Decreto-Lei 279-A/92
de 17 de Dezembro
O crescimento acelerado da circulação de mercadorias ocorrido nos últimos seis anos tem obrigado os transportadores a um contínuo esforço de expansão das suas actividades.
Está neste caso o transporte internacional rodoviário de mercadorias, um dos sectores que registou maior crescimento, uma vez que é este modo de transporte que mais flexível e rapidamente responde aos aumentos da procura.
Importa, por isso, adaptar o actual enquadramento jurídico que regula a actividade, libertando-o de condicionalismos que ainda dificultam o seu desenvolvimento e impondo às empresas condições de acesso à actividade, de acordo com as Directivas do Conselho n.os 89/438/CEE e 91/224/CEE , por forma que não surjam no mercado empresas sem credibilidade e idoneidade para o exercício desta actividade.
Assim:
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
Artigo 1.º
Âmbito
1 - O disposto no presente diploma aplica-se aos transportes internacionais rodoviários de mercadorias, efectuados por meio de veículos construídos ou adaptados para o transporte de qualquer espécie de bens, cujo peso máximo autorizado exceda 6 t ou cuja carga útil, incluindo a dos reboques, exceda 3,5 t.
2 - O presente diploma aplica-se também às deslocações em vazio dos veículos referidos no número anterior que sejam efectuadas com vista à realização de transportes internacionais.
Artigo 2.º
Definições
1 - Para efeitos do presente diploma entende-se por:
a) «Transporte internacional», qualquer transporte por estrada que, implicando o atravessamento de fronteiras, se desenvolva parcialmente em território português;
b) «Transporte em trânsito», qualquer transporte que implique um mero atravessamento do território português sem que se proceda a carga ou a descarga das mercadorias transportadas, não podendo, salvo caso de força maior devidamente comprovado, ser efectuado transbordo de mercadorias para outro veículo;
c) «Transportador residente», qualquer empresa estabelecida em território português que, nos termos do presente diploma, esteja habilitada a explorar transportes públicos internacionais rodoviários de mercadorias;
d) «Transportador não residente», qualquer pessoa singular ou colectiva estabelecida num país estrangeiro e que, nos termos da regulamentação desse país, esteja habilitada a explorar os transportes referidos na alínea anterior;
e) «Cabotagem», a realização de transportes entre pontos situados em território português por transportadores não residentes;
f) «Transportes internacionais rodoviários de mercadorias por conta própria ou particulares», quaisquer transportes em que:
As mercadorias transportadas sejam propriedade da empresa ou objecto da sua actividade comercial ou industrial e tenham sido por ela compradas, vendidas, alugadas ou recebidas para transformação ou reparação;
Os veículos utilizados sejam propriedade da empresa, tenham sido por ela adquiridos a crédito ou alugados em regime de aluguer sem condutor e sejam conduzidos por pessoal ao serviço da empresa;
O transporte sirva exclusivamente necessidades próprias da empresa e constitua uma actividade acessória no conjunto das suas actividades.
2 - São ainda considerados transportes por conta própria os percursos rodoviários iniciais que integrem o transporte combinado, desde que estejam preenchidas as primeiras e terceiras condições referidas na alínea f) do número anterior e o veículo tractor seja propriedade da empresa expedidora da mercadoria, tenha sido por ela adquirido a crédito ou alugado e seja conduzido por um seu empregado, mesmo que o reboque ou semi-reboque esteja matriculado ou tenha sido alugado pela empresa destinatária, ou vice-versa, no caso do percurso rodoviário terminal.
Artigo 3.º
Requisitos
1 - Os transportes públicos rodoviários internacionais de mercadorias só poderão ser realizados por empresas autorizadas para o efeito pela Direcção-Geral de Transportes Terrestres.
2 - Só poderão ser autorizadas para a realização dos transportes a que se refere o número anterior as empresas, constituídas sob a forma de sociedades anónimas ou por quotas ou de cooperativas, que preencham os requisitos de idoneidade e de capacidade profissional e financeira que, em alternativa:
a) Estejam habilitadas para o exercício da actividade de transportes rodoviários de mercadorias de âmbito nacional há pelo menos três anos;
b) Se constituam exclusivamente para a realização de transportes internacionais rodoviários de mercadorias, desde que participadas em mais de 50% do capital social pelas empresas a que se refere a alínea a).
3 - O requisito de idoneidade deve ser preenchido pelos administradores, directores ou gerentes que detenham a direcção efectiva da empresa.
4 - O requisito de capacidade profissional deve ser preenchido, pelo menos, por um administrador, director ou gerente que detenha a direcção efectiva da empresa.
Artigo 4.º
Idoneidade
1 - Para efeitos do disposto no presente diploma, são consideradas idóneas as pessoas relativamente às quais se não verifique algum dos seguintes impedimentos:
a) Proibição legal do exercício do comércio;
b) Condenação, com trânsito em julgado, qualquer que tenha sido a natureza do crime, quando tenha sido decretada a interdição do exercício da profissão de transportador;
c) Condenação, com trânsito em julgado, por infracções graves e repetidas à regulamentação sobre os tempos de condução e de repouso ou à regulamentação sobre segurança rodoviária, nos casos em que tenha sido decretada a interdição do exercício da profissão de transportador;
d) Condenação, com trânsito em julgado, por infracções cometidas no exercício da actividade transportadora às normas relativas ao regime das prestações de natureza retributiva ou às condições de higiene e segurança no trabalho, nos casos em que tenha sido decretada a interdição do exercício da profissão de transportador.
2 - O disposto no número anterior deixa de produzir efeitos após reabilitação ou pelo decurso do prazo de interdição fixado pela decisão condenatória.
Artigo 5.º
Capacidade profissional
1 - O requisito da capacidade profissional consiste na posse das aptidões verificadas no âmbito de um exame escrito, efectuado pela Direcção-Geral de Transportes Terrestres, nas matérias que vierem a ser definidas por portaria do membro do Governo responsável pelo sector dos transportes.
2 - As pessoas diplomadas com cursos superiores que impliquem conhecimento de alguma das matérias a que se refere o número anterior serão dispensadas do exame referente a essa ou essas matérias.
3 - Será igualmente reconhecida capacidade profissional às pessoas que comprovem documentalmente uma experiência de, pelo menos, cinco anos consecutivos na direcção de uma empresa de transporte internacional rodoviário de mercadorias.
4 - Constituem receita própria da Direcção-Geral de Transpores Terrestres os montantes que vierem a ser fixados por portaria para as inscrições no exame a que se refere o n.º 1.
Artigo 6.º
Capacidade financeira
As empresas que se dediquem ou pretendam dedicar-se à exploração de transportes públicos internacionais rodoviários de mercadorias devem dispor dos recursos financeiros necessários para garantir o arranque e a boa gestão da empresa, nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pelo sector dos transportes.
Artigo 7.º
Falta superveniente de requisitos
1 - A falta superveniente do requisito de idoneidade, de capacidade profissional ou de capacidade financeira deve ser suprida no prazo de um ano a contar da data da sua ocorrência.
2 - Decorrido o prazo a que se refere o número anterior sem que a falta seja suprida, será retirado à empresa o título habilitante para o exercício da profissão de transportador público internacional rodoviário de mercadorias.
Artigo 8.º
Licenciamento de veículos
1 - Os transportes internacionais só podem ser efectuados por meio de veículos licenciados para o efeito pela Direcção-Geral de Transportes Terrestres.
2 - Os modelos e normas dos distintivos que identificam o licenciamento previsto no número anterior são aprovados por despacho do director-geral de Transportes Terrestres.
Artigo 9.º
Regime de autorização
1 - A realização de transportes públicos internacionais rodoviários de mercadorias por transportadores residentes ou não residentes, assim como de transportes por conta própria, entre o território português e o território de Estados que não sejam membros da Comunidade Europeia, carece de autorização, a emitir pela Direcção-Geral de Transportes Terrestres.
2 - Na concessão de autorizações a transportadores residentes tomar-se-ão em consideração as limitações quantitativas resultantes de acordos e convenções internacionais sobre transportes rodoviários de mercadorias celebrados pela Estado Português.
3 - No caso de transportes realizados por meio de veículos articulados, camião e reboque ou tractor e semi-reboque, a autorização só será exigida ao veículo automóvel.
4 - A autorização referida no n.º 1 só será concedida a transportadores não residentes numa base de reciprocidade.
Artigo 10.º
Cabotagem
A cabotagem está sujeita ao regime de autorização previsto no artigo anterior.
Artigo 11.º
Transportes liberalizados
Não são abrangidos pelo regime de autorização previsto no artigo 9.º os transportes internacionais de mercadorias que, por convenção multilateral ou acordo bilateral, tenham sido liberalizados.
Artigo 12.º
Coimas
1 - Constitui contra-ordenação, punível com coima mínima de 500000$00 e máxima de 2500000$00, no caso de pessoas colectivas, e de 200000$00 a 500000$00, no caso de pessoas singulares, a realização dos transportes abrangidos pelo presente diploma por residentes ou não residentes que não estejam habilitados para o exercício da profissão de transportador internacional rodoviário de mercadorias.
2 - Constitui contra-ordenação, punível com coima mínima de 150000$00 e máxima de 450000$00:
a) A realização de transportes internacionais ou a realização de cabotagem sem as licenças ou autorizações exigidas, em cada caso, pelo presente diploma ou pela regulamentação comunitária;
b) A realização de transportes internacionais mediante licenças ou autorizações emitidas a terceiros;
c) A infracção ao disposto nos artigos 8.º e 17.º
3 - A negligência é punível.
Artigo 13.º
Instrução do processo e aplicação das coimas
1 - A instrução do processo por contra-ordenações previstas neste diploma compete à Direcção-Geral de Transportes Terrestres.
2 - A aplicação das coimas previstas neste diploma é da competência do director-geral de Transportes Terrestres.
Artigo 14.º
Fiscalização
1 - São competentes para a fiscalização do cumprimento do disposto no presente diploma as seguintes entidades:
a) Direcção-Geral de Transportes Terrestres;
b) Direcção-Geral das Alfândegas;
c) Guarda Fiscal;
d) Guarda Nacional Republicana;
e) Polícia de Segurança Pública.
2 - As entidades referidas no número anterior podem proceder, no âmbito da respectiva competência, junto dos transportadores, bem como de qualquer pessoa singular ou colectiva participante num contrato de transporte ou na sua execução, a todas as investigações e verificações necessárias para o exercício da sua competência fiscalizadora.
3 - É obrigatória a apresentação às autoridades referidas no n.º 1 das licenças, autorizações e outros documentos exigíveis sobre transportes internacionais rodoviários de mercadorias sempre que por elas solicitada.
Artigo 15.º
Produto das coimas
A afectação do produto das coimas faz-se da forma seguinte:
a) 20% para a entidade competente para a aplicação da coima, constituindo receita própria;
b) 20% para a entidade fiscalizadora, excepto quando esta não disponha da faculdade de arrecadar receitas próprias, revertendo, nesse caso, esta percentagem para os cofres do Estado;
c) 60% para o Estado.
Artigo 16.º
Regime supletivo
Aos transportes abrangidos pelo presente diploma aplica-se supletivamente a regulamentação sobre transportes nacionais de mercadorias em tudo quanto não esteja regulado no presente diploma.
Artigo 17.º
Licenciamento de veículos para transportes por conta própria
As empresas estabelecidas no território português só podem realizar transportes internacionais de mercadorias por conta própria por meio de veículos licenciados, sem limite de raio.
Artigo 18.º
Regime transitório de acesso à profissão
Até 31 de Dezembro de 1993 são dispensadas do prazo de três anos referido no n.º 2 do artigo 3.º as empresas de transporte de mercadorias de âmbito nacional que, anteriormente à entrada em vigor do presente diploma, tenham beneficiado do regime estabelecido ao abrigo do n.º 3 do artigo 3.º do Decreto Regulamentar 77/85, de 25 de Novembro.
Artigo 19.º
Regime transitório de acesso ao mercado
O regime de acesso ao mercado estabelecido ao abrigo do n.º 3 do artigo 3.º do Decreto Regulamentar 77/85, de 25 de Novembro, mantém-se em vigor até 31 de Dezembro de 1992.
Artigo 20.º
Salvaguarda de direitos adquiridos
As empresas constituídas nos termos da legislação vigente à data de entrada em vigor do presente diploma para a realização de transportes públicos internacionais rodoviários de mercadorias conservam o direito de realizar esses transportes.
Artigo 21.º
Norma revogatória
Ficam revogados, na parte aplicável aos transportes de mercadorias, o Decreto-Lei 477/71, de 6 de Novembro, o Decreto 45/72, de 5 de Fevereiro, e portarias regulamentares, salvo as disposições relativas ao regime fiscal.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 15 de Outubro de 1992. - Aníbal António Cavaco Silva - Manuel Dias Loureiro - Jorge Braga de Macedo - Álvaro José Brilhante Laborinho Lúcio - Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
Promulgado em 10 de Dezembro de 1992.
Publique-se.
O Presidente da República, MÁRIO SOARES.
Referendado em 15 de Dezembro de 1992.
O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.