Assento 1/92
Acórdão proferido nos autos de recurso para tribunal pleno n.º 75866, de fl. 54 a fl. 62, e em que são recorrente Moreira de Carvalho & Botelho, Lda., e recorrido Banco Pinto & Sotto Mayor.
Acordam, em plenário, no Supremo Tribunal de Justiça:
Moreira de Carvalho & Botelho, Lda., recorreu para o plenário deste Tribunal com fundamento em oposição entre os acórdãos deste mesmo Tribunal de 22 de Maio de 1986, proferido no processo 73428, e de 5 de Abril de 1921, publicado na Colecção Oficial dos Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal de Justiça, ano 20.º, n.º 7, p. 116.
Reconhecida a existência da invocada oposição, o recurso prosseguiu.
Nas suas alegações, a recorrente pede se revogue o acórdão recorrido e se lavre assento no sentido de que «as decisões que declarem ou confirmem a declaração de falência estão incluídas nas questões sobre o estado das pessoas, referidas no artigo 723.º do Código de Processo Civil (CPC)».
O recorrido, Banco Pinto & Sotto Mayor, não apresentou alegações.
O Exmo. Magistrado do Ministério Público pronuncia-se pela manutenção da decisão recorrida e pela solução do conflito de jurisprudência através de assento com a seguinte redacção:
Tem efeito meramente devolutivo o recurso de revista em processo de falência.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
Declarada a falência da ora recorrente, esta apelou para a Relação do Porto, que confirmou a decisão da 1.ª instância. Ainda inconformada, pediu revista. Admitida esta com efeito meramente devolutivo, a recorrente impugnou a respectiva decisão. O acórdão ora recorrido julgou improcedente tal questão prévia com fundamento em que a declaração do estado de falência não produz um estado de verdadeira incapacidade pessoal, mas apenas de inibição de administração e disposição de bens e de exercício do comércio, de modo que não concorrem as razões que, nos termos do artigo 723.º do CPC, ditam a atribuição do efeito suspensivo.
O acórdão fundamento, por sua vez, considerando que o estado de falência, porque importa a interdição do falido, é uma questão de estado de pessoas, mandou receber a respectiva revista com efeito suspensivo, por aplicação do disposto no artigo 1150.º do CPC de 1876, então vigente.
O reconhecimento da existência de oposição entre esses acórdãos não impediria que em plenário fosse decidido o contrário (v. artigo 766.º, n.º 3, do CPC). Mas nada justifica se altere essa decisão.
Na verdade, os acórdãos recorrido e fundamento adoptaram soluções clara e diametralmente opostas relativamente à mesma questão fundamental de direito. Foram preferidos em processos diferentes e presume-se o trânsito do segundo, conforme o disposto no n.º 4 do artigo 763.º do CPC.
O único dos pressupostos, dos exigidos por esse artigo 763.º para a admissibilidade do recurso, em relação ao qual se poderia suscitar alguma dúvida seria o que requer que os acórdãos tenham sido preferidos no domínio da mesma legislação, dado que assentaram as respectivas soluções na aplicação e interpretação de textos pertencentes a diplomas legais diferentes.
Estes expressam, porém, a mesma regra de direito. Esta constava da primeira parte do artigo 1150.º do CPC de 1876 ao tempo da publicação do acórdão fundamento («o recurso de revista só tem efeito suspensivo quando interposto em questões de estado de pessoas») e transitou para o artigo 723.º do CPC de 1961, na vigência do qual foi proferido o acórdão recorrido («o recurso de revista só tem efeito suspensivo em questões sobre o estado das pessoas»).
O que interferiu na diversidade de julgados foi o diferente entendimento quanto à qualificação da questão relativa à declaração de falência. Ao contrário do acórdão de 1921, o de 1986 não a referiu ao estado das pessoas.
É ainda certo que, como veremos adiante, haverá que conjugar aquela regra com o regime específico do procedimento falimentar estatuído em diplomas legais diversos, que vigoraram sucessivamente entre a publicação dos dois acórdãos. Mas tal regime manteve-se substancialmente o mesmo no que interfere com a aplicação e interpretação dessa mesma regra.
Portanto, a circunstância de esta constar de diplomas diversos ao tempo da publicação dos acórdãos em oposição não interferiu na solução da questão de direito controvertida, pelo que, conforme o disposto no n.º 2 do citado artigo 763.º, se deve concluir que foram preferidos no domínio da mesma legislação (v. Prof. Alberto dos Reis, em Código de Processo Civil Anotado, vol. VI, pp. 262 e seguintes).
Passa-se, por isso, ao conhecimento do objecto do recurso.
A regra que o citado artigo 723.º mantém em vigor bipolariza as causas, quanto ao efeito do recurso de revista, em função das respectivas matérias em litígio. Nas questões sobre o estado das pessoas, o efeito desse recurso é suspensivo; nas demais, é não suspensivo ou meramente devolutivo.
A recorrente sustenta que a declaração de falência é constitutiva de um estado, o estado de falência, que importa limitações para a capacidade civil e política do falido, tais como as enunciadas nos artigos 1933.º, n.º 2, e 1953.º, n.º 1, do Código Civil, 1189.º, 1191.º, 1192.º, 1193.º e 1216.º do CPC, 2.º, alínea h), do Decreto-Lei 49381, de 15 de Novembro de 1969, e 18.º, n.º 14, 71.º, § 1.º, e 201.º, n.º 3, estes do Código Administrativo, pelo que a respectiva decisão deve considerar-se incluída nas questões sobre o estado das pessoas.
O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto, por sua vez, considera que as acções sobre o estado das pessoas são aquelas cuja procedência se projecta sobre o estado civil de alguém - divórcio, separação de pessoas e bens, investigação de paternidade, impugnação de legitimidade, interdição, impugnação de impedimentos para o casamento, autorização para o casamento, aquisição ou perda de nacionalidade, ratificação do casamento in articulo mortis, rectificação de registos de actos relativos ao estado civil da pessoa, declaração de objector de consciência, etc. O estado das pessoas restringe-se ao complexo jurídico determinado pôr qualidades ou atributos inerentes à pessoa, ao passo que a posição jurídica do falido resulta de uma situação de impotência económica, que não o incapacita, apenas lhe retira legitimidade substantiva para a prática de certos actos, tendo em vista interesses gerais e não os do próprio falido.
É invocada doutrina e jurisprudência nos dois sentidos.
As duas posições, que correspondem às dos acórdãos em oposição, partem da referida dualidade de questões postas ao Tribunal - as questões sobre o estado das pessoas e as demais -, enquadram a declaração da falência num desses conjuntos e em função disso determinam o efeito da revista no processo de falência.
Em princípio, o método parece correcto. Só haveria que decidir se o estado de falência integra ou não uma questão sobre o estado das pessoas. Mas a especificidade do procedimento falimentar quanto à exequibilidade da decisão declaratória da falência revelar-nos-á que, no caso, ele não funciona.
Vejamos.
A regra relativa ao efeito do recurso de revista reporta-se à influência da interposição do recurso na exequibilidade da decisão recorrida, já que só em relação aos recursos de decisões interlocutórias é que a lei regula os seus efeitos sobre o prosseguimento da marcha do processo. Neste aspecto, ensinava o Prof. Castro Mendes que o recurso da decisão final tem sempre efeito não suspensivo, porque nada há que suspender (v. Direito Processual Civil - Recursos, p. 141, e, no mesmo sentido, o Prof. Alberto dos Reis, em Código de Processo Civil Anotado, vol. V, p. 396). É certo, porém, que, também quanto ao regime de subida dos recursos, a especificidade do processo de falência proporcionará situações diversas do que é comum (v. conselheiro Sousa Macedo, em Manual de Direito das Falências, vol. II, p. 244), mas nesta oportunidade só interessa reter que aquela regra se reporta à influência da interposição da revista na exequibilidade da decisão recorrida.
Dispõe o n.º 1 do artigo 47.º do CPC que «a sentença só constitui título executivo depois do trânsito em julgado, salvo se o recurso contra ela interposto tiver efeito meramente devolutivo». Face a este preceito, o processo normal de saber se uma decisão pendente de recurso é ou não provisoriamente exequível começará pela averiguação, na regulamentação dos recursos, do efeito a atribuir a esse recurso. Mas, no caso da decisão declaratória da falência, a sua exequibilidade resulta de disposições próprias do respectivo processo especial, que prevalecem sobre as disposições gerais e comuns e as relativas ao processo ordinário (v. artigo 463.º, n.os 1 e 3, do CPC e Prof. Alberto dos Reis, em Processos Especiais, vol. I, pp. 37, 41 e 42). Portanto, será a exequibilidade da decisão que condicionará o efeito do recurso e não, como seria normal, o contrário.
Convém ainda observar que, na revista, ao contrário da apelação em processo comum ordinário (v. artigo 692.º, n.os 1 e 2, do CPC), a regra é no sentido da fixação do efeito meramente devolutivo, constituindo excepção o efeito suspensivo (v. citado artigo 723.º). O Prof. Alberto dos Reis justificava o efeito suspensivo como regime regra para a apelação com base na precariedade da sentença pendente de recurso. «O tribunal superior», escreveu o ilustre mestre, «constituído por uma pluralidade de magistrados presuntivamente mais idóneos porque têm atrás de si uma experiência mais longa, uma carreira profissional mais dilatada, pode entender que a causa foi erradamente julgada na 1.ª instância.» A lógica deste raciocínio, aliada ao facto de o efeito meramente devolutivo ser regime regra para a revista, revela que, na perspectiva da lei, o acórdão pendente de recurso de revista inspira já uma confiança tal que justifica se dê prevalência ao interesse da prontidão sobre o interesse da justiça (v. Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pp. 399, 400 e 401). Só nas questões sobre o estado das pessoas se inverte esta relação de interesses. Deste modo, se se concluir pela exequibilidade da decisão pendente de revista em determinado tipo de processo, das duas uma: ou ele não tem por objecto uma questão sobre o estado das pessoas, ou está sujeito a um regime especial que exclui a aplicabilidade da excepção à regra geral relativa ao efeito da revista.
O processo de falência tem inicialmente natureza declarativa, a fim de se obter um título executivo, cuja precariedade não obsta a que se lhe siga, imediata e oficiosamente, uma execução colectiva e universal (v. artigos 1181.º, n.º 2, 1183.º, 1187.º, 1205.º e 1245.º, todos do CPC; v. também conselheiro Sousa Macedo, ob. cit., vol. cit., pp. 44-46).
A decisão declaratória da falência é, pois, imediata e oficiosamente exequível. Já era esse o regime ao tempo do acórdão fundamento e continuou a ser, apesar das sucessivas alterações legislativas (v. § único do artigo 194.º do Código de Processo Comercial, aprovado pelo Decreto de 14 de Dezembro de 1905, e § único do artigo 13.º do Código de Falências, aprovado pelo Decreto-Lei 25981, de 26 de Outubro de 1935, que substituiu os artigos 181.º a 362.º do Código de Processo Comercial e que, como este, foi revogado pelo Decreto-Lei 29637, de 28 de Maio de 1939, que aprovou o novo CPC).
Impõe-se, por isso, analisar o reflexo dessa exequibilidade oficiosa no efeito da revista.
Se a 1.ª instância decreta a falência e a relação confirma a decisão, inalterada esta, mantém-se a sua exequibilidade, de modo que a revista apenas defere a este Supremo Tribunal o conhecimento da questão que integre o objecto do recurso (v. segunda parte do n.º 2 do artigo 47.º do CPC, a contrário).
Se a 1.ª instância denega a declaração da falência e a relação profere acórdão a decretá-la, este é imediata e oficiosamente exequível por força do regime específico do procedimento falimentar. Não seria minimamente justificável que a sentença declaratória de falência pendente de recurso fosse exequível, apesar da sua precariedade, e não assim o acórdão da relação sob revista, em princípio merecedor de maior confiança na perspectiva da realização do interesse da justiça. Esta confiança acrescerá às demais razões de exequibilidade da decisão declaratória da falência. Deste modo, sendo imediata e oficiosamente exequível o acórdão recorrido, a revista só poderá ter efeito meramente devolutivo. Haverá, então, que ordenar, oficiosamente, a extracção de traslado para que o procedimento falimentar prossiga na 1.ª instância.
Se a 1.ª instância denegar a declaração de falência e a relação confirmar, nada há a executar, nem, consequentemente, a suspender. Naturalmente, a revista apenas defere a este Supremo Tribunal o conhecimento do objecto do recurso.
Resta a hipótese de a 1.ª instância decretar a falência e a relação revogar a decisão. Os resultados a que se chegou nas hipóteses anteriores revelam que a questão posta com o pedido de declaração de falência não pode ser tratada, para os efeitos do citado artigo 723.º, como questão sobre o estado das pessoas. Cai-se, assim, na regra geral, pelo que a revista terá, também nesta hipótese, efeito meramente devolutivo. Sustar-se-á, por isso, a exequibilidade da decisão declaratória da falência provisoriamente revogada por um tribunal superior (v. citado artigo 47.º, n.º 2, segunda parte). Corresponde, aliás, por razões óbvias, à solução mais razoável.
Como a recorrente refere, a declaração de falência pode importar certas restrições de carácter pessoal.
Atendendo à conclusão a que chegamos quanto ao efeito meramente devolutivo da revista, poder-se-á pôr a questão da sua extensão. Mas esta terá de ser referida à decisão (da 1.ª ou da 2.ª instância) que decrete a falência. De outro modo, de nada valeria ao falido o efeito suspensivo porventura atribuído a um acórdão da relação que confirmasse ou revogasse uma sentença declaratória da falência; em qualquer dos casos se manteria a plena exequibilidade desta (v. citado artigo 47.º, n.º 2, segunda parte, e Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3.ª ed., p. 157).
Segundo o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto, «ou tais direitos nada têm a ver com o processo falimentar e, por isso, em sede própria, os interessados demonstrariam que a decisão não tinha transitado, ou temos de considerar que, entre o risco de afectar interesses gerais, a segurança das transacções comerciais, e os prejuízos individuais, estes teriam de ceder».
No seu prestimoso Manual, acima referido, o Exmo. Conselheiro Sousa Macedo, referindo-se ao efeito meramente devolutivo da apelação da sentença declaratória da falência, restringe-o à apreensão dos bens do falido pelo administrador e à perda de legitimidade daquele para dispor dos mesmos.
Razões várias concorrem, porém, em desfavor de restrições desse tipo, que circunscrevem, afinal, o efeito meramente devolutivo a um regime de excepção.
Dos artigos 1192.º, 1193.º, 1196.º, 1214.º a 1216.º, 1237.º e 1245.º, todos do CPC vigente, resulta que a exequibilidade da decisão declaratória da falência pendente de recurso não se restringe àqueles dois aspectos.
A lei estatui, sem restrições, essa exequibilidade (v. citados artigos 1181.º, n.º 2, 194.º, § único, e 13.º, § único). Em consonância com essa amplitude, dispunha o artigo 371.º do Código de Processo Comercial que «a apelação nunca tem efeito suspensivo».
A imediata exequibilidade da declaração de falência não é exigida apenas para conservação da garantia patrimonial que os bens do falido representam, mas também pela necessidade de «assegurar, de um modo geral, o crédito da instituição económico-social» (v. os n.os 9 e 17 do relatório do decreto-lei que aprovou o Código de Falências; v., também, o artigo 1191.º, conjugado com o artigo 1181.º, n.º 2, ambos do CPC).
Por último, cabe observar que a lei exige expressamente o trânsito em julgado da respectiva decisão declaratória quando ao mesmo quer condicionar certos efeitos da falência (v., por exemplo, os artigos 214.º, n.º 3, e 215.º, conjugados com os artigos 18.º, n.º 14, 71.º, § 1.º, 201.º, n.º 3, e 202.º, n.º 1, todos do Código Administrativo, e 29.º, n.º 1, da Lei 69/78, de 3 de Novembro).
Pelo exposto, mantém-se a decisão do acórdão recorrido e formula-se o seguinte assento:
O recurso de revista de acórdão que conheça do estado de falência tem efeito meramente devolutivo.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 29 de Abril de 1992. - José Maria Sampaio da Silva - Fernando Maria Xavier de Figueiredo Brochado Brandão - Mário Sereno Cura Mariano - José Saraiva - Alberto Baltazar Coelho - Pedro de Lemos e Sousa Macedo - Fernando Faria Pimentel Lopes de Melo - Manuel da Rosa Ferreira Dias - José Henriques Ferreira Vidigal - Joaquim de Carvalho - Afonso Manuel Cabral de Andrade - António Armindo Estelita de Mendonça - Armando Pinto Bastos - João Carlos Leitão Beça Pereira - Jaime Ribeiro de Oliveira - António Cerqueira Vahia - Miguel de Mendonça e Silva Montenegro - José Joaquim Martins da Fonseca - Mário Horácio Gomes de Noronha - Agostinho Pereira dos Santos - António Máximo da Silva Guimarães - Rui Alfredo Tato Marinho - Vassanta Porombo Tambá - Alfredo António de Azevedo Barbieri Cardoso - Victor Manuel Lopes de Sá Pereira - Luís Vaz de Sequeira - José Alexandre Lucena Vilhegas do Vale - António de Noronha Tavares Lebre - Manuel de Oliveira Matos - Rui Azevedo de Brito - Fernando Adelino Fabião - António César Marques - João Augusto Gomes Figueiredo de Sousa - Noel Silva Pinto - José Magalhães - Jorge Manuel Mora do Vale - Luís d'Herbe Ramiro Vidigal - Eduardo Augusto Martins - José Santos Monteiro - Dionísio Teixeira Moreira de Pinto - José Correia de Oliveira Abranches Martins - José Ramos dos Santos - Alberto Carlos Antunes Ferreira da Silva (vencido nos termos da declaração de voto que junto) - Bernardo Guimarães Fischer de Sá Nogueira [vencido. Teria revogado o acórdão recorrido, por ter votado que o assento tivesse a seguinte redacção:
O recurso de revista do acórdão que conheça do estado de falência, nos casos em que esta acarreta a inibição do falido para, como pessoa singular, praticar os actos gerais de comércio, tem efeito suspensivo.
Com efeito;
O artigo 723.º do Código de Processo Penal dispõe que «o recurso de revista só tem efeito suspensivo em questões sobre o estado das pessoas».
O processo de falência, se bem que respeite a uma situação de comercial, tem umas especiais características que o colocam também na categoria de «questão sobre o estado das pessoas» uma vez que da declaração da falência, nas condições acima indicadas, resulta a automática inibição do falido para a prática de inúmeros actos (exceptuados os de natureza estritamente pessoal).
A inibição para a prática de certos actos é, para todos os efeitos, uma modalidade mitigada, menos, de uma interdição, e ninguém põe em dúvida que uma acção destinada a, ou que tenha como efeito a declaração de uma interdição, é uma acção sobre o estado das pessoas.
A razão de ser do artigo 723.º é, parece-me, o acautelar em primeiro lugar, os interesses respeitantes ao estado das pessoas, considerados como superiores em relação aos interesses patrimoniais, mesmo dos credores.
E se, como entendo, o processo de falência, nesse aspecto, tem uma natureza de questão sobre o estado das pessoas, deveria prevalecer a regra do citado artigo 723.º, e ser resolvido definitivamente que a revista teria o apontado efeito suspensivo].
Declaração de voto
Os assentos - artigo 2.º do Código Civil - reconduzem-se a actos de natureza normativa, traduzindo verdadeiras normas jurídicas legislativas, revestidas de eficácia impositiva universal - cf. Castanheira Neves, o Instituto dos Assentos e a Função Jurídica dos Supremos Tribunais, pp. 292 e seguintes, e «Assento», in Polis, I, p. 419; Gomes Canotilho, Revista de Legislação e Jurisprudência, 124.º, p. 321. Daí que seja patente a sua inconstitucionalidade orgânica e formal, como decorre, sem margem para dúvidas, do disposto no artigo 115.º, n.os 1, 2 e 5, da Constituição da República Portuguesa. E o seu artigo 122.º, n.º 1, alínea g), refere-se tão-só à declaração de ilegalidade, com força obrigatória geral, dos regulamentos administrativos - artigo 66.º, n.º 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos. Não votei, em consequência, o presente assento. - Alberto Carlos Ferreira da Silva.