a que o legislador as submete em nome da sua lógica dual (de operadores económicos e de entidades do sector público), essas empresas podem tornar-se um

player normativamente debilitado.

Todavia, não pode o Tribunal concluir que essas consequências desvantajosas para as empresas do sector público empresarial sejam, pela sua natureza ou intensidade, de molde a colidir com a garantia da (co)existência do sector público dos meios de produção [alínea b) do artigo 80.º e artigo 82.º da Constituição] ou contrariem a incumbência prioritária do Estado de zelar pela eficiência do sector público [alínea c) do artigo 81.º da Constituição). Com efeito, a imperatividade constitucional da existência de um sector público dos meios de produção, com a reflexa garantia da existência de empresas públicas, deixa ao legislador uma larga margem de determinação quanto ao seu âmbito e de conformação quanto às respectivas formas organizativas e de cometimento de tarefas, bem como de conciliação entre a lógica empresarial e as vinculações inerentes à sua ligação organizativa, funcional ou material à Administração Pública ou, de um modo geral, ao controlo ou à titularidade pública. E o princípio da eficiência do sector público não tem suficiente densidade regulativa para poder ser erigido em parâmetro de controlo constitucional que exceda o nível da evidência. Há uma larga indeterminação da cláusula constitucional em causa, a remeter para prognoses do poder político democrático, inevitavelmente condicionadas e dependentes da realização de outros fins do Estado, que limita a intensidade do juízo crítico de validade constitucional sobre as soluções político-legislativas. De tal modo que a imposição empresas do sector público de sujeições ou deveres do género daquele que está em apreciação, embora possa tornar a actuação de cada uma delas menos eficiente numa lógica de estrita organização e funcionamento empresarial, só poderá ser julgada contrária à Constituição quando não encontre justificação noutros valores constitucionais ou prossiga estes de modo a atingir o núcleo essencial da garantia institucional do sector público. O que não pode afirmar-se da sujeição das empresas públicas cujo objecto seja a aquisição, gestão e alienação do património imobiliário público aos deveres de informação não procedimental, nos termos definidos pela norma em causa, na interpretação que lhe foi conferida pela decisão recorrida, cujo acerto, repete-se, não compete ao Tribunal censurar.

12 - Argumentam, ainda as recorrentes que a interpretação normativa em causa, ao permitir o acesso a documentos e o conhecimento de negócios particulares das empresas públicas concorrenciais com outras empresas sem consentimento destas, contraria objectivamente o direito de propriedade e de liberdade de empresa, agora na perspectiva dessa empresas do sector privado, seus parceiros de negócio.

Mas também aqui sem razão.

Em primeiro lugar, o acesso só é permitido relativamente a elementos respeitantes a procedimentos negociais findos, o que assegura um tempo de resguardo ou uma reserva pro tempore naquele momento ou na fase em que ela é essencial ao desenvolvimento da actividade em sã e leal concorrência.

Além disso, o acesso por parte de terceiros está sujeito às restrições enunciadas no artigo 6.º, designadamente, as que respeitem a documentos que contenham segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa, que só podem ser acessíveis a quem demonstrar interesse directo pessoal e legítimo suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade.

Finalmente, não podem as empresas que se relacionam com empresas públicas ignorar as servidões e restrições de actuação do seu parceiro contratual, sendo esse um dado do ambiente negocial ou de actuação económica com que todos os operadores económicos devem razoavelmente contar quando disponibilizam informação que considerem particularmente sensível. Do mesmo modo aliás, que sucede quando se relacionam com outro órgão e entidade sujeito ao dever de informação administrativa.

Tanto basta para não se considerarem violados quaisquer dos princípios ou normas

constitucionais que as recorrentes referem.

III - Decisão. - Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso e condenar as recorrentes nas custas, fixando a taxa de justiça em 25 unidades de conta.

Lisboa, 15 de Dezembro de 2010. - Vítor Gomes - Ana Maria Guerra Martins - Maria Lúcia Amaral - Carlos Fernandes Cadilha (vencido de acordo com a declaração de voto em anexo) - Gil Galvão (vencido, no essencial, pelas razões constantes da declaração de voto do Exmo. Sr. Conselheiro Carlos Fernandes

Cadilha, para a qual remeto).

Declaração de voto

As empresas públicas recorrentes, de acordo com os respectivos estatutos orgânicos, não podem ser entendidas como entidades dotadas de poderes de autoridade, para os efeitos do artigo 14.º do Decreto-Lei 558/99, de 17 de Dezembro, nem são empresas prestadoras de serviços públicos, que o mesmo diploma define como sendo apenas aquelas que devam assegurar a universalidade e continuidade dos serviços prestados e agir de acordo com o princípio de tratamento igualitário dos utilizadores (artigos 19.º e 20.º). Por outro lado, o seu objecto social prende-se, directa ou indirectamente, com a realização de operações de alienação, promoção e arrendamento de bens do património imobiliário público, assim como visa o financiamento da respectiva actividade, pelo que se não reporta a uma actividade administrativa, na medida em que não envolve o exercício de prerrogativas de poder público ou a sujeição a disposições ou princípios de direito administrativo.

Trata-se, por isso, de empresas públicas puramente concorrenciais, que exercem uma actividade privada e se encontram no mercado em situação equiparada à de outras empresas concorrentes do sector privado. Como tal, essas empresas, enquanto entidades administrativas privadas ou empresas privadas de mão pública, apenas poderão encontrar-se subordinadas aos princípios da actividade administrativa, entendidos estes como limites negativos de actuação ou parâmetros de juridicidade, e

não como critérios directos de actuação.

Admite-se, por exemplo, que aos respectivos órgãos dirigentes se torne extensivo o regime de impedimentos do CPA (por respeito ao princípio da imparcialidade) ou o critério de tratamento igualitário dos particulares (por respeito ao princípio da igualdade), mas não já o dever de decisão (artigo 9.º do CPA) ou o dever de fundamentação das decisões (artigo 124.º do CPA). E, por identidade de razão, não lhes é também aplicável o dever de informação sobre documentos que tenham em seu poder, por efeito do exercício da sua actividade, e que provêm apenas da prática de

actos correntes de gestão privada.

Não pode ignorar-se, por outro lado, que a Constituição, no artigo 80.º, alínea c), garante, num contexto de economia mista, a liberdade de iniciativa económica e de organização empresarial nos três sectores económicos, incluído portanto o sector público, dando às entidades públicas tendencialmente a mesma liberdade de iniciativa económica que as entidades privadas e cooperativas, e, no artigo 81.º, alínea c), assegura a plena utilização das forças produtivas, designadamente através do princípio de eficiência do sector público, o que aponta para a implementação de medidas de gestão empresarial do sector público e a sua sujeição a mecanismos de concorrência (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição, I vol., Coimbra, págs. 958 e 968).

A garantia institucional do sector empresarial do Estado assegura, nestes termos, um tratamento público essencialmente igual das empresas dos diversos sectores, sem discriminações injustificadas, e sempre que se trate de empresas públicas que operam no mercado em concorrência elas têm de dispor de margem de autonomia de gestão necessária para participarem no mercado em pé de igualdade com as empresas privadas, não podendo estar sujeitas a formas estritas de controlo administrativo que entravem a sua liberdade de actuação (idem, págs. 977 e 981).

Relativamente à norma do artigo 4.º, n.º 1, alínea d), da lei de Acesso aos Documentos Administrativos (LADA) seria possível, portanto, formular uma interpretação conforme à Constituição que viesse a considerar a referência aí feita aos "órgãos das empresas públicas" como respeitando apenas aos documentos produzidos por entidades jurídico-privadas que disponham de prerrogativas de autoridade ou submetam certos aspectos do seu funcionamento a um regime de direito administrativo, e não já àqueles que sejam elaborados ou obtidos no âmbito de actividades que se regem pela lógica de mercado e de livre concorrência ou visam a simples prossecução de interesses privados, ainda que de carácter não lucrativo. Apontando nesse sentido, também, a circunstância de a LADA pretender apenas regular o acesso aos "documentos administrativos", com expressa exclusão daqueles "cuja elaboração não releve da actividade administrativa" - cf. artigos 2.º e 4.º, n.º 2, alínea b) (neste sentido, Mário Aroso de Almeida/Carlos Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª edição, Coimbra, pág. 696).

Tendo o acórdão recorrido adoptado uma leitura mais abrangente da referida disposição, englobando no âmbito aplicativo do diploma todas as empresas públicas, sem qualquer distinção - e que o Tribunal Constitucional não pode sindicar, no plano do direito ordinário -, a questão que se coloca é a de saber se tal interpretação normativa pode constituir uma discriminação constitucionalmente infundada em relação às empresas públicas que actuem em plena e livre concorrência, em termos de colocar em causa a garantia institucional de reserva do sector empresarial do Estado segundo os apontados princípios de eficiência e da concorrência.

É patente - como, aliás, se reconhece no acórdão - que a sujeição das empresas públicas concorrenciais ao dever de revelação de documentos e registos relativos às operações de venda e arrendamento ou cedência de propriedades do Estado, ainda que respeitem apenas a processos findos, agrava posição negocial dessas empresas e põe em risco a aptidão para intervirem no mercado em confronto com as outras empresas imobiliárias. Nesse sentido, a medida legislativa, objectivamente, põe em causa o princípio da eficiência do sector público e o princípio da concorrência entre empresas dos sectores público e privado que intervenham na mesma área de

actividade.

Não tem validade a consideração de que se trata de empresas públicas estaduais, visto que o Estado-legislador não pode deixar de cumprir os imperativos da constituição económica mesmo em relação às empresas do sector público empresarial. De resto, no estrito plano das regras de concorrência, torna-se tão relevante o desvalor das medidas legislativas que atribuam exclusivos ou privilégios às empresas públicas que actuem em economia de mercado, como, inversamente, o daquelas que imponham encargos ou sujeições às empresas públicas que se tornem susceptíveis de distorcer o

funcionamento do mercado.

Certo é que a Constituição confere ao legislador uma ampla margem de liberdade de conformação quanto à definição dos exactos limites entre o sector público e do sector privado, significando que pode variar a dimensão de cada um dos sectores e apenas lhe está vedado ampliar ou reduzir excessivamente qualquer deles em termos de afectar o núcleo essencial da garantia da coexistência de sectores. O que está em causa, na situação vertente, não é, contudo, a garantia institucional da existência do sector público empresarial, mas a possível violação de critérios normativos autónomos, que se encontram constitucionalmente consagrados - como o princípio da eficiência ou o princípio da concorrência -, e relativamente aos quais não se torna exigível, para efeito do controlo de constitucionalidade, um especial grau de intensidade ou de evidência.

O legislador poderia ter mantido a gestão do património imobiliário do Estado no âmbito do sector público administrativo, ou atribuído essa função a empresas públicas empresariais ou a empresas públicas que pudessem integrar a categoria de empresas prestadoras de serviços públicos, relativamente às quais o controlo público é mais intenso. Mas tendo optado por delegar essa actividade em empresas públicas societárias que operam em ambiente de mercado e se regem por meros critérios económicos de decisão, estas não podem ficar sujeitas a entraves e constrangimentos de ordem procedimental que enfraqueçam ou limitem o seu modo típico de actuação e ponham em risco as finalidades de uma gestão mais eficiente e da obtenção de um

lucro.

Basta considerar que o dever de prestar informação sobre documentos atinentes às operações de alienação, arrendamento ou cedência de imóveis do Estado, não se encontrando normalmente abrangida, pela sua própria natureza, por qualquer das restrições legais ao direito de acesso a que se refere o artigo 6.º, n.º 6, da LADA, poderá ser utilizada pelos requerentes, não apenas para fins privados, mas para competir, na mesma área de intervenção económica, com as empresas públicas a quem

incumbe a gestão desse património.

No caso, a interpretação adoptada pelo tribunal recorrido, ao conferir relevo apenas ao facto de se tratar de empresas do sector público, desconsiderando que actuam como meros operadores económicos, coloca essas empresas numa situação de discriminação e efectiva desigualdade perante as empresas privadas concorrentes, o que representa, em si, um desvio ao princípio da equiparação, que está pressuposto nas normas dos artigos 80.º, alínea c), e 81.º, alínea c), da Constituição.

O que seria suficiente para que se pudesse formular um juízo de inconstitucionalidade. -

Carlos Fernandes Cadilha.

204247651

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2011/01/27/plain-281912.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/281912.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1993-08-26 - Lei 65/93 - Assembleia da República

    REGULA O ACESSO DOS CIDADAOS A DOCUMENTOS RELATIVOS A ACTIVIDADES DESENVOLVIDAS POR ÓRGÃOS DO ESTADO E DAS REGIÕES AUTÓNOMAS, QUE EXERCAM FUNÇÕES ADMINISTRATIVAS, ÓRGÃOS DOS INSTITUTOS PÚBLICOS, ASSOCIAÇÕES PÚBLICAS E ÓRGÃOS DAS AUTARQUIAS LOCAIS, SUAS ASSOCIAÇÕES E FEDERAÇÕES, BEM COMO OUTRAS ENTIDADES NO EXERCÍCIO DE PODERES DE AUTORIDADE EXCEPTUANDO-SE O ACESSO A NOTAS PESSOAIS, ESBOÇOS, APONTAMENTOS E REGISTOS DE NATUREZA SEMELHANTE E A DOCUMENTOS CUJA ELABORACAO NAO RELEVE DA ACTIVIDADE ADMINISTRATIVA, (...)

  • Tem documento Em vigor 1999-01-13 - Lei 1/99 - Assembleia da República

    Aprova o Estatuto do Jornalista.

  • Tem documento Em vigor 1999-12-17 - Decreto-Lei 558/99 - Ministério das Finanças

    Estabelece o regime jurídico do sector empresarial do Estado e das empresas públicas.

  • Tem documento Em vigor 2000-09-02 - Decreto-Lei 209/2000 - Ministério das Finanças

    Reorganiza sob a forma empresarial a gestão da carteira de títulos do Estado e do património imobiliário público através da criação da PARPÚBLICA - Participações Públicas (SGPS), S. A.

  • Tem documento Em vigor 2006-06-12 - Lei 19/2006 - Assembleia da República

    Regula o acesso à informação sobre ambiente, transpondo para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2003/4/CE (EUR-Lex), do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de Janeiro.

  • Tem documento Em vigor 2007-08-07 - Decreto-Lei 280/2007 - Ministério das Finanças e da Administração Pública

    No uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 10/2007, de 6 de Março, estabelece o regime jurídico do património imobiliário público.

  • Tem documento Em vigor 2007-08-23 - Decreto-Lei 300/2007 - Ministério das Finanças e da Administração Pública

    Procede, no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 17/2007, de 26 de Abril, à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro, que estabelece o regime do sector empresarial do Estado e das empresas públicas.

  • Tem documento Em vigor 2007-08-24 - Lei 46/2007 - Assembleia da República

    Regula o acesso aos documentos administrativos e a sua reutilização, revoga a Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, com a redacção introduzida pelas Lei n.os 8/95, de 29 de Março, e 94/99, de 16 de Julho, e transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2003/98/CE (EUR-Lex), do Parlamento e do Conselho, de 17 de Novembro, relativa à reutilização de informações do sector público.

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