Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda

Parecer (extrato) 1/2022, de 9 de Fevereiro

Partilhar:

Sumário

Direito de sufrágio - direito à proteção da saúde - pandemia da doença COVID-19 - confinamento obrigatório - eleições para a Assembleia da República

Texto do documento

Parecer (extrato) n.º 1/2022

Sumário: Direito de sufrágio - direito à proteção da saúde - pandemia da doença COVID-19 - confinamento obrigatório - eleições para a Assembleia da República.

Conclusões:

1.ª O direito de sufrágio - o direito de votar, de participar ativamente em eleições - a que se refere o artigo 49.º da Constituição da República Portuguesa é um direito político dos cidadãos que corresponde à dimensão subjetiva do princípio fundamental do sufrágio universal, enunciado no n.º 1 do artigo 10.º da Lei Fundamental;

2.ª O exercício do direito de sufrágio, porventura o mais importante dos direitos de participação política, é de natureza pessoal e constitui um dever cívico (artigo 49.º, n.º 2, da Constituição);

3.ª A consagração do direito de sufrágio entre os direitos, liberdades e garantias de participação política do título II da parte I da Constituição, determina a aplicação do regime constitucional relativo a estes direitos (cf. artigo 17.º da Constituição);

4.ª O direito fundamental à proteção da saúde (artigo 64.º da Constituição) contém, na sua vertente positiva, o direito a prestações estaduais e, numa vertente negativa, o direito a que o Estado e terceiros se abstenham de prejudicar o bem jurídico saúde;

5.ª O direito fundamental de sufrágio, que implica como regra a presencialidade, pode colidir com outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, como a saúde pública, designadamente no caso de eleitores com patologias infetocontagiosas de ampla propagação;

6.ª Ciente da necessidade de harmonização do direito fundamental de sufrágio com as medidas de confinamento obrigatório determinadas para salvaguarda do direito à saúde, a Lei Orgânica 3/2020, de 11 de novembro, estabeleceu um regime excecional e temporário de exercício de direito de voto antecipado dirigido aos eleitores em confinamento obrigatório, no âmbito da pandemia da doença COVID-19, no respetivo domicílio ou noutro local definido pelas autoridades de saúde que não em estabelecimento hospitalar, em atos eleitorais e referendários a realizar no ano de 2021, regime este que passou a ser aplicável a todos os atos eleitorais e referendários a realizar no ano de 2022, por força do disposto na Lei Orgânica 4/2021, de 30 de novembro;

7.ª Esta possibilidade de voto antecipado no domicílio não abrange (i.) aqueles a quem a medida de confinamento obrigatório é decretada, pelas autoridades competentes do Serviço Nacional de Saúde, no continente, ou dos serviços regionais de saúde, nas regiões autónomas, com antecedência inferior a oito dias em relação à data do sufrágio nem (ii.) aqueles cujo domicílio registado no sistema de registo dos doentes com COVID-19, gerido pela Direção-Geral da Saúde (DGS), no continente, ou pelas direções regionais de saúde (DRS), nas regiões autónomas, se situa fora da área geográfica do concelho onde o eleitor se encontra inscrito no recenseamento eleitoral (artigo 3.º, n.º 2, da Lei Orgânica 3/2020, de 11 de novembro);

8.ª A interpretação destas normas no sentido de que os eleitores sujeitos a confinamento obrigatório não abrangidos pelo seu âmbito de aplicação estariam proibidos de votar, implicaria para tais eleitores a abstenção involuntária, o que representaria a suspensão do direito fundamental de sufrágio;

9.ª E, assim sendo, a norma com esta interpretação violaria o regime dos direitos, liberdades e garantias, aplicável ao direito de sufrágio, porquanto os órgãos de soberania não podem, conjunta ou separadamente, suspender o exercício do direito de sufrágio, salvo em caso de estado de sítio ou de estado de emergência, declarado na forma prevista na Constituição (artigo 19.º, n.º 1, da Constituição);

10.ª O juízo de inconstitucionalidade manter-se-ia ainda que se entendesse que esta interpretação não conduz a uma suspensão do direito de sufrágio, mas apenas a uma restrição, porquanto seria afetado o conteúdo essencial do mesmo direito (artigo 18.º, n.º 3, da Constituição);

11.ª Admitindo as normas uma interpretação conforme à Constituição - segundo a qual tais eleitores devem poder votar, nos termos gerais, no caso da eleição para a Assembleia da República, de acordo com a respetiva lei eleitoral (Lei 14/79, de 16 de maio) -, deve ser esta a interpretação adotada (artigo 18.º, n.º 1, da Constituição);

12.ª Nos termos do disposto na Lei Eleitoral para a Assembleia da República, os eleitores sujeitos a confinamento obrigatório em território nacional, não abrangidos pelo âmbito de aplicação da Lei Orgânica 3/2020, de 11 de novembro, a menos que tenham previamente votado em mobilidade (artigo 79.º-A), só poderão exercer o seu direito de sufrágio através da modalidade regra: o voto presencial a exercer em assembleias de voto, no dia designado para a eleição (artigo 79.º);

13.ª Assim sendo, é manifesto que o regime legal vigente não harmonizou, em termos adequados, o direito de sufrágio dos eleitores sujeitos a confinamento obrigatório, no âmbito da pandemia da doença COVID-19, com o direito à saúde, mostrando-se urgente rever a legislação eleitoral, com vista a contemplar modalidades e regras de voto que permitam a necessária conciliação dos direitos, abarcando todos os eleitores que não devem ou não podem votar presencialmente;

14.ª Aliás, a exigência de solução legal harmonizadora verifica-se também quanto a outras doenças infectocontagiosas e não, apenas, num contexto temporalmente limitado, no âmbito da pandemia da doença COVID-19. Assim, a alteração legislativa exigida não implica apenas a alteração do regime excecional e temporário de exercício do direito de voto pelos eleitores em confinamento obrigatório, no âmbito da pandemia da doença COVID-19, mas sim uma alteração da legislação eleitoral geral que confira a cada eleitor a máxima proteção do seu direito de sufrágio, no respeito pelos outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos;

15.ª Quanto à eleição para a Assembleia da República marcada para dia 30 de janeiro de 2022, não se poderá, no entanto, aplicar outra legislação eleitoral senão aquela que se encontrava em vigor em 5 de dezembro de 2021. Dissolvida a Assembleia da República, pelo Decreto do Presidente da República n.º 91/2021, de 5 de dezembro, nenhuma modificação da lei eleitoral aprovada posteriormente poderia aplicar-se à eleição dos Deputados à Assembleia da República, marcada para 30 de janeiro de 2022, em face do disposto no artigo 113.º, n.º 6, da Constituição;

16.ª Assim, aos eleitores sujeitos a confinamento obrigatório, e não abrangidos pelo âmbito de aplicação da Lei Orgânica 3/2020, tem de ser reconhecido o direito de voto nos termos da Lei Eleitoral para a Assembleia da República, na redação em vigor em 5 de dezembro de 2021, donde resulta que se não tiverem utilizado a possibilidade de voto antecipado em mobilidade, poderão votar presencialmente no dia designado para a eleição;

17.ª Deste modo, os eleitores que se encontrem em regime de confinamento obrigatório - por serem doentes com COVID-19, estarem infetados com SARS-CoV-2 ou por se encontrarem sob vigilância ativa - podem sair do domicílio (ou de outro local definido pelas autoridades competentes onde se encontrem a cumprir o confinamento) estritamente para votar, porque essa é a única possibilidade de exercício do direito, nos termos definidos na lei eleitoral aplicável. Na verdade, já não dispõem de alternativa ao voto presencial, na data marcada para as eleições: um momento único e irrepetível;

18.ª Face à natureza do direito em questão, e por razões de certeza e segurança jurídica, devem ser alteradas as normas relativas ao confinamento obrigatório, para o efeito de esclarecer que está excecionada dessa medida a saída do domicílio, ou de outro local definido pelas autoridades competentes onde os eleitores se encontrem a cumprir o confinamento, pelo período de tempo estritamente necessário para o exercício do direito de voto;

19.ª No contexto legal atual, a concordância prática do direito ao sufrágio (artigo 49.º, n.º 1, da Constituição) e do direito à proteção da saúde (artigo 64.º, n.º 1, da Constituição) - ao mesmo tempo, um dever fundamental que suporta a medida de confinamento dos eleitores infetados com SARS-CoV-2 e de outros sob vigilância ativa aplicada pela autoridade de saúde e por outros profissionais de saúde - não permite significativo recuo do primeiro, sob pena de implicar a sua privação absoluta;

20.ª Por conseguinte, a concordância prática pode e deve fazer-se pelo reforço das normas sanitárias gerais e especiais que se encontram em vigor para combater a propagação do vírus SARS-CoV-2, com base numa avaliação técnica e científica de riscos adequada (cf. artigo 17.º da Lei 81/2009, de 21 de agosto e a Base 34 da Lei de Bases da Saúde);

21.ª O incumprimento de tais normas, além de poder fazer incorrer o eleitor na prática do crime previsto e punido pelo artigo 283.º do Código Penal, justifica as medidas de polícia consignadas no artigo 94.º da Lei Eleitoral para a Assembleia da República, incluindo a convocação das forças de segurança, uma vez que a ordem pública sanitária nas assembleias de voto faz parte da ordem pública eleitoral;

22.ª Condicionalismos acrescidos podem resultar de indicações que o Governo aprove e faça divulgar, na margem de conformação que a lei eleitoral lhe confere, ou seja, quanto aos aspetos nela não regulados, de modo a melhor garantir a salvaguarda da saúde de todos e a confiança de que a votação se processa com o mínimo possível de riscos para a saúde pública; e

23.ª Tais indicações devem basear-se no conhecimento das aptidões logísticas da administração eleitoral e obedecer a critérios de proporcionalidade que respeitem o conteúdo dos direitos, liberdades e garantias fundamentais, nos termos da Constituição e da lei.

https://www.ministeriopublico.pt/sites/default/files/documentos/pdf/pp2022001.pdf

Este parecer foi votado na sessão do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, de 18 de janeiro de 2022.

João Alberto de Figueiredo Monteiro - Marta Cação Rodrigues Cavaleira - Maria de Fátima da Graça Carvalho - Eduardo André Folque da Costa Ferreira - Maria Isabel Fernandes da Costa - João Conde Correia dos Santos - Maria da Conceição Silva Fernandes Santos Pires Esteves - Celso José das Neves Manata.

Este parecer foi homologado por despacho de 19 de janeiro de 2022, de Sua Excelência a Ministra da Administração Interna.

27 de janeiro de 2022. - O Secretário-Geral da Procuradoria-Geral da República, Carlos Adérito da Silva Teixeira.

314956273

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/4805796.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1979-05-16 - Lei 14/79 - Assembleia da República

    Aprova a lei eleitoral para a Assembleia da República.

  • Tem documento Em vigor 2009-08-21 - Lei 81/2009 - Assembleia da República

    Institui um sistema de vigilância em saúde pública, que identifica situações de risco, recolhe, actualiza, analisa e divulga os dados relativos a doenças transmissíveis e outros riscos em saúde pública, bem como prepara planos de contingência face a situações de emergência ou tão graves como de calamidade pública.

  • Tem documento Em vigor 2020-11-11 - Lei Orgânica 3/2020 - Assembleia da República

    Regime excecional e temporário de exercício de direito de voto antecipado para os eleitores que estejam em confinamento obrigatório, no âmbito da pandemia da doença COVID-19, em atos eleitorais e referendários a realizar no ano de 2021

  • Tem documento Em vigor 2021-11-30 - Lei Orgânica 4/2021 - Assembleia da República

    Prorroga, para o ano de 2022, o regime excecional e temporário do exercício de direito de voto antecipado para os eleitores que estejam em confinamento obrigatório no âmbito da pandemia da doença COVID-19 e para os eleitores residentes em estruturas residenciais e estruturas similares, alterando a Lei Orgânica n.º 3/2020, de 11 de novembro

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

O URL desta página é:

Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda