Resolução do Conselho de Ministros n.º 27-A/2019
A Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros (ASPE) e o Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal (SINDEPOR) emitiram pré-avisos de greve dos enfermeiros, com início às 8 horas do dia 14 de janeiro e termo às 24 horas do dia 28 de fevereiro de 2019, sob a forma de paralisação total do trabalho, tendo como destinatárias seis entidades públicas empresariais do setor da saúde - o Centro Hospitalar e Universitário de S. João, E. P. E., o Centro Hospitalar e Universitário do Porto, E. P. E., o Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, E. P. E., o Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga, E. P. E., o Centro Hospitalar de Tondela-Viseu, E. P. E., o Hospital Garcia de Orta, E. P. E. - e um Hospital gerido em parceria público-privada - Hospital de Braga -,neles estando igualmente indicados os serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação das «necessidades sociais impreteríveis».
Não tendo os hospitais destinatários dos pré-avisos concordado com os serviços mínimos indicados pelos sindicatos, foi promovida a necessária arbitragem obrigatória, ao abrigo do Decreto-Lei 259/2009, de 25 de setembro, da qual resultou o Acórdão 1/2019, de 11 de janeiro, que define os serviços mínimos a cumprir durante a greve.
Na sua decisão, o Tribunal Arbitral teve em consideração as circunstâncias:
Do pré-aviso de greve abranger um período contínuo de 46 dias;
De em alguns estabelecimentos para os quais a greve foi pré-avisada, a mesma ter sido precedida de uma greve de 40 dias, terminada a 31 de dezembro de 2018 (e que levou ao adiamento de mais de 7.700 cirurgias);
De estar em curso uma greve por tempo indeterminado, iniciada em 1 de julho de 2018, às horas que excedem as 35 horas;
De, naquelas instituições hospitalares, serem desenvolvidos tratamentos de doenças com patologias complexas e realizadas cirurgias sem as quais o direito à vida e à saúde pode estar diretamente em causa;
Da existência de especiais riscos que advêm do facto de a greve ser precedida de uma paralisação de longa duração.
Neste contexto, foram definidos os seguintes serviços mínimos:
Situações de urgência imediata e de urgência diferida, e bem assim todas aquelas situações das quais possa resultar dano irreparável/irreversível ou de difícil reparação, medicamente fundamentadas;
Situações de urgência nas unidades de atendimento permanentes que funcionam 24 horas por dia;
Serviços de internamento que funcionam em permanência, 24 horas por dia, bem como nos cuidados intensivos, no bloco operatório, com exceção dos blocos operatórios de cirurgia programada, na urgência, na hemodiálise e nos tratamentos oncológicos;
Intervenções cirúrgicas ou início de tratamento não cirúrgico (radioterapia ou quimioterapia), em doenças oncológicas de novo, classificadas como de nível de prioridade 4, de acordo com o critério legal aplicável;
Intervenções cirúrgicas em doenças oncológicas de novo, classificadas como de nível de prioridade 3, de acordo com o critério legal aplicável, quando exista determinação médica no sentido da realização dessa cirurgia;
Intervenções cirúrgicas nos blocos operatórios dos serviços de urgência, de oncologia, obstetrícia, cirurgia cardiotorácica, neurocirurgia, oftalmologia e cirurgia de ambulatório, bem como de outras especialidades, de forma a que todos os doentes com cirurgias marcadas ou a marcar não vejam os atos cirúrgicos diferidos, de forma a não ultrapassarem os limites estabelecidos pela legislação aplicável, designadamente na Portaria 153/2017, de 4 de maio;
Prosseguimento de tratamentos programados em curso, tais como programas terapêuticos de quimioterapia e de radioterapia, através da realização das sessões de tratamento planeadas, bem como tratamentos com prescrição diária em regime ambulatório (por exemplo, antibioterapia ou pensos);
Serviços de imuno-hemoterapia com ligação aos dadores de sangue, nas instituições cujas necessidades principais de sangue não sejam habitualmente supridas por recurso ao Instituto Português do Sangue e Transplantação e desde que as disponibilidades próprias não se mostrem suficientes para assegurar a satisfação daquelas necessidades;
Serviço de recolha de órgãos e transplantes em regime de prevenção;
Punção folicular a executar por enfermeiro especializado que, por determinação médica, deva ser realizada em mulheres cujo procedimento de procriação medicamente assistida tenha sido iniciado;
Radiologia de intervenção a assegurar nos termos previstos para o turno da noite e no fim de semana, em regime de prevenção;
Tratamento de doentes crónicos com recurso a administração de produtos biológicos;
Administração de antibióticos, em tratamentos de prescrição diária em regime ambulatório;
Serviços complementares que sejam indispensáveis à realização dos serviços acima descritos, na estrita medida da sua necessidade.
Para estes serviços, o Tribunal Arbitral entendeu que os meios humanos necessários seriam, no mínimo, os que em cada estabelecimento de saúde exerçam funções em cada turno (manhã, tarde e noite) para assegurar o funcionamento ao domingo e em dia feriado, prevendo ainda, nos blocos operatórios (dos serviços de urgência, oncologia, obstetrícia, cirurgia cardiotorácica, neurocirurgia, oftalmologia e cirurgia de ambulatório), no mínimo, um acréscimo de quatro profissionais de enfermagem (um instrumentista, um de anestesia, um circulante e um adicional para o recobro). Para transplantes, determinou a existência de uma equipa de prevenção 24 horas por dia.
Tratando-se de uma greve maioritariamente cirúrgica, os serviços mínimos fixados cingiram-se ao essencial para evitar danos irreparáveis, irreversíveis ou de difícil reparação nos utentes. De tal modo que, não obstante terem os hospitais abrangidos reclamado a inclusão de outros procedimentos no elenco de serviços mínimos, o Tribunal Arbitral não acedeu a tal pedido.
Além das particularidades da greve, às quais o Tribunal Arbitral atendeu na definição dos serviços mínimos, é de salientar que vários dos hospitais afetados são considerados, pela sua elevada especialização, como sendo fim de linha, ou seja, o último prestador de cuidados de saúde, para o qual outros estabelecimentos hospitalares referenciam utentes, no âmbito dos circuitos e redes estabelecidos. Como tal, a perturbação do funcionamento destes estabelecimentos é especialmente gravosa, afetando seriamente a prestação de um serviço essencial de interesse público.
O direito à greve, sendo um direito fundamental, não tem uma dimensão absoluta, uma vez que, tal como decorre do n.º 2 do artigo 18.º e do n.º 3 do artigo 57.º da Constituição, durante o seu exercício, é necessário salvaguardar outros direitos constitucionalmente protegidos, como os direitos fundamentais à vida e à proteção da saúde, sob pena da sua irreversível afetação.
O Decreto-Lei 637/74, de 20 de novembro, prevê que, em circunstâncias particularmente graves e com caráter excecional, o Governo possa recorrer à requisição civil para assegurar o regular funcionamento de serviços essenciais de interesse público, como o da prestação de cuidados hospitalares, médicos e medicamentosos.
Adicionalmente, encontra-se consagrada no Código do Trabalho a possibilidade de recurso à requisição ou mobilização quando, na pendência de uma greve, se incumprir a obrigação de prestação de serviços mínimos indispensáveis à satisfação de necessidades sociais impreteríveis em alguns setores, nomeadamente o dos serviços médicos, hospitalares e medicamentosos.
Ora, constatou-se que no Centro Hospitalar e Universitário de S. João, E. P. E., no Centro Hospitalar e Universitário do Porto, E. P. E., no Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga, E. P. E., e no Centro Hospitalar de Tondela-Viseu, E. P. E., se tem verificado, de acordo com informações detalhadas dos respetivos conselhos de administração, que os enfermeiros não têm cumprido os serviços mínimos fixados, com claro prejuízo para os utentes e em violação das disposições legais aplicáveis.
A necessidade de assegurar o regular funcionamento do serviço público de prestação de cuidados hospitalares, médicos e medicamentosos nos hospitais afetados por esta greve dos enfermeiros, decretada pela ASPE e pelo SINDEPOR, até dia 28 de fevereiro, bem como o incumprimento da obrigação de prestação de serviços mínimos decretados pelo Tribunal Arbitral, impõem ao Governo a determinação da requisição civil, de forma proporcional e na medida do necessário para assegurar a satisfação de necessidades sociais impreteríveis no setor da saúde.
Assim:
Nos termos da alínea m) do n.º 1 do artigo 3.º e do n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei 637/74, de 20 de novembro, na sua redação atual, do n.º 3 do artigo 541.º do Código do Trabalho, na sua redação atual, e ao abrigo da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:
1 - Reconhecer a necessidade de se proceder à requisição civil dos enfermeiros em situação de greve, decretada pelo Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal (SINDEPOR) e pela Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros (ASPE), até ao dia 28 de fevereiro de 2019.
2 - Autorizar a Ministra da Saúde a efetivar, sob a forma de portaria, a requisição civil dos trabalhadores referidos no número anterior, faseadamente ou de uma só vez, consoante as necessidades o exijam.
3 - Determinar que a presente resolução produz efeitos imediatos.
Presidência do Conselho de Ministros, 7 de fevereiro de 2019. - O Primeiro-Ministro, António Luís Santos da Costa.
100000163