Sumário: Inscrição na Lista do Património Mundial do Real Edifício de Mafra - Palácio, Basílica, Convento, Jardim do Cerco e Tapada, em Mafra.
Nos termos da decisão 43COM8B.30, do Comité do Património Mundial, com base no critério (iv), foi inscrito na Lista do Património Mundial da UNESCO, o Real Edifício de Mafra - Palácio, Basílica, Convento, Jardim do Cerco e Tapada, nos termos da Declaração de Valor Universal Excecional que a seguir se publica:
«Breve síntese
O Real Edifício de Mafra é constituído pelo Palácio, Basílica, Convento, Jardim do Cerco e Tapada, sendo uma das mais magnificentes obras do Rei D. João V, que dispôs de condições culturais e económicas excecionais que lhe permitiram evidenciar-se no contexto das monarquias europeias como soberano de um vasto império multicontinental.
Para desenvolver o projeto, que desde início se estabeleceu como uma afirmação dinástica, foi contratado o suábio Johann Friedreich Ludwig (com formação em Roma). O fascínio que o monarca sentia pela Roma pontifícia, levou-o a contratar importantes artistas para Mafra que, assim, se tornou num dos locais mais relevantes do Barroco ao gosto italiano.
Aquando da sagração da basílica, a 22 de outubro de 1730, dia do aniversário do Rei, o monumento não estava ainda concluído, nem todas as obras de arte haviam chegado, porém o plano estava delineado e em avançado estado de completude: um palácio real dotado de dois torreões que integravam autonomamente os apartamentos privados do Rei e da Rainha; uma capela real elevada à dignidade de basílica, com estátuas de artistas romanos e florentinos, e com um conjunto inusitado de paramentaria francesa e italiana; duas torres sineiras, que albergam dois carrilhões mandados construir na Flandres (em Antuérpia e em Liége) e que constituem um património sineiro único no mundo; uma biblioteca constituída por obras de grande interesse científico, e das raras que permitia a incorporação de «livros proibidos», onde também se destaca uma notável coleção de incunábulos e manuscritos, bem como um excecional acervo bibliográfico com obras dos séculos xv ao xix.
A partir de meados do século xviii foram esculpidos os novos retábulos pétreos para a basílica, da autoria do italiano Alessandro Giusti que, em Mafra, dirigiu uma escola de escultura de referência. Foi aqui que receberam formação várias gerações de artistas, entre os quais se destaca Joaquim Machado de Castro, o mais importante escultor português do século xviii. Foi, também, no estaleiro de Mafra que adquiriram conhecimento e prática os reconstrutores de Lisboa, profundamente abalada pelo terramoto de 1755.
Na basílica destacam-se, ainda, os seis órgãos históricos, únicos no mundo por terem sido projetados e construídos para tocarem em simultâneo. No final do século xviii a construção de um novo conjunto de seis órgãos foi encomendada aos mestres organeiros portugueses António Machado Cerveira e Peres Fontanes, tendo sido cuidadosamente restaurados a partir de 1994 e recebido o prémio Europa Nostra.
O palácio continuou a desempenhar as funções de residência de Estado até ao final da monarquia, tendo sido em Mafra que D. Manuel II passou a derradeira noite antes de embarcar para o exílio a 5 de outubro de 1910.
O convento, extinto em 1834, foi transformado em quartel e escola, e desde então albergou diversas unidades militares que constituem um novo aspeto da história deste edifício, ligado a grandes eventos militares pelos quais o país passou.
O quartel em Mafra esteve ligado a alguns dos mais importantes acontecimentos militares do século xix, nomeadamente no período das Guerras Peninsulares decorridas na sequência das Invasões Napoleónicas, tendo aquartelado tropas francesas e, também, tropas anglo-portuguesas. O uso militar do antigo convento permanece até aos nossos dias.
O Jardim do Cerco começou por ser um horto conventual, depois transformado num jardim de corte. Em 1718 o Rei D. João V mandou ali plantar árvores provenientes de todos os territórios do Império, dando origem a um jardim formal barroco.
A Tapada de Mafra, com mais de 1200 hectares murados, foi criada em 1747 como espaço de caça, bem como para a agricultura e a criação de gado, de modo a suportar as necessidades do palácio e do convento. Entre o século xviii e o início do século xx, a Tapada foi palco de muitas caçadas.
A Tapada é um espaço vocacionado para a educação ambiental, para a fruição turística e para a gestão florestal e cinegética. No seu perímetro subsistem quatro fortes das Linhas de Torres.
Critério (iv)
O Real Edifício de Mafra reflete a conceção de poder absoluto no reinado de D. João V, bem como de uma estratégia de consolidação do império português, de soberania nacional, de afirmação da legitimidade dinástica, e de aproximação às fontes de autoridade internacionais, nomeadamente do Papado de Roma.
A dimensão internacional do império português e do seu soberano está na origem do gigantismo da construção e das opções estéticas tomadas, preconizando-se uma obra vanguardista, sintetizando os melhores exemplos de arquitetura barroca ao modo de Roma. Neste sítio cultural espelham-se características que fazem com que esta seja uma das mais importantes obras do barroco nacional e europeu, considerando não apenas a sua dimensão e rigor construtivo, mas, também, algumas peças integradas, como os carrilhões e os órgãos da basílica, conjuntos musicais de excecional relevância no mundo. A Tapada é um exemplo de criação de paisagem em grande escala formando uma unidade de gestão territorial umbilicalmente ligada ao palácio, ao convento e ao jardim.
Integridade
Ao longo do tempo o Real Edifício de Mafra manteve as características que definem o seu valor universal excecional. Os trabalhos realizados ao longo dos séculos foram destinados a manter o edificado, preservando as proporções e os volumes, prolongando a sua vida sem alterações da sua estrutura e fisionomia. Destaca-se a coerência do desenho, o ritmo, a simetria, a qualidade estética e a harmonia, a dignidade da obra, a qualidade irrepreensível de todos os detalhes do projeto e da sua execução, a competência construtiva, a boa repartição dos recursos, a prudente administração da obra e a eficiente criação de espaços em função das necessidades. As ameaças ao Bem são principalmente relacionadas com as amplitudes térmicas, ventos e rajadas carregados de salsugem provenientes do litoral atlântico, bem como com o perigo de incêndios florestais no verão.
Autenticidade
Durante os seus cerca de 300 anos de existência, o Real Edifício de Mafra não registou alterações significativas que comprometessem a sua autenticidade no que refere à sua conceção, forma e materiais, apenas registando pequenas adaptações reversíveis. Do ponto de vista do restauro e da preservação, destacam-se as mais recentes: a intervenção nos seis órgãos da basílica, o restauro das pinturas murais da Sala do Trono e o restauro dos carrilhões.
Apesar das transformações políticas, económicas e sociais ocorridas entre o século xviii e a atualidade, o Real Edifício foi-se adaptando a diversas funcionalidades sem, no entanto, perder as suas características de base. Embora tenha perdido a função de residência de Estado, em consequência da Implantação da República em 1910, ganhou a valência museológica e a fruição pública; com o fim da função como convento, decorrente da extinção das ordens religiosas em 1834, foi adaptado ao uso de instituições militares. A Basílica deixou de ser capela-real mas manteve o culto, passando a acolher a sede da Paróquia aí instalada em 1836. A biblioteca preserva, até hoje, a sua missão de apoio ao estudo e à investigação.
Requisitos de proteção e gestão
Com a inscrição do Real Edifício de Mafra na Lista do Património Mundial da UNESCO, este Bem, por força do disposto na Lei 107/2001, de 8 de setembro, é equiparado para todos os efeitos a Monumento Nacional (MN) e a respetiva zona tampão também equiparada, para todos os efeitos, a Zona Especial de Proteção (ZEP), sujeita ao controlo do órgão competente da administração do património cultural.
A aplicação da citada Lei 107/2001, de 8 de setembro, que estabelece as bases da política e do sistema de normas de proteção e de valorização do património cultural, e do Decreto-Lei 140/2009, de 15 de junho, que estabelece como normativo a elaboração de estudos, projetos, relatórios, trabalhos ou intervenções em bens imóveis classificados, determina a necessidade de avaliação e monitorização prévia e sistemática de quaisquer obras suscetíveis de afetar a integridade do Bem, de modo a evitar qualquer desvirtuação da integridade, perda de características ou de autenticidade, o que é assegurado por um planeamento adequado e rigoroso, com pessoal devidamente qualificado.
A gestão cultural deste Bem é assegurada pelos serviços da Direção-Geral do Património Cultural, organismo da administração central responsável pelo património cultural, cabendo-lhe, em colaboração com as restantes entidades, a elaboração e implementação de programas que privilegiem políticas e medidas de administração responsável, focadas em soluções sustentáveis em termos económicos e ambientais, mantendo um diálogo construtivo e aberto com todos os parceiros que integram a gestão do Bem e da respetiva ZEP, conforme consignado no Decreto-Lei 309/2009, de 23 de outubro, que estabelece restrições adequadas para a proteção e a valorização das áreas envolventes dos bens culturais.
Localmente a gestão integrada do Bem é garantida pelas seguintes entidades: a Direção-Geral do Património Cultural/Palácio Nacional de Mafra; a Câmara Municipal de Mafra; o Exército Português/Escola das Armas; a Tapada Nacional de Mafra; e o Patriarcado de Lisboa/Paróquia de Santo André de Mafra.
A gestão do monumento tem como principal finalidade a sua proteção, conservação e manutenção, assegurando as características de integridade e autenticidade que o definem enquanto um Bem de Excecional Valor Universal.»
Assim:
1 - Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 15.º da Lei 107/2001, de 8 de setembro, atento ao disposto no Decreto 49/79, de 6 de junho, e no artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa, torna-se pública a inscrição na Lista do Património Mundial do Real Edifício de Mafra - Palácio, Basílica, Convento, Jardim do Cerco e Tapada, em Mafra.
2 - Publica-se em anexo a planta de delimitação incluindo a respetiva zona tampão aprovada na 43.ª sessão do Comité do Património Mundial que, nos termos do n.º 2 do artigo 72.º do Decreto-Lei 309/2009, de 23 de outubro, corresponde, para todos os efeitos, a uma Zona Especial de Proteção.
3 - Os elementos relevantes do processo, designadamente a cartografia, estão disponíveis nos seguintes organismos:
a) Direção-Geral do Património Cultural, Palácio Nacional da Ajuda, 1349-021 Lisboa, em http://www.patrimoniocultural.gov.pt/;
b) Câmara Municipal de Mafra, Paços do Concelho, Praça do Município, 2644-001 Mafra;
c) Centro do Património Mundial, Edifício Sede da UNESCO, 7, Place de Frontenoy, 75352 Paris, 07SO França, em https://whc.unesco.org/en/list/ ou https://whc.unesco.org/fr/list/
16 de novembro de 2020. - A Secretária de Estado Adjunta e do Património Cultural, Ângela Carvalho Ferreira.
ANEXO
(ver documento original)
313739701