Decreto-Lei 236/92
de 27 de Outubro
As situações de incapacidade temporária para o trabalho assumem hoje, em todos os países, a maior importância e actualidade. A diversidade e complexidade das suas causas e a amplitude dos seus efeitos determimam a consideração de factores tão diferentes como as condições de saúde e segurança nos locais de trabalho, o regime de trabalho nas empresas, o desenvolvimento dos cuidados de saúde, os esquemas de protecção social e mesmo aspectos de natureza psicológica e cultural.
É, porém, ao nível dos serviços de saúde e da segurança social que as situações se apresentam com particular incidência. De facto, as incapacidades temporárias para o trabalho por motivo de doença, tradicionalmente conhecidas por baixas, dão origem à atribuição de prestações pecuniárias no âmbito dos regimes de segurança social, tendo em vista compensar a perda de rendimentos de trabalho dos interessados.
Estas simples circunstâncias já evidenciam a natural articulação que deve existir entre os dois serviços. Essa articulação visa não apenas uma certa harmonização de actuações, mas também a permuta de informações e a conjugação de preocupações quanto aos efeitos sanitários, sociais e financeiros das situações de incapacidade temporária para o trabalho.
O crescente e preocupante volume, em termos físicos e financeiros, das situações de incapacidade para o trabalho no âmbito dos regimes de segurança social aconselham a que se proceda a um alargamento daquela articulação, tendo em vista uma maior intervenção das instituições de segurança social.
Deste modo, será possível o reforço do controlo da gestão daqueles subsídios e um adequado apoio dos serviços de saúde, com efeitos igualmente benéficos no desenvolvimento da necessária acção de pedagogia social junto dos beneficiários e interessados.
Assim:
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
CAPÍTULO I
Sistema de verificação das incapacidades temporárias
SECÇÃO I
Disposições gerais
Artigo 1.º
Intervenção dos serviços de saúde
Compete, em geral, aos serviços de saúde, nos termos do estabelecido no Decreto-Lei 132/88, de 20 de Abril, a comprovação das situações de incapacidade temporária para o trabalho dos beneficiários dos regimes de segurança social.
Artigo 2.º
Intervenção dos serviços de segurança social
Os centros regionais de segurança social podem proceder, nos termos do presente diploma, à verificação das condições de subsistência da incapacidade temporária dos seus beneficiários, para os efeitos previstos na legislação de segurança social, designadamente para a concessão de subsídios de doença.
Artigo 3.º
Objectivo
O presente diploma institui, nos centros regionais de segurança social, um sistema de verificação de incapacidades temporárias para o trabalho por motivo de doença, adiante designado por SVIT, estabelecendo os termos e as condições em que, ao abrigo do mesmo sistema, é efectivada a verificação da subsistência das situações de incapacidade temporária dos beneficiários dos regimes de segurança social.
Artigo 4.º
Natureza do SVIT
O SVIT não constitui uma estrutura orgânica dos centros regionais de segurança social, mas um conjunto de meios humanos e materiais afectos ao funcionamento do mesmo sistema.
Artigo 5.º
Comissões técnicas
A verificação da subsistência de incapacidade temporária para o trabalho é realizada por comissões técnicas de verificação e de reavaliação.
Artigo 6.º
Âmbito pessoal
O campo de aplicação pessoal do SVIT é definido em função dos beneficiários abrangidos pelo respectivo centro regional, sendo extensivo aos beneficiários das caixas de previdência e de outros centros regionais que residam na área geográfica do centro regional, mediante articulação entre as instituições interessadas.
Artigo 7.º
Âmbito material
A verificação da subsistência de incapacidades temporárias por doença no âmbito do SVIT abrange situações de presunção da cessação da incapacidade temporária para o trabalho, designadamente:
a) Situações susceptíveis de contribuir para a formação de prazos de garantia de acesso a pensões ou a outras prestações;
b) Situações reiteradas de incapacidades por doença, nomeadamente tendo em consideração informações dos serviços de fiscalização, das entidades empregadoras, no âmbito do disposto no artigo 35.º do Decreto-Lei 132/88, de 20 de Abril, ou de outras entidades idóneas.
Artigo 8.º
Princípios de actuação
1 - A selecção das situações de incapacidade temporária objecto de intervenção do SVIT é da competência dos órgãos directivos das instituições de segurança social.
2 - A selecção das situações a que se refere o número anterior deve ter em conta indicadores específicos relativos às actividades, às áreas geográficas e às situações tipo definidas em cada distrito.
SECÇÃO II
Constituição e composição das comissões técnicas
Artigo 9.º
Constituição das comissões de verificação
1 - As comissões de verificação são constituídas por dois peritos médicos, recrutados para o efeito pelos conselhos directivos dos centros regionais.
2 - O conselho directivo designa, de entre os dois peritos médicos, o que preside à comissão, o qual terá voto de qualidade.
Artigo 10.º
Constituição das comissões de reavaliação
1 - As comissões de reavaliação são constituídas por três peritos médicos, sendo dois designados pelo conselho directivo do centro regional e o terceiro indicado pelo beneficiário.
2 - Dos dois peritos designados pelo conselho directivo, um deve ter feito parte da comissão de verificação que observou o beneficiário e o outro preside à comissão de reavaliação.
3 - No caso de o beneficiário não proceder à indicação do médico no prazo que lhe for indicado pelo centro regional, a comissão de reavaliação é constituída pelos dois médicos referidos na primeira parte do n.º 1.
Artigo 11.º
Competência das comissões de verificação
Compete às comissões de verificação, face à situação clínica do beneficiário:
a) Deliberar sobre a subsistência da incapacidade temporária;
b) Emitir os pareceres médicos que lhe forem solicitados pelos conselhos directivos dos centros regionais.
Artigo 12.º
Competência das comissões de reavaliação
Compete às comissões de reavaliação pronunciar-se sobre a incapacidade temporária dos beneficiários nas situações previstas no artigo 18.º e na sequência da respectiva decisão dos conselhos directivos dos centros regionais.
CAPÍTULO II
Processo de verificação de incapacidades
Artigo 13.º
Local de verificação das incapacidades temporárias
A verificação das incapacidades temporárias pelo SVIT tem lugar nas instalações indicadas pelos centros regionais ou na residência do beneficiário, de acordo com as circunstâncias.
Artigo 14.º
Convocatória para o exame médico
1 - Nas situações em que o exame médico tenha lugar em instalações indicadas pelo centro regional, o beneficiário é convocado para o efeito, pessoalmente ou mediante carta registada com aviso de recepção.
2 - No acto da convocação, o beneficiário deve ser informado dos efeitos decorrentes da sua não comparência.
3 - Sempre que possível, o beneficiário deve apresentar, quando da sua observação, informação médica e elementos auxiliares de diagnóstico comprovativos da sua incapacidade, sem prejuízo de a comissão de verificação, antes de proferir a sua deliberação, permitir que o beneficiário proceda a posterior junção daqueles elementos, no prazo que for indicado.
Artigo 15.º
Falta de comparência do beneficiário
1 - Se o beneficiário faltar ao exame médico para que tenha sido convocado e não apresentar, no prazo de oito dias, justificação atendível para o facto, cessa o subsídio de doença a partir da data da falta ou não é o mesmo atribuível, conforme se trate, respectivamente, de exame médico da comissão de verificação ou da comissão de reavaliação.
2 - Qualquer dos efeitos previstos no número anterior determina o não registo de remunerações por equivalência à entrada de contribuições em nome do beneficiário.
3 - Da decisão da cessação do subsídio ou da sua não atribuição, por efeito da falta de comparência do beneficiário, nos termos do n.º 1, é dado conhecimento ao mesmo no prazo de quarenta e oito horas subsequente à decisão.
4 - Quando o beneficiário for convocado para exame médico por instituição que o não abranja, a falta ao exame é comunicada à instituição competente no prazo de quarenta e oito horas.
Artigo 16.º
Efeitos das deliberações de não subsistência de incapacidade
1 - As deliberações das comissões de verificação que se pronunciem pela não subsistência da situação de incapacidade temporária para o trabalho determinam a cessação do subsídio de doença e do registo de remunerações por equivalência à entrada de contribuições ou apenas deste, conforme os casos.
2 - A data da cessação do subsídio de doença ou do registo de remunerações por equivalência corresponde à data da deliberação da comissão de verificação.
Artigo 17.º
Comunicação das deliberações de não subsistência de incapacidade
1 - Sempre que a deliberação da comissão de verificação considere o beneficiário apto para o trabalho, ser-lhe-á dado imediato conhecimento do facto, mediante a entrega de documento que o declare.
2 - Cópia do documento a que se refere a parte final do número anterior é enviada, dentro das quarenta e oito horas subsequentes, à instituição de segurança social que abrange o beneficiário, para os efeitos previstos na lei, nomeadamente a cessação do direito ao subsídio de doença, atento o disposto no artigo 16.º
3 - A instituição de segurança social comunica, de imediato, à administração regional de saúde a deliberação da comissão de verificação para conhecimento do médico assistente do beneficiário.
Artigo 18.º
Situações de incapacidade nos 30 dias subsequentes à data da deliberação das comissões de verificação
1 - Sempre que, nos 30 dias subsequentes à data da deliberação da comissão de verificação que considerou o beneficiário apto para o trabalho, ocorra a certificação, pelos serviços de saúde, de uma incapacidade do beneficiário, os centros regionais de segurança social podem condicionar a concessão do subsídio de doença à intervenção das comissões de reavaliação, sempre que considerem conveniente uma peritagem médica complementar, designadamente nos casos de maior proximidade temporal entre as duas situações.
2 - Para a concretização do disposto na parte final do número anterior, os centros regionais accionam os meios necessários, nomeadamente a comunicação ao beneficiário do regime que lhe é aplicado, da possibilidade de indicar um médico para integrar a comissão de reavaliação, do prazo em que o deve fazer e dos efeitos que decorrem da sua não indicação.
Artigo 19.º
Intervenção da comissão de reavaliação
1 - Nas situações em que haja lugar à intervenção da comissão de reavaliação, a concessão do subsídio de doença fica suspensa enquanto não for proferida a deliberação da mesma comissão.
2 - A intervenção da comissão de reavaliação deve ocorrer no mais curto espaço de tempo, em prazo que não exceda 15 dias após a entrada no centro regional da certificação de incapacidade.
3 - Sempre que seja confirmada, por deliberação da comissão de reavaliação, a incapacidade temporária para o trabalho do beneficiário, cabe àquela comissão indicar o período em que haverá lugar ao pagamento do subsídio de doença ou ao registo de equivalências à entrada de contribuições, conforme os casos.
4 - Nos casos em que não seja confirmada a incapacidade temporária para o trabalho do beneficiário, não há lugar à concessão do subsídio de doença nem ao registo de remunerações por equivalência.
CAPÍTULO III
Disposições finais
Artigo 20.º
Entrada em funcionamento do SVIT
O SVIT é estabelecido nos centros regionais de segurança social de modo progressivo, mediante proposta, devidamente instruída e fundamentada, do respectivo conselho directivo, aprovada pelo órgão de tutela.
Artigo 21.º
Regime de trabalho dos peritos médicos
Os princípios gerais e as normas aplicáveis à forma de contratação dos peritos médicos e às respectivas condições de prestação de trabalho são, com as necessárias adequações, os definidos no Decreto Regulamentar 8/91, de 14 de Março, para a contratação dos peritos médicos, no âmbito do sistema de verificação de incapacidades permanentes.
Artigo 22.º
Compatibilização de funções
A actividade exercida pelos médicos do SVIT é compatível com o exercício de funções em estabelecimentos ou serviços de saúde integrados no Serviço Nacional de Saúde, desde que:
a) O horário de trabalho dos médicos nos estabelecimentos ou serviços de saúde não exceda o período de trinta e cinco horas de trabalho semanal e não se sobreponha ao período de actividade do SVIT;
b) Não se encontrem abrangidos pelo impedimento previsto no artigo 48.º do Decreto Regulamentar 8/91, de 14 de Março.
Artigo 23.º
Articulação entre os serviços da área de saúde e da segurança social
A criação do SVIT não contraria as orientações e as medidas de cooperação que vêm sendo adoptadas no campo da articulação entre as administrações regionais de saúde e os centros regionais de segurança social no domínio das incapacidades temporárias para o trabalho, designadamente no quadro das iniciativas previstas no despacho conjunto dos Secretários de Estado Adjunto do Ministro da Saúde e da Segurança Social publicado no Diário da República, 2.ª série, de 15 de Julho de 1992.
Artigo 24.º
Regras de execução
Os procedimentos administrativos, bem como os suportes de informação necessários à aplicação deste diploma, são aprovados por despacho do Ministro do Emprego e da Segurança Social ou deste e do Ministro da Saúde, conforme tais regras e procedimentos respeitem a um sector ou aos dois.
Artigo 25.º
Entrada em vigor
O presente diploma entra em vigor no primeiro dia do segundo mês seguinte ao da sua publicação.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 10 de Setembro de 1992. - Aníbal António Cavaco Silva - Arlindo Gomes de Carvalho - José Albino da Silva Peneda.
Promulgado em 6 de Outubro de 1992.
Publique-se.
O Presidente da República, MÁRIO SOARES.
Referendado em 7 de Outubro de 1992.
O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.