Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 5/2019
Sumário: «O despacho genérico ou tabelar de admissão de impugnação de decisão da autoridade administrativa, proferido ao abrigo do disposto no artigo 63.º, n.º 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações, não adquire força de caso julgado formal.»
Processo 6941/16.6T8GMR.G1-A.S1
Acordam, em conferência, no pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça:
I
1 - Nos autos em referência, o arguido, Filipe Abraão Guimarães Machado, interpôs recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido no processo em referência, a 23 de Outubro de 2017, do passo em que decidiu que o despacho do juiz de primeira instância que, em processo de contra-ordenação, aceitou a impugnação judicial de decisão administrativa, não tem força de caso julgado, por ser meramente tabelar, donde a questão relativa à tempestividade da interposição do recurso poder ser novamente apreciada pelo tribunal.
2 - O recorrente faz tese de que tal decisão está em oposição com aquela, levada pelo Tribunal da Relação do Porto, em acórdão de 11 de Outubro de 1999, proferido no recurso 40642, do passo em que decidiu que, com o trânsito em julgado do despacho que designou data para a audiência de julgamento, ficou precludida a possibilidade de, posteriormente, em primeira ou na instância de recurso, se decidir pela existência da questão prévia relativa à extemporaneidade da impugnação judicial.
3 - Precedendo conferência, este Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 2 de Maio de 2018, decidiu o prosseguimento do recurso, dando por verificada a oposição de julgados.
4 - Cumprido o disposto no artigo 442.º n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP), o arguido recorrente e o Ministério Público recorrido, apresentaram alegações.
5 - O recorrente extrai da respectiva motivação as seguintes conclusões:
«1.ª Nos termos dos artigos 63.º e 65.º do DL n.º 433/82 de 27/10, o juiz deve, ao receber o recurso, declarar se este é feito dentro do prazo e marcar a audiência, se o aceitar. Ao proferir despacho a marcar data para a audiência de julgamento, aceitou o recurso, considerando-o dentro do prazo legal e notifica-o ao arguido.
2.ª Ao ter proferido este despacho, fica precludida a possibilidade de posteriormente - seja na 1.ª instância, seja em instância de recurso - se decidir pela existência da questão prévia da extemporaneidade do recurso de impugnação judicial.
3.ª Se assim não for, afeta-se, desproporcionadamente, o direito de defesa do recorrente na dimensão do direito ao recurso garantido pelo artigo 32.º, n.º 1 da Constituição, colidindo ainda com os princípios da legalidade, da unidade do sistema e do acesso ao direito; e
4.ª Viola-se o princípio da tutela jurisdicional efetiva dos direitos ou interesses legalmente protegidos; o princípio das garantias de defesa do arguido, na dimensão do direito ao recurso garantido pelo artigo 32.º, n.º 1 da Constituição, violando ainda os princípios da legalidade, da unidade do sistema e do acesso ao direito.
5.º Por outro lado, proferido o despacho a receber o recurso e a marcar audiência, nos termos dos artigos 63.º e 65.º do DL n.º 433/82 de 27/10, não pode, depois, o juiz proferir despacho a rejeitá-lo, pois o seu poder de cognição ficou esgotado com a prolação de despacho de recebimento.
6.ª Ao proferir tal despacho, esgota-se o poder jurisdicional do Tribunal quanto às questões ali apreciadas.
7.ª A partir do momento em que foi recebido o recurso e marcada data para audiência de julgamento, nos termos do disposto nos artigos 63.º e 65.º do DL n.º 433/82 de 27/10, não pode o mesmo juiz ou juiz diferente, decidir rejeitar a acusação em momento processual posterior, sob pena, de preterição da certeza, da segurança, da estabilidade e da confiança inerentes ao exercício do poder jurisdicional, constitucionalmente reconhecidas.
8.ª Se o juiz não rejeitou o recurso naquele despacho e, pelo contrário, não só o recebeu como até designou data para a audiência de julgamento (mesmo após a promoção do Ministério Público em que apela à sua extemporaneidade) o vício da extemporaneidade invocado deixa de relevar enquanto fundamento de rejeição do mesmo, tomada tal rejeição como consequência atípica ou sui generis, apenas verificável naquele momento processual.
9.º A este entendimento está também subjacente o respeito quer pelos princípios gerais que regem a Administração Pública, designadamente o princípio da tutela jurisdicional efetiva dos direitos ou interesses legalmente protegidos, através da impugnação judicial de qualquer ato administrativo, quer pelo princípio das garantias de defesa do arguido, a que estão sujeitos os processos de contra-ordenação.
Termos em que deve ser proferido acórdão para uniformização de jurisprudência fixando-se interpretação no sentido de que:
"I - Nos termos dos artigos 63.º e 65.º do DL n.º 433/82 de 27/10, o juiz deve, ao receber o recurso, declarar se este é feito dentro do prazo e marcar a audiência, se o aceitar.
II - Tendo-se recebido o recurso e marcado data para a audiência de julgamento, é porque aceitou o recurso, considerando-o dentro do prazo legal.
III - Fica assim precludida a possibilidade de posteriormente - seja na 1.ª instância, seja em instância de recurso - se decidir pela existência da questão prévia da extemporaneidade do recurso de impugnação judicial."»
6 - O Ministério Público, recorrido, extrai da respectiva minuta as seguintes conclusões:
«1 - O processo das contra-ordenações obedece a regras próprias e daí resultam especificidades próprias, como seja a característica de se iniciar como um puro processo administrativo, com a inerente instrução e culminando na decisão da autoridade administrativa, a qual, não sendo impugnada, assume carácter final, definitivo mas, sendo impugnada, reveste a vertente de verdadeiro processo judicial, tornando-se a decisão administrativa numa decisão-acusação.
2 - Por isso, o direito contra-ordenacional não se confunde com o direito processual penal, o qual apresenta carácter subsidiário, nos termos do disposto no artigo 41.º do RGCO, só sendo de recorrer às suas normas quando não se encontre resposta adequada no âmbito do processo contra-ordenacional.
3 - A impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa não é um verdadeiro recurso, já que tem o efeito de atribuir a um Tribunal a competência para decidir da causa, retirando-a da esfera administrativa. Ou seja, a impugnação não vai ser decidida por outra entidade hierarquicamente superior à recorrida, mas por um órgão independente e imparcial, pertencente a uma outra jurisdição.
4 - Também não é uma verdadeira acusação, dado que o ato de acusação tem como pressuposto uma iniciativa de impugnação do arguido ou seu defensor, o exame preliminar do juiz incide sobre a impugnação e não sobre a acusação e vigora também neste âmbito o princípio da proibição da reformatio in pejus.
5 - Assim, em processo contra-ordenacional, depois do Ministério Publico tornar presentes os autos ao juiz, valendo aqueles como acusação, tudo decorre de acordo, com as normas previstas no R.G.C.O. e subsidiariamente com as do Código de Processo Penal, tendo em conta a natureza complexa desta fase do processo, designadamente a dualidade recurso/acusação.
6 - O caso julgado enquanto pressuposto processual, conforma um efeito negativo que consiste em impedir qualquer novo julgamento da mesma questão e,
7 - o caso julgado formal respeita a decisões proferidas no processo, no sentido de determinação da estabilidade instrumental do processo em relação à finalidade a que está adstrito, tornando-a insusceptível de alteração por meio de qualquer recurso como efeito da decisão no próprio processo em que é proferida, conduzindo ao esgotamento do poder jurisdicional do juiz e permitindo a sua imediata execução
8 - No regime geral das contra-ordenações verifica-se que, relativamente à questão do caso julgado formal, não existe norma expressa que trate desta matéria, motivo pelo qual há que aplicar subsidariamente o Código de Processo Penal [artigo 41.º do RGCO do C.P.P.]
9 - Da leitura do disposto nos artigos 331.º e 338.º do CPP e importando a respectiva disciplina e princípios, com as devidas adaptações, para o processo contra-ordenacional, é de concluir que o decidido pelo tribunal quanto a tempestividade do recurso não o impede de, posteriormente, se pronunciar expressamente sobre essa questão, a menos que sobre ela tenha-se pronunciado fundamentadamente e não se verifique alteração superveniente.
10 - É que só tem efeito de caso julgado formal a decisão que conheça de questões concretas e não aquela que se limita a declarar, genericamente, a verificação dos pressupostos processuais e a regularidade da instância.
11 - O despacho de admissão do recurso da impugnação judicial é meramente tabelar, limitando-se, na parte em apreço, a declarar a tempestividade do requerimento, pressupondo-a em termos genéricos, razão pela qual não deverá ter a virtualidade de conduzir à formação de caso julgado formal sobre essa questão, podendo esta ser posteriormente suscitada perante o tribunal, que poderá livremente alterar a decisão anteriormente proferida.
12 - Neste sentido se decidiu no acórdão de fixação de jurisprudência 2/95, de 16 de Maio de 1995 que se pronunciou quanto a questão de saber se o despacho sobre a legitimidade do Ministério Público, proferido em termos genéricos, ao abrigo do artigo 311.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, constitui caso julgado e cuja fundamentação aí aduzida se nos afigura ser válida para a situação aqui em apreço e, do qual consta: "A decisão judicial genérica transitada e proferida ao abrigo do artigo 311.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, sobre a legitimidade do Ministério Público, não tem o valor de caso julgado formal, podendo até à decisão final ser dela tomado conhecimento.
Propõe-se pois, que o conflito de jurisprudência existente entre o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no processo 6941/16.6T8GMR.G1-A.S1 e, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, no âmbito do recurso com o processo 40642, seja resolvido nos seguintes termos:
O despacho genérico de admissão do recurso de impugnação de decisão da autoridade administrativa, proferido no âmbito do despacho liminar previsto no artigo 63.º, n.º 1, do RGCO, não adquire força de caso julgado formal, podendo por isso o tribunal ad quem retomar e conhecer a questão da tempestividade do recurso.»
7 - Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência do pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos prevenidos no artigo 443.º, do CPP.
II
8 - O pleno das secções criminais pode decidir em divergência com a conferência da secção - artigo 692.º n.º 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por via do disposto no artigo 4.º, do CPP.
9 - Assim, importa verificar se, como ali se decidiu, se verificam os pressupostos do recurso e, designadamente, se pode reafirmar-se a oposição de julgados.
10 - Transcorre dos autos que o recurso foi interposto dentro do prazo de 30 dias posteriores ao trânsito em julgado do acórdão recorrido - fls. 2 e certidão de fls. 139 destes autos.
11 - Invocam-se acórdão precedente e divergente como fundamento do recurso, devendo salientar-se, a respeito, que o carácter expresso ou implícito da decisão levada em 1.ª instância sobre a tempestividade da impugnação judicial da decisão administrativa (no caso do acórdão recorrido, o tribunal de 1.ª instância emitiu pronúncia sobre a tempestividade da impugnação, enquanto, no caso do acórdão fundamento, o tribunal de 1.ª instância omitiu pronúncia sobre a matéria) não relevou na solução lograda por cada um daqueles acórdãos do Tribunal da Relação, divergentes sobre a questão de saber se a decisão genérica sobre a tempestividade da impugnação forma caso julgado.
12 - Ambas as decisões transitaram em julgado - o acórdão recorrido, a 6 de Novembro de 2017 (certidão de fls. 139) e o acórdão fundamento a 28 de Outubro de 1999 (certidão de fls. 141).
13 - Acresce que, como se evidencia no acórdão preliminar, (i) os acórdãos recorrido e fundamento foram proferidos no domínio da mesma legislação, (ii) a questão de direito suscitada, analisada e decidida, assumiu, em ambas as decisões contornos similares, (iii) a solução levada em cada uma das decisões em confronto foi divergente e antinómica.
14 - A questão em divergência, reporta, desde logo, à sequela interpretativa do disposto no artigo 63.º n.º 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO).
15 - O preceito, integrado na parte II («do processo de contra-ordenação»), capítulo IV («recurso e processo judiciais»), estabelece, sob a epígrafe «não aceitação do recurso», nos seguintes termos:
«1 - O juiz rejeitará, por meio de despacho, o recurso feito fora do prazo ou sem respeito pelas exigências de forma.
2 - Deste despacho há recurso, que sobe imediatamente.»
16 - A dissensão sintetiza-se no seguinte:
(i) para o acórdão recorrido, a declaração tabelar (o deciso não expresso) sobre o pressuposto tempestividade de que depende o conhecimento da impugnação, não impede que o tribunal acuda à mesma questão, como questão prévia, no momento em que toma conhecimento da impugnação da decisão administrativa;
(ii) para o acórdão fundamento, a questão da cognoscibilidade dos pressupostos de que de depende a aceitação da impugnação da decisão da autoridade administrativa fica precludida desde que, mesmo em despacho formal (tabelar), o tribunal emitiu pronúncia sobre a admissibilidade do recurso.
17 - Como se concluiu - sem que se veja razão para dissentimento - no acórdão, levado na secção, a 2 de Maio de 2018, os autos evidenciam uma orientação jurisprudencial dissonante, sobre uma questão nuclear, formada em parâmetros e quadro legislativo coincidentes.
18 - Vale dizer que os acórdãos, recorrido e fundamento, foram proferidos no quadro da mesma norma e deram respostas divergentes à mesma questão fundamental de direito.
19 - Em tais termos, o pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça reitera a decisão proferida, em conferência, por acórdão de 2 de Maio de 2018.
III
20 - A questão a discernir respeita a saber se a decisão judicial que aceita a impugnação de decisão de autoridade administrativa adquire força de caso julgado formal, prevenindo, em consequência, nova pronúncia sobre a tempestividade da interposição do recurso, ou antes se a questão da tempestividade da interposição do recurso pode ser conhecida a todo o tempo, vale dizer, até ao trânsito em julgado da decisão final.
21 - O acórdão recorrido, fazendo tese de que o despacho de aceitação da impugnação judicial de decisão administrativa não tem força de caso julgado, por ser meramente tabelar, adianta os seguintes argumentos:
(i) decorre quer da jurisprudência quer da lei que os despachos meramente tabelares, proferidos no âmbito do processo penal, porque não conhecem concretamente de questão que se vem a debater mais tarde, não tem força de caso julgado;
(ii) ao processo contra-ordenacional, que não tem normas sobre esta questão, são subsidiariamente aplicáveis as regras do processo penal;
(iii) o despacho proferido a fls. 41 não tem força de caso julgado nomeadamente quanto à tempestividade do recurso, pelo que o despacho recorrido, de fls. 45, não põe em causa este princípio;
(iv) a rejeição do recurso por intempestivo, não contende com as garantias de defesa constitucionalmente protegidas, nem com o princípio do acesso ao direito, já que tal direito e garantia constitucionais não implicam que estes não possam ser sujeitos a prazos razoáveis de exercício, não sendo depois disso então já possível o respectivo exercício;
(v) a existência destes prazos nada tem pois de inconstitucional.
22 - O acórdão fundamento, fazendo tese de que, no actual quadro legislativo, o despacho de aceitação da impugnação de decisão da autoridade administrativa adquire força de caso julgado formal, impedindo por isso que o tribunal ad quem retome e conheça da questão da admissibilidade da impugnação
(i) nos termos do disposto nos artigos 63.º e 65.º, do RGCO (Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei 356/89, de 1 de Outubro, e pelo Decreto-Lei 244/95, de 14 de Setembro), o juiz deve, ao receber a impugnação, declarar se esta é interposta dentro do prazo, sendo que, se for apresentada fora do prazo, deve rejeitá-la;
(ii) aceitando-o, deve o juiz marcar a audiência, salvo se entender decidir do caso mediante despacho;
(iii) ao marcar a data para audiência, o juiz aceitou aquela impugnação considerando-a dentro do prazo legal;
(iv) face ao disposto no artigo 63.º, do RGCO, foi proferida decisão sobre a questão da tempestividade, pelo que a mesma é inalterável, dado que ficou esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria em causa [artigo 666.º, n.os 2 e 3 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável subsidiariamente no processo penal e ao processo contra-ordenacional, ex vi do disposto nos artigos 4.º, do CPP, e 44.º n.º 1 RGCO];
(v) com o trânsito em julgado do despacho que aceitou a impugnação, precludiu-se a possibilidade de, em momento processual ulterior, na 1.º instância ou na instância de recurso, se decidir pela existência da questão prévia da extemporaneidade da impugnação judicial;
(vi) é caso julgado formal a respeitar.
23 - O Professor Paulo Pinto de Albuquerque no «Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem», Universidade Católica Editora, 2011, pág. 263, adere ao entendimento vertido no acórdão fundamento, citando-o expressamente.
Ademais refere, em anotação ao artigo 63.º RGCO:
«O recurso pode ser rejeitado por intempestividade e falta de requisitos de forma. Outras questões como a legitimidade e a manifesta improcedência terão de ser decididas por despacho judicial nos termos do artigo 64.º [...]. Dito de outro modo, no processo contra-ordenacional não há um despacho equivalente ao proferido pelo tribunal nos termos do artigo 311.º do CPP (acórdão do TRP, de 4.6.2008, processo 041421, mas contra, acórdão do TRE, de 28.10.2008, processo 1441/08, admitindo que o tribunal pode rejeitar a "acusação" por manifestamente infundada).
O tribunal pode, no exercício dos seus poderes de controlo da legalidade, ainda declarar a nulidade da decisão administrativa competente para a sanação do vício [...]. Este despacho interlocutório é irrecorrível, nos termos do artigo 55.º, n.º 2 (acórdão do TRL, de 27.09.2000, processo 0041953).
Portando, transitado o despacho de admissão da impugnação judicial, fica precludida a possibilidade de posteriormente, seja na 1.ª instância, seja em instância de recurso, se decidir pela existência da questão prévia da extemporaneidade ou falta de forma do recurso de impugnação judicial (acórdão da TRP, de 11.10.99, processo 40642).»
Sem embargo, não abona (para além do acórdão para que remete) a conclusão levada no sentido da existência de uma preclusão quanto à decisão relativa à existência da questão prévia da extemporaneidade da impugnação judicial.
24 - O processo contra-ordenacional comporta duas fases distintas: uma primeira fase, da competência da autoridade administrativa, que tem por finalidade a investigação e recolha de provas que permitam apurar a existência de uma contra-ordenação e, na afirmativa, a aplicação de uma coima e, adrede, uma segunda fase, judicial, que se inicia com a apresentação dos autos de impugnação judicial da decisão administrativa ao juiz, por parte do Ministério Público, nos termos do disposto no artigo 62.º, n.º 1, do RGCO.
25 - Esta segunda fase - a fase da impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa - visa não só a reapreciação da decisão que foi proferida pela autoridade administrativa, mas também o julgamento dos factos que foram imputados ao arguido e que motivaram a sua condenação.
26 - A reapreciação dos factos é suscitada, pelo arguido, através da impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, o qual deve ser apresentado à autoridade administrativa precisamente para que esta tenha a possibilidade, de tomar posição sobre o respectivo objecto, revogando a decisão (artigos 59.º, n.º 3 e 62.º, n.º 2, do RGCO) ou remetendo o processo ao Ministério Público, incumbindo depois ao Ministério Público apresentar os autos ao juiz, valendo este acto como acusação (artigo 62.º, n.º 1 do RGCO).
27 - Em sequência, o juiz profere despacho que procede ao exame preliminar da impugnação [é assim como «despacho que procede ao exame preliminar do recurso» que o legislador epigrafa a decisão em referência, como se retira do disposto no artigo 27.º-A n.º 1 alínea c), do RGCO, que estabelece que o decurso do prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional se suspende durante o tempo em que o procedimento «estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima até à decisão final do recurso.»], aceitando-o ou rejeitando-o.
28 - Aceitando-o, se a impugnação for levada dentro do prazo ou e com respeito pelas exigências de forma (artigo 63.º n.º 1), ou rejeitando-o, caso não cumpra tais requisitos. Do despacho de rejeição da impugnação cabe recurso (artigo 63.º n.º 2).
29 - Admitida que seja a impugnação, o juiz decide se vai conhecer do recurso por meio de simples despacho ou mediante a realização de audiência de julgamento (artigo 64.º, n.º 1), sendo que a opção pela decisão por simples despacho supõe a não oposição quer do arguido quer do Ministério Público (artigo 64.º n.º 2).
30 - No caso de aceitar a impugnação, e se entender não a decidir por simples despacho ou se não obtiver a concordância para o decidir por simples despacho, o juiz marca a audiência (artigo 65.º). Nos casos expressamente previstos no artigo 73.º e no artigo 63.º, daquela decisão judicial cabe recurso para o tribunal da Relação.
31 - A questão em análise nos presentes autos está em saber se o despacho que procede ao exame preliminar, aceitando a impugnação de decisão da autoridade administrativa, adquire força de caso julgado formal, impedindo por isso que o tribunal retome e conheça, posteriormente, da questão da tempestividade e consequente admissibilidade da impugnação.
32 - Para responder a esta equação, haverá de ponderar-se, desde logo, se o regime jurídico aplicável à admissão de impugnação judicial, e tramitação posterior, é matéria que se encontra totalmente regulada no RGCO, ou se, ao invés, uma vez que esta matéria não se encontra totalmente regulada no RGCO, se configura uma lacuna a integrar por meio de aplicação subsidiária, designadamente, do Código de Processo Penal.
33 - Defende-se (acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido em 3 de junho de 2008, no processo 0842856, disponível, como os mais citandos sem menção de origem, em www.dgsi.pt) que a matéria respeitante ao despacho liminar proferido ao abrigo do artigo 63.º, do RGCO, não carece de aplicação subsidiária do CPP, uma vez que não existe qualquer lacuna nesta matéria, dado que no RGCO se encontra expressa e completamente regulada a tramitação do despacho liminar proferido ao abrigo do artigo 63.º do RGCO, bem como todo o regime posterior à apresentação dos autos ao juiz, pelo que não há que aplicar subsidiariamente o regime do CPP.
E assim na medida em que o processo de contra-ordenação obedece a regras próprias, decorrentes da especificidade do direito de mera ordenação social, em que o iter se inicia com a actuação das autoridades administrativas, intervindo os tribunais subsidiariamente, quando o recorrente leva impugnação da decisão administrativa e visando garantir o direito dos cidadãos a aceder aos tribunais para resolver os litígios [no quadro do direito fundamental decorrente do artigo 20.º, da Constituição da República Portuguesa (CRP)].
34 - Em decorrência, uma vez cumprido o disposto no artigo 63.º do RGCO, tal seja, verificando-se o recurso é tempestivo e obedece aos requisitos de forma, o conhecimento de todas as demais questões, designadamente, das nulidades da decisão administrativa e a forma própria de conhecimento das mesmas, só poderá ocorrer nos termos do disposto no artigo 64.º do mesmo diploma legal.
Neste sentido, António Bessa Pereira, «Regime Geral das Contra Ordenações e Coimas», nota 3 ao artigo 63.º pág. 191, e António Leones Dantas, «O Despacho Liminar do recurso de impugnação no Processo das Contra-Ordenações», CEJ, Regime Geral das Contraordenações e Contraordenações Administrativas e Fiscais, Coleção de Formação Contínua, E Book, Set. de 2015 pág. 16 ss.
35 - Porém, para que o juiz decida mediante o despacho, para além de ser dada a possibilidade de audição da entidade administrativa (artigo 70.º n.º 2 do RGCO), é necessária a concordância do arguido e do Ministério Público (artigo 64.º n.º 2, in fine).
36 - Ora, para quem propugne o entendimento de que o regime contido no processo contra-ordenacional encontra em si mesmo resposta adequada às questões suscitadas que possam obstar à apreciação de mérito, forçoso é considerar que inexiste lacuna que carece de ser preenchida com recurso ao direito processual penal que lhe é subsidiário.
37 - Em contraponto, defende-se que o despacho liminar proferido ao abrigo do artigo 63.º do RGCO tem paralelismo no Código de Processo Penal, mais concretamente no despacho de recebimento de recurso, aplicando-se, adaptadamente, o disposto no artigo 417.º, do CPP.
No sentido que se lhe deve aplicar o regime dos recursos (artigos 414.º a 417.º, do CPP) António Leones Dantas, em «O despacho liminar do recurso de impugnação no processo de contra-ordenações», em «Regime geral das contraordenações e as contraordenações administrativas e fiscais, E-Book, Setembro de 2015, CEJ», Manuel Ferreira Antunes, em «Reflexões sobre o direito contra-ordenacional», SPB Editores, 1997, página 109, e Helena Bolina, apresentação efectuada no CEJ no dia 23.03.2018, intitulada «O processo contraordenacional. Em especial, o despacho liminar e a decisão por despacho», disponível em https://educast.fccn.pt/vod/clips/2kwaysna9k/html5.html?locale=pt.).
38 - Funda-se tal entendimento no facto de, analisando o disposto no artigo 63.º, do RGCO, se verificar que nesse despacho, o juiz só se pronuncia sobre a impugnação judicial que foi interposto, aceitando-o se aquele for tempestivo e obedecer aos requisitos de forma e, rejeitando-o caso não cumpra tais requisitos ou seja extemporâneo.
39 - Assim, nesta fase, o juiz não se pronuncia sobre a decisão da autoridade administrativa, nem sobre o conteúdo dos autos, tal como sucede aquando do recebimento do recurso (no processo penal) em que o juiz só se pronuncia sobre o requerimento de interposição do recurso admitindo-o ou não, não analisando a sentença/acórdão.
40 - Em sentido contrário, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 373/2015, de 14 de Julho de 2015:
«[...] Como é sabido, no caso do processo de contraordenação, impugnada a decisão administrativa que aplicou uma sanção e caso a autoridade administrativa não revogue a decisão de aplicação da coima (cf. artigo 62.º, n.º 2, do Regime Geral das Contraordenações), os autos são enviados ao Ministério Público, que os tornará presentes ao juiz, valendo este ato como acusação (cf. n.º 1 do referido artigo 62.º). Assim, quando recebe os autos, o Ministério Público passa a assumir o papel de titular do processo, podendo, para além de os apresentar ao juiz, nos termos referidos, optar por retirar a acusação, desde que se verifiquem os pressupostos formais do artigo 65.º-A do Regime Geral das Contraordenações, podendo, ainda, inclusive, requerer a conversão do processo em processo criminal, nos termos previstos no artigo 76.º do aludido regime (o que determinará a instauração de inquérito). Por outro lado, mesmo depois de o processo ser remetido ao tribunal, o arguido poderá também retirar o recurso, até à sentença em primeira instância ou até ser proferido o despacho previsto no artigo 64.º, n.º 2, sendo que, se o fizer depois do início da audiência carece do acordo do Ministério Público (cf. artigo 71.º).
Conforme se pode constatar, não existe paralelismo entre o processo criminal e o processo contraordenacional, não se podendo equiparar o recurso para um tribunal superior no âmbito de um processo criminal interposto pelo arguido ou no interesse deste e a impugnação da decisão administrativa que aplica uma sanção no âmbito de um processo contraordenacional para um tribunal. Neste último caso, remetidos os autos ao tribunal, o Ministério Público passa a ser, nos termos expostos, o titular da pretensão punitiva e, optando por remetê-los ao juiz, não se poderá dizer que se tenha conformado com a decisão administrativa, contrariamente ao que acontece na situação prevista no artigo 409.º do Código de Processo Penal.»
41 - Defende-se, por outro lado, que o despacho do artigo 63.º, do RGCO, tem paralelismo no artigo 311.º, do CPP, aplicando-se subsidiariamente o disposto nesse preceito e na normação que regula a fase do julgamento em processo penal.
42 - Neste sentido vide Alexandra Vilela, em «O direito de mera ordenação social- Entre a ideia de recorrência e a de erosão do direito clássico», Coimbra Editora, 2013, página 462, e o acórdão, do Supremo Tribunal de Justiça, de 10 de Janeiro de 2007 (processo 2829/06- 3.ª).
43 - Argumenta-se que o RGCO é caracterizado pela existência de lacunas, o que resulta quer da sua indefinição conceptual, quer da controversa natureza material do ilícito contra-ordenacional.
44 - Em abono desse entendimento, referente que resulta da leitura dos artigos 62.º a 64.º, do RGCO, estes dispositivos (mesmo o CPP) são manifestamente insuficientes para abarcar todas as hipóteses da vida judiciária, por isso que se aplica, adaptadamente, no âmbito do regime geral das contra-ordenações e, mais concretamente, do disposto nos artigos 62.º a 64.º, do RGCO, o regime estabelecido no artigo 311.º, do CPP.
45 - Faz-se tese de que é este regime que mais se assemelha com o regime que se encontra previsto nos artigos 62.º e 63.º, do RGCO, designadamente porquanto da leitura dos referidos normativos resulta que o legislador optou por estabelecer que o Ministério Público apresenta os autos ao juiz valendo esse acto como acusação, o que demonstra uma clara opção do legislador de aproximar esta fase do processo de contra-ordenação da fase de julgamento no processo penal e, de desta forma afastar a aplicação do regime dos recursos.
46 - Defende-se ainda que não é relevante, neste caso, para considerar que o regime estabelecido no artigo 62.º e ss., do RGCO, se aproxima do regime de recursos previsto no CPP, o elemento gramatical, designadamente, o facto de o legislador apelidar a impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa de «recurso de impugnação» ou, simplesmente, «recurso», uma vez, que, nos artigos 59.º a 72.º, a expressão «recurso» é usada num sentido não técnico pois antes dele (isto é, do «recurso» ao tribunal de 1.ª instância) não existe qualquer apreciação ou decisão judicial, existindo apenas uma decisão da autoridade administrativa e, nos artigos 63.º e 73.º a 75.º, a expressão «recurso» é usada em sentido técnico, ou seja, referindo-se ao meio de impugnação de uma decisão judicial.
47 - Pretexta-se ademais que, aplicando-se o artigo 311.º, do CPP, no âmbito das contra-ordenações, se vai evitar a todo o custo que casos extremos de iniquidade da acusação conduzam a julgamento um cidadão que se sabe será decididamente absolvido, pretendendo evitar sujeitá-lo, inutilmente, a um processo incómodo e vexatório.
48 - Vejamos do quadro processual em que se inscreve o despacho que procede ao exame preliminar da impugnação.
49 - O processo contra-ordenacional obedece a regras próprias, decorrentes da especificidade do direito de mera ordenação social.
50 - Contrariamente ao que sucede no processo penal, os poderes de impulso processual e sancionatório encontram-se atribuídos às autoridades administrativas, intervindo os tribunais apenas subsidiariamente, mediante o impulso processual do arguido que para o efeito terá de impugnar o teor da decisão administrativa por meio de impugnação da decisão administrativa, que mais não visa do que assegurar o direito de acesso aos tribunais para resolver os litígios, no quadro do direito fundamental decorrente do artigo 20.º, da CRP.
51 - Daí resultam especificidades próprias no direito contra-ordenacional, como seja a característica de se iniciar como um puro processo administrativo, com a inerente instrução e culminando na decisão da autoridade administrativa, a qual, não sendo impugnada, assume carácter final - artigos 88.º a 91.º do RGCO - mas, sendo impugnada, reveste a vertente de verdadeiro processo judicial, tornando-se a decisão administrativa numa decisão-acusação (artigo 62.º, n.º 1, do RGCO).
Neste sentido, Manuel Ferreira Antunes, em «Reflexões sobre o Direito Contra-Ordenacional», SPB Editores, 1997, pág.107.
52 - O direito contra-ordenacional não se confunde assim com o direito processual penal, o qual apresenta um carácter subsidiário, nos termos do disposto no artigo 41.º, do RGCO, só sendo lícito recorrer às suas normas quando não se encontre resposta adequada no âmbito do processo contra-ordenacional.
53 - Refere, a respeito, o Acórdão, do Tribunal Constitucional, n.º 659/2006, de 28 de Novembro de 2006 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt)
«2.3 - Dentre os processos sancionatórios é o processo contra ordenacional um dos que mais se aproxima, atenta a natureza do ilícito em causa, do processo penal, embora a este não possa ser equiparado.
Constitui afirmação recorrente na jurisprudência do Tribunal Constitucional a da não aplicabilidade direta e global aos processos contraordenacionais dos princípios constitucionais próprios do processo criminal, desde logo o princípio da judicialização da instrução consagrado no n.º 4 do artigo 32.º (neste sentido: Acórdão 158/92). A diferença de "princípios jurídico constitucionais, materiais e orgânicos, a que se submetem entre nós a legislação penal e a legislação das contra ordenações" reflete se "no regime processual próprio de cada um desses ilícitos", não exigindo "um automático paralelismo com os institutos e regimes próprios do processo penal, inscrevendo se assim no âmbito da liberdade de conformação legislativa própria do legislador", por exemplo, a não atribuição ao assistente (admitindo que a lei consente em processo contra ordenacional esta figura) de legitimidade para recorrer, legitimidade que o artigo 73.º, n.º 2, do RGCO apenas reconhece ao arguido e ao Ministério Público (Acórdão 344/93). Assentando na liberdade de conformação do legislador ordinário, ao qual não é constitucionalmente imposta a equiparação de garantias do processo criminal e do processo contra ordenacional, o Acórdão 50/99 não julgou inconstitucional a norma da parte final do artigo 66.º do RGCO, que afasta a redução a escrito da prova produzida na audiência em 1.ª instância. Ainda como exemplos da admissibilidade constitucional da diferenciação de regimes podem citar-se: (i) os Acórdãos n.os 473/2001 e 395/2002, que não julgaram inconstitucionais os artigos 59.º, n.º 3, e 60.º, n.os 1 e 2, do RGCO, na interpretação de que o prazo para a interposição do recurso da decisão da autoridade administrativa neles previsto não se suspende durante as férias judiciais; (ii) os Acórdãos n.os 50/2003, 62/2003, 249/2003, 469/2003 e 492/2003, que consideraram não constitucionalmente imposta a transposição para a fundamentação da decisão administrativa sancionatórias das mesmas exigências que o artigo 374.º do CPP estabelece para a sentença penal condenatória, e, consequentemente, não julgaram inconstitucional a norma do artigo 125.º, n.º 1, do a casos em que o autor da decisão de um processo de contra-ordenação laboral confirmou, anteriormente, a auto de notícia levantado ao destinatário dessa decisão; e (iv) o Acórdão 325/2005, que considerou "não passível de censura constitucional que, no processo contra ordenacional, e antes da sua passagem à fase jurisdicional, atenta a menor ressonância ética do ilícito contra ordenacional face ao direito criminal, o legislador possa, no exercício da sua liberdade conformadora, subtrair das mais rigorosas exigências previstas para o processo penal determinados procedimentos concretos, mais rigorosos e porventura inultrapassáveis, quer no domínio criminal, quer no domínio de uma fase procedimental jurisdicionalizada, procedimentos esse que se reflitam, no referido processo, numa menos ampla exigência de observação de específicos requisitos processuais, como, por exemplo, a análise concreta, na decisão aplicadora da coima, da «exceções» ou «questões prévias» suscitadas pelo acoimando na sua defesa", e, consequentemente, não julgou inconstitucionais as normas dos artigos 50.º e 58.º do RGCO, interpretados no sentido de não imporem à autoridade administrativa o dever de pronúncia sobre as nulidades invocadas na defesa do arguido em processo de contra ordenação.
No entanto, este Tribunal também tem sublinhado que a reconhecida inexigibilidade de estrita equiparação entre processo contra ordenacional e processo criminal é conciliável com "a necessidade de serem observados determinados princípios comuns que o legislador contra ordenacional será chamado a concretizar dentro de um poder de conformação mais aberto do que aquele que lhe caberá em matéria de processo penal" (Acórdãos n.º 469/97 e 278/99). No primeiro acórdão referido acrescentou se que "porventura, um desses princípios, comuns a todos os processos sancionatórios, que mais constrições imporá ao legislador será, desde logo, por direta imposição constitucional, o da audiência e correlativa defesa do arguido, inseridos num desenvolvimento processual em que o princípio do contraditório deverá ser mantido, como forma de complementar a estrutura acusatória, que não dispositiva, da atuação dos poderes públicos", sublinhando que esses princípios são "imediatamente aplicáveis [...] logo na fase administrativa do processo contra ordenacional, por exigência do n.º 8 [hoje n.º 10] do artigo 32.º da Constituição", não fazendo sentido "aceitar que os mesmos não tenham projeção na fase recursória posterior, que corresponde à jurisdicionalização daquele processo", tendo concluído pela inconstitucionalidade da "norma do artigo 416.º do CPP aplicada ao processo de contra ordenação laboral e aí interpretada em termos de não impor a notificação à arguida do parecer do Ministério Público em que se suscita, pela primeira vez, a questão prévia do não recebimento do recurso por extemporaneidade". Uma outra situação de "extensão" ao processo contra ordenacional de garantias do processo criminal foi contemplada no Acórdão 265/2001, que, na sequência dos Acórdãos n.os 319/99, 509/2000 e 590/2000, declarou a inconstitucionalidade das disposições conjugadas constantes do n.º 3 do artigo 59.º e do n.º 1 do artigo 63.º, ambos do RGCO, "na dimensão interpretativa segundo a qual a falta de formulação de conclusões na motivação de recurso, por via do qual se intenta impugnar a decisão da autoridade administrativa que aplicou uma coima, implica a rejeição do recurso, sem que o recorrente seja previamente convidado a efetuar tal formulação».
54 - Posto isto, estatuindo-se no artigo 62.º n.º 1, do RGCO, que no âmbito do processo contra-ordenacional, depois de o Ministério Publico tornar presentes os autos ao juiz, aqueles valem como acusação, forçoso é concluir que toda a tramitação posterior passará a decorrer de acordo com as normas especialmente previstas no RGCO e subsidiariamente com as do CPP, designadamente as que se reportam a fase de julgamento (311.º e ss.).
55 - É que, como se refere no artigo 41.º n.º 1, do RGCO, os preceitos reguladores do processo criminal são aplicáveis no âmbito das contra-ordenações - sempre que o contrário não resulte daquele diploma e precedendo a devida adaptação.
56 - Estabelece o artigo 62.º, do RGCO, que a remessa dos autos pelo Ministério Publico ao juiz vale como uma acusação.
57 - Pode admitir-se que o facto de o despacho do Ministério Público que apresenta os autos ao juiz traduz acto processual que «vale como acusação», o despacho que a aprecia, a não rejeita, e designa os termos subsequentes do processo, não pode deixar de ser equiparado ao despacho de saneamento do processo proferido ao abrigo do artigo 311.º, do CPP.
58 - E que, em decorrência, valendo, em face da lei, após apresentação judicial, os autos como acusação, aos actos subsequentes se deve aplicar o regime legal supletivo vigente dos artigos 311.º e ss., do CPP [em tudo o que não estiver regulado no RGCO], com a particularidade de o juiz, no despacho previsto no artigo 63.º, do RGCO, só poder rejeitar o recurso se aquele tiver sido feito fora do prazo ou sem respeito pelas exigências de forma (quanto às exigências de forma vide o disposto no artigo 59.º, do RGCO).
59 - Com efeito, da conjugação do disposto no artigo 63.º com o disposto nos artigos 27.º-A n.º 1 alínea c) e 64.º, todos do RGCO, resulta que o despacho que o juiz profere ao abrigo do artigo 63.º (despacho de exame preliminar da impugnação) se limita a analisar a questão da tempestividade e os requisitos formais da impugnação, não se pronunciando nesta fase quanto a questão da procedência (ou não) da questão de fundo, o que apresenta alguma similitude com o contexto processual do recebimento da acusação em processo penal, em que igualmente o juiz não aprecia os factos submetidos a julgamento.
60 - Dir-se-ia até que o regime previsto nos artigos 62.º e ss., do RGCO, se aproxima mais do disposto no artigo 311.º e ss., do CPP, porquanto esta é uma fase de jurisdição plena, uma fase em que o juiz tem poderes autónomos de investigação e comprovação do ilícito apresentado em juízo, bem como autonomia e liberdade para analisar o enquadramento jurídico efectuado pela administração e permitir ao arguido não só sindicar a decisão administrativa/acusação, como indicar novos factos e requerer novos meios de prova, tal como sucede na fase de julgamento em processo penal.
61 - Neste sentido, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 373/2015, de 14 de Julho de 2015 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt):
«[...] Com efeito, conforme resulta do regime geral das contraordenações, o processo contraordenacional tem uma fase administrativa e, no caso de impugnação da decisão aplicada nesta fase, segue-se uma fase jurisdicional em que o arguido dispõe não apenas da possibilidade de sindicar a legalidade da decisão, mas também de um conjunto de amplas faculdades de exercício do seu direito de defesa e de contraditório. A impugnação dá lugar, não a um recurso propriamente dito, mas a um novo processo de natureza jurisdicional, em que o tribunal não se limita a apreciar a decisão, mas todo o processado nos autos, podendo ser produzida prova neste processo judicial, quer pela autoridade administrativa recorrida, quer pelo arguido, sendo que o tribunal valora em conjunto toda a prova produzida nos autos, quer a já produzida na fase administrativa, quer a realizada na fase jurisdicional, particularmente a que venha a ter lugar em audiência.
Ou seja, o tribunal, ao apreciar a impugnação da decisão administrativa, não está vinculado à qualificação efetuada pela entidade administrativa que proferiu a decisão, apreciando quer os factos (com base nas provas que são apresentadas no âmbito do recurso), quer a matéria de direito (qualificação jurídica dos factos e sanções aplicadas). Quando o processo é enviado para o Tribunal, na sequência da impugnação do arguido, tudo se passa, assim, como se tivesse lugar um novo julgamento, em que a decisão passa a ser tida como acusação e, como tal, passa a delimitar o objeto do processo.
Tendo o legislador optado por dar esta configuração ao regime geral da impugnação da decisão da autoridade administrativa em processo de contraordenação, não está impedido de, dentro da margem de livre conformação de que dispõe, e face às amplas possibilidades de defesa e de exercício do contraditório conferidas ao arguido no âmbito deste processo de impugnação, afastar em alguns regimes especiais a proibição da reformatio in pejus em relação à decisão da entidade administrativa, como sucede com o disposto no artigo 416.º, n.º 8, do Código dos Valores Mobiliários, impedindo assim que a decisão administrativa se imponha, no que respeita à sanção aplicada, ao Tribunal.
[...]
Tendo o legislador conformado um meio de impugnação das decisões sancionatórias das autoridades administrativas com estas características, entendeu também, em alguns regimes especiais acima referidos, não ser de limitar ou vincular os poderes do tribunal ao já decidido pela autoridade administrativa sobre a responsabilidade contraordenacional, atendendo, por um lado, aos interesses e bens jurídicos envolvidos neste específico setor, e por outro lado, às especiais qualidades dos intervenientes. Esta não vinculação da instância jurisdicional à decisão administrativa implica também que o tribunal possa formular um juízo autónomo sobre a medida da sanção relativamente à infração objeto do respetivo julgamento, independentemente de se manterem ou não inalterados os elementos de facto e de direito tidos em conta na decisão administrativa.[...]».
62 - Não pode porém deixar de ponderar-se que o saneamento do processo a que se reporta o artigo 311.º, do CPP, decorre da particular estrutura do processo penal, no que são as sucessivas fases preliminares (inquérito e instrução) e a fase do julgamento, estrutura que se não replica no processo das contra-ordenações.
A respeito, tenha-se presente a lição do Professor Jorge de Figueiredo Dias, em «Temas Básicos da Doutrina Penal», Coimbra Editora, 2001 - «5.º Tema: Do Direito Penal Administrativo ao Direito de Mera Ordenação Social: das Contravenções às Contra-Ordenações» - «3. A autonomia do processo» [pp. 135-154 (152/153)].
63 - Importa saber se o despacho de aceitação da impugnação de decisão da autoridade administrativa, proferido ao abrigo do artigo 63.º, do RGCO, adquire força de caso julgado formal, impedindo por isso que o tribunal ad quem retome e conheça da questão da admissibilidade do recurso por tempestividade.
64 - Dispõe o artigo 63.º do RGCO:
«1 - O juiz rejeitará, por meio de despacho, o recurso feito fora do prazo ou sem respeito pelas exigências de forma.
2 - Deste despacho há recurso, que sobe imediatamente.»
65 - O caso julgado, enquanto pressuposto processual, conforma um efeito negativo que consiste em impedir qualquer novo julgamento da mesma questão.
66 - É o princípio do ne bis in idem, que se encontra consagrado como garantia fundamental pelo artigo 29.º n.º 5, da CRP: ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime.
67 - Os conceitos de caso julgado formal e material comportam diferentes efeitos.
68 - A lei distingue entre o caso julgado material e o caso julgado formal, conforme a sua eficácia se estenda ou não a processos diversos daqueles em que foram proferidos os despachos, as sentenças ou os acórdãos em causa (artigos 619.º, n.º 1, e 620.º, do CPC).
69 - O trânsito em julgado dos despachos, das sentenças e dos acórdãos decorre da circunstância de já não serem susceptíveis de recurso ordinário ou da reclamação (artigo 628.º, do CPC).
70 - O caso julgado material penal tem por efeito que o objecto da decisão não possa ser objecto de outro procedimento, na medida em que o direito de perseguir criminalmente o facto ilícito está esgotado.
71 - Já a propósito do caso julgado formal, aqui em referência, dispõe-se que os despachos, as sentenças e os acórdãos que recaiam unicamente sobre a relação processual apenas têm força obrigatória dentro do processo (artigo 620.º n.º 1, do CPC).
72 - No que concerne ao alcance do caso julgado, determina-se que a sentença constitui caso julgado nos limites e termos em que julga (artigo 673.º, do CPC).
73 - O caso julgado formal apenas tem força dentro do processo, obstando a que o juiz possa, na mesma acção, alterar a decisão proferida, mas não impede que, noutra acção, a mesma questão processual concreta seja decidida em termos diferentes, pelo mesmo tribunal ou por outro, entretanto chamado a apreciar a causa.
74 - Assim, estamos perante caso julgado material quando a decisão se torna firme, impedindo a renovação da instância em qualquer processo que tenha por objecto a apreciação do mesmo ou dos mesmos factos ilícitos.
«E perante caso julgado formal quando a decisão se torna insusceptível de alteração por meio de qualquer recurso como efeito da decisão no próprio processo em que é proferida, conduzindo ao esgotamento do poder jurisdicional do juiz e permitindo a sua imediata execução (actio judicatï)» - acórdãos, do Supremo Tribunal de Justiça, de 23 de Janeiro de 2002 (processo 3924/01), e de 3 de Março de 2004 (processo 215/04).
O caso julgado formal respeita a decisões proferidas no processo, no sentido de determinação da estabilidade instrumental do processo em relação à finalidade a que está adstrito - acórdão, do Supremo Tribunal de Justiça, de 18 de Setembro de 2013 (processo 438/08.5SGLSB.L1-B.S1).
75 - No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Novembro de 2008 (processo 08P268), refere-se, designadamente:
«O caso julgado formal constitui noção separada do caso julgado que, como categoria geral (caso julgado material) está construída para a decisão definitiva do direito do caso, nas condições da sua existência, conteúdo e modalidades de exercício; no processo penal respeita à declaração sobre a culpabilidade e determinação da sanção, bem como da não culpabilidade (seja por não pronúncia ou por absolvição).
«O caso julgado formal respeita ao efeito da decisão no próprio processo em que é proferida».
«O caso julgado material consubstancia a eficácia da decisão proferida relativamente a qualquer processo ulterior com o mesmo objecto» e «tem um valor impeditivo da renovação da apreciação judicial sobre a mesma matéria» - cf. Cavaleiro de Ferreira, loc. cit., p. 25.
O caso julgado que fixa, no processo e fora dele, a vinculação de efeitos materiais quanto à definição e concretização judicial da relação controvertida ou objecto material do processo, é o caso julgado material - fixado e estável com fundamento na vinculação às decisões e na realização dos valores da justiça, certeza e segurança, também no âmbito do exercício do direito de punir do Estado em relação ao cidadão arguido da prática de uma infracção penal.
Em processo penal, pode dizer-se que existe caso julgado material quando a decisão se torna firme, impedindo a renovação da instância em qualquer processo que tenha por objecto a apreciação do mesmo ou dos mesmos factos ilícitos.
O caso julgado formal não assume semelhante função, nem contém, no essencial, dimensão substancial.
Há caso julgado formal quando a decisão se torna insusceptível de alteração por meio de qualquer recurso como efeito da decisão no próprio processo em que é proferida, conduzindo ao esgotamento do poder jurisdicional do juiz e permitindo a sua imediata execução (actio judicati) - cf. acórdão do Supremo Tribunal de 23 e Janeiro de 2002, proc. 3924/01.
O caso julgado formal respeita a decisões proferidas no processo, no sentido de determinação da estabilidade instrumental do processo em relação à finalidade a que está adstrito.
Em processo penal atinge, pois, no essencial, as decisões que visam a prossecução de uma finalidade instrumental que pressupõe estabilidade - a inalterabilidade dos efeitos de uma decisão de conformação processual, ou, no plano material, a produção de efeitos que ainda se contenham na dinâmica da não retracção processual, mas supondo a inalterabilidade subsequente dos pressupostos de conformação material da decisão.
No rigor das coisas, o caso julgado formal constitui apenas um efeito de vinculação intraprocessual, pressupondo a imutabilidade dos pressupostos em que assenta.
O procedimento é dinâmico, sequencial e, como contínuo instrumental, subsiste até ao momento em que o processo atinja a sua finalidade - a obtenção de uma decisão que lhe ponha termo, seja decisão final sobre pressupostos negativos de procedimento ou sobre a verificação de condições extintivas, seja decisão final de determinação, positiva ou negativa, da culpabilidade ou de aplicação da sanção que couber. Mas no contínuo dinâmico e instrumental, submetido a regras próprias, o procedimento pode sempre cessar por motivo que produza esse efeito - v. g., a prescrição.
Mas, assim, na perspectiva instrumental e no espaço de garantias que é o processo, mudando os pressupostos de que depende a realização da finalidade a que está vinculado - a realização da justiça do caso, no respeito por regras materiais e de acordo com princípios estruturantes - deixa de subsistir a razão do caso julgado formal que não pode impedir a realização da finalidade que justifica a sua razão instrumental.»
76 - O RGCO (artigo 79.º) previne a questão do caso julgado tão-apenas nos casos em que exista uma decisão definitiva da autoridade administrativa que aprecie o facto como contra-ordenação ou uma sentença ou despacho transitado em julgado que aprecie o facto como contra-ordenação.
77 - Tal seja, verifica-se que relativamente a esta questão, não existe norma expressa no RGCO que regule esta matéria, motivo pelo qual haverá que aplicar subsidariamente o CPP (artigo 41.º, do RGCO), mais concretamente o disposto nos artigos 311.º e 338.º, do CPP.
78 - Estabelece o artigo 311.º, do CPP:
«1 - Recebidos os autos no tribunal, o presidente pronuncia-se sobre as nulidades e outras questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa, de que possa desde logo conhecer.
2 - Se o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o presidente despacha no sentido:
a) De rejeitar a acusação, se a considerar manifestamente infundada;
b) De não aceitar a acusação do assistente ou do Ministério Público na parte em que ela representa uma alteração substancial dos factos, nos termos do n.º 1 do artigo 284.º e do n.º 4 do artigo 285.º, respectivamente.
3 - Para efeitos do disposto no número anterior, a acusação considera-se manifestamente infundada:
a) Quando não contenha a identificação do arguido;
b) Quando não contenha a narração dos factos;
c) Se não indicar as disposições legais aplicáveis ou as provas que a fundamentam; ou
d) Se os factos não constituírem crime.»
79 - Dispõe o artigo 338.º, do CPP:
«1 - O tribunal conhece e decide das nulidades e de quaisquer outras questões prévias ou incidentais susceptíveis de obstar à apreciação do mérito da causa acerca das quais não tenha ainda havido decisão e que possa desde logo apreciar.
2 - A discussão das questões referidas no número anterior deve conter-se nos limites de tempo estritamente necessários, não ultrapassando, em regra, uma hora. A decisão pode ser proferida oralmente, com transcrição na acta.»
80 - Conjugando estes normativos, verifica-se que a decisão (tabelar) proferida pelo tribunal de forma genérica quanto à tempestividade do recurso não impede que, posteriormente, o tribunal se pronuncie expressamente sobre essa questão - a menos que sobre ela se tenha pronunciado expressamente e não se verifique alteração superveniente.
81 - Com efeito, resulta da leitura conjugada dos artigos 331.º e 338.º, ambos do CPP, que este último preceito legal permite que mesmo depois de designada a data para o julgamento, dentro dos actos introdutórios da audiência de julgamento, o tribunal possa conhecer de questões prévias ou incidentais que sejam susceptíveis de obstar à apreciação do mérito da causa - que podem ser de natureza substantiva (morte do arguido, amnistia, prescrição, despenalização, etc.) ou adjectiva (incompetência do tribunal, desistência de queixa, ilegitimidade, etc.), acerca das quais não tenha havido decisão expressa e de que possa desde logo conhecer.
82 - É que só a decisão que conheça de questões concretas produz o efeito de caso julgado formal e já não aquela que se limita a declarar, genericamente, a verificação dos pressupostos processuais e a regularidade da instância (ou seja, as situações em que o juiz se limita a exarar a fórmula vaga e abstracta «o tribunal é competente em razão da matéria; as partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias; são legítimas; não há nulidades, excepções ou outras questões susceptíveis do obstar ao conhecimento do mérito da causa»).
83 - No caso dos autos, o despacho de admissão do recurso da impugnação judicial é meramente tabelar, limitando-se, na parte em apreço, a declarar a tempestividade do requerimento, pressupondo-a em termos genéricos, razão pela qual não deverá ter a virtualidade de conduzir à formação de caso julgado formal sobre essa questão, podendo esta ser posteriormente suscitada perante o tribunal, que poderá livremente alterar a decisão anteriormente proferida.
84 - Assim, em tal circunstância, o juiz, apercebendo-se de que o prazo impugnação da decisão administrativa já se mostra ultrapassado, deve, ao abrigo do artigo 338.º, do CPP (aplicável ex vi artigo 41.º, do RGCO), pronunciar-se pela intempestividade do recurso de impugnação judicial, obstando à audiência de julgamento.
85 - Com efeito, prosseguir com a audiência, para, a final, se declarar que o recurso é intempestivo, não acautelaria qualquer valor do processo penal e violaria os princípios da economia e da celeridade processual, com a prática de actos inúteis e o arrastamento do processo em sede imprópria.
86 - A tal solução não obsta a circunstância de o artigo 338.º, do CPP, estatuir que «o tribunal conhece das questões prévias ou incidentais sobre as quais ainda não tiver recaído decisão», porquanto tal segmento normativo tem em vista a decisão concreta.
87 - Com efeito, a verdadeira ratio do artigo 338.º, do CPP, é de não tomar propriamente posição sobre a natureza das decisões a que se refere, mas apenas estabelecer uma ordem de análise das várias questões, pretendendo evitar a repetição da sua apreciação.
88 - Por isso que o despacho proferido nos autos em que se considerou o recurso tempestivo pode ser alterado por decisão posterior que aprecie, em concreto, a verificação da tempestividade do respectivo requerimento, e decida em sentido contrário.
89 - Neste sentido vide acórdão, do Supremo Tribunal de Justiça, de 16 de Maio de 1995, n.º 2/95, que fixou jurisprudência quanto à questão de saber se o despacho sobre a legitimidade do Ministério Público, proferido em termos genéricos, ao abrigo do artigo 311.º n.º 1, do CPP, constitui caso julgado e, cuja fundamentação vale, mutatis mutandis, para a situação aqui em apreço:
«As considerações feitas permitem tirar as seguintes conclusões:
1.ª A falta de regulamentação sistemática e específica do caso julgado no Código de Processo Penal não permite, por si própria, o recurso nos termos do artigo 4.º deste Código aos preceitos sobre tal matéria constantes do Código de Processo Civil;
2.ª Em matéria de caso julgado formal, quanto ao despacho previsto no artigo 311.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, não existe qualquer lacuna que imponha por indício normativo o recurso à analogia para aplicação do regime constante do artigo 672.º do Código de Processo Civil e do Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Fevereiro de 1963, ex vi do artigo 4.º do Código de Processo Penal;
3.ª Se se verificasse a existência de lacuna, a sua integração, com base no artigo 4.º do Código de Processo Penal, só se poderia operar desde que se não produzisse uma diminuição dos direitos processuais dos arguidos;
4.ª A aplicação ao processo penal dos normativos processuais civis acima referidos implica uma manifesta diminuição relativa ao estatuto processual dos arguidos;
5.ª Também a aplicação neste caso dos referenciados normativos processuais civis infringe o princípio da igualdade jurídica, essencial entre o caso regulado e o caso a regular, e o princípio da harmonização contido no artigo 4.º do Código de Processo Penal;
6.ª Isto porque não existe a mesma identidade de natureza e finalidade entre o despacho saneador contemplado no artigo 510.º, n.os 1, alíneas a) e b), e 2, do Código de Processo Civil e o despacho de saneamento a que se refere o artigo 311.º, n.º 1, do Código de Processo Penal;
7.ª Igualmente a aplicação da doutrina do Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Fevereiro de 1963 colide e não se harmoniza com os princípios fundamentais do processo penal, tais como o princípio da verdade material, do favor rei e do favor libertatis, sendo nessa parte irrelevante a ressalva contida no mesmo assento que condiciona o efeito de caso julgado formal sobre a legitimidade à superveniência de factos que nela se repercutam;
8.ª O artigo 368.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (como, de resto, o artigo 338.º, n.º 1) não tem, quanto à sua preclusão, o valor de estabelecer força de caso julgado formal para o despacho genérico sobre a legitimidade do Ministério Público, proferido anteriormente, mas tem apenas por finalidade estabelecer uma ordem de análise das várias questões, pretendendo evitar a duplicação da sua apreciação;
9.ª Assim, o despacho sobre a legitimidade do Ministério Público, proferido em termos genéricos, ao abrigo do artigo 311.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, não reveste o valor de caso julgado formal.
6 - Decisão
Portanto e o mais dos autos:
Acordam os juízes que constituem a secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça no seguinte:
Negar provimento ao recurso, mantendo inteiramente o acórdão recorrido de harmonia com a decisão que seguidamente se passa a proferir e que estabelece, com carácter obrigatório para os tribunais judiciais, a seguinte jurisprudência:
A decisão judicial genérica transitada e proferida ao abrigo do artigo 311.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, sobre a legitimidade do Ministério Público, não tem o valor de caso julgado formal, podendo até à decisão final ser dela tomado conhecimento.»
90 - Ademais, ainda que se entenda pela existência de uma lacuna no processo penal e, consequentemente, pela aplicação subsidiária do CPC (ex vi artigo 32.º, do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, e artigo 4.º, do CPP), também o despacho saneador tabelar (que no presente quadro jurídico-processual terá algum paralelismo) em que apenas enuncie, sem concretamente apreciar os pressupostos processuais, como por exemplo, a legitimidade das partes, não faz caso julgado (nem formal), e não obsta a que o assunto - que é de conhecimento oficioso - possa vir, numa fase subsequente, a ser ponderado e fundamentadamente decidido, seja na sentença final, seja mesmo como objecto do recurso de apelação, em concernente acórdão proferido pelo tribunal de recurso (artigos 595.º n.º 3, início, 608.º n.º 1, início, e 663.º n,º 2, final, do CPC).
91 - Na verdade, não é clara, no quadro jurídico-normativo actual, a necessidade de um despacho saneador tabelar, destinado a avaliar excepções conducentes à absolvição da instância, como acontecia no CPC, na redacção anterior à da revisão operada pelo Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro (cf. artigo 510.º n.º 1, alínea a), do CPC, na redacção anterior à da revisão operada pelo Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro), havendo mesmo quem rejeite simplesmente a ideia da prática de um tal acto pelo juiz, argumentando que a lei apenas impõe o conhecimento das excepções dilatórias e nulidades que hajam sido suscitadas pelas partes ou que, face aos elementos constantes do processo, devam ser oficiosamente apreciadas (artigo 510.º n.º 1 alínea a), do CPC vigente), donde, o saneador tabelar constituir hoje acto inútil.
Veja-se, a respeito, o acórdão, do Supremo Tribunal de Justiça, de 4 de Outubro de 2007 (processo 07B3350).
92 - Porém, quando ainda assim o despacho meramente tabelar seja proferido pelo juiz no processo civil, este não tem virtualidade de formar caso julgado (nem mesmo formal).
É que o despacho saneador só produz esse efeito (de caso julgado formal) quanto às questões que concretamente aprecie (citado artigo 595.º n.º 3, início).
Era diversa a doutrina do assento do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Fevereiro de 1963 (publicado no Diário do Governo, 1.ª série, de 21 de Fevereiro de 1963) que, no novo quadro processual civil, se deve considerar caducado.
O novo regime é, aliás, o que melhor se compatibiliza com a regra genérica contida no artigo 578.º, do CPC, e não outras genericamente mencionadas.
93 - Revertendo tal disciplina para o processo contra-ordenacional, impõe-se considerar que o despacho que apenas tabelarmente incidiu sobre a questão da tempestividade do recurso sem fundamentar concretamente tal decisão, não é susceptível de vedar uma outra, sequente, apreciação do assunto, desde que justificada - e, desta feita, fundamentada.
94 - Este entendimento é o que melhor se compatibiliza com a regra do dever de fundamentação dos actos decisórios contida no artigo 97.º n.º 5, do CPP [aplicável ex vi artigo 41.º do RGCO], enquanto consagração do disposto no artigo 205.º n.º 1, da CRP, e no artigo 6.º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem [leia-se, dos «direitos humanos», cf. o artigo 2.º da Lei 45/2019, de 27 de Junho).
O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem [«dos direitos humanos»] vem interpretando o artigo 6.º da «Convenção para a protecção dos Direitos do Homem [«dos direitos humanos»] e das liberdades fundamentais» no sentido de que a fundamentação das decisões dos tribunais, constituindo um princípio de boa administração da justiça num Estado de Direito, representa um dos aspectos do direito a um processo equitativo protegido por esta disposição, a qual impõe, assim, o dever de os tribunais motivarem adequadamente as suas decisões, de acordo com a sua natureza (por todos, o acórdão de 9 de Julho de 2007, no caso Tatishvili c. Rússia, n.º 1509/02).
95 - Por último, refira-se que, mesmo para quem defenda que o despacho liminar proferido ao abrigo do artigo 63.º, do RGCO, tem paralelismo no despacho de recebimento de recurso - sendo assim de aplicar adaptadamente o disposto no artigo 414.º do CPP -, terá validade o referido entendimento no sentido de que o despacho que apenas tabelarmente incidiu sobre a questão da tempestividade do recurso não faz caso julgado formal.
Com efeito, segundo o n.º 3 do citado art. 417.º, do CPP, a «decisão que admita o recurso ou que determine o efeito que lhe cabe ou o regime de subida não vincula o tribunal superior».
96 - Ora, aplicando adaptadamente o mencionado dispositivo ao processo contra-ordenacional, forçoso é concluir igualmente que a decisão genérica de admissão da impugnação não preclude a possibilidade subsequente apreciação da intempestividade de recurso, desde que justificada.
97 - Ademais, como se deixou editado, a mesma assertiva resulta da integração da lacuna (no processo penal, quanto ao âmbito do caso julgado), pela via do disposto no n.º 4, do CPP, aplicando a norma contida no n.º 3 do artigo 595.º, do CPC.
98 - O recorrente suportará custas, nos termos e medida previstos nos artigos 513.º n.º 1, 514.º n.º 1 e 448.º, do CPP, e artigo 8.º e tabela III, estes do Regulamento das Custas Processuais.
IV
99 - Nestes termos e com tais fundamentos, o pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça, julgando o recurso improcedente e mantendo a decisão recorrida, decide fixar jurisprudência nos seguintes termos:
«O despacho genérico ou tabelar de admissão de impugnação de decisão da autoridade administrativa, proferido ao abrigo do disposto no artigo 63.º n.º 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações, não adquire força de caso julgado formal.»
100 - Condena-se o recorrente nas custas, com a taxa de justiça em 5 (cinco) unidades de conta.
101 - Cumpra-se, oportunamente, o disposto no n.º 1 do artigo 444.º, do CPP.
Lisboa, 4 de Julho de 2019. - António Manuel Clemente Lima (Relator) - Nuno António Gonçalves (Vencido, aderindo à declaração de voto do Exmo. Senhor Conselheiro Santos Cabral) - Maria Margarida Blasco Martins Augusto - José António Henriques dos Santos Cabral (Vencido de acordo com declaração junta) - António Pires Henriques da Graça - Raul Eduardo do Vale Raposo Borges - Manuel Joaquim Braz - Mário Belo Morgado - Helena Isabel Gonçalves Moniz Falcão de Oliveira - Nuno de Melo Gomes da Silva - Francisco Manuel Caetano - Manuel Pereira Augusto de Matos - Carlos Manuel Rodrigues de Almeida (Voto a decisão com a declaração que junto) - José Luís Lopes da Mota - Vinício Augusto Pereira Ribeiro - Maria da Conceição Simão Gomes (Vencida, aderindo à Declaração de Voto do Exmo. Senhor Conselheiro Santos Cabral) - António Joaquim Piçarra (Presidente)
Processo 6941/16.6T8GMRG1-A.S1 - 5.ª Secção
Voto a decisão pelas razões que, topicamente, passo a enunciar:
1 - O Regime Geral das Contra-Ordenações não contém, a meu ver, qualquer norma que permita resolver a questão de saber se o despacho que, nos termos do seu artigo 63.º, n.º 1, tenha ordenado o prosseguimento da impugnação judicial da decisão administrativa adquire força de caso julgado formal quanto à questão da tempestividade da impugnação, o mesmo acontecendo com o Código de Processo Penal, se bem que este último diploma estabeleça que o tribunal deve conhecer das nulidades e das outras questões prévias ou incidentais logo que tenha elementos para tal - artigos 311.º, n.º 1, 338.º, n.º 1, e 368.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
2 - No âmbito deste último diploma, suscitou-se a questão de saber se «[a] decisão judicial genérica transitada e proferida ao abrigo do artigo 311.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, sobre a legitimidade do Ministério Público», adquiria força do caso julgado, tendo este Supremo Tribunal fixado jurisprudência em sentido negativo (Acórdão 2/95, publicado no DR, 1.ª série-A, de 12 de Junho).
3 - Questão semelhante, que obteve do legislador e do aplicador, ao longo do tempo, respostas díspares, tem sido suscitada no âmbito do processo civil.
4 - O Código de Processo Civil, desde a sua redacção inicial, previa que o despacho que tivesse apreciado a questão da incompetência absoluta do tribunal só adquiria força de caso julgado em relação às questões concretas que tivesse apreciado - artigo 104.º do Código de Processo Civil.
5 - Na vigência desta disposição legal, o Supremo Tribunal de Justiça, considerando que aquele era um preceito de natureza especial, firmou jurisprudência no sentido de que era «definitiva a declaração em termos genéricos no despacho saneador transitado relativamente à legitimidade, salvo a superveniência de factos que nesta se repercut[isse]m» (Assento 2/63, de 1 de Fevereiro de 1963, publicado no Diário do Governo, 1.ª série, de 21 de Fevereiro de 1963).
6 - Tendo estabelecido, no acórdão do tribunal pleno de 27 de Novembro de 1991, que «[o] despacho a conhecer de determinada questão relativa à competência em razão da matéria do tribunal, não sendo objecto de recurso, constitu[ía] caso julgado em relação à questão concreta de competência que nele [tivesse] sido decidida» (DR 1.ª série-A de 11 de Janeiro de 1992).
7 - Um tal entendimento foi cristalizado na redacção, dada pela Lei 3/83, de 26 de Fevereiro, ao artigo 510.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, de acordo com a qual a decisão que conhecesse, pela ordem designada no artigo 288.º, das excepções que podiam conduzir à absolvição da instância, assim como das nulidades, ainda que proferida em termos genéricos, constituía caso julgado, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 104.º ou da superveniência de factos que se repercutissem na lide.
8 - Essa norma, que não chegou a entrar em vigor, não figurou nos diplomas que posteriormente alteraram o Código de Processo Civil, sendo que a reforma de 1995/96 desse Código revogou o citado artigo 104.º e deu uma nova redacção ao artigo 510.º, n.º 3, do qual passou a constar que o despacho que conhecesse das excepções e das nulidades processuais constituía, logo que transitasse, «caso julgado formal quanto às questões concretamente apreciadas».
9 - Essa redacção, veiculando uma posição diametralmente oposta à da doutrina que tinha inspirado a redacção que se tinha pretendido dar ao n.º 7 desse mesmo artigo, fez caducar o Assento 2/63.
10 - Vigorando hoje, no processo civil, com base em tal norma, que hoje consta do artigo 595.º, n.º 3, do respectivo Código, o entendimento de que «o caso julgado apenas se forma relativamente a questões ou excepções dilatórias que tenham sido concretamente apreciadas e nos limites dessa apreciação, não valendo como tal a mera declaração genérica sobre a ausência de alguma ou da generalidade das excepções dilatórias» (1).
11 - Dada inexistência no RGCO e no Código de Processo Penal de qualquer norma sobre a existência e os limites do caso julgado formal e a necessidade de tratamento jurídico dessa questão, considero que existe uma lacuna nesses ramos do ordenamento jurídico.
12 - Essa lacuna, a meu ver, deve ser integrada, nos termos do artigo 4.º do Código de Processo Penal, com recurso ao indicado artigo 595.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, disposição que se harmoniza perfeitamente com o processo penal e que está, de resto, em sintonia com a jurisprudência fixada pelo indicado Acórdão 2/95.
(1) In «Código de Processo Civil Anotado», volume I, de GERALDES, António Santos Abrantes e outros, Almedina, Coimbra, 2018, p. 696.
Supremo Tribunal de Justiça, 4 de Julho de 2019
(Carlos Rodrigues de Almeida.)
Em processo contra-ordenacional, desencadeada a fase de impugnação e presentes os autos ao juiz, este, nos termos do artigo 63 do RGCO rejeitará, por meio de despacho, o recurso feito fora do prazo, ou sem respeito pelas exigências de forma. Inexistindo tais motivos de rejeição a impugnação será decidida mediante audiência de julgamento ou através de simples despacho.
Significa o exposto que este julgamento ou despacho tem subjacente, necessariamente, e a seu montante, uma apreciação judicial sobre o cumprimento do respectivo prazo de impugnação, ou seja, encontramo-nos perante uma decisão implícita que é um antecedente lógico da decisão a que se reporta o artigo 64 do mesmo diploma. Recorrendo, ainda, a uma linguagem mais linear, esta decisão só é proferida porque se entendeu, previamente, que a impugnação estava dentro do prazo
Tal decisão implícita, e a sua projecção, em termos de sequência lógica, implica em nosso entender, o apelo ao princípio da preclusão que constitui dos princípios que enforma o nosso direito processual, civil e penal. O mesmo consubstancia-se na circunstância de que as várias fases do processo são determinadas sucessivamente pelo início e encerramento de cada uma, impedido o retorno de fases processuais já concluídas. Aplicando o princípio da preclusão, extinta ou consumada a oportunidade processual para realizar um ato, este já não pode ser executado novamente.
Doutrinalmente a preclusão é geralmente definida como a perda, a extinção ou a consumação de um certo processual, o que resulta normalmente, em três situações: a) de não se ter realizado a observar a determinação ou oportunidade dado pela lei para a realização de um ato; b) de se ter cumprido uma actividade incompatível com o exercício de outra; e c) de se ter exercitado de forma válida o poder que consubstancia o acto a praticar.
Uma vez praticado determinado acto ele adquire foros de definitivo naquele processado (preclusão intraprocessual ou efeito intraprocessual da preclusão). Este princípio tem aplicação directa nas decisões judiciais. Tal resulta, directamente, do disposto no artigo 613.º/CPC, aplicável em processo penal, por força do qual, proferida sentença, fica esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria em causa (efeito preclusivo do caso julgado, intra e extra processual). Tal norma é aplicável aos simples despachos decisórios intercalares - o que fundamenta a figura do caso julgado formal e material (artºs 619.º a 621.º, do CPC, aplicável ao CPP, ex vi artigo 4.º). Proferida a sentença, ou proferido um despacho que decida sobre determinada questão, fica precludida a possibilidade do Tribunal voltar a pronunciar-se sobre essa mesma questão,
O ato praticado de admissão da impugnação tornou-se definitivo e parte integrante do processo,
Estamos assim perante uma situação de caso julgado que, enquanto pressuposto processual, conforma um efeito negativo que consiste em impedir qualquer nova apreciação da mesma questão.
Com os conceitos de caso julgado formal e material descrevem-se os diferentes efeitos da sentença. O primeiro refere-se à inimpugnabilidade de uma decisão no âmbito do mesmo processo (efeito conclusivo) e converge com o efeito da exequibilidade da decisão (efeito executivo). Por seu turno o caso julgado material tem por efeito que o objecto da decisão não possa ser objecto de qualquer outro procedimento.
Como refere Victor Guillen a coisa julgada formal refere-se ao interior do processo enquanto a coisa julgada material refere às relações exteriores desse processo já resolvido (vinculando outros processos em curso) ou seja o efeito exterior ao primeiro processo.
Em processo penal o caso julgado formal atinge, no essencial, as decisões que visam a prossecução de uma finalidade instrumental que pressupõe estabilidade - a inalterabilidade dos efeitos de uma decisão de conformação processual ou que defina nos termos da lei o objecto do processo-, ou, no plano material, a produção de efeitos que ainda se contenham na dinâmica da não retracção processual, supondo a inalterabilidade sic stantibus aos pressupostos de conformação material da decisão.
No rigor das coisas, o caso julgado formal constitui um efeito de vinculação intraprocessual e de preclusão, pressupondo a imutabilidade dos pressupostos em que assenta a relação processual
Estamos em crer que tais pressupostos se verificam no caso vertente pelo que, contrariamente ao decidido, entendo que o despacho proferido nos termos do artigo 63 RGCO adquire força de caso julgado formal
Santos Cabral.
112577319