Acórdão do Tribunal Constitucional 503/2024, de 18 de Julho
- Corpo emitente: Tribunal Constitucional
- Fonte: Diário da República n.º 138/2024, Série I de 2024-07-18
- Data: 2024-07-18
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Sumário
Texto do documento
Processo 55/23
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
I. RELATÓRIO
1 - O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional requereu, nos termos do disposto no artigo 82.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (aprovada pela Lei 28/82, de 15 de novembro, e alterada por último pela Lei Orgânica 1/2022, de 4 de janeiro, adiante designada "LTC"), a organização de um processo, a tramitar nos termos do processo de fiscalização abstrata e sucessiva da constitucionalidade, com vista à apreciação, pelo Plenário, da inconstitucionalidade da norma constante do artigo 154.º da Lei 7-A/2016, de 30 de março, na parte em que atribui natureza interpretativa à redação que o artigo 153.º da mesma lei deu à verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo, anexa ao Código do Imposto do Selo.
2 - Para fundamentar o seu pedido, o requerente alega que a referida norma foi julgada inconstitucional nos Acórdãos n.os 566/2020, 196/2021 e 348/2021 e nas Decisões Sumárias n.os 330/2021 e 331/2021 (cf. o previsto no n.º 3 do artigo 281.º da Constituição), bem como que todas as referidas decisões transitaram em julgado.
3 - Notificado nos termos conjugados do artigo 54.º e do n.º 3 do artigo 55.º ambos da LTC, o Presidente da Assembleia da República ofereceu o merecimento dos autos, enviando uma nota técnica sobre os trabalhos preparatórios conducentes à Lei 7-A/2016, de 30 de março, elaborada pelos serviços de apoio à respetiva Comissão de Orçamento e Finanças.
4 - O requerente tem legitimidade e as decisões identificadas no requerimento pronunciaram-se no sentido da inconstitucionalidade da norma a apreciar nos presentes autos, mostrando-se transitadas em julgado, pelo que se encontram reunidas todas as condições previstas no artigo 82.º da LTC.
5 - Discutido o memorando a que se refere o artigo 63.º, n.º 1, da LTC e atribuído o relato da decisão, cumpre elaborar o Acórdão em conformidade com o entendimento alcançado em Plenário.
II. FUNDAMENTAÇÃO
6 - O pedido de fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade formulado nos presentes autos tem por base diversas decisões proferidas em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade (cf. o artigo 281.º, n.º 3, da Constituição e o artigo 82.º da LTC), que versaram sobre norma extraída do artigo 154.º da Lei 7-A/2016, de 30 de março, cujo teor é o seguinte:
"Artigo 154.º
Disposição interpretativa no âmbito do Código do Imposto do Selo
As redações dadas ao n.º 1, n.º 3 e alínea b) do n.º 5, todos do artigo 2.º, ao n.º 8 do artigo 4.º e ao n.º 7 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo e à verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo têm carácter interpretativo."
Por sua vez, a redação da Verba n.º 17.3.4. da Tabela Geral do Imposto do Selo foi alterada pelo artigo 153.º da mesma Lei. Onde se previa que o imposto do selo incidisse sobre "17 - Operações financeiras: [...] 17.3.4 - Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros... 4 %", passou a prever-se "17.3.4 - Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões... 4 %".
7 - Esclareça-se, antes de mais, que as decisões em que se baseia o presente pedido, bem como outras que se pronunciaram no mesmo sentido nele não citadas (designadamente, o Acórdão 869/2021 e a Decisão Sumária n.º 54/2022), versaram sobre normas que, embora com formulações aparentemente distintas, são de idêntico sentido e alcance.
7.1 - Com efeito, nos Acórdãos n.º 566/2020 e n.º 196/2021, bem como nas Decisões Sumárias n.os 330/2021 e 331/2021, foi julgada inconstitucional, por violação da proibição de criação de impostos com natureza retroativa estatuída no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, a norma do artigo 154.º da Lei 7-A/2016, de 30 de março, na medida em que atribui natureza interpretativa à redação que o artigo 153.º da mesma Lei deu à verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (adiante designada "TGIS"), anexa ao Código do Imposto do Selo (doravante designado "CIS").
7.2 - Enquanto nos Acórdãos n.os 348/2021 e 869/2021, bem como na Decisão Sumária n.º 54/2022, foi julgada inconstitucional, por violação da proibição de criação de impostos com natureza retroativa estatuída no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, a norma do artigo 154.º da Lei 7-A/2016, de 30 de março, na parte em que, atribuindo caráter interpretativo à redação dada pelo artigo 153.º dessa Lei à verba 17.3.4 da TGIS, determina que se considerem abrangidas por esta verba as quantias cobradas entre entidades bancárias, em data anterior à entrada em vigor daquela Lei, por operações com cartões em caixas automáticas e a título de taxa multilateral de intercâmbio.
7.3 - Contudo, analisados, em especial, os Acórdãos n.os 566/2020, 196/2021 e 348/2021, observa-se que em todos os casos o que estava em causa era a aplicação da nova redação da Verba 17.3.4 da TGIS a quantias cobradas entre entidades bancárias a título de taxa multilateral de intercâmbio e de operações com cartões em caixas automáticas, e não a prestações cobradas pelas entidades bancárias a clientes, como a Taxa de Serviço do Comerciante (adiante designada "TSC"), que como adiante se verá sempre ficou excluída do âmbito de apreciação da alteração legislativa submetida à fiscalização deste Tribunal.
7.4 - Doravante, optar-se-á, pois, por ter por objeto do presente acórdão a norma do artigo 154.º da Lei 7-A/2016, de 30 de março, na parte em que, atribuindo caráter interpretativo à redação dada pelo artigo 153.º dessa Lei à verba 17.3.4 da TGIS, determina que se considerem abrangidas por esta verba as quantias cobradas entre entidades bancárias, em data anterior à entrada em vigor daquela Lei, por operações com cartões em caixas automáticas e a título de taxa multilateral de intercâmbio.
8 - A respeito desta alteração legislativa, e confrontado com uma norma que era designada pelo legislador como interpretativa e pelo Tribunal a quo como inovadora, começou este Tribunal, no Acórdão 566/2020, por considerar o seguinte:
"16 - Segundo a decisão recorrida, apesar de o legislador classificar a norma em apreciação como meramente interpretativa, ela apresenta-se como sendo verdadeiramente inovadora. Assim, considerou que, ao definir a nova redação da verba 17.3.4., dada pelo artigo 153.º da Lei 7-A/2016, como mera interpretação, através do artigo 154.º da mesma lei, o legislador está a impor retroativamente novos encargos fiscais. Em consequência, o tribunal a quo recusou a aplicação "daquele artigo 154.º, bem como da nova redação da verba 17.3.4".
Concretamente, entendeu o Tribunal recorrido, no ponto 3.3.2. da decisão, que, face à redação vigente em 2014, as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas automáticas em operações com cartões bancários, não eram enquadráveis na verba da TGIS, atinente a “Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros”. Consequentemente, entendeu que que a norma a que foi atribuída natureza interpretativa pelo artigo 154.º da Lei 7-A/2016, é inovadora, pelo que as alterações introduzidas pelo artigo 153.º da Lei 7-A/2016 à verba 17.3.4., não poderiam ser aplicadas ao caso em apreciação, por serem materialmente inconstitucionais, atendendo à proibição constitucional da retroatividade na área fiscal, constante do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição.
Num primeiro momento a decisão recorrida salienta as diferenças de redação da verba 17.3.4 da TGIS vigente em 2014 e resultante da Lei 7-A/2016, entendendo que, à face da redação vigente em 2014, as comissões em causa, cobradas entre entidades bancárias, não eram enquadráveis na verba 17.3.4 TGIS, porque então se fazia referência apenas a “operações financeiras” e a “outras comissões e contraprestações por serviços financeiros”. Mais observou que o artigo 3.º, n.º 3, alínea g), do CIS estabelecia que o titular do interesse económico nas restantes operações financeiras realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades ou outras instituições financeiras, era o cliente das mesmas. Só, posteriormente, pela Lei 22/2017, de 23 de maio, seria introduzido o aditamento da alínea h) ao n.º 3 do artigo 3.º do CIS, estabelecendo que, se considera titular do interesse económico (i.e., fica com o encargo do imposto), "nas operações de pagamento baseadas em cartões, previstas na verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo, as instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras a quem aquelas forem devidas".
Do conjunto destas normas inferiram os árbitros que as “operações financeiras” a que se reportava a verba 17.3.4 seriam aquelas que são praticadas entre aquelas instituições e os clientes, que são os titulares do interesse económico - o que, neste tipo de atos sujeitos a Imposto do Selo, constituía fundamento para imposição do encargo da tributação, nos termos do artigo 3.º
Em consequência, entendeu o tribunal a quo que "não haveria fundamento para tributar as comissões e contraprestações cobradas entre entidades bancárias para repartirem entre si as despesas necessárias para suportar o funcionamento do sistema de pagamentos automáticos (TMI)" por se afigurar "manifesto que nesses pagamentos interbancários não havia qualquer relevância do interesse dos clientes. Por outro lado, no que concerne à utilização de cartões bancários, estava vedado às instituições de crédito, “cobrar quaisquer encargos diretos pela realização de operações bancárias em caixas automáticas” (artigo 2.º do Decreto-Lei 3/[2010], de 5 de janeiro)". Assim "se no que concerne às operações em caixas automáticas (multibanco), havia prestação de serviços financeiros aos clientes de instituições bancárias", certo é que "pela prestação destes serviços não poderia haver comissões ou contraprestações enquadráveis na verba 17.3.4". Considerando, portanto, que a referida verba, na redação vigente em 2014, não abrangia a TMI nem as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticas em operações com cartões bancários, a decisão recorrida concluiu que as alterações legislativas introduzidas pelas Lei 7-A/2016, no contexto da Lei 22/2017, não podem ser aplicadas à situação em causa no processo por força da proibição constitucional da retroatividade da criação de impostos.
Desta forma, a decisão recorrida fundamentou, com base em argumentos de ordem literal, teleológica e sistemática o caráter inovador que atribuiu à norma agora sob fiscalização. Ora, inserindo-se este recurso no domínio da fiscalização concreta de constitucionalidade, a interpretação do direito infraconstitucional feita pelo tribunal recorrido é, em princípio, vinculativa para o Tribunal Constitucional, ao qual cabe julgar a conformidade ou desconformidade com a Constituição da norma cuja aplicação a decisão recorrida recusou (artigo 79.º-C da LTC).
É certo que o Tribunal Constitucional não está impedido de se afastar da interpretação acolhida pela decisão recorrida (cf. o artigo 80.º, n.º 3, da LTC). No caso sub iudicio, contudo, não encontramos razões para duvidar do acerto da caracterização da norma que foi efetuada pelo tribunal a quo.
Na versão vigente em 2014, a verba 17.3.4 da TGIS fazia referência apenas a "operações financeiras" e a "outras comissões e contraprestações por serviços financeiros" o que por si só não impunha a conclusão de não incidência das taxas em referência da incidência do IS. Todavia, o artigo 3.º, n.º 3, alínea g), do CIS estabelecia que se considerava "titular do interesse económico [...] nas restantes operações financeiras realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades ou outras instituições financeiras, o cliente destas". Esta redação permitia inferir, como o tribunal a quo fez, que as "operações financeiras" a que se reportava a verba 17.3.4 seriam aquelas que são praticadas entre estas e os clientes, por serem estes os titulares do interesse económico que constituía fundamento para imposição do encargo da tributação, nos termos do artigo 3.º Assim sendo, parecia não existir justificação legal para abranger no âmbito de aplicação da verba as comissões e contraprestações cobradas entre entidades bancárias - sem envolver os seus clientes - para repartirem entre si as despesas necessárias para suportar o funcionamento do sistema de pagamentos automáticos (como é o caso da TMI).
Para além disso, resulta do artigo 2.º do Decreto-Lei 3/2010, de 5 de janeiro, que, no que concerne à utilização de cartões bancários, estava vedado às instituições de crédito, "cobrar quaisquer encargos diretos pela realização de operações bancárias em caixas automáticas". Assim, apesar de haver prestação de serviços financeiros aos clientes de instituições bancárias nas operações em caixas automáticas (multibanco), o certo é que pela prestação destes não poderia haver comissões ou contraprestações enquadráveis na verba 17.3.4.
Nesse sentido se pronunciaram igualmente outros tribunais arbitrais no âmbito do CAAD (cf. a decisão de 31 de outubro de 2019 no processo 171/2019-T, que replica a fundamentação proferida no acórdão aqui recorrido, bem como o acórdão de 24 de janeiro de 2019, proferido no processo 431/2018-T, ambos disponíveis no URL: https://caad.org.pt/tributario/decisoes).
Em abono da sua tese o recorrente invoca a decisão arbitral proferida em 7 de dezembro de 2017 no proc. 756/2016-T do CAAD. Todavia, o objeto daquela decisão não incidiu sobre a TMI ou as comissões interbancárias, antes sobre a TSC, que tem outras características e suscita, por conseguinte, questões de interpretação também diferentes."
9 - A este entendimento aderiu o Acórdão 196/2021, tendo havido oportunidade de acrescentar, no Acórdão 348/2021, o seguinte:
"5 - [...] Com efeito, a jurisprudência do CAAD sobre a norma que constitui objeto do presente recurso - e que se cinge, sublinhe-se, à interpretação da verba n.º 17.3.4 da TGIS na parte em que se entende incidir sobre as quantias cobradas entre entidades bancárias por operações com cartões em caixas automáticas e a título TMI, e não na parte em que incide sobre a designada Taxa de Serviço do Comerciante ("TSC") - tem predominantemente entendido que ofende a Constituição ao atribuir um caráter interpretativo a uma norma substancialmente inovadora (neste sentido, além dos processos citados no Acórdão 566/2020, v. as decisões proferidas sobre os processos n.º 103/2018-T, 36[2]/2019-T, 127/2020-T e 433/2020-T). A única decisão em sentido verdadeiramente dissonante - já que o acórdão proferido no processo 756/2016-T não se pronunciou expressamente sobre estas comissões por serviços interbancários, é o Acórdão 496/2017-T, em que se defendeu que "a taxa multilateral de intercâmbio e as comissões por operações com cartões - ou, noutra abordagem, as comissões cobradas em TAP e em ATM - estão sujeitas a tributação, e o regime resultante da intervenção (dita interpretativa) do legislador tem legítima pretensão a ser idêntico ao anteriormente vigente." (v. o n.º V.3).
Reforça, no entanto, a tese maioritariamente defendida na jurisprudência do CAAD, a alteração introduzida pela Lei 22/2017, de 23 de maio, na alínea h) do n.º 3 do artigo 3.º do Código do Imposto do Selo. Dispõe este artigo que o imposto do selo "constitui encargo dos titulares do interesse económico" subjacente às operações sobre as quais o imposto incide, tendo a Lei 22/2017 disposto que são considerados "titulares de interesse económico" "nas operações de pagamento baseadas em cartões, previstas na verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo, as instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras a quem aquelas forem devidas" (cf. a alínea h) do n.º 3 do artigo 3.º do Código), onde antes só constava desse elenco a referência aos clientes das instituições de crédito, sociedades ou outras instituições financeiras, no que se refere à generalidade das operações financeiras realizadas por essas instituições ou com a sua intermediação (cf. a alínea g) do n.º 3 do artigo 3.º do Código, na redação original)."
10 - Desde então, se no que respeita à TSC se manteve a orientação jurisprudencial segundo a qual "[a] Taxa de Serviço do Comerciante (TSC) reveste a natureza de uma comissão cobrada aos beneficiários de operações de pagamento (em regra, os comerciantes) pelos respectivos prestadores de serviços de pagamento, por cada transacção realizada com cartão nos terminais de pagamento automático (TPA)", devendo ser considerada uma "prestação de serviços de pagamento [que] cabe, pois, dentro do conceito “Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros”, estando por conseguinte sujeita a I.Selo, mediante a aplicação da verba 17.3.4 da TGIS, na redacção em vigor em 2012, mais sendo irrelevante a alteração na norma introduzida pelo art.º 153.º, da Lei 7-A/2016, de 30/03" (v. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 4 de maio de 2022, Proc. n.º 01711/15.1BEPRT e no mesmo sentido, os Acórdãos daquele Supremo de 18 de maio de 2022, Proc. n.º 01670/15.0BELRS, e de 8 de junho de 2022, Proc. n.º 01826/15.6BELRS, bem como, v.g. a decisão arbitral proferida no Processo 239/2019-T); na jurisprudência arbitral relativa às prestações pagas entre entidades bancárias permaneceu dominante a orientação segundo a qual "a verba 17.3.4, na redação vigente até à entrada em vigor da Lei 7-A/2016, não abrangia nem a TMI, nem as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações com cartões bancários" pelo que "as alterações legislativas introduzidas pela Lei 7-A/2016 e pela Lei 22/2017, atento o seu carácter inovador, não podiam ser aplicadas" às quantias cobradas entre entidades bancárias antes das alterações introduzidas pela Lei 7-A/2016, de 30 de março (v., além das citadas nos Acórdãos n.º 566/2020 e 348/2021, a decisão proferida no processo 763/2020-T).
11 - A esta luz, o artigo 154.º da Lei 7-A/2016, de 30 de março, na parte em que, atribuindo caráter interpretativo à redação dada pelo artigo 153.º dessa Lei à Verba 17.3.4 da TGIS, determinou que o imposto do selo incidisse sobre comissões e contraprestações por serviços financeiros que, até a essa data, não se encontravam abrangidas por tal preceito, não pode deixar de ser entendido como uma norma que pretendeu atribuir consequências jurídicas novas a factos tributários já verificados, sendo pois autenticamente retroativa - e como tal, segundo a jurisprudência do Tribunal Constitucional, inconciliável com o n.º 3 do artigo 103.º da Constituição, independentemente de o legislador a designar como uma lei interpretativa.
12 - Com efeito, chamado a revisitar o problema das leis interpretativas em matéria fiscal de sentido desfavorável aos seus destinatários, este Tribunal teve recentemente ocasião de clarificar o tratamento a conferir, à luz do n.º 3 do artigo 103.º da Constituição, às leis como tal designadas pelo legislador, reafirmando que não merece discussão que são dignas de censura constitucional todas as "norma[s] que atribua[m] a outra norma um sentido que, à luz dos critérios interpretativos comummente reconhecidos no nosso ordenamento jurídico, não lhe podia ser atribuído na sua redação primária" (v. o Acórdão 121/2023, § 16) - ou seja, todas as normas inovadoras a que o legislador, abusando do recurso à sua qualificação como interpretativas, pretende atribuir eficácia autenticamente retroativa.
12.1 - Tal como se afirmou no Acórdão 751/2020:
"8 - No domínio fiscal rege, desde a revisão constitucional de 1997, a norma do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição: ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que tenham natureza retroativa. Consequentemente, o legislador não pode criar impostos com tal natureza ou introduzir nos impostos existentes modificações que, com efeitos retroativos, os agravem. Segundo a jurisprudência constitucional, retira-se daquele preceito uma proibição de estatuir consequências jurídicas novas que constituam ex novo ou agravem situações fiscais já definidas, nomeadamente o quantum devido a título de certo imposto e previamente definido em razão da verificação de todos os factos relevantes à luz do direito aplicável antes da estatuição das consequências jurídicas novas. Nesse sentido, afirmou-se no Acórdão 128/2009:
"Decorre deste preceito constitucional, que qualquer norma fiscal desfavorável (não se entrando aqui na questão de saber se normas fiscais favoráveis podem, e em que medida, ser retroativas) será constitucionalmente censurada quando assuma natureza retroativa, sendo a expressão “retroatividade” usada, aqui, em sentido próprio ou autêntico: proíbe-se a aplicação de uma lei fiscal nova, desvantajosa, a um facto tributário ocorrido no âmbito da vigência da lei fiscal revogada (a lei antiga) e mais favorável.
Em bom rigor, deve dizer-se que, para além de explicitar um princípio que decorria já de outro constitucionalmente consagrado, o legislador constituinte, na revisão de 1997, veio lançar luz sobre a polémica que povoava a jurisprudência do Tribunal.
As decisões do Tribunal, até 1997, assentavam no seguinte argumento: uma lei fiscal seria inconstitucional (por violação do princípio da confiança) apenas quando imposta a retroatividade em “termos que choquem a consciência jurídica e frustrem as expectativas fundadas dos contribuintes”. Desenvolvendo este critério, disse o Tribunal que a retroatividade das leis fiscais seria constitucionalmente legítima sempre que não ferisse “de forma inadmissível ou intolerável, a certeza e a confiança na ordem jurídica dos cidadãos por ela afetados; ou que não trai[sse], de forma arbitrária e injustificada, as expectativas juridicamente tuteladas e criadas na esfera jurídica dos cidadãos ao abrigo das disposições vigentes à data da ocorrência dos factos que as geraram”.
[...]
Uma vez expresso no texto da Constituição a proibição da retroatividade em matéria fiscal, o Tribunal passou a ler esta proibição já não numa dimensão subjetiva (dependendo, em concreto, do contexto dos sujeitos da relação tributária resultante da aplicação da lei) mas antes numa dimensão objetiva. Diz o Tribunal, a este propósito, que à proibição expressa da retroatividade da lei fiscal “não pode deixar de estar ínsita uma garantia forte de objetividade e auto-vinculação do Estado pelo Direito” (Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 172/2000, in www.tribunalconstitucional.pt).
Quer isto dizer que, atualmente, e consagrado que está o princípio geral de irretroatividade da lei fiscal, a mera natureza retractiva de uma lei fiscal desvantajosa para os particulares é sancionada, de forma automática, pela Constituição, qualquer que tenha sido, em concreto, a conduta da administração fiscal ou do particular tributado. Por outras palavras, o juízo de inconstitucionalidade decorre apenas da mera análise dos dados normativos, não dependendo, em nenhum momento, da averiguação de quaisquer elementos circunstanciais que resultem da condição, em concreto, de uma certa relação jurídico-tributária."
Na verdade, o Tribunal Constitucional tem vindo a explicitar o enquadramento constitucional dos limites à repercussão sobre o passado das novas escolhas legislativas e a diferenciá-los em função da intensidade da projeção dos respetivos efeitos sobre a esfera jurídica das pessoas. Assim, na síntese do Acórdão 575/2014:
"O Estado de direito é um estado de segurança jurídica. E a segurança exige que os cidadãos saibam com o que podem contar, sobretudo nas suas relações com os poderes públicos. Saber com o que se pode contar em relação aos atos da função legislativa do Estado é coisa incerta ou vaga, precisamente porque o que é conatural a essa função é a possibilidade, que detém o legislador, de rever ou alterar, de acordo com as diferentes exigências históricas, opções outrora tomadas. Contudo, a possibilidade de alteração dessas opções, se é irrestrita (uma vez cumpridas as demais normas constitucionais que sejam aplicáveis) quando as novas soluções legislativas são pensadas para valer apenas para o futuro, não pode deixar de ter limites sempre que o legislador decide que os efeitos das suas escolhas hão de ter, por alguma forma, certa repercussão sobre o passado.
A Constituição não proíbe, em geral, que as novas escolhas legislativas - tomadas pelo legislador ordinário no quadro da sua estrutural habilitação para rever opções antes tomadas por outros legisladores históricos - façam repercutir os seus efeitos sobre o passado. Mas, para além disso, não proíbe nem pode proibir genericamente que o legislador recorra a uma “técnica” de modelação da repercussão dos efeitos das suas escolhas em face da variabilidade dos graus de intensidade de que ela pode revestir. Na verdade, a repercussão sobre o passado das novas escolhas legislativas pode assumir uma intensidade forte ou máxima, sempre que a lei nova faça repercutir os seus efeitos sobre factos pretéritos, praticados ao abrigo de lei anterior, redefinindo assim a sua disciplina jurídica. Mas pode também assumir uma intensidade fraca, mínima ou de grau intermédio, sempre que a lei nova, pretendendo embora valer sobre o futuro, redefina a disciplina de relações jurídicas constituídas ao abrigo de um (diverso) Direito anterior. Neste último caso, designa-se este especial grau de repercussão dos efeitos das novas decisões legislativas como sendo de "retroatividade fraca, imprópria ou inautêntica", ou ainda, mais simplesmente, de "retrospetividade". Como quer que seja, e não sendo o recurso por parte do legislador a qualquer uma destas formas de retroação da eficácia dos seus atos genericamente proibida pela Constituição, a convocação legislativa de qualquer uma destas técnicas não deixa de colocar problemas constitucionais, face justamente ao imperativo de segurança jurídica que decorre do princípio do Estado de direito.
É, com efeito, evidente que a repercussão sobre o passado das novas escolhas legislativas, qualquer que seja a forma ou o grau de que se revista, diminui ou fragiliza a faculdade, que os cidadãos de um Estado de direito devem ter, de poder saber com o que contam, nas relações que estabelecem com os órgãos de poder estadual. Precisamente por isso, a Constituição proibiu expressamente o recurso, por parte do legislador, à retroatividade forte, sempre que a medida legislativa que a ela recorre implicar intervenções gravosas na liberdade e (ou) no património das pessoas, assim sucedendo quando estejam em causa restrições a direitos, liberdades e garantias (artigo 18.º, n.º 3), a definição de comportamentos criminalmente puníveis (artigo 29.º, n.º 1), ou a criação de impostos ou definição dos seus elementos essenciais (artigo 103.º, n.º 3). A razão pela qual a Constituição exclui a possibilidade de existência de leis retroativas nesses casos reside precisamente na intensidade da condição de insegurança pessoal que do contrário resultaria no quadro de um Estado de direito democrático como é aquele que o artigo 2.º institui."
No respeitante ao domínio fiscal, o Tribunal Constitucional entende que a proibição da retroatividade do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição apenas se dirige à retroatividade autêntica, abrangendo por isso tão somente os casos em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga, excluindo do seu âmbito aplicativo as situações de retrospetividade ou de retroatividade imprópria, ou seja, aquelas situações em que a lei é aplicada a factos passados mas cujos efeitos ainda perduram no presente, como sucede quando as normas fiscais que produziram um agravamento da posição fiscal dos contribuintes em relação a factos tributários que não ocorreram totalmente no domínio da lei antiga e continuam a formar-se, ainda no decurso do mesmo ano fiscal, na vigência da nova lei (assim, por exemplo, v. os Acórdãos n.os 617/2012 e 85/2013, que, por sua vez, remetem para os Acórdãos n.os 128/2009, 85/2010 e 399/2010; o caráter “absoluto” da proibição em apreço foi, todavia, questionado no Acórdão 171/2017).
9 - A mencionada proibição constitucional tem implicações relativamente às leis interpretativas em matéria fiscal.
Como se explicou nos Acórdãos n.os 267/2017 e 395/2017, devido à integração da lei interpretativa na lei interpretada estatuída no artigo 13.º, n.º 1, do Código Civil, a primeira é necessariamente retroativa, já que a mesma é considerada como “fazendo parte” da segunda.
Trata-se, evidentemente, de uma ficção temporal - a ficção de que um facto presente (a entrada em vigor da lei interpretativa) ocorreu no passado (a entrada em vigor da lei interpretada); e a retroatividade das normas interpretativas resulta dessa ficção (assim, v. o Acórdão 395/2017).
[...]
Daí suscitar-se a questão da solvabilidade constitucional, designadamente à luz do disposto no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, das leis interpretativas que agravem situações fiscais anteriormente definidas em consequência da ocorrência do pertinente facto tributário.
§ 4.º - A inconstitucionalidade de leis interpretativas no âmbito de aplicação da proibição da retroatividade fiscal (artigo 103.º, n.º 3, da Constituição)
10 - A especificidade da lei interpretativa prende-se com a intenção e a força vinculante do próprio ato normativo: por contraposição à lei inovadora, aquela visa ou declara pretender fixar apenas o sentido correto de um ato normativo anterior. A mesma não pretende criar direito novo, antes tem como objetivo esclarecer o sentido “correto” do direito preexistente. "O órgão competente que cria uma lei (p. ex. a Assembleia da República) tem também a competência para a interpretar, modificar, suspender ou revogar" (cf. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1983, p. 176). Está em causa, afinal, uma manifestação da mesma competência legislativa que é fonte em sentido orgânico do ato interpretando (cf. idem, ibidem). E, por ser de valor igual a este último, a lei interpretativa determina-lhe o sentido para todos os efeitos, independentemente da correção hermenêutica de tal interpretação. Por isso, a interpretação da lei fixada pelo próprio legislador - a chamada “interpretação autêntica” - "vale com a força inerente à nova manifestação de vontade" do respetivo autor (cf. Autor cit., ibidem, p. 177). Daí a aludida consequência de a lei interpretativa se integrar na lei interpretada (cf. o artigo 13.º, n.º 1, do Código Civil).
Por isso mesmo, como se referiu no Acórdão 267/2017, pode, de acordo com certa conceção, falar-se de uma retroatividade meramente formal inerente a toda a lei - tida por “verdadeiramente” ou “genuinamente” - interpretativa: há retroatividade, porque tal lei se aplica a factos e situações anteriores, e a mesma retroatividade é “formal”, visto que a lei, "vindo consagrar e fixar uma das interpretações possíveis da [lei anterior - cujo sentido e alcance não se podiam ter como certos -] com que os interessados podiam e deviam contar, não é suscetível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas" (cf. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1983, p. 246). Com efeito, "a retroação [das leis interpretativas] justifica-se, além do mais, por não envolver uma violação de quaisquer expectativas seguras e legítimas dos interessados. Estes podiam contar com a solução da [lei nova] interpretativa, visto ela corresponder a um dos vários sentidos atribuídos já pela doutrina e pela jurisprudência à [lei antiga]": assim, é "de sua natureza interpretativa a lei que, sobre um ponto em que a regra de direito é incerta ou controvertida, vem consagrar uma solução que a jurisprudência, por si só, poderia ter adotado" (cf. BAPTISTA MACHADO, Sobre a Aplicação no Tempo do novo Código Civil, Almedina, Coimbra, 1968, pp. 286-287).
Diferentemente, se a lei nova se pretende aplicar a factos e situações jurídicas anteriormente disciplinados por um direito certo, então este último é modificado, violando-se expectativas quanto à sua continuidade, e tal lei, na medida em que inove relativamente ao direito anterior - qualificando-se já não como lei interpretativa, mas sim como lei inovadora -, será substancial ou materialmente retroativa (cf. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito…, cit., p. 247).
Nesta perspetiva, e tendo em conta a ótica da tutela da confiança dos destinatários do direito, relevará, então, que a lei verdadeiramente interpretativa é apenas formalmente retroativa, uma vez que se limita a declarar o direito preexistente; ao passo que a lei autoqualificada como interpretativa, mas que em boa verdade seja inovadora se deva considerar como material ou substancialmente retroativa, porquanto, ao modificar o direito preexistente, constitui direito novo.
Na verdade, pode suceder - e sucede com alguma frequência - que o legislador declare ou qualifique expressamente como “interpretativa” certa disposição de uma lei nova, mesmo quando essa disposição seja na realidade inovadora. Ora, uma lei que modifique o direito preexistente - o mesmo é dizer, que constitua direito novo - sob a capa de “lei interpretativa”, porque criadora de efeitos jurídicos novos para os respetivos destinatários, violará necessariamente uma eventual proibição de leis retroativas; porém, a lei genuinamente interpretativa, porque se limite a declarar o direito que já vigora e com o qual os respetivos destinatários podem contar, não violará tal proibição, do mesmo modo que toda e qualquer interpretação jurídica, incluindo a feita pelos tribunais, também não pode considerar-se como produtora de efeitos jurídicos novos que frustrem "expectativas seguras e legitimamente fundadas".
12.2 - No entanto, o tratamento que deve ser reservado às leis interpretativas à luz do disposto no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição tem suscitado maior divergência na jurisprudência constitucional recente, de que sumariamente se dá conta no Acórdão 121/2023:
"17 - Dando por assente que normas deste tipo, que segundo a doutrina corrente não podem sequer ser consideradas interpretativas (cf., entre outros, BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1983, p. 247), são absolutamente proibidas pelo n.º 3 do artigo 103.º da Constituição, resta saber se, e em que condições, esta proibição opera quanto às normas que fixam um dos sentidos já imputáveis, por via interpretativa, às normas fiscais na sua redação primária.
Na jurisprudência do Tribunal Constitucional recente é possível discernir três vias de resposta à questão colocada.
17.1 - A primeira, partindo de uma perspetiva "fundada na diferença constitucional entre a função legislativa e a função jurisdicional", pressupõe que "a interpretação ou esclarecimento formalmente consagrados pela lei nova não podem deixar de revestir uma natureza constitutiva e a retroatividade inerente à mesma lei ter um caráter substancial" (n.º 11 da Fundamentação do Acórdão 267/2017), pelo que deve ser considerada absolutamente vedada pelo n.º 3 do artigo 103.º da Constituição (v., v.g., os Acórdãos n.os 267/2017, 644/2017 e 92/2018).
Em linha com esta posição destaca-se, na doutrina, SALDANHA SANCHES, para quem a alteração efetuada, na revisão de 1997, à redação do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição "tem de ser interpretada como uma espécie de crítica do legislador à jurisprudência constitucional" (cf. “Lei interpretativa e retroatividade em matéria fiscal”, Fiscalidade, n.º 1, 2000, p. 87), tendo aquela disposição passado a obstar à produção de efeitos retroativos por qualquer norma, verdadeiramente interpretativa ou não.
Assim, se até então, o que o Tribunal Constitucional procurava era um critério material (gravidade da lesão da confiança) para decidir sobre a inconstitucionalidade da norma, uma vez que a Constituição "não impunha qualquer generalizada proibição da retroatividade em função da matéria fiscal, mas apenas a imporia quando a retroatividade ofendesse, de modo inadmissível, a confiança e a segurança jurídicas" (Acórdão 172/2000), a nova redação do texto constitucional teria vindo alterar tudo isto, restringindo "operar casuístico e material nesta área" (cf. Manual de Direito Fiscal, Coimbra: Coimbra Editora, 3.ª edição, 2007, p. 195). Neste sentido escreve o Autor que:
"(...) a intenção da mudança do texto constitucional parece ser precisamente retirar aos tribunais os poderes para proceder a essa hipótese de distinção, os poderes para efetuar uma ponderação dos valores em causa.
Tem que ser interpretada como uma espécie de crítica do legislador à jurisprudência constitucional: o legislador constitucional, ao modificar a lei e ao acrescentar mais uma garantia no texto constitucional, está a afirmar implicitamente que neste campo a jurisprudência constitucional não concedeu uma tutela efetiva aos direitos fundamentais do contribuinte.
E por isso não nos parece que a lei interpretativa possa ter lugar em matéria fiscal: se até aqui o que estava em causa eram as leis falsamente interpretativas a revisão constitucional veio impedir os efeitos retractivos de qualquer norma em matéria fiscal.
Incluindo os provocados por lei retractiva." (cf. “Lei interpretativa... cit., pp. 87 e 88.)
17.2 - A segunda via, explorada nos Acórdãos n.os 395/2017 e 49/2020, parte das mesmas premissas que a primeira, pelo que pressupõe que qualquer norma interpretativa se encontra, em princípio, abrangida pela proibição da retroatividade consagrada no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição. Todavia, admite exceções, ancoradas na compreensão desta proibição constitucional como uma refração do princípio da proteção da confiança. Tal como se afirmou no Acórdão 395/2017 (n.º 9 da Fundamentação):
"É discutível se a proibição constitucional da retroatividade fiscal consubstancia uma regra, tendencialmente absoluta, ou um princípio, aplicável sob reserva de ponderação com valores ou interesses constitucionais de sentido contrário (no primeiro sentido, largamente dominante na jurisprudência do Tribunal Constitucional, v. os Acórdãos n.os 128/2009, 617/2012 e 85/2013; no segundo sentido, com várias declarações de voto exprimindo reservas nesse ponto, v. o Acórdão 171/2017). Mas já não é de duvidar que a proibição da retroatividade fiscal tem como fundamento a tutela da confiança dos contribuintes, como tem sido reiteradamente afirmado na jurisprudência do Tribunal Constitucional. E daí resulta que as normas fiscais retroativas violam a proibição constitucional da retroatividade apenas nos casos em que frustrem as expectativas legítimas dos contribuintes, razão pela qual o artigo 103.º, n.º 3, não se aplica, por exemplo, às alterações da legislação fiscal que têm um impacto tributário positivo ou neutro."
Mas, no entendimento do Acórdão 395/2017 (tal como no do Acórdão 267/17), todas as normas fiscais interpretativas são constitutivas, porque excluem sempre outros sentidos possíveis da norma interpretada, e são substancialmente retroativas, porque impedem que os sentidos excluídos possam ser revelados por posterior interpretação judicial como os mais adequados e válidos. Como tal, afirmar-se que uma lei é "genuinamente" interpretativa não basta para presumir a inexistência de qualquer situação de confiança a proteger, já que "os destinatários das leis têm a expectativa legítima de que estas sejam objeto de uma interpretação jurídica, porque é nesses exatos termos - enquanto sujeitos de direito - que aquelas se lhes dirigem. Ao consagrarem um sentido por razões de ordem política - constitutivas e não declarativas de direito -, as leis interpretativas frustram essa expectativa legítima dos cidadãos na juridicidade, adversariabilidade e justiciabilidade da sua relação com a lei" (v. o n.º 9 da Fundamentação do Acórdão 395/2017).
Assim as exceções a admitir-se devem basear-se seja na existência de uma controvérsia jurisprudencial com um lastro decisório estatisticamente significativo no âmbito de uma determinada ordem jurisdicional, seja na coincidência do sentido fixado pela lei interpretativa com o da jurisprudência dominante relativamente ao entendimento da lei interpretada (como se considerou hipoteticamente, por exemplo, nos Acórdãos n.os 395/2017 e 107/2018; e se entendeu dever aplicar no caso decidido pelo Acórdão 49/2020).
17.3 - Num entendimento aproximado deste, expresso na declaração de voto aposta pelo Conselheiro Lino Ribeiro ao Acórdão 49/2020, parte-se de diferente pressuposto: as leis materialmente interpretativas não se encontram abrangidas pela proibição consagrada no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição.
Esta posição alicerça-se na lição de BAPTISTA MACHADO, desenvolvida tanto em Sobre a Aplicação no tempo do novo Código Civil, Almedina, 1968, como em Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, pp. 245 ss. Nesta última obra (p. 247), afirma-se que "[p]ara que uma LN possa ser realmente interpretativa são necessários [...] dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação a aplicação da lei". Já antes (p. 246) se esclarecera que "[n]ão é preciso que a lei venha consagrar uma das correntes jurisprudenciais anteriores ou uma forte corrente jurisprudencial anterior. Tanto mais que a lei interpretativa surge muitas vezes antes que tais correntes jurisprudenciais se cheguem a formar".
Segundo BAPTISTA MACHADO, as leis interpretativas não são substancialmente retroativas, visto que, nos termos do artigo 13.º do Código Civil, a lei interpretativa integra-se na lei interpretada. Deve, pois, distinguir-se entre leis verdadeiramente interpretativas e leis inovadoras, considerando que as primeiras, quando se limitam a atribuir à lei interpretada um sentido que ela já comportava antes da entrada em vigor da lei interpretativa (sobretudo, se esse for o dominante na jurisprudência), não são retroativas e, portanto, podem aplicar-se a factos anteriores, sem violar o princípio da proibição da retroatividade fiscal.
17.4 - Estas duas últimas respostas ao problema, embora partindo de pressupostos distintos, convergem num ponto essencial: a aprovação de leis interpretativas em matéria fiscal não é absolutamente proibida pelo n.º 3 do artigo 103.º da Constituição.
Em sentido favorável a estas teses, assomam as posições de CARDOSO DA COSTA, para quem "uma perspetiva exclusivamente “institucional” ou estrutural” (ia a dizer-se “formal”) do “efeito retroativo” acabado de referir, focada na limitação da “liberdade decisória” do juiz que o mesmo implica, se nos afigura insuficiente, e mesmo inidónea, para dever afastar-se tal efeito" (cf. “O princípio constitucional da não retroatividade dos impostos e a jurisprudência constitucional”, in Estudos em Homenagem ao Conselheiro Presidente Joaquim de Sousa Ribeiro, Vol. I, Coimbra: Almedina, 2019, p. 170), e de SÉRGIO VASQUES, Manual de Direito Fiscal, Coimbra: Almedina, 2.ª edição, 2018, p. 346, que considera que “a proibição da retroatividade, constituindo um corolário do princípio da segurança jurídica, não possui valor absoluto, como o não possui princípio constitucional algum, devendo articular-se por isso com outros princípios e valores constitucionais, que no caso concreto podem manifestar-se com maior intensidade".[...]"
13 - Neste aresto, mais recentemente tirado em Plenário, prevaleceu a orientação segundo a qual o n.º 3 do artigo 103.º da Constituição não proíbe, de forma automática e absoluta, a adoção de leis interpretativas em matéria fiscal, ainda que desfavoráveis aos seus destinatários, sempre partindo do pressuposto de que "[a] função das leis interpretativas é determinar o sentido de uma lei anterior cuja aplicação não seja uniforme. Por isso mesmo, o sentido interpretativo que ela revela já está virtualmente contido no espírito da lei interpretada, não implicando a sua determinação qualquer apreciação e valoração ex novo dos factos e situações regidas pela lei interpretada, mas apenas a clarificação do sentido que o legislador atribui às suas próprias palavras, precisando o respetivo conteúdo. Assim, uma norma será interpretativa quanto ao fundo, não porque o legislador assim a denomine, mas, sim, porque teve intenção de interpretar o direito anterior, removendo o conflito de jurisprudência que sobre ele se havia estabelecido. Tal norma não é proibida pelo artigo 103.º, n.º 3 da CRP" (v. o Acórdão 121/2023, § 18).
14 - Ora, sendo certo que este Tribunal não se encontra vinculado, sob pena de abdicar de proceder a um efetivo controlo da obediência à regra do n.º 3 do artigo 103.º da Constituição, à qualificação de uma norma como interpretativa ou como inovadora respetivamente pelo legislador ou pelo juiz a quo, certo é que, em face do exposto supra, não é possível encontrar razões cogentes para qualificar como inequivocamente interpretativa a norma aqui sub specie - rejeitando a corrente jurisprudencial dominante quanto à interpretação da Verba 17.3.4, em conjugação com o disposto no artigo 3.º, n.º 3, alínea g) do CIS, na redação anterior à que lhe foi conferida pela Lei 7-A/2016, de 30 de março -; nem é conhecida, até à entrada em vigor daquela Lei, qualquer incerteza ou controvérsia jurisprudencial em torno da interpretação e quanto à (não) aplicabilidade da Verba 17.3.4 às comissões ou contraprestações por serviços prestados entre entidades bancárias, por operações com cartões em caixas automáticas e a título de taxa multilateral de intercâmbio, a que uma tal norma tenha pretendido pôr termo. Assim, seja porque se adira à conclusão de que o artigo 154.º, na dimensão a apreciar nos presentes autos, se limita a atribuir eficácia retroativa a uma norma verdadeiramente inovadora, seja porque se reconheça que uma tal norma excede, em termos inconciliáveis com os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança dos seus destinatários, a função de clarificação e de superação de conflitos jurisprudenciais própria das normas interpretativas, sempre será de manter o juízo de inconstitucionalidade, por violação da proibição de criação de impostos com natureza retroativa estatuída no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, firmado nas decisões que servem de base ao presente pedido.
15 - Em face do exposto, resta declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 154.º da Lei 7-A/2016, de 30 de março, na parte em que, atribuindo caráter interpretativo à redação dada pelo artigo 153.º dessa lei à Verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo, determina que se considerem abrangidas por esta verba as quantias cobradas entre entidades bancárias, em data anterior à entrada em vigor daquela lei, por operações com cartões em caixas automáticas e a título de taxa multilateral de intercâmbio, por violação da proibição de criação de impostos com natureza retroativa estatuída no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição.
III. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide declarar, a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 154.º da Lei 7-A/2016, de 30 de março, na parte em que, atribuindo caráter interpretativo à redação dada pelo artigo 153.º dessa Lei à Verba 17.3.4 da TGIS, determina que se considerem abrangidas por esta verba as quantias cobradas entre entidades bancárias, em data anterior à entrada em vigor daquela Lei, por operações com cartões em caixas automáticas e a título de taxa multilateral de intercâmbio, por violação da proibição de criação de impostos com natureza retroativa estatuída no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição.
Atesto o voto de conformidade do Senhor Juiz Conselheiro Presidente, José João Abrantes, que não assina por não se encontrar presente. Carlos Medeiros de Carvalho
Lisboa, 25 de junho de 2024. - Carlos Medeiros de Carvalho - Mariana Canotilho - Joana Fernandes Costa - Afonso Patrão (subscrevo a decisão, mantendo o entendimento quanto à constitucionalidade das leis fiscais interpretativas que expus na Declaração de Voto que juntei ao Acórdão 121/2023) - João Carlos Loureiro - José Eduardo Figueiredo Dias - Rui Guerra da Fonseca - Maria Benedita Urbano - José Teles Pereira - António José da Ascensão Ramos (vencido conforme declaração junta) - Gonçalo Almeida Ribeiro.
DECLARAÇÃO DE VOTO
I. A Norma fiscalizada como Norma não inovadora
1 - Votei vencido desde logo por considerar que a norma fiscalizada não possui o caráter inovatório no ordenamento jurídico-tributário que lhe veio sendo atribuído pela jurisprudência constitucional, essencialmente seguindo entendimento frequente no CAAD.
A nova redação conferida à verba 17.3.4. da TGIS pelo artigo 153.º da Lei 7-A/2016, de 30 de março, só poderia ser considerada uma norma materialmente inovadora se concluíssemos que as comissões TMI (Taxa Multilateral de Intercâmbio) e TSC (Taxa de Serviço de Comerciante) não estavam abrangidas pela incidência de IS na redação anterior e que esse entendimento era impassível de ser extraído do quadro legal em vigência até esse ponto.
Apresentam-se apenas dois argumentos para suportar esta conclusão.
Um deles podemos afastar desde já, uma vez que é insondável a utilidade, na abordagem a este problema, de convocar o Decreto-Lei 3/2010, de 5 de janeiro para respaldo de posição. Este diploma visou garantir a plena gratuitidade da utilização de novos meios de pagamento por utilizadores do sistema bancário (hoje em dia, inclui também plataformas eletrónicas - Lei 53/2020, de 26 de agosto), tendo em vista obviar ao efeito de abrandamento da sua utilização que decorreria da exigência de contraprestações pelas instituições de crédito, com a inerente ineficiência dos circuitos financeiros. Rigorosamente nada, pois, que respeite à incidência do imposto de selo.
O segundo argumento reside no facto de não estar prevista no Código do Imposto de Selo (IS) a transferência do encargo de imposto do sujeito passivo (a instituição financeira) para terceiros (clientes) pela incidência das comissões. É dizer, entende-se que as TMI e TSC não estão sujeitas a IS porque, se estivessem, seriam as instituições bancárias a suportá-lo.
Ora, o âmbito de incidência objetiva de um imposto não deve (a meu ver, não pode) ser interpretado em função de uma norma de transferência do encargo inerente a esse imposto, já que se trata de questões diferentes, como é óbvio. O mecanismo de transferência de encargo de imposto constante do Código do IS é um traço estrutural do tributo, é certo, mas isso não significa que não possam existir situações em que outra solução seja adotada sem perturbar o modelo do imposto e a sua coerência intrasistemática.
Senão, veja-se o caso do IVA. O IVA tem por atributos próprios a pluralidade fásica, a repercussão (transferência do encargo económico relativo ao imposto, tal como o IS) e a dedutibilidade do imposto suportado: isto significa que a sua lógica radical assenta no paradigma de que, ao longo de todo o circuito económico, desde o produtor até ao retalhista, todos os operadores liquidarão imposto e transferirão o respetivo encargo para os seus clientes (repercussão), abatendo ao IVA que liquidem o IVA suportado no mesmo período, para assim apurarem a sua dívida.
Existem, porém, casos de reverse charge, ou seja, situações em que é o próprio adquirente do serviço que liquida o imposto, preterindo o mecanismo de repercussão; noutros casos, excetua-se a dedutibilidade do imposto suportado por certas operações, total ou parcialmente; noutros ainda, conferem-se isenções simples, excecionando o caráter plurifásico (e universal) do tributo.
Outra: é traço estrutural do IRC que todos os proveitos e todos os gastos são considerados no apuramento da matéria coletável, por forma a capturar de forma adequada a capacidade contributiva da empresa. No entanto, existe um conjunto vasto de exceções, ora eliminando proveitos, ora eliminando gastos, ora majorando ou reduzindo o seu valor, de uns, ou de outros.
Não se imagina por que motivo se interpretaria o CIS de outra forma. O facto de o gasto de imposto não ser transferível, não quer dizer que não exista incidência. O imposto mantém a sua estrutura geral e consistência, apesar da peculiaridade quanto a estas duas comissões.
No IS, a transferibilidade do encargo de imposto resulta do facto de, por regra, o imposto ser lançado sobre operações que não manifestam capacidade contributiva das entidades eleitas como sujeitos passivos do imposto, mas de terceiros. A disponibilização de crédito está sujeita a IS porque manifesta força económica do devedor, não do banco, já que o que se deixa explícito é o acesso a capitais investíveis e rentabilizáveis (stock patrimonial) pelo primeiro, bem como a respetiva capacidade para reembolsar e remunerar a entidade mutuante; os cheques e letras que o cliente bancário saque por sua iniciativa estão sujeitos a IS por também constituírem operações de financiamento e pela mesma ordem de razões; a aquisição de um imóvel é entendida uma operação de investimento, como tal sinalizando capacidade contributiva do comprador, não do notário que formaliza o ato (etc.).
As contraprestações por serviços financeiros (verba 17.3.4.) inserem-se também nesta lógica, mas, porque a TMI e a TSC não são suportadas por clientes do prestador, não se podem entender manifestações da capacidade contributiva destes últimos. O encargo do imposto é, por isso, intransferível para eles, subsistindo o serviço prestado e a contrapartida auferida no interior da rede de serviços financeiros como factos económicos com relevo fiscal: factos verificados relativamente a quem presta serviços gerador do competente comissionamento: será a entidade colocada nesta posição nas operações em causa que suportará, por isso, o tributo.
Nesta situação, portanto, o indicador de capacidade contributiva e o sujeito passivo identificam-se, afastando a lógica primária do IS e do mecanismo de transferência de custo tributário, sem por isso se afetar a coerência global do modelo fiscal do imposto, bem pelo contrário.
Foi este, grosso modo, o entendimento adotado nos acórdãos do STA de 4.5.2022 no Proc. 01711/15.1BEPRT, de 18.5.2022 no Proc. 01670/15.0BELRS, de 8.6.2022 no Proc. 01826/15.6BELRS e no acórdão arbitral (relatado por Clotilde Celorico Palma) de 12 de dezembro de 2017 no Proc. 756/2016-T, que analisaram, todos eles, o regime do CIS anterior à alteração introduzida pelo artigo 153.º da Lei 7-A/2016, de 30 de março.
A nova norma, pois, mais não fez do que deixar esta solução legal mais transparente pela introdução do texto “, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões”.
Dizer-se que este é um entendimento impossível, que não pode ser extraído da Lei na redação anterior e que, por isso, o artigo 153.º do diploma é uma norma sem cariz interpretativo e substancialmente inovadora é afirmação, a meu ver, desprovida de qualquer mérito.
II. Sobre Leis Fiscais Interpretativas
2 - Consta do Acórdão 121/2023, tirado em plenário:
“O alcance da proibição do n.º 3 do artigo 103.º da CRP tem, de facto, vindo a ser determinado pelo Tribunal Constitucional atendendo à diferente gravidade com que a norma fiscal pode afetar a segurança jurídica e, do ponto de vista subjetivo, as expectativas e a confiança dos contribuintes. Desde sempre o Tribunal Constitucional afirmou que os limites à retroatividade decorrem do princípio da proteção da confiança e que tal princípio não exclui em absoluto a possibilidade de leis fiscais retroativas, excluindo-as apenas quando se esteja perante retroatividade que afete de forma excessiva, inadmissível ou intolerável os direitos e expectativas legitimamente fundados dos contribuintes, dependendo a inadmissibilidade constitucional da "retroatividade" das leis fiscais interpretativas apenas do juízo que se faça sobre a existência de excesso na frustração das expectativas que o Estado criou com as leis interpretadas.” [...]
“A função das leis interpretativas é determinar o sentido de uma lei anterior cuja aplicação não seja uniforme. Por isso mesmo, o sentido interpretativo que ela revela já está virtualmente contido no espírito da lei interpretada, não implicando a sua determinação qualquer apreciação e valoração ex novo dos factos e situações regidas pela lei interpretada, mas apenas a clarificação do sentido que o legislador atribui às suas próprias palavras, precisando o respetivo conteúdo. Assim, uma norma será interpretativa quanto ao fundo, não porque o legislador assim a denomine, mas, sim, porque teve intenção de interpretar o direito anterior, removendo o conflito de jurisprudência que sobre ele se havia estabelecido. Tal norma não é proibida pelo artigo 103.º, n.º 3 da CRP.
“O que aqui está em causa é o princípio da proteção da confiança. As leis interpretativas aplicam-se retroativamente quando não afetem de forma inadmissível e arbitrária os direitos e expectativas que os interessados legitimamente fundaram com base na lei interpretada. Nessa situação, não havendo expectativas merecedoras de tutela, a lei poderá aplicar-se ao passado, não operando qualquer modificação na lei que existia.” [...]
“Tal controvérsia jurisprudencial sobre a dedutibilidade dos benefícios fiscais à coleta das tributações autónomas não legitimava, pois, a formação de expectativas legítimas de manutenção de qualquer dos sentidos imputados à lei interpretanda e, por conseguinte, a lei interpretativa que a resolveu não ofendeu o princípio da proteção da confiança legítima, que é a pedra basilar desta matéria, reiterada nos Acórdãos n.º 395/2017 e 49/2020, bem como na declaração de voto aposta a este último aresto. Como se afirma no Acórdão 395/2017, "a circunstância de a jurisprudência se encontrar dividida depõe a favor do entendimento de que os contribuintes não podiam excluir a interpretação que veio a ser consagrada pelo legislador".
Havendo, já antes da entrada em vigor do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, uma interpretação no sentido de tal dedução não ser admissível (cf. supra o n.º 13), não se pode dizer que haja uma frustração intolerável ou arbitrária da confiança depositada na norma interpretada. Não é possível, de facto, afirmar que a interpretação imposta por essa norma, sendo uma das possíveis, viola a confiança dos atingidos.”
O critério do Acórdão 121/2023 para definir a aplicabilidade da proibição de retroação de normas fiscais interpretativas localiza o problema na lesão do princípio da proteção da confiança, de que o 103.º, n.º 3, da CRP é observado como especial refração. Nesse sentido, o aresto assinala que uma norma interpretativa que opte por um dos sentidos possíveis da norma interpretada será inconstitucional quando seja desfavorável a particulares e seja possível concluir que a sua introdução lesou expectativas legítimas por eles tituladas.
Dito de outra forma, será de admitir a possibilidade de Leis interpretativas em Direito Fiscal, cuja especial natureza justifica a especial eficácia de que beneficiam. Isto não preclude se reconheça que a proibição de retroatividade das normas fiscais constante do artigo 103.º, n.º 3, da CRP será um parâmetro convocável e passível de repelir a retroação de normas interpretativas nos termos do artigo 13.º, n.º 1, do CC, mas impõe-se entender essa proibição como uma refração do princípio da confiança, destinando-se a tutelar legítimas expectativas de particulares e impondo-se abordar o problema por esse prisma.
Ao elegerem um sentido interpretativo de entre vários possíveis perante a lei interpretada, as leis interpretativas são, de facto, aptas a frustrar expectativas legítimas de particulares, mas que não respeitam à possibilidade de o sujeito passivo se manter sob a disciplina de uma norma ubíqua e controversa ou em poder debater o seu conteúdo e alcance em sede judicial (o que os acórdãos 395/2017 e 49/2020 foram apelidando de “juridicidade, adversariabilidade e justiciabilidade da sua relação com a lei”).
A insegurança sobre a disciplina legal ou a ubiquidade da Lei, a meu ver, não podem constituir alicerces de uma situação jurídica que se diga passível de tutela por princípio ou norma de Direito, especialmente quando se leve em conta a disparidade de tratamentos a que são aptas a conduzir no que tange situações materialmente idênticas.
De assinalar que o âmbito da proibição de retroação das normas interpretativas, na aceção descrita, não se pode dizer equivalente ao que resultaria do recurso a princípios gerais de Estado-de-Direito (artigo 2.º da CRP e princípios da confiança e da segurança jurídica).
De facto, na jurisprudência constitucional, a proibição de retroação de normas fiscais antes da introdução do artigo 103.º, n.º 3, da CRP dependia que se estivesse perante uma violação grosseira de expectativas fundadas a que se associasse uma situação de lesão ostensiva do particular, ou seja, que se tivesse verificado uma aplicação de recursos orientada pela expectativa (legítima, mas frustrada) que resultasse em prejuízo por força da nova Lei (“a não garantia expressa conferida pela Lei Fundamental à irretroactividade das leis fiscais e a existência de casos em que a irretroactividade é constitucionalmente ilegítima, por ofender, injustificada, arbitrária, intolerável e opressoramente as exigências da protecção da confiança e certeza objectiva e materialmente justificadas dos cidadãos, exigências essas postuladas pelo princípio do Estado de direito democrático”: Acórdão do TC n.º 216/90; v. também, 287/90).
Também na jurisprudência constitucional atual a proibição de retroação imprópria ou retrospetividade de normas fiscais e de retroatividade de outras normas de Direito tributário (que não as referentes a impostos), dependem de requisitos francamente mais importantes sobre a lesão de interesses particulares do que o que fica colocado (sobre outros tributos: acórdãos do TC n.os 399/2017 e 135/2012; sobre os requisitos de operatividade da proteção da confiança no domínio de retroação imprópria: acórdãos do TC n.os 128/2009, 285/2010 e 175/2018).
Enfim, a proibição de retroação de normas interpretativas em matéria fiscal ao abrigo do artigo 103.º, n.º 3, da CRP não dependerá daqueles parâmetros no entendimento adotado pelo Acórdão do TC n.º 121/2023: caso a norma interpretativa venha estabelecer outra solução normativa, a interdição operará sem outro requisito que não a estabilidade do sentido interpretativo (diferente ou oposto ao da lei interpretativa) da norma interpretada.
Regressando ao caso, o critério tem por implícita a existência à data da chegada da norma interpretativa ao ordenamento de um sedimento jurisprudencial que haja estabilizado o alcance regulador da norma interpretada (uniformidade de tratamento ou acórdão de uniformização), daqui decorrendo uma expectativa fundada sobre a continuidade dessa solução normativa (extraída da Lei), que pode ser colocada em crise por uma inovação legal ulterior (1). Será também no confronto entre o sentido interpretativo sedimentado (e, por isso, expectável) e o sentido interpretativo eleito pela norma nova que se aferirá se esta última é desfavorável ao sujeito passivo, já que, quando o não seja, não se colocará a proibição de retroação.
Assim:
a) Se não se conhece sentido interpretativo atribuível à norma, não se vê qual a fonte de uma expectativa fundada sobre o seu alcance disciplinador; a perspetiva de que será interpretada de dada forma resultará da sensibilidade, individual e arbitrária, de cada um para o problema; é indefensável que esta situação possa ser caracterizada como geradora de expectativas protegidas pelo princípio da confiança;
b) Se a norma está envolvida em controvérsia jurisprudencial, conhecendo soluções interpretativas opostas, então certamente não existirá qualquer perspetiva fundada de que será aplicada em qualquer um dos sentidos disputados, descaracterizando a noção de expectativa juridicamente relevante; a desigualdade de soluções em situações materiais subsumíveis à mesma previsão que será coeva a este estado de coisas aproxima a situação do vazio regulamentar;
Em ambos os casos, não haverá fundamento para censura constitucional de uma norma interpretativa fiscal que retroaja à data da entrada em vigor da norma interpretada (a situação do Acórdão do TC n.º 121/2023 era a assinalada em b)), mas outras duas situações podem colocar-se:
c) A norma é objeto de consolidação jurisprudencial em dado sentido e a norma interpretativa conflui com ele; neste caso, não existirá também qualquer lesão de expectativas, nem proibição constitucional (e poder-se-á dizer que a iniciativa legislativa foi pouco útil, mas que contribui para a transparência do ordenamento);
d) A norma é objeto de consolidação jurisprudencial em dado sentido e a norma interpretativa escolhe um outro (também possível com base na Lei antiga) mais oneroso para o sujeito passivo; neste caso, existirá a lesão da normatividade decorrente da atividade jurisprudencial e, assim, violação de expectativas na continuidade da solução normativa antes obtida de fonte de Direito (jurisprudência); a norma interpretativa será, pois, inconstitucional nestas situações por violação da norma proibitiva de retroação (103.º, n.º 3, da CRP);
Aplicando este critério ao caso, porque não existia jurisprudência consolidada à data da entrada em vigor da norma interpretativa que se opusesse à solução por ela implementada, a norma não colide com expectativas fundadas de particulares, desmerecendo, por isso, reprovação constitucional, tudo isto ao contrário do que entendeu a maioria.
3 - O presente acórdão aplica a jurisprudência firmada pelo Acórdão 121/2023 de forma oposta, o que conduz a uma leitura igualmente antagonista: será necessário que exista controvérsia jurisprudencial para que uma norma interpretativa em matéria fiscal não seja proibida pelo art. 103.º, n.º 3, da CRP.
Perguntar-se-á, se uma controvérsia não é passível de gerar expectativas sobre nenhuma das soluções que se confrontam (já que, por sua própria natureza, corporiza incerteza), o sentido interpretativo atribuído pela norma nova vem colidir com o quê, exatamente? Qual a fonte que trouxe ao particular a interpretação afastada pela norma interpretativa? E qual o fator externo que o induziu a confiar que a norma seria interpretada nesse sentido?
A meu ver, as três perguntas ficam sem resposta, revelando-se impossível equacionar uma violação do princípio da confiança, ou do art. 103.º, n.º 3, da CRP, entendido como sua refração, nestas condições: aderindo a este entendimento, o critério eleito pelo Acórdão do TC n.º 121/2023 é impossível de aplicar. Também não vejo como poderá afirmar-se que a nova solução legal veio desfavorecer o contribuinte, já que falta um dos membros da inequação: se apenas existe controvérsia, nenhum alcance disciplinador da norma está definido antes da norma interpretativa, pelo que não é possível um juízo comparativo de desfavor.
O Acórdão do TC n.º 121/2023 afastou uma orientação jurisprudencial (Acs. TC 395/2017 e 49/2020) que entendia proibidas pelo art. 103.º, n.º 3, da CRP as normas interpretativas em matéria fiscal (todas elas) por prejudicarem o que se poderia dizer o direito de particulares ao conflito judicial. Para esta corrente (abandonada), o estado de controvérsia seria irreversível pelo Legislador, que apenas poderia disciplinar a situação para o futuro.
Se o presente acórdão não pretendeu repescar esta orientação, expressamente afastada pelo Acórdão do TC n.º 121/2023, como se disse, a solução que adotou conduz a afirmar que, também nos casos em que não exista nenhuma controvérsia jurisprudencial (a situação de alínea a), supra), estará proibido ao Legislador aprovar normas fiscais interpretativas. Em situações ausentes de conflito (ou em que se desconheça se existe controvérsia ou não, que a isso equivale - quod non est in acta non est in mundo), as normas fiscais interpretativas não serão permitidas, ainda que pudessem ser convenientes à transparência do regime fiscal. A menos que se trate de recuperar o direito ao conflito jurisdicional, agora numa ótica de contencioso potencial e futuro, não vejo o que se protege por este entendimento, nem o que o justifica.
4 - Por outro lado, mesmo que se siga a posição que fez vencimento, há que notar que pronunciaram-se pela sujeição a IS da Taxa de Serviço do Comerciante (TSC), sem possibilidade de transferência do encargo económico do imposto para terceiro e ao abrigo (apenas) da Lei na redação anterior à Lei 7-A/2016, de 30 de março, pelo menos os acórdãos do STA de 4.5.2022 no Proc. 01711/15.1BEPRT, de 18.5.2022 no Proc. 01670/15.0BELRS, de 8.6.2022 no Proc. 01826/15.6BELRS e o acórdão arbitral do CAAD de 12 de dezembro de 2017 no Proc. 756/2016-T, como acima anotei.
Conquanto a norma fiscalizada entrou em vigor em 31 de março de 2016 (artigo 218.º da Lei 7-A/2016, de 30 de março), pelo menos os processos que originaram os acórdãos do STA estavam já pendentes e todos eles (incluindo o proposto no CAAD) respeitavam a factos tributários de 2012, assim anteriores à introdução da norma interpretativa em causa.
Existe, portanto, um importante acervo jurisprudencial que interpretava a incidência da TSC nos termos constantes do artigo 153.º da Lei 7-A/2016, de 30 de março (norma interpretativa - artigo 154.º do diploma), pelo que a opção pelo Legislador por esta solução disciplinadora converge com a jurisprudência, desmerecendo censura constitucional.
O acórdão definiu o objeto do processo de fiscalização sucessiva cingindo-o à incidência de IS sobre a TMI, pretendendo, com isso, excluir a regra de incidência de TSC que se debateu neste conjunto de acórdãos e, por inerência, diminuindo a importância do citado acervo jurisprudencial para a apreciação do pedido. É de assinalar, porém, que o requerimento não foi formulado pelo Ministério Público nesses termos circunscritos, pelo que parece evidente que este acórdão incorreu em omissão de pronúncia.
Acresce que, de entre as decisões que fundamentam o pedido de generalização da declaração de inconstitucionalidade (Acórdãos do TC n.os 566/2020, 196/2021 e 348/2021 e decisões sumárias n.os 330/2021 e 331/2021), apenas o aresto n.º 348/2021 realiza em dispositivo a delimitação que agora surge, as demais enunciando a final juízo de reprovação constitucional sobre toda a norma do artigo 153.º da Lei 7-A/2016, de 30 de março.
Talvez mais perentório, é de sublinhar que o primeiro Acórdão que fundamenta o pedido de generalização - o que fiscalizou a norma em primeiro lugar (Acórdão do TC n.º 566/2020) e para onde remetem todas as outras decisões -, apreciou a constitucionalidade da norma considerando que abarcava a sujeição a incidência a IS tanto da TMI como da TSC, já que estava em discussão IS referente a ambas na causa principal. O mesmo sucedeu na decisão sumária (de mérito) n.º 331/2021, em que também a TSC era debatida na jurisdição.
Não haverá dúvidas, pois, que pelo menos estas duas decisões formulam juízo de censura constitucional sobre o artigo 153.º da Lei 7-A/2016, de 30 de março, abrangendo a incidência por ambas as comissões, tanto a TMI, como a TSC.
Seja como for, a partilha de fundamentos entre todas as decisões deixa evidente que a cisão de objeto agora adotada é inconsequente e que não importa resultado diferente para a apreciação de mérito deste processo. Nenhuma dúvida pode haver que (1) tanto a TMI como a TSC são contrapartida de serviços de pagamento por cartão prestados por instituições financeiras (a TMI respeitando a operações em ATMs, a TSC em terminais de comerciante) - que é dizer, o facto gerador de imposto é o mesmo, reside no fluxo financeiro decorrente do comissionamento -; que (2), perante a identidade do facto tributário, ficam ambas sujeitas a IS ao abrigo da mesma norma, a verba 17.3.4. da TGIS; que (3) a alteração a esta norma pela Lei 7-A/2016, de 30 de março (a que se confere natureza interpretativa) abrangeu IS por ambas as comissões e faz-lhes referência expressa (“operações de pagamento baseadas em cartões”); e que (4) apenas distingue as duas comissões as entidades que por elas são devedoras (financeiras, na TMI, comerciantes, na TSC).
Defender que existe alguma forma de distinção que levasse a dizer ter sido gerada uma expectativa fundada de não-incidência quanto a uma das comissões e não quanto a outra, sendo por isso a norma inconstitucional num segmento, e não noutro, é, a meu ver, insustentável.
O lastro jurisprudencial citado, enfim, depõe também pelo caráter não-inovatório da norma na sua globalidade e, bem assim, interdita que se entenda a norma fiscal interpretativa como lesiva de expetativas fundadas em ambas as vertentes, depondo pela sua compaginação constitucional, quer se entenda o objeto da fiscalização cingido à incidência de IS sobre TMI, quer abrangendo ambas as comissões.
5 - Assim e por tudo, decidiria pela não inconstitucionalidade do disposto no artigo 154.º da Lei 7-A/2016, de 30 de março, na parte em que atribui natureza interpretativa à redação que o artigo 153.º da mesma lei deu à verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo, anexa ao Código do Imposto do Selo.
1 Já se afigura mais duvidoso que a consistência jurisprudencial seja a única forma de geração de uma expectativa jurídica nestes termos. Doutrina administrativa ou pronúncia pela AT em procedimentos de informação vinculativa, por exemplo, poderão também, ao menos em abstrato, ser fonte de expectativas de particulares passíveis de serem violadas por normas fiscais interpretativas. Não é este, porém, o problema que nos ocupa.
António Ascensão Ramos
117909355
Anexos
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Ligações deste documento
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1982-11-15 -
Lei
28/82 -
Assembleia da República
Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.
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2010-01-05 -
Decreto-Lei
3/2010 -
Ministério das Finanças e da Administração Pública
Consagra a proibição de cobrança de encargos pela prestação de serviços de pagamento e pela realização de operações em caixas multibanco.
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2016-03-30 -
Lei
7-A/2016 -
Assembleia da República
Orçamento do Estado para 2016
-
2017-05-23 -
Lei
22/2017 -
Assembleia da República
Altera o Código do Imposto do Selo, aprovado em anexo à Lei n.º 150/99, de 11 de setembro, clarificando o titular do interesse económico nas taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões
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2020-08-26 -
Lei
53/2020 -
Assembleia da República
Estabelece normas de proteção do consumidor de serviços financeiros, procedendo à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 3/2010, de 5 de janeiro
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2022-01-04 -
Lei Orgânica
1/2022 -
Assembleia da República
Harmoniza a Lei Eleitoral para o Parlamento Europeu com as disposições em vigor na ordem jurídica portuguesa sobre perda de mandato de titulares de cargos eletivos, alterando a Lei n.º 14/87, de 29 de abril, e a Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, que aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional
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