de 8 de Julho
O Decreto-Lei 189/88, de 27 de Maio, ao regular a produção de energia eléctrica por produtores independentes, introduziu uma modificação substancial nas regras da utilização de água. Assim, face ao provável afluxo de pedidos que irão surgir no âmbito desta nova legislação, torna-se necessário estabelecer um conjunto de normas para a atribuição de autorizações de utilização de água.Tendo em atenção que a utilização de água deverá satisfazer, prioritária e sucessivamente, o abastecimento das populações, a rega e uso agrícola e a produção de energia eléctrica, apenas se destinando aos restantes usos após a satisfação destas necessidades, importa, em conformidade com o disposto no artigo 2.º do referido decreto-lei, definir um quadro regulamentar no âmbito do qual se salvaguarde o interesse público de utilização deste recurso, garantindo-se, ao mesmo tempo, a adequada viabilidade e qualidade técnica dos projectos a efectuar.
Desta forma, com a presente portaria procura-se atingir os seguintes objectivos principais:
Garantir que a utilização de água é, em cada situação, a mais adequada face aos usos existentes e previsíveis;
Valorizar o mais possível a utilização do recurso, não só numa óptica do interesse público tradicional, mas também na perspectiva de fomentar a sua utilização através do interesse individual.
Para consecução destes objectivos torna-se necessário hierarquizar as utilizações de água no domínio da produção de energia hidroeléctrica, sendo obrigação dos organismos que superintendem o planeamento dos recursos hídricos e no domínio da energia definir, de acordo com as linhas mestras do desenvolvimento regional e da política energética, quais as utilizações existentes e previsíveis que vão condicionar os pedidos de autorização de utilização de água, em conformidade com o artigo 7.º do Decreto-Lei 189/88, de 27 de Maio.
A relação entre os objectivos mencionados é óbvia. Embora se vejam com agrado utilizações a curto prazo, na medida em que mais rapidamente se pode aproveitar um recurso existente, é necessário salvaguardar a possibilidade de maior rentabilidade em aproveitamentos futuros de outra envergadura. As condições de licenciamento e exploração do empreendimento, bem como as limitações que forem impostas, desempenham aqui um papel fundamental para clarificação das normas a prosseguir, não devendo permitir nem falsas expectativas nem políticas de facto consumado. A responsabilidade de outorga de uma autorização de utilização de água é de grande importância e não deve ser menosprezada.
O segundo objectivo prende-se com a livre concorrência. Deverá ser premiada, simultaneamente, a iniciativa dos proponentes e a forma como a utilização de água é efectuada, assim como a rentabilidade que lhe está associada. Com base nestes pressupostos define-se um conjunto de elementos que devem constar dos pedidos de autorização de utilização de água, de forma a habilitar os serviços competentes a pronunciarem-se e a avaliarem face a soluções alternativas.
Assim, e tendo em consideração o disposto nos artigos 2.º, 7.º e 27.º do Decreto-Lei 189/88, de 27 de Maio:
Manda o Governo, pelos Ministros do Planeamento e da Administração do Território e da Indústria e Energia, o seguinte:
1 - A presente portaria regula os procedimentos administrativos inerentes ao processo de autorização de utilização de água para aproveitamentos hidroeléctricos, no âmbito do Decreto-Lei 189/88, de 27 de Maio, estabelecendo, de igual modo, as regras e critérios a observar face à coexistência de mais de um pretendente de utilização de um mesmo local.
2 - Com o propósito de evitar a realização de estudos desnecessários, o processo poderá ser iniciado com o pedido pelos interessados à Direcção-Geral dos Recursos Naturais (adiante designada por DGRN) de informação prévia sobre a possibilidade de utilização de água para produção de energia no local pretendido.
2.1 - A DGRN enviará cópia do pedido à Direcção-Geral de Energia (adiante designada por DGE), que deverá emitir parecer num prazo de vinte dias úteis, nomeadamente informando se relativamente à localização pretendida se verificam os condicionalismos referidos no n.º 6 da presente portaria, sem prejuízo do disposto no mesmo número e tomando em conta os objectivos da política energética. Passando o prazo referido, considera-se não ter a DGE qualquer observação a fazer, nesta fase, em relação ao pedido apresentado.
2.2 - A DGRN deverá responder num prazo de 30 dias úteis ao pedido de informação, de acordo com os planos de intervenção futura definidos para a respectiva bacia hidrográfica.
3 - Na sequência da comunicação da DGRN sobre a possibilidade de utilização de água no local pretendido, o interessado apresentará na mesma Direcção-Geral o requerimento para obtenção de autorização para utilização de água, a que se refere os n.os 3, 4 e 5 do artigo 7.º do Decreto-Lei 189/88, de 27 de Maio.
3.1 - Quando esta apresentação tiver lugar nos 30 dias subsequentes à referida comunicação, a data do pedido referido no n.º 2 será considerada, para efeitos de prioridade, em função da data de entrada.
3.2 - O processo poderá também iniciar-se pela apresentação pelo interessado do requerimento referido no n.º 3.
3.3 - A DGRN informará mensalmente a DGE de todos os requerimentos apresentados, identificando os interessados, a localização do aproveitamento e as suas características técnicas principais, a qual poderá emitir um parecer de acordo com o n.º 2.1.
4 - O requerimento para a obtenção de utilização de água deverá incluir estudo do qual constem os elementos seguintes:
a) Breve descrição do aproveitamento, apresentando os aspectos gerais mais importantes do curso de água, vegetação circundante, configuração topográfica e características aparentes do terreno. No caso de recuperações, dever-se-á proceder à descrição sumária das instalações existentes e respectivas condições de conservação;
b) Estimativa da queda bruta aproveitável, pela determinação das cotas de tomada e saída de água, com a maior precisão possível;
c) Estudo hidrológico, com o recurso a dados das estações hidrométricas e ou pluviométricas, para a determinação da distribuição de caudais e do caudal modular;
d) Determinação de consumos de água a montante do aproveitamento para cálculo dos caudais aproveitáveis e determinação do caudal de projecto em função da distribuição de caudais;
e) Cálculo da potência a instalar, em função da queda, do caudal de projecto e do rendimento do equipamento;
f) Determinação da produção de energia eléctrica em ano médio, através da potência instalada e da distribuição média de caudais;
g) Definição das características aproximadas dos seguintes elementos:
tomada de água, canal, câmara de carga, conduta forçada, casa das máquinas, turbinas, grupos geradores, sistema de regulação, controle e automação, ligação à rede de distribuição, sistema de protecção e posto de transformação;
h) Breve informação sobre as condições de ligação à rede receptora baseada no conhecimento dessa rede;
i) Documentação gráfica:
Planta de situação e localização do aproveitamento;
Planimetria do aproveitamento;
Esquema unifilar;
Documentação fotográfica;
j) Estimativa de custos, na qual se procede à determinação dos custos de construção e ou reparação, equipamentos e respectiva montagem, automação e telecomando, acrescidos de uma percentagem para imprevistos. Deverão também ser calculados os custos da exploração e manutenção;
l) Estimativa da valorização de produção de energia eléctrica;
m) Avaliação da rendibilidade do empreendimento;
n) No caso de o projecto se encontrar abrangido pela legislação relativa à avaliação de impacte ambiental, deverá ser igualmente apresentado o correspondente estudo.
4.1 - A data de entrada do pedido, para efeitos de atribuição de prioridade, só será considerada após despacho liminar de apreciação da conformidade do requerimento com os requisitos exigidos no n.º 4 e subsequente pagamento da quantia de 200000$00, a qual reverte integralmente para o Fundo de Protecção dos Recursos Hídricos.
4.2 - Admitido o requerimento e paga a quantia referida no número anterior, será o mesmo publicitado nos termos previstos na lei.
5 - Em casos devidamente justificados, nomeadamente por complexidade ou por deficiente informação, pode a DGRN, mediante comunicação aos requerentes interessados, solicitar a suspensão do decurso dos prazos previstos no n.º 1 do artigo 7.º do Decreto-Lei 189/88, de 27 de Maio, e no n.º 6 da presente portaria, a qual não poderá, todavia, exceder 30 dias úteis.
5.1 - Os prazos referidos no n.º 5 não se aplicam a projectos respeitantes a rios fronteiriços, dada a obrigatoriedade da sua sujeição à Comissão Luso-Espanhola para Regular o Uso e Aproveitamento dos Rios Internacionais nas Suas Zonas Fronteiriças, ficando a DGRN dispensada de comunicar o facto aos requerentes.
6 - Ocorrendo um pedido de autorização de utilização de água, formulado no âmbito do Decreto-Lei 189/88, de 27 de Maio, relativamente a um local onde a EDP - Electricidade de Portugal, E. P., pretenda realizar um empreendimento, ou cuja utilização possa vir a ser inviabilizada por um empreendimento da mesma empresa, será dada prioridade a esta última no caso em que a valorização energética da água corresponder a uma produção de energia eléctrica pelo menos dupla em ano hidrológico médio relativamente aos projectos alternativos apresentados por outras entidades, tendo ainda uma taxa interna de rentabilidade (TIR) nunca inferior à taxa de actualização de referência adoptada no Plano Energético Nacional (PEN).
6.1 - Nestes casos deverá ainda a EDP apresentar à DGRN o respectivo pedido de concessão da água no prazo de 60 dias úteis contados da data de entrada do pedido de autorização de utilização de água do primeiro proponente nos termos do n.º 4.2 da presente portaria.
7 - Sempre que se verifique uma coexistência de pedidos que se possam inviabilizar mutuamente, não abrangida pelo número anterior, será concedida prioridade ao primeiro requerente, o qual é definido pela data de entrada do pedido nas condições prescritas no n.º 4.1 da presente portaria. O requerente perderá, porém, esta prioridade se no prazo de 60 dias úteis contados da data de entrada do seu projecto for apresentado um projecto alternativo, de igual modo conforme ao estipulado no n.º 4.1, com uma produção anual média de electricidade em ano hidrológico médio pelo menos 1,75 vezes superior à prevista no primeiro projecto e com uma TIR nunca inferior ao estipulado na alínea b) do n.º 6. Caso sejam apresentados um ou mais projectos alternativos, o prazo de análise será dilatado de 30 dias úteis.
8 - No acto da autorização de utilização de água deverá o requerente prestar uma caução, perante a DGRN, por depósito ou por garantia bancária, correspondente a 5% do montante global do investimento previsto no projecto por si apresentado. Esta caução extinguir-se-á logo que se encontrem realizadas no local obras que correspondam a mais de 10% do investimento previsto, sendo então exigível à DGRN a devolução do depósito ou passagem de documento comprovativo do cumprimento.
9 - As eventuais modificações, resultantes da elaboração do projecto definitivo, em relação ao estudo prévio que tenha servido de base ao requerimento de autorização de utilização de água nunca poderão justificar um alargamento de mais de 10% do prazo para execução da obra.
9.1 - A variação autorizada em termos da potência instalada, decorrente das eventuais modificações referidas no n.º 9, será, no máximo, de 20%, desde que, em termos de impacte ambiental, não fique abrangida pelo respectivo regime jurídico. Caso essa variação ultrapasse aquele limite, o projecto será considerado novo, devendo o interessado requerer uma nova autorização, seguindo-se a tramitação prescrita na presente portaria, com a perda da autorização anterior, assim como da caução prestada nos termos do n.º 8.
10 - Nenhuma entidade pública ou privada poderá ter mais de 40 MW por executar. Entende-se por "megawatts por executar" a soma das potências instaladas anunciadas para todos os projectos de aproveitamentos que já obtiveram autorização de utilização de água e demais autorizações necessárias ao começo dos trabalhos, incluindo as expropriações, mas cujas obras já realizadas no local representam ainda menos de 10% do investimento previsto nos respectivos pedidos, nos termos da alínea e) do n.º 4. Se um requerente ultrapassar o limite dos 40 MW por executar, em virtude da formulação de um novo pedido ou da obtenção das autorizações indispensáveis ao início dos trabalhos, o requerente disporá de um prazo de seis meses para voltar a um total igual ou inferior a 40 MW por executar. Caso o requerente não cumpra esta cláusula, perderá as últimas autorizações obtidas correspondentes ao excedente, assim como as respectivas cauções.
11 - As cauções perdidas nos termos da lei e da presente portaria revertem integralmente para a DGRN.
12 - É constituída uma comissão consultiva com a finalidade da emissão de pareceres sobre as situações de conflitos de interesses eventualmente surgidas na sequência da aplicação da presente portaria. A comissão transmitirá os seus pareceres ao director-geral dos Recursos Naturais, a quem caberá decidir.
A comissão terá a seguinte constituição:
a) Uma personalidade, que presidirá, nomeada por despacho conjunto dos Secretários de Estado do Ambiente e dos Recursos Naturais e da Energia;
b) Um representante da DGRN;
c) Um representante da Direcção-Geral da Qualidade do Ambiente;
13 - Os pedidos de concessão do estatuto de auto-produtor referentes a aproveitamentos mini-hídricos que deram entrada na DGE antes do início da vigência do novo regime legal e a que não correspondessem já anteriores concessões de águas, serão automaticamente abrangidos pela presente portaria, considerando-se como nova data de entrada a da publicação da presente portaria.
13.1 - Os interessados que se encontrem nesta situação poderão requerer à DGRN a suspensão da análise dos seus pedidos pelo prazo de 120 dias, por forma a poderem fornecer os elementos suplementares necessários ao cumprimento das normas estabelecidas no novo regime legal e, nomeadamente, da presente portaria. Em qualquer caso, deverá ser sempre efectuado o pagamento previsto no n.º 4.1.
13.2 - Sempre que, pela aplicação do n.º 13, se verifique uma coexistência de pedidos que se possam inviabilizar mutuamente, não abrangida pelo n.º 6 anterior e sem prejuízo do mesmo, será aplicado o exposto no n.º 7 no que respeita quer à prioridade do primeiro requerente, quer à sua perda face a outro projecto com uma melhor valorização energética da água, considerando-se para efeitos de antiguidade as datas de entrada que anteriormente lhes haviam sido atribuídas pela DGE.
Ministérios do Planeamento e da Administração do Território e da Indústria e Energia.
Assinada em 24 de Junho de 1988.
Pelo Ministro do Planeamento e da Administração do Território, José Macário Correia, Secretário de Estado do Ambiente e dos Recursos Naturais. - Pelo Ministro da Indústria e Energia, Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva, Secretário de Estado da Energia.