Acordam no Tribunal Constitucional:
I Introdução
1 - Ao abrigo do disposto no artigo 281.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa (CRP), o Procurador-Geral da República veio requerer a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das seguintes normas:a) Norma do n.º 4 do artigo 35.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, segundo texto adveniente da revisão da Lei 39/80, de 5 de Agosto, pela Lei 9/87, de 26 de Março, e doravante designado por Estatuto dos Açores (mas só na parte em que torna obrigatória para o Ministro da República a assinatura dos decretos da Assembleia Regional que - apesar de haverem sido objecto, relativamente a qualquer norma, de juízo de inconstitucionalidade do Tribunal Constitucional - vierem a ser confirmados por maioria de dois terços dos deputados em efectividade de funções);
b) E norma do n.º 5 do mesmo artigo 35.º Para tanto, alegou:
a) Admitindo, sem conceder, que é constitucionalmente permitida às assembleias regionais (e não apenas à Assembleia da República) confirmar, através de maioria de dois terços dos deputados presentes, diploma em relação ao qual o Tribunal Constitucional, no domínio da fiscalização preventiva de constitucionalidade, se pronunciara no sentido da inconstitucionalidade, é de qualquer modo seguro que, nessa hipótese, o Ministro da República sempre teria a faculdade de assinar ou não assinar tal diploma (artigo 279.º, n.º 2, da CRP):
b) A citada disposição constitucional é assim violada pela norma do n.º 4 do artigo 35.º do Estatuto dos Açores, na medida em que esta dispõe que, se a assembleia regional, em caso de inconstitucionalidade, confirmar o voto por maioria de dois terços, a assinatura do diploma não pode ser recusada pelo Ministro da República;
c) Por outro lado, e nos termos do artigo 235.º da CRP, compete ao Ministro da República assinar e mandar publicar os decretos legislativos regionais e os decretos regulamentares regionais;
d) Ora, esta disposição constitucional é infringida pelo n.º 5 do aludido artigo 35.º, quando, nos casos aí especificados, atribui ao Presidente da Assembleia Regional competência para assinar e mandar publicar os decretos da Assembleia Regional.
2 - Notificado nos termos e para os efeitos do artigo 54.º da Lei 28/84, veio o Presidente da Assembleia da República oferecer o merecimento dos autos.
3 - Cumpre agora passar a apreciar e decidir se as normas do n.º 4 (no segmento assinalado) e do n.º 5 do artigo 35.º do Estatuto dos Açores contravêm ou não, quod substantiam, ao disposto, respectivamente, nos artigos 279.º, n.º 2, e 235.º da CRP (este último em necessária articulação com o artigo 279.º, n.º 2).
II - O n.º 4 do artigo 35.º do Estatuto dos Açores (trecho em causa) face
ao artigo 279.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
4 - Reza o n.º 4 do artigo 35.º do Estatuto dos Açores (que, na primitiva redacção do estatuto, correspondia, ipsis verbis, ao n.º 4 do artigo 29.º) o seguinte:
Se a Assembleia Regional confirmar o voto por maioria de dois terços - em caso de inconstitucionalidade - ou por maioria absoluta dos seus membros em efectividade de funções - nos demais casos -, a assinatura não poderá ser recusada.
Como se viu, não se põe em xeque a constitucionalidade de toda a norma, mas apenas do segmento que determina que, uma vez ultrapassado o julgamento de inconstitucionalidade do Tribunal Constitucional por voto qualificado da Assembleia Regional, não pode já o Ministro da República deixar de assinar o diploma. E põe-se em xeque esse arco da norma precisamente por se considerar que ele está em oposição com o estatuído no artigo 279.º, n.º 2, da CRP.
5 - No quadro dos artigos 229.º, alíneas a) e b), 234.º, 235.º, n.º 1, e 278.º, n.º 2, da CRP, é da exclusiva competência das assembleias regionais:
1) Legislar, através de decretos legislativos regionais, com respeito da Constituição e das leis gerais da República, em matérias de interesse específico para as regiões que não estejam reservadas à competência própria dos órgãos de soberania;
2) E regulamentar, através de decretos regulamentares regionais, as leis gerais emanadas dos órgãos de soberania que não reservem para estes o respectivo poder regulamentar (cf., no entanto, o Estatuto dos Açores, onde, no artigo 134.º, n.º 1, se determina, tout court, que, quer a actividade legislativa, quer a actividade regulamentar da Assembleia Regional, se haverá de exprimir através de «decretos legislativos regionais»).
De qualquer modo, e em perspectiva constitucional, é ao Ministro da República - artigo 235.º, n.º 1, da CRP - que compete assinar e mandar publicar os decretos legislativos regionais e os decretos regulamentares regionais de leis gerais da República. E, na altura em que tais diplomas lhe sejam enviados para assinatura - artigo 278.º, n.os 2 e 3, da CRP -, pode, no prazo de cinco dias, requerer ao Tribunal Constitucional a apreciação preventiva da constitucionalidade de quaisquer normas neles insertas.
Subsequentemente - artigo 279.º, n.os 1 e 2, da CRP -, se o Tribunal Constitucional se pronunciar pela inconstitucionalidade de qualquer uma dessas normas, deverá o Ministro da República vetar e devolver à respectiva assembleia regional o diploma, que não poderá ser assinado sem prévia expurgação da norma julgada inconstitucional.
6 - Mas - pergunta-se agora - não será certo que o artigo 279.º, n.º 2, da CRP permita ainda a ultrapassagem desse veto do Ministro da República por uma segunda votação da assembleia regional (votação por maioria de dois terços dos deputados presentes)? A propósito, é de registar que, no seu momento auroral, este preceito, resultante da primeira revisão constitucional, foi visto como consentindo a ultrapassagem, por essa via, do veto por inconstitucionalidade do representante da soberania da República em cada uma das regiões autónomas.
Na verdade, não só à proposta de alteração do n.º 2 do artigo 279.º da CRP, aprovada na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, foi desde logo dada tal significação [v. Diário da Assembleia da República, 2.ª série, suplemento ao n.º 136, de 3 de Agosto de 1982, p. 2438-(15), e 2.º suplemento ao n.º 137, de 13 de Agosto de 1982, pp. 2510-(52) e 2510-(57)] como sucede ainda que, no Plenário da Assembleia da República, e uma vez concluída a votação na especialidade dos preceitos que reestruturaram a CRP na parte referente às regiões autónomas, diversos deputados, em representação de vários agrupamentos partidários, embora com posições divergentes sobre a bondade da solução constante do novo artigo 279.º, foram unânimes em considerar que este novo preceito constitucional efectivamente consentia que as assembleias regionais «saltassem» por cima do veto por inconstitucionalidade do Ministro da República, mediante nova votação por maioria qualificada do diploma vetado [v. declarações de voto dos deputados Jaime Gama (PS), Vital Moreira (PCP), Correia de Jesus (PSD), Jorge Miranda (ASDI) e António Vitorino (UEDS), in Diário da Assembleia da República, 1.ª série, n.º 130, de 30 de Julho de 1982, pp. 5505, 5506, 5508 e 5509].
7 - Não obstante tudo isto, o certo é que boa parte da doutrina (possivelmente por considerar, por um lado, que o decisivo, no plano hermenêutico, não é a voluntas legislatoris, mas a voluntas legis, e, por outro lado, que aquela solução nivela incongruentemente o relacionamento Tribunal Constitucional-Assembleia da República e Tribunal Constitucional-assembleias regionais) continua a ter grandes dúvidas sobre o exacto sentido e alcance do n.º 2 do artigo 279.º da CRP. Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, t.
II, 2.ª ed., p. 362, será possivelmente o único autor que, sem hesitações, lê o artigo 279.º, n.º 2, como facultando às assembleias regionais a possibilidade de confirmação, por maioria de dois terços dos deputados presentes, de diplomas vetados por inconstitucionalidade.
Quanto aos demais comentadores do texto constitucional, observa-se, em síntese, o seguinte:
a) Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.ª ed., 2.º vol., p. 515, Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 4.ª ed., p. 826, e Cardoso da Costa, A Jurisdição Constitucional em Portugal (separata do número especial do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra - Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Afonso Rodrigues Queiró), p. 43, nota 53, mostram sérias dúvidas sobre a aceitação constitucional de tal solução;
b) Isaltino Morais, Ferreira de Almeida e Leite Pinto, Constituição da República Portuguesa Anotada e Comentada, não têm, nesse ponto, uma posição muito firme: tanto reconhecem peremptoriamente que o artigo 279.º, n.os 1 e 2, da CRP dispõe «que, quando se verifique confirmação pelas Assembleias Regionais de diploma inconstitucional, por dois terços dos deputados presentes, esta vigorará não obstante a inconstitucionalidade ajuizada pelo Tribunal Constitucional» (p. 462), como mais adiante (pp. 534 e 535) põem reticências à possibilidade de as assembleias regionais ultrapassarem por reapreciação e ulterior confirmação diploma inconstitucional;
c) António Nadais, António Vitorino e Vitalino Canas, Constituição da República Portuguesa, p. 264, embora tecendo severas críticas a tal solução, não deixam de reconhecer que «o artigo 279.º, n.º 2, conjugado com o n.º 1 do mesmo preceito, parece admitir que as Assembleias Regionais possam ultrapassar o veto por inconstitucionalidade por maioria de dois terços dos deputados presentes»;
d) Margarida Salema, «Veto», in Enciclopédia Polis, cols. 1487 a 1490, não toma posição explícita sobre a questão, limitando-se a reconhecer que «já em relação aos diplomas da Assembleia da República prevê-se [...] uma segunda deliberação por maioria qualificada de dois terços dos deputados presentes susceptível de confirmar o decreto vetado».
8 - Seja como for, pela lógica do discurso que seguidamente se desenvolverá, não se impõe, hic et nunc, que se busque e descubra a exacta dimensão significativa do artigo 279.º, n.º 2, da CRP, quanto ao ponto em causa, que, de resto, está fora do pedido. É que - e isto, só por si, é decisivo para a solução da questão de constitucionalidade em apreciação -, ainda que o veto por inconstitucionalidade do Ministro da República pudesse ser ladeado por votação qualificada da assembleia regional (o que apenas por hipótese se admite), então, na geometria do artigo 279.º, n.º 2, aquele representante da soberania da República não estaria, de modo algum, obrigado a assinar o diploma que primeiro vetara.
Neste domínio interpretativo é, aliás, unânime a doutrina. A este respeito, escreve, na verdade, Jorge Miranda, ob. cit., pp. 362-364:
Tratando-se de decretos de assembleias representativas e de tratados, pode também a assembleia competente adoptar outra atitude: a de reaprovação da norma julgada inconstitucional ou, quanto a tratados, de todo o tratado.
No caso de a assembleia confirmar o diploma donde conste a norma por maioria de dois terços dos deputados presentes, o Presidente da República ou o Ministro da República poderão promulgá-lo ou assiná-lo (artigo 279.º, n.º 2, segunda parte).
[...] A faculdade de promulgação ou de assinatura, nesta circunstância, afigura-se uma solução de equilíbrio: de equilíbrio entre o órgão legislativo representativo e o órgão de fiscalização da constitucionalidade com arbitragem pelo Presidente da República, eleito por sufrágio universal, ou pelo órgão que faz as suas vezes, o Ministro da República.
Enquanto no veto político, em caso de confirmação, há um dever de promulgação ou de assinatura - porque o órgão legislativo deve prevalecer sobre o órgão de veto -, na fiscalização preventiva há apenas uma faculdade porque nem o órgão legislativo deve prevalecer sobre o juízo de inconstitucionalidade, nem o Tribunal Constitucional sobre a assembleia política representativa, e essa faculdade converte o inicial poder de veto translativo em poder de veto absoluto.
V. ainda, do mesmo constitucionalista, Funções, Órgãos e Actos do Estado (apontamentos de lições), p. 252.
Num sentido próximo - isto é, no sentido de, em quadro hipotético de aceitação constitucional da possibilidade de confirmação pelas assembleias regionais de diplomas vetados por inconstitucionalidade, ser então a sua assinatura uma faculdade e não uma obrigação do Ministro da República - se pronunciaram também Gomes Canotilho e Vital Moreira, obra e local citados, Cardoso da Costa, obra e local referidos, e António Nadais, António Vitorino e Vitalino Canas, ob. cit., p. 295 (cf. ainda Marcello Rebelo de Sousa, O Sistema de Governo Português antes e depois da Revisão Constitucional, p. 40, nota 67, e Margarida Salema, obra e local citados, que defendem a mesma solução para uma situação simétrica, rectius para a situação do Presidente da República face aos diplomas por ele vetados por inconstitucionalidade, e depois revotados qualificadamente pela Assembleia da República).
E, na verdade, estando em causa idênticas superfícies normativas (uma delas, no entanto, só hipoteticamente admitida), idêntico deverá ser, em ambos os casos, o ulterior desenvolvimento dos respectivos procedimentos normativos.
9 - Aliás, é este o real sentido do texto constitucional, como uma breve análise comparativa de normas próximas (isto é, das normas que dispõem para a situação de veto político do Presidente da República e do Ministro da República com as normas que dispõem para a situação de veto por inconstitucionalidade dos mesmos órgãos constitucionais) claramente põe em evidência.
Assim é que, quer no caso de confirmação pela Assembleia da República de decreto sobre o qual incidira veto político do Presidente da República, quer no caso de confirmação por assembleia regional de decreto sobre o qual incidira veto político do Ministro da República, a CRP - artigos 139.º, n.º 2, e 235.º, n.º 3 - determina, expressis verbis, e respectivamente para um e outro caso, que «o Presidente da República deverá promulgar o diploma» e que o «Ministro da República deverá assinar o diploma». Ao invés, e na sequência da reaprovação de diplomas, vetados por inconstitucionalidade ou pelo Presidente da República, ou por Ministro da República (e admitida como mera possibilidade normativa esta segunta situação), já o artigo 279.º, n.º 2, da CRP estatui que, nessas circunstâncias, o decreto «poderá ser promulgado ou assinado» (lida esta última norma, sublinhe-se, pela positiva).
A isto, e para certa doutrina, acrescem razões decorrentes do sistema de poderes, organizatoriamente definidos na CRP [cf. Jorge Miranda, que, em texto da sua autoria anteriormente citado, põe em relevo as razões que, por si só, explicariam esta dualidade de soluções: razões de prevalência do órgão legislativo sobre o órgão de veto (caso do veto político) e razões «de equilíbrio entre o órgão legislativo representativo e o órgão de fiscalização da constitucionalidade com arbitragem pelo Presidente da República, eleito por sufrágio universal, ou pelo órgão que faz as suas vezes, o Ministro da República» (caso do veto por inconstitucionalidade)].
Assente, pois, que, a ser admitida a possibilidade de ultrapassagem, por banda das assembleias regionais, do veto por inconstitucionalidade dos Ministros da República, incidente sobre decretos legislativos regionais ou decretos regulamentares de lei geral da República, sempre se terá de reconhecer que, nessa circunstância, os Ministros da República poderão, mas não necessariamente deverão assiná-los, então, por força, se haverá de concluir que a norma do n.º 4 do artigo 35.º do Estatuto dos Açores, no segmento em análise, conflitua abertamente com o disposto no artigo 279.º, n.º 2, da CRP.
Logo, enquanto torna obrigatória para o Ministro da República a assinatura dos decretos da Assembleia Regional - num primeiro momento, por ele vetados por inconstitucionalidade, e depois, num segundo momento, por esta «revalidados» -, é a norma do n.º 4 do artigo 35.º do Estatuto dos Açores irremissivelmente inconstitucional.
III - O n.º 5 do artigo 35.º do Estatuto dos Açores face ao artigo 235.º da
CRP (em necessária articulação com o artigo 279.º, n.º 2).
10 - Determina o n.º 5 do artigo 35.º do Estatuto dos Açores (que corresponde, com alterações, ao n.º 5 do artigo 29.º do primitivo texto do Estatuto) o seguinte:
Esgotado o prazo de quinze dias sobre a recepção do diploma após a primeira votação pela Assembleia Regional, ou sobre a publicação da decisão do Tribunal Constitucional que se não pronuncie pela inconstitucionalidade de norma dele constante, e de oito dias a contar da recepção do diploma após segunda votação, sem que o Ministro da República o assine e mande publicar, pode o Presidente da Assembleia Regional fazê-lo.
Neste preceito contemplam-se quatro situações em que ao Presidente da Assembleia Regional é permitido assinar - em substituição do Ministro da República - diplomas dimanados da Assembleia Regional:
Situação S1 - situação de esgotamento do prazo de quinze dias sobre a recepção de «decreto legislativo regional» votado, em primeira votação, na Assembleia Regional («decreto legislativo regional» na terminologia do Estatuto, que, segundo o léxico constitucional - artigo 278.º, n.º 2, da CRP - compreende dois tipos diferentes de diplomas: o decreto legislativo regional e o decreto regulamentar de lei geral da República);
Situação S2 - situação de esgotamento do prazo de quinze dias sobre a publicação da decisão do Tribunal Constitucional que, no plano do controlo a priori, se não haja pronunciado pela inconstitucionalidade de quaisquer normas constantes de «decerto legislativo regional»;
Situação S3 - situação de esgotamento do prazo de oito dias sobre a recepção de «decreto legislativo regional», votado por maioria absoluta, e em segunda votação, na Assembleia Regional (que, por essa forma, ultrapassara anterior veto político do Ministro da República);
Situação S4 - situação de esgotamento do prazo de oito dias sobre a recepção de «decreto legislativo regional», votado por maioria de dois terços, e em segunda votação, na Assembleia Regional (que, por essa via, superara anterior veto por inconstitucionalidade do Ministro da República).
A substituição do Ministro da República pelo Presidente da Assembleia Regional na assinatura de diplomas da Assembleia Regional - nestas quatro situações - é, de facto, violadora do disposto no artigo 235.º da CRP, como é sustentado pelo Procurador-Geral da República? 11 - Prescreve o artigo 235.º da CRP:
1 - Compete ao Ministro da República assinar e mandar publicar os decretos legislativos regionais e os decretos regulamentares regionais.
2 - No prazo de quinze dias, contados da recepção de qualquer decreto da assembleia regional que lhe haja sido enviado para assinatura, ou da publicação da decisão do Tribunal Constitucional que não se pronuncie pela inconstitucionalidade de norma dele constante, deve o Ministro da República assiná-lo ou exercer o direito de veto, solicitando nova apreciação do diploma em mensagem fundamentada.
3 - Se a assembleia regional confirmar o voto por maioria absoluta dos seus membros em efectividade de funções, o Ministro da República deverá assinar o diploma no prazo de oito dias, a contar da recepção.
4 - ....................................................................................................................
5 - O Ministro da República exerce ainda o direito de veto, nos termos dos artigos 278.º e 279.º O direito de veto a que se referem os artigos 278.º e 279.º da CRP é o direito de veto por inconstitucionalidade. E o seu exercício é obrigatório para o Ministro da República se o Tribunal Constitucional - solicitado, no prazo de cinco dias a contar da recepção de diploma da Assembleia Regional para assinatura, a intervir preventivamente - se houver pronunciado pela inconstitucionalidade de norma constante de decreto legislativo regional ou de decreto regulamentar de lei geral da República (artigos 278.º, n.os 2 e 3, e 279.º, n.º 1).
Devolvido o diploma, vetado por inconstitucionalidade, à respectiva assembleia regional, poderá o Ministro da República, nos termos do artigo 279.º, n.º 2, assiná-lo, se a mesma assembleia o confirmar por maioria de dois terços dos deputados presentes (considerando-se aqui - de igual modo que no capítulo II - como simples referente imaginário a faculdade confirmativa das assembleias regionais em relação a diplomas vetados por inconstitucionalidade).
12 - Da conjugação do artigo 235.º, n.os 1, 2, 3 e 5, com os artigos 278.º, n.os 2 e 3, e 279.º, n.º 2, retira-se, de interesse para a definição do ciclo normativo regional, o seguinte quadro de regras constitucionais que, de algum modo, se entrelaçam com as situações previstas no n.º 5 do artigo 35.º do Estatuto dos Açores:
1) É ao Ministro da República que, em qualquer caso, compete assinar os decretos legislativos regionais e os decretos regulamentares de leis gerais da República;
2) Deve fazê-lo antes de esgotado o prazo referido na situação S1, a menos que, em tal período de tempo, exerça o direito de veto político, ou, no prazo de cinco dias, requeira ao Tribunal Constitucional a apreciação preventiva da constitucionalidade de qualquer norma do diploma;
3) Deve fazê-lo antes de esgotado o prazo referido na situação S2, salvo se, em tal fracção de tempo, exercer o direito de veto político;
4) Deve fazê-lo antes de esgotado o prazo referido na situação S3;
5) Pode fazê-lo em qualquer altura, antes ou depois de esgotado o prazo referido na situação S4 (situação esta, como já foi dito e redito, aceite a título meramente hipotético).
É, pois, ao Ministro da República que - em qualquer circunstância (seja a assinatura obrigatória ou facultativa) - compete assinar os decretos legislativos regionais e os decretos regulamentares de leis gerais da República, diplomas, todos eles, provenientes das assembleias regionais.
Com a norma do n.º 5 do artigo 35.º do Estatuto dos Açores pretendeu-se resolver o impasse que, em várias situações (situações S1, S2, S3 e S4), adviria do facto de o Ministro da República se recusar ou tardar a apor a sua assinatura em certos diplomas da Assembleia Regional. Será isto, em perspectiva constitucional, perfeitamente lícito? 13 - Como se viu, o n.º 5 do artigo 35.º do Estatuto dos Açores, em certas situações muito particulares do procedimento normativo regional, permite que o Presidente da Assembleia Regional tome o lugar do Ministro da República e, em vez dele, assine diplomas regionais.
Referindo-se em especial à substituição decorrente da situação S4, escreve, a propósito, Cardoso da Costa, obra e local citados:
É assim ainda maior anomalia e maior absurdo que o Estatuto Político-Administrativo dos Açores, na sua nova versão aprovada pela Lei 9/87, de 26 de Março [...], imponha [...] ao Ministro da República «o dever» de assinar os diplomas reaprovados pela Assembleia Regional e inclusivamente vá ao ponto de transferir para o Presidente desta a faculdade de assiná-los, no caso de, apesar de tudo, aquele os «vetar» (artigo 35.º n.os 4 e 5): eis aí um regime obviamente inconstitucional.
No entanto, a norma do n.º 5 do artigo 35.º do Estatuto dos Açores não há-de ser considerada inconstitucional apenas enquanto permite que o Presidente da Assembleia Regional se substitua ao Ministro da República na assinatura de diplomas que este, primeiro, vetara por inconstitucionalidade, e depois a Assembleia Regional confirmara por votação qualificada (substituição consequente à situação S4). Deve antes tal norma ser tida por inconstitucional também na parte restante, isto é, na parte em que autoriza ainda que o Presidente da Assembleia Regional se substitua ao Ministro da República - como se fosse o seu alter ego - na assinatura de diplomas legislativos e regulamentares que se encontrem nas situações S1, S2 e S3.
14 - De facto, e como logo se notou, não só a CRP - artigo 235.º, n.º 1 - afirma, sem ressalvas, a competência do Ministro da República para assinar os decretos legislativos regionais e os decretos regulamentares de leis gerais da República (simples espécie do genus decretos regulamentares regionais), como ainda essa particular competência é especificamente afirmada - artigos 235.º, n.os 2, 3 e 5, e 279.º, n.º 2 - para as diversas fases do procedimento normativo, referentes a tais diplomas, e que dele reclamem esse tipo de intervenção.
Por outro lado, em relação aos poderes jurídicos dos órgãos constitucionais, designadamente em relação aos poderes para eles decorrentes de normas sobre a produção jurídica, vale de pleno a regra: tudo o que não é permitido é proibido (António Ruggeri, «Norme sulla produzione giuridica», in Politica del diritto, ano XVIII, n.º 2, p. 196). E em similar perspectiva teórico-geral, se pôs em relevo no Acórdão 7/83 do Tribunal Constitucional (Diário da República, 2.ª série, n.º 23, de 27 de Janeiro de 1984), que, segundo princípio geral de direito público português, a substituição do órgão normalmente competente para a prática de certo acto por outro órgão só pode validamente ter lugar quando de modo expresso consentida por lei.
Nesta óptica, e revertendo à hipótese em exame, a substituição do Ministro da República, por motivo do não exercício de uma competência constitucionalmente definida (assinatura de diplomas das assembleias regionais), teria de constar explicitamente da CRP. Ora, não é isto que acontece.
15 - Na realidade, o artigo 232.º, n.º 4, da CRP apenas permite que o Ministro da República seja substituído na região, nas suas ausências e impedimentos, pelo presidente da assembleia regional. Esta substituição, constitucionalmente autorizada, é uma substituição, em princípio global, do Ministro da República, e, para que ela legitimamente ocorra, necessário é que o Ministro da República se ache ausente ou impedido.
Não é, assim, lícita, nos quadros do artigo 232.º, n.º 4, a substituição do Ministro da República pelo presidente da respectiva assembleia regional, só porque o primeiro, em certas circunstâncias (circunstâncias que nada têm a ver com ausências ou impedimentos), se recusou ou tardou a assinar decretos legislativos regionais e decretos regulamentares de leis gerais da República.
É verdade que o facto de o Ministro da República não assinar esses diplomas (com exclusão obviamente dos vetados por inconstitucionalidade e depois confirmados por maioria de dois terços dos deputados presentes da assembleia regional, em relação aos quais a assinatura será facultativa) pode provocar uma travagem, quiçá definitiva, e, de qualquer modo, sempre irregular, do procedimento constitutivo de normas jurídicas regionais.
Esta atitude abstencionista do Ministro da República será, ela própria, inconstitucional e susceptível, por isso, de o responsabilizar pessoalmente:
não no plano criminal, uma vez que a Lei 34/87, de 16 de Julho (que, em execução do disposto no artigo 120.º, n.º 3, da CRP, faz a catalogação dos «crimes de responsabilidade que titulares de cargos políticos cometam no exercício das suas funções»), não sanciona penalmente tal procedimento, mas apenas no plano político, com a eventual perda da relação de confiança que sempre deverá existir entre o Ministro da República, de um lado, e o Governo (que propõe a sua nomeação e exoneração) e o Presidente da República (que o nomeia e exonera), de outro lado.
Todavia, a circunstância de não existir no quadro constitucional uma solução imediata para o impasse apontado (só mediatamente, através da sua exoneração, poderá afinal vir a ser corrigido qualquer situação desse tipo), não autoriza, de modo algum, a lei ordinária a criar mecanismos alternativos, como seja o da substituição funcional para que aponta o n.º 5 do artigo 35.º do Estatuto dos Açores. Tal substituição, por não ser constitucionalmente admitida, é assim proibida.
Logo, a norma do n.º 5 do artigo 35.º do Estatuto dos Açores, ao autorizar a intromissão substitutiva - no iter procedimento regional - do Presidente da Assembleia Regional, dá guarida a um evento extra ordinem, e viola abertamente a CRP.
IV Decisão
16 - Pelos motivos expostos, declara-se a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das seguintes normas:a) A norma do n.º 4 do artigo 35.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, segundo o texto resultante da revisão da Lei 39/80, de 5 de Agosto, pela Lei 9/87, de 26 de Março (mas só na parte em que torna obrigatória para o Ministro da República a assinatura dos decretos da Assembleia Regional que - apesar de haverem sido objecto, relativamente a qualquer norma, de juízo de inconstitucionalidade do Tribunal Constitucional - vierem a ser confirmados por maioria de dois terços dos deputados em efectividade de funções);
b) E a norma do n.º 5 do mesmo artigo 35.º Lisboa, 1 de Fevereiro de 1989. - Raul Mateus - Messias Bento - José Manuel Cardoso da Costa - Mário de Brito - José Magalhães Godinho - Martins da Fonseca - Vital Moreira - Luís Nunes de Almeida - Antero Alves Monteiro Dinis - Armando Manuel Marques Guedes.