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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 15/2016, de 6 de Dezembro

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Sumário

«Nos termos do artigo 70.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o ofendido que seja advogado e pretenda constituir-se assistente, em processo penal, tem de estar representado nos autos por outro advogado.»

Texto do documento

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 15/2016

Pº 5241/11.2TDLSB-A.S1 (II)

Relator:

Souto de Moura O MINISTÉRIO PÚBLICO (Mº Pº) junto do Tribunal da Relação de Lisboa interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, obrigatório por força do n.º 5, do art. 437.º, do Código de Processo Penal (CPP), afirmando a oposição entre o acórdão de que recorreu, da 9.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido a 16/10/2014, nos presentes autos, e o acórdão tirado a 19/3/2013, pelo Tribunal da Relação do Porto e no Pº 1594/07.5TASTS.P1, que assim se considerou acórdão fundamento.

A questão sobre que se considera haver oposição reside em saber, se um ofendido que é advogado, para se constituir assistente em processocrime, tem que estar representado nos autos por outro advogado.

A - O RECURSO

Foram as seguintes, as conclusões da motivação do recurso do Mº Pº:

“1 - No acórdão proferido em 19-03-2013, no Proc.º da Relação do Porto com o n.º 1594/07.5TASTS. P1, acessível em www.dgsi.pt, a questão de direito ali suscitada era a de se saber se o ofendido advogado, para ser assistente no processocrime, tem ou não de ser representado por outro advogado, ou seja, se pode ou não agir como advogado em causa própria, tendo em atenção o disposto no art. 70.º, n.º 1 do CPP, tendo sido decidido que o advogado não pode agir em causa própria nesses casos, devendo, pois, constituir advogado. 2 - No acórdão recorrido, em recurso com o mesmo desiderato, decidiu-se exactamente em sentido oposto. 3 - Tendo ambos os Acórdãos transitado em julgado, e não tendo sido nenhum deles, susceptível de recurso ordinário, impõe-se a fixação de jurisprudência atento ao disposto nos artºs. 437.º, n.os 2 e 5, e 438.º, n.º 1 do CPP.”

O recorrido, notificado da interposição do recurso, não respondeu.

O Mº Pº sediado no STJ teve vista nos autos ao abrigo do art. 440.º, n.º 1 do CPP, emitindo douto parecer, em que considerou que o recurso fora interposto com legitimidade e em tempo.

Mais considerou que devia ser reconhecida a oposição de julgados e ordenado o prosseguimento do recurso à luz do art. 441.º, n.º 1 do CPP, já que:

O acórdão fundamento, do Tribunal da Relação do Porto, de 19 de Março de 2013 (processo 1594/07.5TASTS.P1.), entendeu que, perante a questão

«

de se saber se o ofendido advogado, para se constituir assistente no processocrime, tem ou não de ser representado por outro advogado, ou seja, se pode ou não agir como advogado em causa própria, tendo em atenção o disposto no artigo 70.º, n.º 1 do CPP

» decidiu
«

que o advogado não pode agir em causa própria nesses casos, devendo, pois, constituir advogado

»

.

Ora, no acórdão recorrido, do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido nestes autos a 16/10/2014,

«

entendeu-se exactamente em sentido oposto, à luz da mesma disposição legal, considerando-se que o advogado pode agir em causa própria e, portanto, não carece de constituir advogado

»

. Apoiou-se, aliás, este aresto, no acórdão da Relação de Lisboa de 25 de Junho de 2014, processo 10742/12.2TDLSB.L1, ali transcrito.

Colhidos os vistos os autos foram submetidos a conferência, e por acórdão de 18/6/2015, proferido nos presentes autos, de acordo com o n.º 4 do art. 440.º do CPP, foi decidido “estarem verificados todos os requisitos formais e substanciais previstos no art. 438.º e 437.º, n.º 1, do CPP, de que depende a prossecução do presente recurso, que deverá, portanto, seguir os seus trâmites, cumprindo-se o disposto no art. 442.º, n.º 1 do CPP”.

Nos termos do art. 442.º, n.º 1, do CPP, o Mº Pº alegou, defendeu a tese da desnecessidade de constituição de advogado e concluiu:

“1.ª Para além do ofendido, titular do interesse que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, a lei confere a outras pessoas legitimidade para se constituírem assistentes, nos termos das alíneas b), c), d) e e), do n.º 1, do artigo 68.º do CPP.

2.ª A constituição do ofendido como assistente repre-senta a formalização necessária a uma realização mais consistente e efectiva dos direitos da vítima explicando-se o direito de assumir essa qualidade, nos casos em que qualquer pessoa se pode constituir assistente (ar-tigo 68.º, n.º 1, al. e), do CPP), pelo facto de se tratar de crimes que respeitam às mais graves violações de bens jurídicos constitucionais atinentes à comunidade como um todo.

3.ª Para além da legitimidade necessária do requerente para constituição como assistente, é ainda necessário que a mesma constituição ocorra dentro de certos prazos, que haja lugar ao pagamento de taxa de justiça, bem como representação judiciária.

4.ª Na verdade, o processo penal estatui um conjunto de normas a que os sujeitos processuais devem sujeitar-se e que têm de conhecer, sob pena da sua inobservân-cia acarretar consequências jurídicas.

5.ª O assistente, colaborador do Ministério Público no exercício da acção penal, subordinado a prazos e a determinadas formalidades, tem o direito de intervir no processo, podendo praticar determinados actos, como acusar, requerer a abertura da instrução, pedir a intervenção do tribunal de júri, participar na audiência de julgamento, actos esses que poderão, dentro de certos limites e circunstâncias, codeterminar o desfecho do processo.

6.ª A razão pela qual a lei exige que o assistente seja representado por advogado reside, pois, na exigência de que a representação seja efectuada por pessoa legalmente habilitada no conhecimento do direito, capaz de assegurar eficazmente os interesses do representado. 7.ª O ofendido/advogado que se pretenda constituir assistente é suficientemente esclarecido e capaz para avaliar e decidir se está ou não em condições de intervir no processo, assegurando a sua própria representação de forma serena e nos termos em que mais lhe convenha.

[8.ª] 9.ª Num sistema processual em que o Ministério Público está vinculado ao princípio da objectividade e em que, para o juiz, vigora o princípio da imparcialidade, não há verdadeiro fundamento para se temer que a intervenção do ofendido/assistente possa ser de tal maneira ansiosa ou impetuosa que possa ameaçar os fins do processo.

[9.ª] 10.ª Deve, pois, fixar-se jurisprudência no seguinte sentido:

Nos termos dos artigos 68.º, n.º 1 e 70.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o ofendido, advogado, que pretenda constituir-se assistente, pode representar-se a si próprio.

**** Propõe-se, pois, que o Conflito de Jurisprudência existente entre os acórdãos da Relação de Lisboa, de 16 de Outubro de 2014 (recorrido), e da Relação do Porto, de 19 de Março de 2013 (fundamento), seja resolvido nos seguintes termos:

Nos termos dos artigos 68.º, n.º 1, e 70.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o ofendido, advogado, que pretenda constituir-se assistente, pode representar-se a si próprio”.

Colhidos os vistos submeteram-se os autos a conferência do Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), cumprindo decidir.

B - APRECIAÇÃO

1 - A oposição de julgados Porque a decisão da conferência da 5.ª Secção Criminal do STJ que afirmou a oposição de julgados não vincula o Plenário, importa revisitar a questão sucintamente.

1.1 - Pressupostos formais O recorrente tem legitimidade, o recurso mostra-se tempestivo e ambos os acórdãos, o recorrido e o fundamento, transitaram em julgado, aquele a 3/11/2014 e este, anteriormente, a 2/5/2014. Não ocorreu alteração legislativa, relevante para o caso, entre a prolação de um e outro acórdão.

1.2 - A oposição relevante Quanto à natureza da oposição que interessa ter em conta, dir-se-á, em tese geral, como resulta das considerações tecidas no acórdão preliminar proferido nestes autos e que se subscrevem, o seguinte:

“O art. 437.º do CPP reclama, para fundamento do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, a existência de dois acórdãos, tirados sob a mesma legislação, que assentem em soluções opostas quanto à mesma questão de direito. Perfilada pois uma questão de direito, importa que se enunciem “soluções” para ela, que se venham a revelar opostas.

Os dois acórdãos têm que assentar em soluções opostas, certo que a oposição deve ser expressa e não tácita. Isto é, tem que haver uma tomada de posição explícita divergente quanto à mesma questão de direito. Não basta que a oposição se deduza de posições implícitas, que estão para além da decisão final, ou que em cada um dos acórdãos esta tenha, só por pressuposto, teses diferentes. A oposição deve respeitar à decisão e não aos seus fundamentos [...].

Mas importa ainda que se esteja perante a mesma questão de direito. E isso só ocorrerá quando estejam em jogo as mesmas normas, reclamadas para aplicar a uma determinada situação fáctica, e elas tenham sido interpretadas de modo diferente. Interessa pois que a situação fáctica se apresente com contornos equivalentes, para o que releva no desencadeamento da aplicação das mesmas normas. [...] É evidente que se não trata, na presente fase, de apreciar a bondade da decisão proferida, no acórdão recorrido. Trata-se de verificar se aí se tomou uma posição, sobre uma questão de direito, em contradição com a posição que, sobre a mesma questão de direito, se tivesse tomado no acórdão fundamento, mas partindo evidentemente de uma factualidade equivalente. Por outras palavras, a posição tomada no acórdão recorrido, quanto a certa questão de direito, seria a que o mesmo julgador tomaria, se tivesse que decidir no mesmo momento essa questão, no acórdão fundamento. E viceversa. A mesmidade pretendida serve apenas um interesse específico:

evitar que a falta de identidade dos factos pudesse explicar, por si, a prolação de soluções jurídicas díspares.

E assim se concluirá que os factos terão que ser idênticos nos dois processos, com o sentido de equi-valentes.”

1.3 - A oposição relevante, no presente caso. 1.3.1 - O acórdão recorrido (todos os realces são nossos) teve na origem o despacho proferido no 3.º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa (TIC), que relativamente a uns autos de inquérito pendentes no Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP), também de Lisboa, recusou a constituição de assistente a determinado causídico, pelo facto de o mesmo não ter constituído advogado. Isto, independentemente de o causídico em questão estar ou não impedido transitoriamente do exercício da advocacia, questão que foi aflorada mas que se não arvorou como fundamento da tomada de posição de recusa. E por isso é que tal problemática não foi tida em consideração para fundamentar a decisão do recurso, no acórdão recorrido, como aí mesmo se fez questão de sublinhar.

Por força da interposição de recurso, a Relação tirou o aqui acórdão recorrido, que, como se viu já, divergiu da primeira instância e defendeu a “tese da possibilidade”, ao considerar que o advogado recorrente podia constituir-se assistente nos autos sem necessidade de constituir outro advogado. Alinhou um conjunto de argumentos que, em síntese e no essencial, se cifram no seguinte:

O art. 70.º, n.º 1, do CPP, não exige outorga de procuração do ofendido/advogado a outro advogado.

E depois de fazer o enquadramento legal da questão, arredou considerações relativas à lei processual civil, na qual é permitido ao advogado advogar em causa própria, e passou a rever as razões aduzidas, pelos seguidores da tese contrária à que viria a propugnar mais adiante.

O acórdão recorrido invocou então, em abono da posição que viria a adotar, toda a argumentação usada no acórdão de 25/06/2014 do STJ (Pº 10742/12.2TDLSB.L1), a qual, por economia, passou a transcrever e a subscrever.

Antes do mais, aí se aludiu ao elemento teleológico de interpretação do art. 70.º, n.º 1 do CPP, que leva a justificar a exigência de representação por advogado pela necessidade de preparação técnica, de conhecimento do direito. A seguir considerou que a possibilidade de autorrepresentação estava implícita nos arts. 62.º, n.º 3 e 64.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, certo que as exceções ao princípio da liberdade do exercício da advocacia teriam que estar expressamente previstas.

Prosseguindo, abordou as diferenças inequívocas entre a posição do arguido e seu defensor e a do assistente na relação jurídica processual, afastou qualquer prejuízo advindo da “tese da possibilidade” para a imagem ou normal funcionamento da justiça, incluindo as paixões ou emoções que poderiam resultar da intervenção do próprio ofendido na veste de assistente, cabendolhe a este a avaliação do risco de prejuízo, na defesa dos seus interesses, adotando uma autorrepresentação.

Por último, considerou que a interpretação da norma do artigo 70.º, n.º 1, do CPP, pelo Tribunal Constitucional (TC) nos seus acs. n.os 325/06 de 17.05.06 e 338/06, de 18.05.06, não invalidava o entendimento sufragado, para tecer a conclusão final de que “para ser admitido a intervir como assistente, em processo penal, o advogado está dispensado de conferir mandato judicial a outro advogado.”

1.3.2 - O acórdão fundamento surgiu na sequência de, em instrução, o ali ofendido/assistente estar representado por colega também advogado, este último ter renunciado ao mandato, o ofendido ter sido notificado para constituir novo advogado e se ter recusado a fazêlo. Por isso, em despacho de 30/4/2013 foi declarada a perda da qualidade de assistente, ordenando-se o arquivamento dos autos, por se entender essencial que o ofendido continuasse a ser representado por advogado.

Interposto recurso para o Tribunal da Relação do Porto foi negado provimento ao mesmo, por acórdão de 19/3/2014, mantendo-se o despacho recorrido. Ou seja, adotou-se a “tese da impossibilidade” de o ofendido assistente se autorrepresentar.

A Relação do Porto começou por tecer algumas considerações sobre o facto de, para a admissão de intervenção do ofendido nos autos como assistente ser obrigatória a constituição de advogado (art. 70.º 1 CPP), e se dar o caso de, no decurso daquele processo, o ofendido se ter já constituído assistente e depois ficar sem representação.

Entendeu que, caso não seja constituído novo advogado como mandatário, no prazo que lhe for atribuído ou no prazo legal, terá de cessar essa intervenção como assistente, por ter deixado de reunir os requisitos dos quais depende a legitimidade da sua intervenção. Acresce que o art. 70.º, n.º 1, do CPP, não se refere apenas ao momento da admissão como assistente no processo, e sim à pertinente representação ao longo de todo do processado. Depois aludiu ao disposto no art. 47.º, n.º 3, alínea c) [art. 39.º, n.º 3 e 6 à data dos factos], do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por força do art. 4.º do CPP.

Passou então a dar resposta à questão fundamental que definiu como a de se saber “se o advogado que era assistente pode agir em causa própria como tal, ou, noutro modo, se o ofendido advogado não necessita para ser assistente de ser representado por outro advogado, podendo agir no processo como advogado em causa própria”. Começou por analisar o sentido a dar à inclusão da expressão “sempre”, no n.º 1, do art. 70.º, do CPP, no sentido de impor uma regra absoluta, sem excluir os próprios advogados. O que não seria contraditado pela disciplina do mandato forense (art. 61.º e 64.º do Estatuto da Ordem dos Advogados de então), porque pensado para, e referente ao “exercício da advocacia (ele é mandatário de outrem representa alguém e assiste outra pessoa, ou seja agindo como representante de outrem - essência da advocacia) e não ao advogado enquanto representante de si próprio”.

Alude depois ao que considera a jurisprudência dominante da Relação de Lisboa, favorável à “tese da impos-sibilidade”, referenciando oito acórdãos, do mesmo modo que um da Relação de Coimbra, e citando três acórdãos da Relação do Porto, instância onde considera ser dominante a “tese da possibilidade”. Esta posição também é atribuída a um acórdão do STJ (de 18/4/2012 www.dgsi.pt/jstj:

). Quanto à jurisprudência do Tribunal Constitucional (TC) defende que, de acordo com a mesma, se considera que é à lei ordinária que compete regular a questão. Mas, transcrevendo o Acórdão 338/2006 (DR, 2.ª série, de 30/6/2006), revê-se nas considerações aí tecidas sobre os riscos de intervenções menos serenas e desapaixonadas de advogado que se autorrepresente.

Na área da doutrina alude à posição da “tese da possi-bilidade”, representada por Maia Gonçalves, e à posição contrária defendida pelos magistrados do Mº Pº do Distrito Judicial do Porto, no CPP que anotaram, bem como por P. Pinto de Albuquerque e Germano Marques da Silva. Só então é que o acórdão fundamento elenca os argumentos que impõem, a seu ver, a “tese da impossibilidade”

:

a) “[...] O âmbito da norma do art.º 70.º 1 CPP absorve e contem em si a capacidade para que o ofendido advogado tenha de constituir mandatário para ser assistente, quer por não conter qualquer excepção, quer pelo carácter imperativo “sempre”.

b) “[...] Não existe em lado algum quanto aos advogados norma equivalente ao art.º 19.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais que legitima a intervenção em causa própria dos magistrados.

c) “[...] As normas do Estatuto da O.A. [...] referem-se mais ao advogado como patrocinador - agente em nome de outrem e no exercício dessas funções - como mandatário, representante e prestador de assistência do que como beneficiário delas e carecido de tais serviços, e é no exercício dessas funções próprias e em nome de outrem que o art.º 61.º 3 [...] tem a ver com a não obstrução no exercício das suas funções”.

d) O processo penal do Código de 1987 não é um processo de partes não devendo aplicar-se a este processo os princípios do processo de partes como é o processo civil “e se neste se justifica a intervenção em causa própria, já não tem o mesmo sentido no processo penal, pois aí o ofendido/assistente pode ser e é por regra objecto e meio de prova”.

e) O assistente advogado tem preparação jurídica mas “tem uma menos valia, não menos importante, traduzida na necessária serenidade para a boa condução no pleito, que ao assistente como ofendido e advogado poderá faltar ou em regra faltará”.

f) Revendo-se no acórdão do STJ de 18/4/2012 antes citado, que por sua vez remete para o acórdão, também deste Supremo, de 21/5/2009 (Pº 105/09.2.YFLSB), sufraga-se a posição segundo a qual a “tese da possibilidade” só para certo tipo de intervenção, e portanto em termos que se diriam mitigados, já defendida nalguns arestos, “vai contra a harmonia do processo penal, não sendo por isso sufragável um entendimento da necessidade ou desnecessidade de ser representado por outro advogado consoante a sua intervenção processual for ou não pessoal”.

Neste âmbito, elencam-se várias situações processuais que surgiriam eivadas de contradições e que cumpriria evitar, não podendo fazer-se depender a necessidade de constituição de advogado por parte do assistente, por exemplo, do desenrolar do processo ou da concreta intervenção que o assistente venha a ter no mesmo processo, “trans-formando um “sempre” em “caso a caso”. O acórdão termina dizendo que “o ofendido advogado que pretenda constituir-se assistente deve fazer representar-se por outro advogado para poder ser admitido a intervir como assistente.”

A oposição de julgados quanto à mesma questão de direito é pois inequívoca.

2 - Abordagem da questão. Do que fica dito ressalta já uma boa parte das razões aduzidas por cada uma das duas teses em confronto. Importa no entanto revisitálas e tentar completálas, sobretudo com vista a tomar, a final, posição. Mas comecemos por um breve apontamento sobre a figura do assistente como sujeito processual no nosso processo penal, e sobre o estatuto do advogado no que mais interessa à questão em foco. 2.1 - O art. 219.º da Constituição da República (CR) prevê no seu n.º 1 que ao Ministério Público (MP) incumbe, para além de outras atribuições, “exercer a acção penal orientada pelo princípio da legalidade”. Assim se consagra, desde logo no diploma fundamental, o princípio de que é ao Estado que compete perseguir oficiosamente o crime ao nível dos tribunais, sem embargo, evidentemente, das políticas de segurança que implemente fora deles. A ação penal pública e oficiosa é um ponto de chegada, que tem atrás de si a ação popular do direito romano antigo (qualquer cidadão devia zelar pelo respeito da lei penal e podia pois exercer a ação penal, em fase mais recente através de um representante da comunidade), ou a vingança privada protagonizada pelo ofendido ou família, cara ao antigo direito germânico (as consequências jurídicas e penais e civis de uma ação confundiam-se).

A ação penal como tarefa exclusiva do Estado generalizou-se na idade moderna, (1) sobretudo com o advento do absolutismo, embora os países de common law tenham seguido sempre um caminho próprio, neste domínio.

Ora, se o exercício da ação penal consagra o exercício de um direito público e não de natureza privada quanto à sua natureza, o certo é que, no respeitante aos sujeitos que podem exercer a ação penal, é possível falar de ação penal pública e privada. Na expressão de CAVALEIRO FERREIRA (2), há a possibilidade de “litisconsórcio” entre a ação pública do MP e a privada, desde logo pela necessidade de queixa nos crimes semipúblicos e particulares, ou, nestes últimos, também de acusação particular.

Deverá então falar-se de um “quase monopólio” do MP para exercer a ação penal, cifrando-se o “quase”, por um lado, na condição a que o MP está sujeito, de o particular iniciar ou iniciar e prosseguir na ação penal, em certos crimes, e por outro, entrando em cena o assistente, na autonomia de que este goza para o exercício de certos direitos processuais (acusar com independência em relação ao MP, debaixo de certos pressupostos, requerer a instrução, interpor recurso sozinho, v.g.).

2.1.1 - A figura dos assistentes do nosso processo penal apresenta originalidade em termos de direito comparado (3) e é apresentada no art. 69.º, n.º 1, do CPP, como referida a “colaboradores do Ministério Público a cuja atividade subordinam a sua atuação no processo, salvas as exceções da lei.”

Aos assistentes se reportava já o art. 11.º ou 19.º do CPP de 1929, com importantes poderes, e depois o art. 4.º, do Decreto Lei (DL) 35 007, de 13 de outubro de 1945, em cujo preâmbulo se dizia claramente, para circunscrever a respetiva condição, que “O exercício da acção penal pertence ao Ministério Público como órgão do Estado. O direito de punir é um direito exclusivo do Estado e por isso os particulares podem, nos termos que a lei determina, colaborar no exercício da acção penal pelo ministério público, mas não exercêla como direito próprio. O direito não legitima a vingança privada”. No n.º 5.º, § 1.º, do citado DL 35 007, os assistentes são apelidados de “auxiliares do Ministério Público”, sem que com a expressão se tenha querido, evidentemente, remetêlos para a condição de auxiliares de um sujeito processual, não o sendo, eles mesmos.

A introdução da figura do assistente cobra justificação, antes de mais nada, com a condição de “ofendido” (que se não confunde com a de lesado). É pois o ofendido que, no elenco da lei, aparece à cabeça com legitimidade para se constituir assistente.

Já assim era no art. 11.º do CPP, de 1929, procedendo-se neste mesmo preceito, mas sobretudo no art. 4.º, do DL 35 007, de 13 de outubro de 1945, à extensão da legitimidade para constituição de assistente a outras pessoas que não o ofendido.

Hoje, a al. a), do n.º 1, do art. 68.º, do CPP, diznos que, para além dessas outras pessoas e entidades, podem constituir-se assistentes em processo penal “os ofendidos, considerando-se como tais os titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, desde que maiores de dezasseis anos”. Com esta delimitação, optou o legislador por um conceito limitado de ofendido, enquanto sujeito passivo do crime, a ponto de, a seu tempo, LUIS OSÓRIO nos dizer que, aqui, “ofendido” equivale a “particularmente ofendido”. (4) Ao interesse geral do Estado e da comunidade em ver combatido o crime, perseguindo os criminosos, acresce o empenho particular da vítima, moldado por estar em causa um interesse dela própria aquilo que foi diretamente violado. Com o que se excluem do conceito de ofendido os titulares dos interesses só mediata ou indiretamente protegidos, e, por maioria de razão, quantos se considerarem só moralmente atingidos.

2.1.2 - A jurisprudência a uniformizar no presente acórdão há de resultar da interpretação que se der ao primeiro segmento do n.º 1, do art. 70.º, do CPP, artigo epigrafado “Representação judiciária dos assistentes” e que passa a transcrever-se na íntegra:

“1 - Os assistentes são sempre representados por advogado. Havendo vários assistentes, são todos repre-sentados por um só advogado. Se divergirem quanto à escolha decide o juiz.

2 - Ressalva-se do disposto na segunda parte do número anterior o caso de haver entre os vários assistentes interesses incompatíveis, bem como o de serem diferentes os crimes imputados ao arguido. Neste último caso, cada grupo de pessoas a quem a lei permitir a constituição como assistente por cada um dos crimes, pode constituir um advogado, não sendo todavia lícito a cada pessoa ter mais de um representante.

3 - Os assistentes podem ser acompanhados por advogado nas diligências em que intervierem.”

O art. 20.º, do CPP, de 1929 estabelecia que “A parte acusadora pode fazer-se representar por um advogado”. No § 1.º referiam-se os atos processuais que devem ser sempre assinados por advogado, ou por solicitador, na falta daquele “no auditório”, e também pela parte acusadora se não tiver juntado procuração.

No § 2.º dizia-se que “Na audiência do julgamento a parte acusadora só pode intervir devidamente representada por advogado, salvo se for advogado ou licenciado em direito”.

O DL 35 007, a que nos vimos referindo, revogou este art. 20.º, do CPP de 1929, passando a vigorar o art. 5.º respetivo, quanto à representação judiciária do assistente:

“Os assistentes deverão ser sempre representados por advogado. Havendo vários assistentes, serão todos representados por um só advogado, e, se divergirem quanto à sua escolha, decidirá o juiz”.

2.1.3 - Transcreveremos de seguida as disposições do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA) (5) que poderão ter mais interesse para a problemática em questão.

Assim, a respeito do exercício da advocacia, refere o n.º 3 do art. 66.º:

“3 - O mandato judicial, a representação e assistência por advogado são sempre admissíveis e não podem ser impedidos perante qualquer jurisdição, autoridade ou entidade pública ou privada, nomeadamente para defesa de direitos, patrocínio de relações jurídicas controvertidas, composição de interesses ou em processos de mera averiguação, ainda que administrativa, oficiosa ou de qualquer outra natureza”

Quanto ao mandato forense em si, tem interesse rever o n.º 2 do art. 67.º:

“2 - O mandato forense não pode ser objecto, por qualquer forma, de medida ou acordo que impeça ou limite a escolha pessoal e livre do mandatário pelo mandante.”

O art. 69.º versa a liberdade de exercício, para nos dizer:

“Sem prejuízo do disposto no n.º 4 do art. 66.º, os advogados e advogados estagiários com inscrição em vigor, não podem ser impedidos, por qualquer autoridade pública ou privada de praticar atos próprios da advocacia.”

Num plano diferente, refere o art. 72.º epigrafado “Ga-rantias em geral”, no seu n.º 2:

“Nas audiências de julgamento, os advogados dispõem de bancada própria e podem falar sentados.” E o n.º 1 do art. 74.º estabelece que “O uso da toga é obrigatório para os advogados e advogados estagiários, quando pleitem oralmente.”

Finalmente, o art. 81.º, reportado a “Incompatibilidades e impedimentos” diznos que:

“1 - O advogado exercita a defesa dos direitos e interesses que lhe sejam confiados sempre com plena autonomia técnica e de forma isenta, independente e responsável.

2 - O exercício da advocacia é incompatível com qualquer cargo, função ou actividade que possa afetar a isenção, a independência e a dignidade da profissão. [...]”

2.1.4 - Refira-se ainda que o art. 19.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (6) e o art. 93.º do Estatuto do Ministério Público (7) autorizam juízes e magistrados do MP, respetivamente, “a advogar em causa própria, do seu cônjuge ou de descendentes.”

2.2 - Não pode escamotear-se o carácter controverso da questão em apreço, estando a jurisprudência completamente dividida quanto ela (8).

Se a jurisprudência mais recente deste STJ tem aceitado a possibilidade de o advogado se “autorrepresentar”, para efeito de figurar como assistente em processo penal (9). Já as Relações se têm pronunciado nos dois sentidos em confronto, sendo a Relação de Lisboa claramente a favor da “tese da impossibilidade.” (10) Quanto ao Tribunal Constitucional, a questão foi colocada para se saber se a interpretação do art. 70.º, n.º 1, do CPP, no sentido de se impor a representação por outro advogado, do advogado que quer constituir-se assistente, contraria normas (11) ou princípios constitucionais.

A posição assumida cifra-se em entender que a lei ordinária goza neste campo de “ampla liberdade de confor-mação” (12), e que a interpretação impugnada no recurso (“tese da impossibilidade” de autorrepresentação) não estava ferida de inconstitucionalidade.

Em consonância, estão outros arestos do TC (13) que, para justificar a referida compatibilidade, tecem considerações que acabam por confortar a posição da impossibilidade de “autorrepresentação”, em termos de interpretação do art. 70.º, n.º 1 do CPP. Como adiante melhor se verá. Os dados recolhidos da doutrina apontam para uma predominância da “tese da impossibilidade” (14). Voz dissonante será apenas a de MAIA GONÇALVES, que ao perfilhar a “tese da possibilidade”, não deixa de nos alertar, antes, de que se trata de “Questão de solução duvidosa e sobre a qual há jurisprudência contraditória” (15).

Mas é tempo de se dar um sentido ao comando do art. 70.º, n.º 1 do CPP “Os assistentes são sempre repre-sentados por advogado”. Para tanto, importa mais uma vez ter em conta o disposto no art. 9.º do Código Civil (16). 2.2.1 - O elemento literal de interpretação, “primeiro e necessário momento de toda a interpretação pois a letra é o ponto de partida” (17), apesar de não ser decisivo, aponta para a necessidade de constituição de advogado, mesmo que o ofendido já tenha essa qualidade.

A expressão “sempre”, sem abrir exceção de espécie alguma, para aí nos conduz. E não pode deixar de constatar-se que, quando no mesmo preceito o legislador contemplou a regra da representação de vários assistentes por um único advogado, não deixou de estabelecer as exceções que entendeu dever fazer.

Aliás, como melhor se verá adiante, o legislador estabeleceu, claramente, no § 2.º, do art. 20.º, do CPP 1929, uma necessidade de representação por advogado “salvo se for advogado ou licenciado em direito”.

Depois, o conceito de representação pressupõe alteridade. Representar é, numa aceção jurídica corrente, substituir-se a, no sentido de agir em nome de outrem e no seu interesse, face aos poderes que este outrem conferiu, e com efeitos na esfera jurídica de quem os conferiu. O advogado não pode estar “em vez” do assistente ofendido, porque ele “é” o assistente ofendido. A palavra “autorrepresentação” acaba por ter um significado algo contraditório e talvez por isso é que a lei nunca a usa, preferindo a consagração da possibilidade de se “advo-gar em causa própria”. Mas, neste caso, quando o quis e dizendo-o expressamente.

O preceito fala em representação. Quando a lei aqui menciona a representação por advogado ou a constituição de advogado, está a querer aludir ao mandato forense, e claro que também por isso é pertinente a anterior consideração quanto à exigência de alteridade, que no contexto se traduz na existência de um mandante e de um mandatário. 2.2.2 - O elemento histórico também parece apontar no sentido do acórdão fundamento.

Recordemos que o art. 20.º do CPP de 1929 estabelecia que “A parte acusadora pode fazer-se representar por um advogado”. Os §§ seguintes diziam respeito a atos processuais que devem ser sempre assinados por advogado ou à representação em audiência por advogado, salvo se for advogado ou licenciado em direito”.

Ora, o DL 35 007, de 13/10/1945, revogou o dito art. 20.º, do CPP de 1929, e, no seu art. 5.º, substituiu a expressão “[o assistente] pode fazer-se representar por um advogado” por “[os assistentes] deverão ser sempre representados por advogado”.

Mas, no que mais respeita ao que nos ocupa agora, eliminou qualquer exceção derivada do facto de “a parte acusadora” ser advogado.

A partir daí, é pois legítimo pensar que a exceção referida deixou de ser aceite pelo legislador. Na verdade, a redação do art. 70.º, n.º 1 do CPP inspirou-se diretamente no art. 5.º do DL 35 007, sendo apenas mais forte na sua injunção:

onde estava “deverão ser” passou a estar “são sempre representados por advogado”.

Acresce que, como já se disse, o art. 70.º continuou a impor, no seu n.º 1, a regra da representação por um só advogado havendo vários assistentes. Só que acrescentou exceções, no n.º 2, a esta regra, que não estavam no art. 5.º do DL 35 007. No entanto não excecionou nada quanto à questão da necessidade de representação por advogado, mas podia têlo feito, se fosse esse o seu propósito.

2.2.3 - Enquadrar-se-ão no elemento sistemático de interpretação as referências a outras disposições que, cotejadas com a norma a interpretar, impliquem o sentido para esta que mais favorável seja à unidade do sistema jurídico, evitando-se pois incompatibilidades ou disfunções contrárias à respetiva harmonia.

Ao contrário do que já se viu invocado a favor da posição do acórdão recorrido, nenhuma norma relativa ao estatuto do advogado ou ao patrocínio forense nos pode ajudar quanto à questão.

A começar pelo art. 208.º da CR:

“A lei assegura aos advogados as imunidades necessárias ao exercício do mandato e regula o patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça”.

Do mesmo modo quanto aos preceitos do EOA (supra 2.1.3.). Desde logo o art. 66.º, n.º 3, que usa a expressão “mandato judicial”, ou o art. 67.º, n.º 2 reportado ao “mandato forense”, para nos dizer que se não pode prejudicar a “escolha pessoal e livre do mandatário pelo mandante”. Trata-se de preceitos que se referem ao exercício da advocacia em geral, na sua forma mais corrente, que é a de, ao lado de alguém estar outrem que lhe presta assistência, o que pressupõe alteridade. Nada permite inferir daqui a inclusão “implícita” da “autorrepresentação”. O art. 69.º do EOA também trata da prática dos atos próprios da advocacia em geral, e obviamente que essa prática pressupõe sempre um título que a legitime. Para além das habilitações necessárias, um título que legitime a prática dos concretos atos:

o mandato ou uma autorização explícita prevista na lei.

Claro que quando o art. 72.º, n.º 2, do EOA, nos diz que os advogados dispõem de bancada própria, ou o art. 74.º, n.º 1, que em certas ocasiões, como a audiência, têm que usar toga, a dupla condição de assistente e de advogado que o representa, na mesma pessoa física, podem geral movimentações e mudanças de indumentária a que estamos pouco habituados. Trata-se porém de questões que quem preside ao ato processual em questão terá que gerir da melhor maneira e a que não daremos grande relevância. Refira-se também que será de pouco interesse estabelecer um cotejo entre o processo civil e o processo penal para efeito de se equiparar a possibilidade de autorrepresentação. Já se acentuou que o processo penal, ao serviço da justiça penal, prossegue sempre um interesse público. Daí que os sujeitos processuais devam sempre contribuir para a realização de uma verdade material, onde há pouco espaço para a parcialidade, e devam imperar critérios objetivos partilháveis por todos os sujeitos processuais.

Consabidamente, o processo penal não é um processo de partes e sim de sujeitos processuais. Sujeito processual é o assistente e não o ofendido.

E quanto ao paralelo que se poderia estabelecer com o arguido, também este nunca poderá defender-se a si próprio mesmo quer seja advogado ou magistrado (18). Na verdade, o art. 14.º, n.º 3, alínea d) do Pacto dos Direitos Civis e Políticos, que nos vincula desde 1978, não colide com a anterior afirmação já que, quanto aí se fala em direito da pessoa acusada se defender a si própria, somos remetidos para o estatuto de arguido e não de assistente.

Ora, a pretensão do preceito é inequivocamente garantística. Daí que o nosso entendimento, segundo o qual é sempre obrigatória a nomeação de advogado ao arguido, nunca diminuirá, antes reforçará o direito à defesa. O advogado que for arguido pode intervir no processo, beneficiando também da sua preparação técnica. Mas, para além disso, se contar com o defensor, ao seu lado, não se poderá dizer que a sua defesa ficou prejudicada.

De qualquer modo, entre nós, é posição dominante que o arguido tenha que ter sempre um defensor que não seja o próprio, considerando-se que a possibilidade de os magistrados poderem advogar em causa própria se refere só ao processo civil. Na verdade, o art. 64.º do CPP é categórico:

o arguido tem que ser sempre assistido por defensor nos atos aí previstos, sem se prever qualquer exceção (19). Em termos de argumento sistemático de interpretação as coisas poderão passar-se de modo diferente em relação a normas processuais penais que regulam a intervenção do ofendido/assistente e as que se reportam ao advogado que o representa.

Assim, o assistente pode prestar declarações nos termos do art. 145.º do CPP. O advogado seu representante, não, embora participe na audiência de varias maneiras e alegue a final.

De acordo com o art. 346.º, do CPP, o advogado do assistente tem que pedir ao juiz que formule certas perguntas àquele. O assistente limita-se a prestar declarações. Insólito será ver o advogado pedir ao juiz que lhe faça a si mesmo certas perguntas.

No art. 330.º, do CPP, regulam-se as consequências da falta à audiência do representante do assistente, para além da do MP, do defensor ou do representante das partes civis, portanto, todos sujeitos processuais. Mas no art. 331.º estabelecem-se as consequências da falta do assistente ele mesmo, ao lado da falta das testemunhas, peritos, consultores técnicos ou partes civis, todos pessoas que protagonizarão prova pessoal ou pericial. Ora, as consequências da falta, concretamente do advogado representante do assistente, e do assistente, não são as mesmas.

O art. 341.º, do CPP, estabelece a ordem de produção de prova em audiência, começando-se pelas declarações do arguido. Nesta altura, o assistente que irá ser ouvido depois não poderá estar presente, ao contrário do seu representante que tem que estar presente desde o início da audiência, mesmo antes do arguido ser ouvido.

O n.º 2 do art. 345.º do CPP prevê que o advogado do assistente solicite ao presidente que formule ao arguido perguntas. Esta possibilidade não é facultada ao assistente. Do mesmo modo a inquirição e o contrainterrogatório das testemunhas são protagonizados pelo MP, pelo defensor, representantes do assistente ou da parte civil, para além dos juízes. Nunca pelo arguido ou pelo assistente (art. 348 do CPP).

Qualquer pessoa, e sobretudo o ofendido assistente pode ser sujeito a exame, designadamente como meio de obtenção de prova pericial (art. 171.º ou 172.º). O que não é possível em relação ao seu representante.

A disciplina da audiência está pois toda organizada distinguindo-se entre o assistente e o advogado representante do assistente, podendo a coincidência destas duas qualidades na mesma pessoa gerar fortes dúvidas sobre a disciplina a usar.

No acórdão fundamento realça-se este aspeto, dizendo-se depois a certo passo:

“Ora, fazer depender a constituição de advogado por parte do assistente, do desenrolar do processo, vai contra a intencionalidade do art.º 70.º 1 CPP e a intervenção que o assistente venha a ter no processo, transformando um “sempre” em “caso a caso”. Não nos parece curial e é manifestamente afectada a harmonia e a unidade dos vários actos do processo, princípios estes enformadores do processo penal e expressos no art.º 4.º e 5.º, 2, b) CPP, e assim do ponto de vista funcional no processo penal a posição do assistente e do advogado reunidas na mesma pessoa são incompatíveis e inconciliáveis entre si, e não pode depender da fase processual em que se encontra o processo, nem da natureza particular, semi-pública ou pública do crime, face à maior ou menor intervenção processual que cada crime exige do assistente” (20).

2.2.4 - Resta abordar o elemento teleológico de interpretação, sabido que “enquanto se não descobrir o para quê de uma lei não se detém ainda a chave da sua interpretação”. (21)

É consensual a ideia de que a exigência de representação do assistente por um advogado assenta, antes do mais, no conhecimento técnico do direito, necessário para se poder interferir diretamente no rumo do processo, como é apanágio dos sujeitos processuais e não dos meros participantes processuais.

As divergências surgem, então, quando uns aduzem como intenção legislativa, e outros não, um elemento psicológico cifrado na necessidade de se assegurar o distanciamento emocional saudável em relação ao pleito. Este distanciamento seria apanágio do advogado enquanto representante do assistente, mas poderia não assistir ao próprio ofendido assistente.

No nosso ponto de vista, este último ponto de vista tem que ser considerado.

De sublinhar que a lei disse expressamente que o advogado se deve comportar de modo isento (supra 2.1.3.). Ora, o advogado que foi ele mesmo vítima de um crime pode ter uma visão parcial do caso, condicionada exatamente pela sua condição de vítima, e ser levado a intervir no pleito dominado pela emoção, em termos incompatíveis com a serenidade que se deve pedir aos sujeitos processuais, na sua atuação, para um correto desenvolvimento do processo.

Os assistentes atuam no processo como colaboradores do MP “a cuja atividade subordinam a sua atuação, salvas as exceções da lei” (n.º 1 do art. 69.º do CPP).

Ora, sabido que o MP subordina as suas intervenções a critérios de objetividade e legalidade estritas (22), não poderia ser outra a postura do assistente no processo penal. Mas, por outro lado, a lei exceciona casos em que o assistente pode atuar sem aquela subordinação, e então importa que a objetividade e legalidade continuem a imperar no procedimento do assistente, independentemente de qualquer controlo do MP.

GERMANO MARQUES DA SILVA diznos que “A necessária representação judiciária do assistente por advogado visa precisamente assegurar a objectividade e imparcialidade da intervenção do assistente como auxiliar do Ministério Público” (23). E depois de afirmar que o advogado tem sempre por dever o combate pelo aperfeiçoamento da administração da justiça, distingue a respetiva atuação como defensor e como representante do assistente. Para nos dizer que, nesta qualidade, “deve buscar a verdade material, pois é deontologicamente inadmissível que possa pugnar pela condenação de um arguido inocente. [...] o advogado do assistente deve colaborar com o Ministério Público e o tribunal na descoberta da verdade e por isso é-lhe vedado omitir quaisquer factos do seu conhecimento se dessa omissão puder resultar agravação da situação do arguido.” (24) Na mesma linha está a posição adotada pelo TC (25), quando refere:

“[...] E compreende-se a opção do legislador ordinário de o assistente ter sempre de estar representado por advogado. Sendo o Ministério Público, a quem se encontra cometido o exercício da acção penal, constituí do por um corpo de magistrados, funcionalmente apto para essa função, torna-se necessário que o assistente, em ordem à boa condução e decisão do pleito, tenha, do ponto de vista legal, capacidade para poder entender e aferir a actividade levada a cabo por tais magistrados e a conveniência ou necessidade de prática de outras diligências ou actos processuais, susceptíveis de ocorrer no processo penal, bem como para poder intervir, no processo, de forma serena e desapaixonada.

É, em regra, no advogado, que exerce o mandato forense por profissão (cf. art. 3.º, n.º 1, alínea b), e 53.º, n.º 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados aprovado pelo Decreto Lei 84/84, de 16 de Março), que o legislador vê essa capacidade de poder prosseguir, com o Mº Pº, a defesa daqueles interesses que a lei quis proteger com a incriminação.

Mas, sendo assim, não pode, igualmente, deixar de reconhecer-se ao legislador uma discricionariedade de ponderação quanto às circunstâncias que, podendo interferir psicologicamente com o advogado, são, adequadamente, susceptíveis de fazer perigar as exigências de uma intervenção serena e desapaixonada no processo penal, tanto mais reclamáveis aqui quanto está em causa a defesa de valores fundamentais da comunidade como são aqueles que são prosseguidos pelo direito penal. Ora, é seguramente diferente a situação psicológica do advogado, potenciadora de se reflectir na serenidade com que deve ser discutida a causa, quando intervém em representação de outrem, por via de mandato forense, ou quando age em defesa de interesses pessoais.

Não pode, deste modo, considerar-se como sendo desproporcionada, desadequada ou arbitrária uma avaliação do legislador, no sentido de considerar esse advogado como não estando em condições objectivas de poder prosseguir a defesa dos interesses que a lei quis proteger com a incriminação de modo desapaixonado e sereno.

Estando em causa, no instituto da assistência em processo penal, essencialmente, interesses de ordem pública (característica esta que não se perde, mesmo quando o legislador torne o procedimento criminal dependente de queixa ou de acusação do assistente), dado a acção penal não visar satisfazer qualquer vindicta mas, essencialmente, interesses de prevenção geral e especial, compreende-se, deste modo, que o legislador sujeite a representação forense do assistente a regras diferentes consoante a questão que está em causa contende com interesses de terceiros ou não, ou, então, quando a questão já não é uma questão de assistência em processo penal mas, por natureza, uma relação jurídicoprivada, como é o caso do direito do lesado a ser ressarcido do dano provocado com o crime.” Parecenos inegável que o ofendido assistente, embora advogado, estará em princípio pior colocado para intervir serena e desapaixonadamente no processo, em comparação com outro advogado que o estivesse a representar.

Por tudo o que ficou dito nos pronunciamos a favor da “tese da impossibilidade” de o advogado ofendido se “representar” a si mesmo, quando pretenda constituir-se assistente nos autos, assim se considerando preferível a posição do acórdão fundamento. pág. 156.

C - DECISÃO

Termos em que se acorda no Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça em revogar o acórdão recorrido e fixar jurisprudência nos seguintes termos:

Nos termos do artigo 70.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o ofendido que seja advogado e pretenda constituir-se assistente, em processo penal, tem de estar representado nos autos por outro advogado.

O acórdão recorrido deverá ser substituído por outro que aplique a jurisprudência fixada.

Sem custas, em face da procedência do recurso e por o recorrente ser o Mº Pº.

(1) No direito germânico com a Constituição Carolina (Carlos V) de 1532, por exemplo. Entre nós começou a desenhar-se a tendência com o “Procurador da Justiça” já existente no reinado de D. João I, o qual se não confundia com o “Procurador do Rei” do tempo de D. Afonso III. Consolidar-se-ia nos séculos seguintes, até ao presente. Para um excurso histórico sobre o processo penal português, em geral, pode ver-se de JOSÉ ANTÓNIO BARREIROS “Processo Penal - 1”, Almedina, 1981, págs. 49 e segs.

(2) Cf. “Curso de Processo Penal”, 1.º volume, Danúbio, 1986, (3) Basta ver-se o direito francês ou italiano em que o monopólio do exercício da ação penal pelo MP é completo. No direito alemão, só com os §§ 406 d) e 406 h), em 1986, se introduziram, no CPP respetivo, faculdades do ofendido enquanto tal como interveniente autónomo no processo. (Cf. CLAUS ROXIN, in “Derecho Procesal Penal”, trad. espanhola, Editores del Puerto, Buenos Aires, 2 000, pág. 540).

(4) In “Comentário ao Código do Processo Penal Português”, I, Coimbra Editora, 1932, pág. 202.

(5) EOA aprovado pela Lei 145/2015, de 9 de setembro, que manteve a redação dos preceitos correspondentes, da Lei 15/2005, de 26 de janeiro, em vigor à data da interposição do recurso. Apenas acrescentou, no art. 69.º, n.º 2, a expressão “Sem prejuízo do disposto no n.º 4 do art. 66.º”, preceito este que se refere a limitações da atividade dos advogados estagiários.

(6) Lei 21/85, de 30 de julho. (7) Lei 143/99, de 31 de agosto. (8) Opina VINÍCIO RIBEIRO que globalmente, a jurisprudência lhe parece maioritária no sentido da impossibilidade. In “Código de Processo Penal”, Coimbra Editora, 2011, pág. 161.

(9) Cf. Acórdãos do STJ de 23/5/2002 (Pº 1382/02-5.ª Secção), de 21/5/2009 (Pº 105/09.2YFLSB-3.ª Secção), ou de 18/4/2012 (Pº 172/11.9TRPRT-A.S1-3.ª Secção).

(10) Entre muitos, por exemplo, o Acórdão de 18/10/2011 (Pº 11270/

10.6TDLSB-A.L1-5), ou de 20/12/2006 (Pº 2143/06).

(11) V.g. o n.º 7 do art. 32.º da CR. (12) Cf. Acórdão 326/2006 de 17/5/2006 (Pº 236/2006). (13) V.g. Acórdão 338/06 de 18/5/2006 (Pº 1040/05) ou 290/2011 de pág. 217.

7/6/2011 (Pº 300/11).

(14) Assim o “Código de Processo Penal, Comentário e Notas Prá-ticas”, Coimbra Editora, 2009, pág. 188, da lavra dos Magistrados do M° P° do Distrito Judicial do Porto, ou PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, in “Comentário do Código de Processo Penal”, Universidade Católica Editora, 2001, pág. 228, ou ainda GERMANO MARQUES DA SILVA, in “Direito Processual Penal Português”, Universidade Católica Editora, 2013, pág. 286.

(15) In “Código de Processo Penal Anotado”, Almedina, 2009, (16) “1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2 - Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3 - Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”

(17) Cf. OLIVEIRA ASCENÇÃO in “O Direito - Introdução e Teoria

Geral”, Almedina, 13.ª edição, pág. 406. de arguido e de seu defensor numa só pessoa, o que não viola qualquer regra legal internacional ou nacional, fundamental ou geral”.

(19) Cf. ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR et alteri, in “Código de Processo Penal Comentado”, 2014, Almedina, pág. 226 e 227, na 2.ª edição, de 2016, pág. 196 e segs., ou GERMANO MARQUES DA SILVA in “Direito Processual Penal Português” 2013, Universidade Católica Portuguesa, VOL. I, pág. 334 e 335.

(20) Diferentemente, o Acórdão da Relação do Porto de 28/4/2012 (www. dgsi.pt/jstj:

) que admitiu a autorrepresentação do advogado assistente mas entendeu que se ele vier a apresentar declarações como assistente terá de constituir advogado.

(21) Cf. OLIVEIRA ASCENÇÃO, ob. cit. pág. 414. (22) Assim, v.g. no art. 2.º, n.º 2, do Estatuto d MP. (23) In ob. cit. pág. 286. (24) Idem, pág. 287. (25) In Acórdão 338/06 de 18/5/2006 (Pº 1040/05). A mesma posição se reiterou noutros arestos.

Supremo Tribunal de Justiça, 26 de Outubro de 2016. - José Adriano Machado Souto de Moura (Relator) - António Henriques Pires da Graça (Revendo a posição anterior atento o disposto nos artigos 81.º, n.º 2 e 83.º n.os 2 e 3 da Lei 145/2015, de 9 de Setembro, (novo Estatuto da Ordem dos Advogados) e a unidade do sistema jurídico) - Raul Eduardo do Vale Raposo Borges - Isabel Celeste Alves Pais Martins - Manuel Joaquim Braz - Isabel Francisca Repsina Aleluia São Marcos - Helena Isabel Gonçalves Moniz Falcão de Oliveira (com voto de vencida que junta) - Nuno de Melo Gomes da Silva - Francisco Manuel Caetano - Manuel Pereira Augusto de Matos - Maria Rosa Oliveira Tching - José Vaz Santos Carvalho - José António Henriques dos Santos Cabral - António Jorge Fernandes de Oliveira Mendes - António Silva Henriques Gaspar (Presidente).

Voto vencida por considerar que, sendo o assistente simultaneamente advogado - e porque o art. 70.º, n.º 1, do CPP, não impõe expressamente que a representação do assistente/advogado seja garantida por outro advogado que não o próprio - aquele pode representar-se em causa própria. Assim entendo porque:

a) por força do Pacto dos Direitos Civis e Políticos, em vigor em Portugal desde 15.09.1978 (Aprovação para ratificação:

Lei 29/78, de 12 de Junho, publicada no Diário da República, 1.ª série A, n.º 133/78 (rectificada mediante aviso de rectificação publicado no Diário da República n.º 153/78, de 6 de Julho), nos termos do art. 14.º, n.º 3, al. d), “Qualquer pessoa acusada de uma infracção penal terá direito, em plena igualdade, pelo menos às seguintes garantias:

[...] d) A estar presente no processo e a defender-se a si própria ou a ter a assistência de um defensor da sua escolha;

[...]” (itálico meu), ou seja, um arguido nos termos de legislação vinculante para o Estado português (cf. art. 8.º, da CRP) pode advogar em causa própria;

b) as mesmas razões devem permitir que o assistente possa representar-se a si próprio quando exerce as funções de advogado, e como tal está reconhecido pela Ordem dos Advogados.

c) Acresce que, nos termos do art. 19.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (Lei 21/85, de 30 de julho, e alterações posteriores) “Os magistrados judiciais podem advogar em causa própria, do seu cônjuge ou descendente”, e nos termos do art. 93.º, do Estatuto do Ministério Público (Lei 47/86, de 15 de Outubro, e alterações posteriores) “Os magistrados do Ministério Público podem advogar em causa própria, do seu cônjuge ou de descendente”.

d) Assim sendo, não se compreende que haja qualquer distinção entre aquele que é advogado e pretenda exercer em causa própria quando se constituiu assistente, e aquele que, sendo magistrado judicial ou magistrado do Ministério Público, também pretenda exercer em causa própria quando se constitui assistente, pelo que entendo que esta diferença de regimes não se justifica, e) pois se se afirma que ao advogado/assistente não pode intervir no processo como advogado em causa própria porque tendo sido vítima de um crime tem uma visão parcial do caso, ou porque irá intervir “dominado pela emoção, em termos incompatíveis com a serenidade que se deve pedir aos sujeitos processuais”, o mesmo devia ser considerado quando se trata de um magistrado judicial ou do Ministério Público.

f) A distinção entre uns e outros colocame sérias dúvi-das quanto à sua conformidade constitucional.

g) Entendo (na linha do argumentado no acórdão do STJ, de 21.05.2009, proc. n.º 105.09.2 YFLSB, relator:

Cons. Fernando Fróis, Sumários de acórdãos do STJ de 2009, in http:

//www.stj.pt/index.php/jurisprudencia-42213/ sumarios) que, sendo o assistente mero colaborador do Ministério Público, estando a sua intervenção subordinada à atividade daquele (cf. art. 69.º, n.º 1, do CPP), e residindo a necessidade de intervenção por advogado (nos termos do art. 70.º, n.º 1, do CPP) em razões de ordem técnica por exigências de preparação jurídica para a realização de certas intervenções, como, por exemplo, a dedução de acusação particular ou a apresentação de requerimento para abertura de instrução, considero que o assistente/ad-vogado pode intervir sem que haja necessidade de atribuir o patrocínio a outro advogado;

h) até porque, ainda que consideremos que o assistente/ advogado quando atua em causa própria poderá eventualmente ter uma conduta menos imparcial, não podemos esquecer que está da mesma forma sujeito à regulamentação disciplinar da sua atividade e, como se afirma no acórdão citado, “tais vicissitudes e inconvenientes (.) poderão/de-verão ser sanados pela intervenção oportuna, serena e legal, do juiz do processo”.

i) Deve ainda referir-se que, em processo penal, o Ministério Público participa “em todos os actos processuais em que intervier a acusação particular” (art. 50.º, n.º 2, do CPP) e, em julgamento, as declarações do assistente são sempre tomadas através de juiz (art. 346.º, do CPP) (tam-bém com este argumento, acórdão de 23.05.2002, recurso n.º 1382/02, relator:

Cons. Carmona da Mota, Sumários de acórdãos do STJ de 2002, in http:

//www.stj.pt/index. php/jurisprudencia-42213/sumarios).

j) Cumpre também afirmar que o exercício do contraditório não deixa de se realizar plenamente quer pelo Ministério Público, quer pelo defensor do arguido (tam-bém neste sentido, acórdão do STJ, de 18.04.2012, proc. n.º 172/11.9TRPRT-A.S1, relator:

Cons. Pires da Graça, in www.dgsi.pt).

k) Por fim, a partir das recentes alterações ao CPP pela Lei 130/2015, de 4 de setembro, e a partir do Estatuto da Vítima (criado pela lei referida), esta assume a veste de participante processual com “direito de participação ativa no processo penal” e “direito a colaborar com as autoridades policiais ou judiciárias competentes, prestando informações e facultando provas que se revelem necessárias à descoberta da verdade e à boa decisão da causa” (cf. neste sentido, Maria João Antunes, Direito Processual Penal, Coimbra:

Almedina, 2016, p. 53), sem que, sendo advogado, haja necessidade de intermediação de outro que não a própria vítima/advogado.

26.10.2016. - Helena Moniz.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2813133.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1978-06-12 - Lei 29/78 - Assembleia da República

    Aprova, para ratificação, o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.

  • Tem documento Em vigor 1984-03-16 - Decreto-Lei 84/84 - Ministério da Justiça

    Aprova o novo Estatuto da Ordem dos Advogados, procedendo à revisão da matéria constante do capítulo V "do mandato judicial" do Estatuto Judiciário.

  • Tem documento Em vigor 1985-07-30 - Lei 21/85 - Assembleia da República

    Aprova o Estatuto dos Magistrados Judiciais.

  • Tem documento Em vigor 1986-10-15 - Lei 47/86 - Assembleia da República

    Aprova a orgânica do Ministério Público.

  • Tem documento Em vigor 2015-09-04 - Lei 130/2015 - Assembleia da República

    Procede à vigésima terceira alteração ao Código de Processo Penal e aprova o Estatuto da Vítima, transpondo a Diretiva 2012/29/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012, que estabelece normas relativas aos direitos, ao apoio e à proteção das vítimas da criminalidade e que substitui a Decisão-Quadro 2001/220/JAI do Conselho, de 15 de março de 2001

  • Tem documento Em vigor 2015-09-09 - Lei 145/2015 - Assembleia da República

    Aprova o Estatuto da Ordem dos Advogados, em conformidade com a Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, que estabelece o regime jurídico de criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais, e revoga a Lei n.º 15/2005, de 26 de janeiro, e o Decreto-Lei n.º 229/2004, de 10 de dezembro

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