Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2015
Proc. nº 336/11.5PDCSC.L1-A.S1
Recurso para fixação de jurisprudência
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
Michelle Tjurs, tendo a qualidade de assistente, interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 09/07/2013 no processo 336/11.5PDCSC.L1, transitado em julgado em 10/09/2013, alegando que se encontra em oposição com o acórdão da mesma Relação proferido no processo 2302/04.8TACSC.L1 em 20/02/2013, transitado em julgado em 05/04/2013.
Por acórdão de 09/072014, o Supremo Tribunal de Justiça, considerando não ocorrer motivo de inadmissibilidade e haver oposição de julgados, ordenou o prosseguimento do recurso.
Foram notificados os sujeitos processuais interessados, nos termos e para os efeitos do artigo 442º, nº 1, do Código de Processo Penal, tendo sido apresentadas alegações pela assistente e pelo Ministério Público, concluindo nos termos que se transcrevem:
A assistente:
«1. Decidiram 2 (dois) acórdãos de forma diversa, no domínio da mesma legislação, a mesma questão de direito, que é a de saber se o prazo para o assistente requerer a abertura de instrução ao abrigo do artº 287º-1-b) do CPP se conta sempre da notificação do despacho de não acusação do Magistrado do MP titular do inquérito ou, no caso de haver sido requerida a intervenção hierárquica nos termos do artº 278º do mesmo código, da notificação do despacho do superior hierárquico que tenha como efeito a manutenção da decisão do titular do inquérito.
2. A interposição de reclamação hierárquica fundada no artº 278º-1 não preclude o direito de requerer abertura de Instrução por parte do assistente após a decisão tomada pelo Ministério Público no seguimento dessa mesma intervenção hierárquica.
3. Só assim se assegura de forma adequada a efectividade do princípio da igualdade nos termos do artº 13º-1 da CRP com a situação do arguido, quando este pode requerer a abertura de instrução no prazo que se conta da notificação da acusação ordenada pelo superior hierárquico no caso de a reclamação do assistente ser sucedida, ou até parcialmente sucedida.
4. Nada impede o assistente de, perante o arquivamento pelo titular do inquérito, exercer o direito à intervenção hierárquica primeiramente e se a mesma não surtir o efeito integralmente visado, vir então, posteriormente, a requerer a abertura de Instrução.
5. A administração da justiça é feita pela Magistratura Judicial e o despacho provindo da intervenção hierárquica não é insindicável pelo crivo judicial.
6. Pelo que os artº 281º-1-b) e 278º-2 do CPP são inconstitucionais perante o entendimento que dos mesmos se extraia de não ser admissível a abertura de instrução, sendo a mesma viável e possível atendendo à disciplina legal contida nos artºs 286º-1, 287º-1-b), 69º-2-a) e c) do CPP e atento os artºs 13º-1 e 32º-4 e 5, 202º, 215º e 219º da CRP.
7. Assim, deve ser fixada jurisprudência nos seguintes termos: O prazo para o assistente requerer a abertura de instrução ao abrigo do artº 287º-1-b) do CPP conta-se sempre da notificação do despacho de não acusação do Magistrado do MP titular do inquérito ou, no caso de haver sido requerida a intervenção hierárquica nos termos do artº 278º do mesmo código, da notificação do despacho do superior hierárquico que tenha como efeito a manutenção da decisão do titular do inquérito».
O Ministério Público:
«1. Face à evolução que a redacção dos artigos 278º e 287º do Código de Processo Penal sofreram, foi claramente intenção do legislador evitar que o assistente ou o denunciante com a faculdade de se constituir assistente pudessem cumulativamente requerer a intervenção hierárquica e a abertura da instrução, pelo que estamos, assim, perante dois meios de reacção alternativos.
2. Com efeito, o número 1 do artigo 278º do Código de Processo Penal, (na redacção actualmente em vigor), estabelece o prazo de 20 dias a contar da data em que a abertura da instrução já não pode ser requerida para a intervenção oficiosa ou provocada do superior hierárquico do titular do inquérito que proferiu o despacho de arquivamento dos autos e, por sua vez, o número 2 do mesmo normativo legal estabelece que, se não optarem por não requerer a abertura de instrução, podem suscitar a intervenção hierárquica, ao abrigo do número anterior, no prazo previsto para aquele requerimento.
3. Decorre, assim, deste normativo que o assistente ou o denunciante com a faculdade de se constituir assistente pode requerer a intervenção hierárquica quando já não puder ser requerida a abertura de instrução ou quando optar por não requerer a instrução
4. A possibilidade do controlo sucessivo, duplo, do despacho de arquivamento conflitua com um dos fins do legislador no Código de Processo Penal, que é a celeridade processual.
5. Se se conferisse ao assistente e ao denunciante com a faculdade de se constituir assistente a possibilidade de suscitar a intervenção hierárquica e após, caso a decisão do superior hierárquico fosse de manutenção do despacho de arquivamento, lhe conferisse a possibilidade de requerer a abertura de instrução iria prolongar-se por mais tempo e de forma inaceitável a pendência de um processo crime com todas as consequências que dai advêm para os demais intervenientes processuais, e impedir-se-ia a existência de uma decisão definitiva, bem como o restabelecimento da paz social e jurídica na comunidade.
6. É que o estabelecimento de um prazo peremptório para requerer a abertura da instrução visa assegurar ao assistente (caso não tenha requerido a intervenção hierárquica) a possibilidade de se insurgir contra o despacho de arquivamento com o qual não concorda mas visa também assegurar a efectivação plena do direito de defesa do arguido designadamente de ter um julgamento em tempo útil.
7. O despacho que o superior hierárquico do magistrado titular do inquérito profere no âmbito da intervenção hierárquica não é o despacho de arquivamento de inquérito.
8. Com efeito, ele é proferido no âmbito dos poderes de coordenação e de direcção dos superiores hierárquicos relativamente aos seus subordinados e resulta da estrutura hierarquizada do Ministério Público, nos termos do Estatuto do Ministério Público.
9. Aliás, face ao requerimento de intervenção hierárquica apresentado pelo assistente ou pelo denunciante com a faculdade de se constituir assistente, o superior hierárquico pode: confirmar o arquivamento, ordenar a realização de novas diligências, ordenar a suspensão provisória do processo, ou ordenar a dedução de acusação.
10. Ora, se se considerar que o despacho proferido pelo superior hierárquico (que mantém o arquivamento do inquérito) é o despacho de arquivamento do inquérito, não se compreende o motivo pelo qual o legislador previu que só após ter sido proferido despacho de arquivamento é que se pode suscitar a intervenção hierárquica.
11. A conjugação do disposto nos arts. 278º e 287º do CPP só tem sentido útil, lógico e eficaz, se a oportunidade dada ao assistente para requerer a intervenção hierárquica ou abertura de instrução for em alternativa.
12. O legislador, ao conferir ao assistente e ao denunciante com a faculdade de se constituir assistente a possibilidade de, em caso de arquivamento dos autos, optar entre suscitar a intervenção hierárquica ou requerer a abertura de instrução, coloca em causa os seus direitos, já que lhe confere a possibilidade de defender efectivamente os seus interesses, uma vez que pode solicitar uma nova apreciação do despacho de arquivamento, seja ela feita pelo imediato superior hierárquico do magistrado do Ministério Público que proferiu o despacho de arquivamento, seja pelo juiz de instrução, não lhe retirando ou restringindo desproporcionadamente desta forma o direito de participar no processo penal.
13. É que é preciso não esquecer que o processo penal português não é um processo de partes, não se verificando total simetria entre os direitos do arguido e os direitos do assistente, no que se refere ao modo de concretização da garantia de acesso à justiça.
14. Por todo o exposto, deve ser proferido acórdão de fixação de jurisprudência no sentido de "o prazo a partir do qual o assistente, no caso de crimes públicos e semi-públicos, pode requerer a abertura de instrução conta-se da data de notificação do despacho de não acusação do magistrado titular do inquérito"».
Colhidos os vistos, o processo foi apresentado à conferência do pleno das secções criminais, cumprindo decidir.
Fundamentação:
1. A conferência julgou verificados os pressupostos do recurso, designadamente a oposição de julgados. Este pleno pode decidir em sentido contrário, como resulta do nº 4 do artigo 692º do Código de Processo Civil (correspondente ao anterior nº 4 do artigo 767º), aqui aplicável por força do disposto no artigo 4º do Código de Processo Penal. Mas não é caso disso.
Com efeito, ambos os acórdãos apreciaram e decidiram, no domínio da mesma legislação, a mesma questão de direito, que é a de saber se o assistente, ao abrigo do artigo 287º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Penal, apenas pode requerer a abertura de instrução no prazo de 20 dias a contar do despacho de não acusação do magistrado do Ministério Público titular do inquérito ou de quem o substitua ou se, no caso de ter havido, a seu pedido, intervenção hierárquica nos termos do artigo 278º do mesmo código, o pode ainda fazer no prazo de 20 dias a contar da notificação do despacho do superior hierárquico que tenha como efeito a manutenção daquela decisão de não acusação.
E sobre ela chegaram a soluções opostas.
O acórdão recorrido decidiu que o assistente apenas pode requerer a abertura de instrução no prazo de 20 dias a contar do despacho de não acusação do magistrado do Ministério Público titular do inquérito, pelo que, no caso, tendo a assistente sido notificada dessa decisão em 07/10/2011, a apresentação do requerimento de abertura da instrução em 27/02/2012 era extemporânea. Nesse sentido afirmou aderir ao entendimento sufragado em acórdão da Relação do Porto de 06/02/2013, proferido no processo 1759/11.5TAMAI.P1, do qual transcreveu as seguintes passagens:
"(...) a opção do legislador (...) foi a de a intervenção hierárquica (...) ter lugar quando já não seja possível a fase de instrução.
(...).
Ou seja, só quando já não puder ser requerida a abertura de instrução (devendo para tanto ter-se em conta o art. 287º, nº 1, alínea b), do CPP) ou quando o assistente ou o denunciante com a faculdade de se constituir assistente optarem por não requerer a instrução (o que significa que não querem apresentar requerimento de abertura de instrução, no prazo estabelecido no art. 287º, nº 1, alínea b), do CPP) e reclamarem tempestivamente para o superior hierárquico, é que este (no caso de não ter actuado oficiosamente) pode "controlar" (apreciar) internamente a decisão do titular do inquérito, seu inferior hierárquico.
(...) só quando não haja lugar à fase facultativa da instrução (que perante o arquivamento de crime público ou semi-público só pode ser requerida pelo assistente no prazo estabelecido no art. 287º, nº 1, alínea b), do CPP, sem prejuízo do mesmo nesse prazo praticar acto que signifique renúncia à instrução) é que o assistente ou o denunciante com a faculdade de se constituir assistente pode reclamar para o superior hierárquico do titular do inquérito que proferiu o despacho de arquivamento, o que obviamente pressupõe e exige o cumprimento do prazo peremptório estabelecido no art. 278º do CPP.
Por isso, as opções facultativas da apresentação de requerimento de abertura de instrução ou da apresentação de requerimento a suscitar a intervenção hierárquica são modos de reacção alternativos (e não cumulativos, nem sucessivos) ao despacho de arquivamento do titular do inquérito.
O assistente (...), que é representado por Advogado, tem de fazer a sua opção perante as alternativas que lhe são conferidas pela lei, as quais tutelam e salvaguardam suficientemente os seus direitos, aliás, em conformidade com o estabelecido na CRP, nomeadamente do seu art. 18º; por isso, não pode o assistente subverter a vontade do legislador, requerendo, primeiro, a intervenção hierárquica e, depois, requerendo a abertura de instrução, esquecendo inclusivamente o prazo estabelecido no art. 287º, nº 1, alínea b), do CPP, de 20 dias contado do despacho de arquivamento do titular do inquérito.
Se queria submeter o despacho de arquivamento do titular do inquérito a "comprovação judicial", então tinha que ter optado pela apresentação atempada do requerimento de abertura de instrução".
Ao contrário, o acórdão fundamento decidiu que o assistente pode ainda requerer a abertura de instrução no prazo de 20 dias a contar da notificação do despacho do imediato superior hierárquico que manteve o arquivamento, argumentando assim:
"(...) a interposição de reclamação hierárquica não preclude o direito de requerer a abertura da instrução após a decisão tomada pelo Ministério Público na sequência da intervenção hierárquica. Assim, o prazo para o assistente requerer a abertura da instrução conta-se não a partir da notificação do despacho de arquivamento do magistrado do Ministério Público titular do inquérito (...), mas sim a partir da notificação do despacho do superior hierárquico que, na sequência da reclamação hierárquica, confirme o despacho de arquivamento do inferior hierárquico.
Na verdade, se bem vemos, só assim se assegura de forma adequada a efectividade do princípio da igualdade (cf. art. 13º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa) com a situação do arguido, quando este pode requerer a abertura da instrução no prazo que se conta da notificação da acusação ordenada pelo superior hierárquico no caso de a reclamação do assistente ser bem sucedida. Por sua vez, se apenas relevasse o prazo da notificação do despacho de arquivamento do titular do inquérito, o direito do assistente à instrução ficaria nas mãos do Ministério Público; para tal bastaria o superior hierárquico do Ministério Público demorar mais de 20 dias a prolação do respectivo despacho para ferir de morte por intempestividade o RAI, colocando o assistente em matéria de dies a quo em posição pior do que a do arguido, nada justificando a nosso ver este tratamento discriminatório".
É, assim, indiscutível a verificação da oposição de julgados.
2. Identificada a questão controvertida, vejamos como solucioná-la.
Estabelece o artigo 287º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Penal:
«A abertura de instrução pode ser requerida, no prazo de 20 dias a contar da notificação ... do arquivamento: Pelo assistente, se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação».
E dispõe por sua vez o artigo 278º do mesmo código:
«1 - No prazo de 20 dias a contar da data em que a abertura de instrução já não puder se requerida, o imediato superior hierárquico do magistrado do Ministério Público pode, por sua iniciativa ou a requerimento do assistente ou do denunciante com a faculdade de se constituir assistente, determinar que seja formulada acusação ou que as investigações prossigam, indicando, neste caso, as diligências a efectuar e o prazo para o seu cumprimento.
2 - O assistente e o denunciante com a faculdade de se constituir assistente podem, se optarem por não requerer a abertura de instrução, suscitar a intervenção hierárquica, ao abrigo do número anterior, no prazo previsto para aquele requerimento».
Assim, estando em causa factos susceptíveis de preencherem crimes públicos ou semi-públicos que admitam a constituição de assistente, a lei prevê duas vias de controlo da decisão de não acusação por parte do Ministério Público: a judicial, requerendo o assistente a abertura de instrução, e a hierárquica, que pode ter lugar mediante requerimento do assistente e do denunciante com a faculdade de se constituir assistente ou por iniciativa do imediato superior hierárquico do magistrado do Ministério Público titular do inquérito. Ao contrário do que acontecia no domínio da legislação anterior ao Código de Processo Penal de 1987, onde se contemplava unicamente a via da intervenção hierárquica, regulada nos artigos 23º, 27º e 28º do Decreto-Lei 35 007, de 13 de Outubro de 1945, e posteriormente no artigo 6º-A do Decreto-lei 605/75, de 3 de Novembro, introduzido pelo Decreto-Lei 377/77, de 3 de Setembro.
3. Na vigência do Código de Processo Penal de 1987, o regime da intervenção hierárquica, previsto no artigo 278º, sofreu alterações até estabilizar no modelo actual.
Na versão inicial estabelecia-se: «No prazo de trinta dias, contado do despacho de arquivamento, o imediato superior hierárquico do Ministério Público, se não tiver sido requerida a abertura de instrução, pode determinar que seja formulada acusação ou que as investigações prossigam, indicando, neste caso, as diligências a efectuar e o prazo para o seu cumprimento».
A intervenção hierárquica só podia ter lugar se não tivesse sido requerida a abertura de instrução, e por iniciativa do imediato superior hierárquico do magistrado do Ministério Público titular do inquérito. Se é certo que nada impedia a suscitação dessa intervenção por parte do assistente e do denunciante com a faculdade de se constituir assistente, também o é que não se assegurava eficazmente essa possibilidade. De facto, contando-se o prazo para a intervenção hierárquica a partir do despacho de arquivamento e não da sua notificação ou comunicação ao assistente e ao denunciante com a faculdade de se constituir assistente, podia acontecer, como consequência de um atraso na notificação ou comunicação do despacho, que quando esses interessados tivessem conhecimento do arquivamento já aquele prazo houvesse expirado ou estivesse em vias de expirar, não havendo já possibilidade efectiva de suscitar a referida intervenção.
Assim, o único meio eficaz de controlo da decisão de não acusação por parte do Ministério Público que o assistente tinha então à sua disposição era o requerimento de abertura de instrução.
A situação foi de algum modo corrigida pela Lei 59/98, de 25 de Agosto, que alterou o artigo 278º. Passou então a prever-se que o prazo de 30 dias para a intervenção hierárquica se contava do despacho de arquivamento (intervenção oficiosa, no caso de crimes que não admitiam a constituição de assistente) ou da notificação do arquivamento ao assistente ou ao denunciante com a faculdade de se constituir assistente, mantendo-se que só podia ter lugar se não tivesse sido requerida a abertura de instrução: «No prazo de 30 dias, contado do despacho de arquivamento ou da notificação deste ao assistente ou ao denunciante com a faculdade de se constituir assistente, se a ela houver lugar, o imediato superior hierárquico do Ministério Público, se não tiver sido requerida a abertura de instrução, pode determinar que seja formulada acusação ou que as investigações prossigam, indicando, neste caso, as diligências a efectuar e o prazo para o seu cumprimento».
Referindo-se a esta alteração, o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 16/03/2005, proferido no processo 147/05, da 3ª secção, considerou:
"O que se pretendeu foi, afinal, esclarecer e harmonizar a articulação entre os dois mecanismos de controlo.
Esclarecer que a intervenção hierárquica, nos processos por crime que admitam a constituição de assistente ocorrerá (só deverá ocorrer) em momento ulterior, no caso de a instrução não ter sido requerida, isto é, depois de esgotado o respectivo prazo.
Harmonizar a intervenção hierárquica com o regime da instrução (...). Agora, em relação a esses processos, os dois prazos correm a partir do mesmo facto - a notificação ao assistente ou a quem tiver a possibilidade de o ser - e o primeiro prolonga-se necessariamente por mais 10 dias, depois de esgotado o segundo. Tudo de modo a permitir uma «dupla possibilidade de controlo» porque, não exercido o direito de requer a abertura da instrução - o instrumento normal do particular reagir contra o despacho de arquivamento -, o superior hierárquico ainda pode intervir, ainda que a pedido daquele.
Com tais esclarecimentos, fica agora mais claro que a articulação entre os dois mecanismos de controlo do despacho de arquivamento só pode ser a que já antes deixámos enunciada: nos processos por crimes que não admitam a constituição de assistente, em que não pode ser requerida a instrução para comprovação do despacho de arquivamento (...), o único meio de controlo é a intervenção hierárquica, cujo prazo corre da data do referido despacho, independentemente da sua notificação, nos termos do nº 3 do artº 277º; nos processos por crimes que a admitam, a primeira só é possível depois de esgotado o prazo para o segundo - por isso que, coincidindo o termo inicial de ambos os prazos e sendo o do artº 278º mais longo do que o do artº 287º, a válvula de segurança pode funcionar no diferencial de 10 dias, novamente por iniciativa própria ou provocada. E continuamos a não ver obstáculos à renúncia ao direito de requerer a abertura da instrução, com as possibilidades e consequência que antes ficaram apontadas.
Esta solução, para além do que foi dito, tem claro apoio no elemento gramatical. Com efeito, sendo o referente da contagem dos prazos do artº 278º e do artº 287º gramaticalmente o mesmo - o despacho de arquivamento - e se, no caso do primeiro, o despacho de arquivamento não pode senão ser o previsto no antecedente artº 277º, não se vê como, no caso do segundo, o referente tanto possa ser esse despacho como o proferido no uso dos poderes de intervenção hierárquica, o qual, todavia, nem a lei nem a praxis designam de despacho de arquivamento. Se o visado fosse o despacho do superior hierárquico, a lei tê-lo-ia seguramente dito de forma expressa, como, para situação com alguma semelhança, acontece na hipótese do artº 686º do CPC".
Esta posição foi reafirmada em acórdão de 17/01/2007, proferido no processo 06P4597, da 3ª Secção (consultável em www.dgsi.pt).
Concluiu-se nesses acórdãos que o prazo para o assistente requerer a abertura de instrução, ao abrigo do artigo 287º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Penal, se conta a partir da notificação do despacho de arquivamento do magistrado do Ministério Público que dirigiu o inquérito, e não, no caso de ter havido intervenção hierárquica a pedido do assistente, da notificação da decisão do imediato superior hierárquico que mantenha a decisão de arquivamento.
No mesmo sentido já decidira este Supremo Tribunal, com um voto de vencido, em acórdão de 15/12/2004, onde, depois de se apontar como início do prazo para o assistente requerer a abertura de instrução a data da notificação do despacho de arquivamento proferido ao abrigo do artigo 277º do Código de Processo Penal, se acrescentou: "quando se requer a intervenção hierárquica para apreciação do despacho de arquivamento, já não se poderá, até pela preclusão do respectivo prazo, requerer a abertura de instrução" (Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do STJ, Ano XII, Tomo III, páginas 246-248).
4. À face do texto actual do artigo 278º, não se vê como possa chegar-se a outra solução que não seja aquela a que chegou o acórdão recorrido, e haviam já chegado, no domínio da lei anterior, os apontados acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça.
Como se viu, o assistente pode requerer a abertura de instrução, ao abrigo do artigo 287º, nº 1, alínea b), no prazo de 20 dias a contar da notificação do despacho de arquivamento.
No mesmo prazo, em vez de requerer a abertura de instrução, pode optar por suscitar a intervenção hierárquica, nos termos do nº 2 do artigo 278º.
A intervenção hierárquica pode ter lugar, a pedido do assistente e do denunciante com a faculdade de se constituir assistente ou oficiosamente, no prazo de 20 dias a contar da data em que a instrução já não pode ser requerida, de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 278º.
O arquivamento cuja notificação ao assistente fixa o início do prazo para requer a abertura de instrução é, assim, sem dúvida, o mesmo que pode ser objecto de controlo hierárquico, desde logo porque a sua notificação dá início a um prazo que tanto pode ser usado para pedir a instrução como para suscitar a intervenção hierárquica.
E, pela própria natureza das coisas, o arquivamento contra o qual o assistente pode reagir suscitando a intervenção hierárquica só pode ser o que foi decidido pelo magistrado do Ministério Público titular do inquérito ou por quem o substituiu. Aliás, em boa verdade, esse é o único arquivamento de que se pode falar, não existindo outro. Como nota o identificado acórdão deste Supremo Tribunal de 16/03/2005, "nem a lei nem a praxis designam de despacho de arquivamento" a decisão do superior hierárquico que, intervindo nos termos do artigo 278º, não modifique o despacho de não acusação proferido no acto de encerramento do inquérito pelo seu titular ou por quem o substitua.
Logo, é também esse o arquivamento a que alude o artigo 287º, nº 1. É, pois, com a notificação desse arquivamento que se inicia o prazo para o assistente requerer, querendo, a abertura de instrução.
Nenhum dos acórdãos em conflito nega que seja assim. A verdadeira divergência entre eles está em que, enquanto o acórdão recorrido decidiu que o assistente só pode requerer a abertura de instrução nesse prazo, o acórdão fundamento considerou que o assistente, se não requerer a abertura de instrução em tal prazo, pode ainda fazê-lo no prazo de 20 dias a contar da decisão do imediato superior hierárquico que, intervindo ao abrigo do artigo 278º, mantenha o arquivamento.
Mas se, nos termos do artigo 287º, nº 1, alínea b), o prazo de 20 dias para o assistente requerer, querendo, a abertura de instrução se conta a partir da notificação do arquivamento, e esse arquivamento é o decidido pelo magistrado do Ministério Público que dirige o inquérito, não se vê qual possa ser a norma que contempla a possibilidade de o assistente requerer a abertura de instrução no prazo de 20 dias a contar da notificação da decisão do superior hierárquico que mantenha o arquivamento.
Se, como estabelece o artigo 278º, só pode haver intervenção hierárquica a partir da data em que a abertura de instrução já não pode ser requerida e se a suscitação da intervenção hierárquica pelo assistente no decurso do prazo previsto para requerer a abertura de instrução traduz a opção de não requerer a instrução, só pode concluir-se que, por um lado, o requerimento de abertura de instrução, ao abrigo do artigo 287º, nº 1, alínea b), e o pedido de intervenção hierárquica são meios de que o assistente pode lançar mão, em alternativa, para reagir contra o despacho de não acusação do Ministério Público no final do inquérito e, por outro, só se inicia o tempo da intervenção hierárquica quando o tempo de requerer a abertura de instrução já passou.
Por isso, se o assistente suscitou a intervenção hierárquica, esta teve lugar e culminou em decisão que manteve o despacho de arquivamento, não se inicia a partir da notificação desta última decisão novo prazo para aquele requerer a abertura de instrução. Nessa altura já não há possibilidade de haver instrução, por ter passado o tempo em que podia ter sido requerida. Depois de passar o tempo da instrução, o assistente, como parece claro, não pode mais requerê-la, enquanto a situação do processo não se alterar. E a situação processual, para este efeito, não se altera com a decisão do imediato superior hierárquico que mantenha o arquivamento, pois não traz ao processo elementos novos em relação aos quais se coloque a necessidade de o assistente defender qualquer direito que não pudesse já ter defendido.
Há uma só oportunidade para o assistente requerer a abertura de instrução: o prazo de 20 dias a contar da notificação do despacho de arquivamento proferido ao abrigo do artigo 277º do Código de Processo Penal pelo magistrado do Ministério Público titular do inquérito ou por quem o substitua. Se tal prazo decorreu, sem que a instrução tenha sido requerida, ou se no decurso desse prazo foi suscitada a intervenção hierárquica, acto com o significado de renúncia à instrução, como decorre do nº 2 do artigo 278º, acabou o tempo de requerer a instrução, que se define sempre por referência ao arquivamento previsto no artigo 277º.
Depois disso, só volta a haver oportunidade de o assistente requerer a abertura de instrução se vier a ser proferido novo despacho de arquivamento nos termos do artigo 277º, situação que pode ocorrer em função da decisão do imediato superior hierárquico do magistrado titular do inquérito que, no âmbito da intervenção prevista no artigo 278º, determine o prosseguimento das investigações, com a realização de determinadas diligências de prova, ou da reabertura do inquérito nos termos do artigo 279º.
Nem seria coerente com o espírito de racionalidade, eficiência e celeridade de que o Código de Processo Penal de 1987 se mostra imbuído a solução que contemplasse a possibilidade de o assistente, depois de ter optado por suscitar a intervenção hierárquica, em vez de requerer a abertura de instrução no prazo facultado pelo artigo 287º, nº 1, alínea b), beneficiar, no caso de insucesso, de novo prazo de 20 dias para requerer a instrução, a contar da notificação da decisão do imediato superior hierárquico que mantivesse o arquivamento. Essa duplicação de prazos não acautelaria qualquer valor do processo penal que não estivesse já acautelado por outra forma [com a possibilidade de o assistente de requerer a abertura de instrução no prazo de 20 dias a contar do despacho de arquivamento], redundaria num desperdício de meios e prolongaria, sem verdadeira necessidade, a duração do processo penal.
Logo no seu preâmbulo, em 1987, o actual Código anunciou que na procura das soluções adoptadas esteve a preocupação de preservação desses valores. Assim, depois de ali se falar num "sistema apostado em maximizar e racionalizar o seu funcionamento" (nº 3), considerou-se: "(...) não pode deixar de sublinhar-se outra das motivações que esteve na primeira linha dos trabalhos de reforma: a procura de uma maior celeridade e eficiência na administração da justiça penal" (nº 8). E essa preocupação foi a característica dominante das várias alterações de que o Código tem sido objecto, com agilização de julgamentos, restrição em matéria de recursos, limitação do número de testemunhas, alargamento do âmbito das formas de processo mais expeditas, etc., dando-se execução, de resto, à norma do nº 2 do artigo 32º da Constituição, que afirma a celeridade processual como garantia de defesa. E que Germano Marques da Silva justifica assim:
"Um processo que se arrasta durante longo tempo, por tempo superior ao necessário para o esclarecimento da suspeita e para assegurar ao arguido a preparação da sua defesa, converte-se frequentemente em sofrimento insuportável para o arguido, porque os riscos naturais inerentes a qualquer processo, a incerteza da decisão e a ameaça da condenação que sobre ele paira, podem condicionar e comprometer a sua vida pessoal e profissional e até mesmo a sua liberdade. A absolvição a final não repara os sacrifícios que resultam para o arguido da pendência do processo" (Jorge Miranda - Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2005, página 357).
A solução legal adoptada, disponibilizando ao assistente os dois referidos meios de controlo da decisão de arquivamento, em alternativa, com a exigência de que opte por um deles, assenta em razões lógicas, como se verá.
O pedido de abertura de instrução, a via judicial, pode considerar-se o meio normal de reagir ao arquivamento, sendo no seu âmbito que a lei faculta ao assistente os instrumentos que lhe permitem defender os interesses que nesta fase tem o direito de fazer valer no processo penal, podendo, nomeadamente, recorrer de decisões que lhe sejam desfavoráveis, desde logo de uma eventual rejeição do requerimento de abertura de instrução.
Mas em certos casos de arquivamento a via da instrução está-lhe vedada. É o que acontece quando a falta de indícios suficientes que fundamenta o despacho de não acusação resulta, pelo menos na perspectiva do assistente, de uma deficiente investigação, com omissão de diligências essenciais. Com efeito, visando a instrução, nos termos do nº 1 do artigo 286º, «a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter a causa a julgamento», o assistente só pode requerer a abertura de instrução colocando-se na posição em que defenda que, na situação adquirida no inquérito na altura do seu encerramento, o Ministério Público devia ter acusado em vez de proferir despacho de arquivamento.
Assim, porque a instrução não se destina a completar o inquérito, ou seja, a realizar diligências ali omitidas e necessárias para decidir se o processo deve transitar para a fase de julgamento, o assistente, entendendo que a investigação foi deficiente e pretendendo que seja completada, não pode requerer, com essa finalidade a instrução. Nessa situação, o meio próprio para reagir ao arquivamento é a suscitação da intervenção hierárquica, com vista a que se determine, nos termos do nº 1 do artigo 278º, o prosseguimento das investigações, com a realização das diligências necessárias.
Diferentemente, nos casos em que o magistrado do Ministério Público titular do inquérito profere, no final, despacho de arquivamento, mas, em face do material probatório ali recolhido, a decisão correcta era de acusação, no entendimento do assistente, este pode requerer a instrução ou a intervenção hierárquica, com vista a que o despacho de arquivamento seja substituído por outro de acusação/pronúncia. Nesses casos, ao ponderar a escolha a fazer, o assistente deverá ter presente que se optar por suscitar a intervenção hierárquica lhe fica vedada a via judicial, que, implicando embora, ou podendo implicar, maiores custos económicos, comporta importantes vantagens que estão ausentes da via hierárquica. Desde logo, é, como se disse, na via da instrução que verdadeiramente lhe são disponibilizados instrumentos para defender eficazmente os seus interesses nesta fase do processo. Além disso, sendo fundada a sua pretensão de ver substituído o arquivamento por decisão de acusação/pronúncia, a via da instrução poderá permitir um mais rápido avanço do processo para julgamento, uma vez que a via da intervenção hierárquica levará a um regresso do processo à fase da acusação, podendo seguir-se a instrução, a requerimento do arguido.
5. O acórdão fundamento, que decidiu no sentido de que, sendo suscitada e efectivada a intervenção hierárquica, o prazo para o assistente requerer a abertura de instrução se conta, não só da notificação do despacho de arquivamento do magistrado do Ministério Público titular do inquérito, mas ainda da notificação da decisão do imediato superior hierárquico que mantenha o arquivamento, fundamentou essa solução com a seguinte argumentação, inspirada, segundo afirma em nota de fim de página, na posição defendida por Paulo Pinto de Albuquerque em Comentário do Código de Processo Penal, 4ª edição actualizada, página 750, nota 7:
"Na verdade, se bem vemos, só assim se assegura de forma adequada a efectividade do princípio da igualdade (cf. art. 13º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa) com a situação do arguido, quando este pode requerer a abertura da instrução no prazo que se conta da notificação da acusação ordenada pelo superior hierárquico no caso de a reclamação do assistente ser bem sucedida. Por sua vez, se apenas relevasse o prazo da notificação do despacho de arquivamento do titular do inquérito, o direito do assistente à instrução ficaria nas mãos do Ministério Público; para tal bastaria o superior hierárquico do Ministério Público demorar mais de 20 dias a prolação do respectivo despacho para ferir de morte por intempestividade o RAI, colocando o assistente em matéria de dies a quo em posição pior do que a do arguido, nada justificando a nosso ver este tratamento discriminatório".
Se é verdade que, no caso de o superior hierárquico determinar, nos termos do nº 1 do artigo 278º, que seja formulada acusação, o arguido pode requerer a abertura de instrução no prazo de 20 dias a contar da notificação dessa acusação, não se impõe que, em função de qualquer consideração assente no princípio da igualdade, seja admitido ao assistente requerer a instrução no prazo de 20 dias a contar da notificação da decisão do superior hierárquico que mantenha o arquivamento.
Para além de, como se assinalou no acórdão 27/2001 do Tribunal Constitucional, "a dimensão garantística do processo penal, face à sua repercussão nos direitos e liberdades fundamentais do arguido, não proporcionar uma perspectiva de total simetria entre os direitos do arguido e do assistente no que se refere ao modo de concretização das garantias de acesso à justiça", no caso apontado, as situações não são comparáveis: enquanto o arguido é confrontado pela primeira vez com uma acusação no processo, ou seja, com o facto que lhe confere o direito a requerer a instrução; o assistente foi logo no primeiro momento, com a decisão do magistrado do Ministério Público titular do inquérito, confrontado com o despacho de arquivamento, que é pressuposto do seu requerimento de instrução. Dito de outro modo: nesse caso, enquanto o assistente pode reagir com pedido de instrução logo que é notificado do despacho de arquivamento do titular do inquérito, o arguido só pode fazê-lo após a notificação da acusação que venha a ser deduzida em função da decisão do superior hierárquico.
A segunda parte da argumentação transcrita - "se apenas relevasse o prazo da notificação do despacho de arquivamento do titular do inquérito, o direito do assistente à instrução ficaria nas mãos do Ministério Público; para tal bastaria o superior hierárquico do Ministério Público demorar mais de 20 dias a prolação do respectivo despacho para ferir de morte por intempestividade o RAI, colocando o assistente em matéria de dies a quo em posição pior do que a do arguido, nada justificando a nosso ver este tratamento discriminatório" - é de todo incompreensível.
De facto, "se apenas relevar o prazo" de 20 dias a contar da notificação do despacho de arquivamento referido no artigo 277º, não se vê de que modo ou por que via uma eventual demora na prolação da decisão do superior hierárquico pode repercutir-se, mormente em sentido desfavorável, no direito do assistente à instrução, se, como estabelece o nº 1 do artigo 278º, a intervenção hierárquica só tem lugar quando já passou a oportunidade de requerer a abertura de instrução e, por isso, não pode estorvar o direito do assistente à instrução durante a totalidade do prazo previsto para o seu exercício.
6. A recorrente alega a inconstitucionalidade dos artigos 287º, nº 1, alínea b), e 278º, nº 2, do Código de Processo Penal, interpretados no sentido de que o assistente, ao abrigo da primeira destas normas, apenas pode requerer a abertura de instrução no prazo de 20 dias a contar do despacho de não acusação do magistrado do Ministério Público proferido no acto de encerramento do inquérito, por violação, ao que se percebe, dos artigos 215º, nº 1, 219º, nº 1, 202º, 13º e 32º da Constituição.
Relativamente aos artigos 202º, 215º, nº 1, e 219º, nº 1, da Constituição, a recorrente não coloca verdadeiramente qualquer questão de constitucionalidade, limitando-se a transcrever o texto dessas normas e a fazer sobre elas afirmações vagas, tais como: "é aos tribunais que cabe decidir em nome do povo, através da Magistratura Judicial, e não através da Magistratura do Ministério Público"; "é à Magistratura Judicial que cumpre efectivar a administração da justiça, da justiça penal, nomeadamente". Não diz de que modo ou por que via a interpretação daquelas disposições do processo penal no sentido apontado retira aos tribunais, através dos juízes, o exercício da função jurisdicional. E não se vê que isso aconteça. Se é verdade que, de entre duas decisões com o mesmo objecto e idêntico alcance, de não dedução de acusação, proferidas na fase do inquérito por magistrados do Ministério Público de diferentes escalões hierárquicos, as ditas normas do processo penal, naquela interpretação, só permitem ao assistente desencadear o controlo judicial da primeira, também o é que a segunda dessas decisões só pode ter lugar se esse controlo não for accionado [o pedido de abertura de instrução arreda a possibilidade de haver intervenção hierárquica].
No respeitante ao artigo 32º da Constituição, a recorrente refere o nº 5 e ainda o nº 1 ou o nº 4. A dúvida sobre esta última parte está em que na motivação fala do nº 1 e nas conclusões do nº 4. Acresce que, com referência a este preceito constitucional, se limita a afirmar que a mencionada interpretação dos artigos 287º, nº 1, alínea b), e 278º, nº 2, está em "colisão com a estrutura acusatória do processo criminal" e "afronta o princípio do contraditório", não dizendo de que modo, em seu entender, isso acontece.
Ora, o nº 1 do artigo 32º afirma genericamente garantias de defesa do arguido, matéria que é alheia à posição da recorrente no processo, onde tem a qualidade de assistente. E não se vê qual a ligação da problemática aqui em discussão - determinação do prazo no qual o assistente pode requerer instrução - quer com a estrutura acusatória do processo penal quer com a competência jurisdicional para a instrução. De resto, à recorrente foi dada a oportunidade de requerer a abertura de instrução e, desse modo, expor perante um juiz as razões pelas quais, em seu entender, o material probatório recolhido no inquérito deveria conduzir a uma decisão de acusação, e não de arquivamento.
A pretensão de violação do princípio da igualdade, afirmado no artigo 13º da Constituição, é apresentada pela recorrente nos mesmos termos em que o foi pelo acórdão fundamento. Reafirma-se por isso o que já se disse a esse propósito (supra, nº 5).
Importa ainda acrescentar que a alegação de inconstitucionalidade da norma do artigo 287º, nº 1, alínea b), interpretada no sentido de que o assistente apenas pode requerer a abertura de instrução no prazo de 20 dias a contar do despacho de não acusação do magistrado do Ministério Público que dirige o inquérito, já foi objecto de apreciação pelo Tribunal Constitucional, nos acórdãos nºs 501/2005, 539/2005 e 713/2014 [neste em conjugação com o artigo 278º, nº 2], tendo aí sido julgada improcedente. E se é certo que não existe total coincidência entre as normas constitucionais apontadas como violadas nos recursos ali decididos e neste, também o é que a inconstitucionalidade podia ser declarada com fundamento na violação de normas ou princípios diversos dos invocados, nos termos do artigo 79º-C da Lei 28/82, de 15 de Novembro.
Não procedem, assim, as apontadas alegações de inconstitucionalidade.
Em termos de constitucionalidade, o que poderia questionar-se era se a interpretação das disposições dos artigos 287º, nº 1, alínea b), e 278º que a recorrente pretende fazer valer, alargando, sem fundamento legítimo, substancialmente e, na visão de alguns, sem limites pré-definidos [cf., declaração de vencido aposta no Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República votado em 16/09/2010 e publicado no DR, 2ª série, de 08/11/2012, defendendo que a intervenção hierárquica a requerimento do assistente ou do denunciante com a faculdade de se constituir assistente pode ter lugar para além do prazo previsto no nº 1 do artigo 278º], o prazo de controlo do despacho de arquivamento do inquérito, não contenderia com as garantias de defesa do arguido, sabendo-se que delas faz parte o estabelecimento de um prazo certo para o assistente requerer a abertura de instrução, como afirmou o Tribunal Constitucional, a propósito de situação semelhante, nos acórdãos nºs 27/2001 e 389/2005.
Decisão:
Em face do exposto, os juízes do Supremo Tribunal de Justiça decidem:
a) Negar provimento ao recurso;
b) Fixar a seguinte jurisprudência: «O prazo de 20 dias para o assistente requerer a abertura de instrução, nos termos do artigo 287º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Penal, conta-se sempre e só a partir da notificação do despacho de arquivamento proferido pelo magistrado do Ministério Público titular do inquérito ou por quem o substitua, ao abrigo do artigo 277º do mesmo código, não relevando para esse efeito a notificação do despacho do imediato superior hierárquico que, intervindo a coberto do artigo 278º, mantenha aquele arquivamento»; e
c) Condenar a recorrente no pagamento das custas, fixando a taxa de justiça em 4 UC.
Lisboa, 8 de Janeiro de 2015. - Manuel Joaquim Braz (Relator) - Isabel Francisca Repsina Aleluia São Marcos - Helena Isabel Gonçalves Moniz Falcão de Oliveira - António Pereira Madeira - José Vaz dos Santos Carvalho - Armindo dos Santos Monteiro - José António Henriques dos Santos Cabral - António Jorge Fernandes de Oliveira Mendes - José Adriano Machado Souto de Moura - Eduardo Maia Figueira da Costa - António Pires Henriques da Graça - Raul Eduardo do Vale Raposo Borges - Isabel Celeste Alves Pais Martins - António Silva Henriques Gaspar (Presidente).