Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A - Relatório
1 - Por despacho de 22.12.04 do Senhor Secretário de Estado Adjunto e das Obras Públicas, publicado no DR - 2.ª série, n.º 17, de 25.01.05, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação das parcelas de terreno necessárias à execução da obra de concessão da SCUT do Grande Porto - VRI - Sublanço Nó do Aeroporto/IP4 - Nó do Aeroporto, entre elas se incluindo as seguintes parcelas deterreno:
Parcela de terreno, designada por 13.1, com a área de 5.778 m2, que confronta, do Norte, com caminho, do Sul, com Maria José Alvura da Hora, do Nascente, com Maria José Alvura da Hora e, do Poente, com Maria José Alvura da Hora;Parcela de terreno, designada por 13.2, com a área de 1.953 m2, que confronta, do Norte, com caminho, do Sul, com Maria José Alvura da Hora, do Nascente, com Maria José Alvura da Hora e, do Poente, com Maria José Alvura da Hora;
ambas a destacar de um prédio de maiores dimensões situado na freguesia de Santa Cruz do Bispo, concelho de Matosinhos, inscrito na matriz predial sob o artigo 332 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 00766/200303.
2 - Na sequência dessa declaração, foram as identificadas parcelas objecto de vistoria ad perpetuam rei memoriam, após o que a entidade beneficiária da expropriação (Estradas de Portugal, EPE) entrou na respectiva posse administrativa.
Não tendo sido possível o acordo, procedeu-se à arbitragem, finda a qual foi proferido acórdão que fixou a indemnização a pagar aos proprietários das parcelas expropriadas, Maria José Alvura Aroso da Hora e Alfredo Francisco Soares, no valor de (euro)
236.319,00.
3 - Remetidos os autos a juízo, foi proferido despacho a adjudicar a propriedade das mesmas à entidade beneficiária da expropriação.4 - Notificados desse despacho, tanto a entidade expropriante como os expropriados
impugnaram o acórdão arbitral.
5 - Entretanto, foram habilitados a intervir nos autos os sucessores de Alfredo Francisco Soares, falecido na pendência destes autos.6 - Prosseguindo os autos a sua tramitação, veio a ser proferida sentença em 14-7-2008 que, julgando improcedente o recurso interposto pelos expropriados e parcialmente procedente o recurso interposto pela entidade expropriante, fixou a indemnização total devida pela expropriação das mencionadas parcelas, no valor de (euro) 147.480,03 (com a legal actualização).
7 - Inconformadas, apelaram ambas as partes, visando a revogação da sentença, tendo o Tribunal da Relação do Porto proferido acórdão em 23-3-2009 que julgou improcedente os recursos, confirmando a sentença recorrida.
8 - A expropriada Maria José Alvura Aroso da Hora interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Constitucional, nos termos da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, "a fim deste Tribunal se pronunciar sobre a inconstitucionalidade das alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 25.º, e artigo 26.º n.º 1, 6, 7 e 12 do Código das Expropriações (Lei 168/99), suscitada na sua alegação de recurso, por violação dos princípios da igualdade (artigo 13.º CRP), justiça, proporcionalidade (artigo 266.º n.º 2 CRP) e da justa indemnização (artigo 62.º n.º 2 da CRP)".
9 - Notificada para explicitar qual o critério normativo aplicado pela decisão recorrida cuja constitucionalidade pretendia ver verificada, a recorrente apresentou requerimento
com o seguinte conteúdo:
"I. A recorrente pretende que o Tribunal Constitucional se pronuncie pela inconstitucionalidade das alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 25.º e n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei 168/99 de 18 de Setembro, no entendimento que lhes foi dado pelo douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto por este ter interpretado as mesmas no sentido de considerar o solo expropriado como apto para outros fins interpretação com a qual discorda, porque:A expropriada entende que, para ser conforme com a Constituição, isto é, conforme com os princípios da igualdade (dimensão interna e externa) - art.13.º CRP -, proporcionalidade - artigo 266.º 2 CRP -, justiça e justa indemnização - artigo 62.º 2
CRP:
a) Um prédio, como o expropriado, que dispõe de infra-estruturas urbanísticas, nomeadamente acesso rodoviário em betuminoso, rede de água, luz, telefone e gás, existindo na sua envolvente, a cerca de 250 metros, habitações unifamiliares de um e dois pisos, em lotes de moradias geminadas, implantadas nas frentes dos arruamentos que as servem, inserido em zona classificada pelo PDM de Matosinhos como "zona urbana e urbanizável", apesar de parte do mesmo ser solo RAN e ou REN, a alínea b) n.º 2 do artigo 25.º do Código das Expropriações deve ser interpretada no sentido de classificar um solo com tais características como apto para construção e assim seravaliado.
b) Um prédio como o expropriado, que dispõe das infra-estruturas apontadas, inserido em zona classificada pelo PDM de Matosinhos como "zona urbana ou urbanizável"(artigo 4.º do PDM, DR, 266, 2.ª série, 17.11.92), ou seja, destinada a adquirir as características ínsitas na alínea a) (aliás, a mesma só não dispõe de saneamento), pese embora estar parcialmente inserido na RAN e ou REN, a alínea c) Do n.º 2 do art. 25.º do CE deve ser interpretada no sentido classificar um prédio com aqueles condicionalismos como apto para construção e desse modo ser avaliado.
c) Um prédio, como o expropriado, que dispõe de infra-estruturas urbanísticas, nomeadamente acesso rodoviário em betuminoso, rede de água, luz, telefone e gás, existindo na sua envolvente, a cerca de 250 metros, habitações unifamiliares de um e dois pisos, implantadas na frente dos arruamentos que as servem, inserido em zona reservada pelo Plano Rodoviário Nacional 2000 - que prevalece sobre o PDM (DL 222/98, 17.07, Lista III) -, para a infra-estrutura que determinou a declaração de utilidade pública, apesar de parte do mesmo ser solo RAN e ou REM, o n.º 12 do artigo 26.º do CE deve ser interpretado no sentido de se avaliar um solo como tais condicionalismos - legais e factuais - em função do valor médio das construções existentes ou que é possível edificar num perímetro de 300 m exterior à parcela.
Face ao enquadramento legal e factual que vem provado, é entendimento da recorrente que a alínea b) e c) do n.º 2 do artigo 25.º e o n.º 12 do artigo 26.º do CE são aplicáveis à parcela expropriada e assim devem ser interpretadas, sob pena serem
julgadas inconstitucionais.
II.
a) Estas questões foram, por si, suscitadas na sua alegação de recurso: ponto E) páginas 11 e 12 e conclusões 14 e 15 (págs. 14 e 15).b) E decididas nos acórdão e sentença recorridos (para a qual aquele parcialmente remete) em sentido diverso do supra exposto, interpretando o artigo 26.º n.º 12 do CE e 25.º n.º 2 do CE de modo diverso do ora expandido, ou seja, classificando o solo como apto para outros fins, e não como solo apto para construção, apesar de dispor das infra-estruturas descritas - acesso rodoviário em betuminoso, água, luz, telefone e gás; se situar em zona urbana ou urbanizável definida pelo PDM (artigo 4.º do regulamento) e se destinar a adquirir as características constantes da alínea a) n.º 2 do art. 25.º; existirem construções num perímetro de 300 m, e estar destinada pelo plano rodoviário nacional para a instalação de infra-estrutura que determinou a expropriação (via de acesso ao IC24/nó do aeroporto) - considerando o acórdão irrelevante este aspecto - uma vez que o solo é RAN e ou REN."
10 - Posteriormente apresentou alegações com as seguintes conclusões:
"1. A expropriação obriga ao pagamento de justa indemnização, corolário dos princípios jurídicos fundamentais que regulam o ordenamento jurídico, maxime o da igualdade (que impõe critérios uniformes de fixação da indemnização e de igual tratamento entre expropriados e não expropriados) e o da proporcionalidade (ao não permitir indemnizações irrisórias ou excessivas).
2 - O princípio da igualdade obriga a que o legislador não fixe critérios de indemnização que variem de acordo com os fins públicos específicos da expropriação.
Assim,
2 - A indemnização é justa quando compense o expropriado do valor substancial que lhe foi subtraído e corresponda normativamente ao valor de mercado do bem, ou seja, um valor não especulativo mas que por vezes se afasta do valor venal, por estar sujeito a correcções ditadas por razões de justiça.3 - Nada impede, pelo contrário se impõe, que determinados bens imóveis classificados como solo RAN sejam considerados "aptos para construção" nos termos das als. b) e c) do n.º 2 do artigo 25.º e n.º 12 do artigo 26.º do CE (directamente, por interpretação extensiva ou por analogia). É o caso das parcelas expropriadas, na
medida em que:
4 - Dispõem de acesso rodoviário pavimentado, rede pública de energia eléctrica, de água, gás e telefone, ficam junto a um aglomerado urbano (lotes de moradias), têm óptima localização e estão muito próximas da cidade do Porto;5 - Integram-se em zona urbana ou urbanizável, como tal classificada pelo PDM de
Matosinhos;
6 - Estão reservadas para infra-estrutura viária - VRI/ nó de acesso ao aeroporto - previsto no Plano Rodoviário 2000, o qual mais não é do que um plano sectorial de ordenamento do território que se sobrepõe ao PDM de Matosinhos;7 - A sua aquisição é anterior à entrada em vigor do PDM e existem construções num perímetro de 300 m exterior às parcelas; de resto, 8 - Estas circunstâncias (legais e factuais) são, objectivamente, atendíveis e devem ser levadas em consideração na valorização das parcelas, na exacta medida em que implicam ou podem implicar expectativas de valorização das mesmas, pelo que se impõe a sua consideração na avaliação do sacrifício imposto ao expropriado por, para além das razões já supra apontas, terem especial relevo na formação preço da
propriedade imobiliária. Face ao exposto,
9 - A expropriada entende que, para ser conforme com a Constituição, as alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 25.º do CE devem ser interpretadas no sentido de classificar como "solo apto para construção" um prédio com as características (indicadas nos pontos 4.ªe 5.ª das conclusões) do da expropriada.
10 - Mais entende que, para ser conforme com a referida lei, ao prédio e ou parcelas expropriadas deve ser aplicado o disposto no n.º 12 do artigo 26.º do CE, por face aos condicionalismos das mesmas (referidos nas conclusões 4.ª a 7.ª) 11 - Entendimento ou interpretação diversa, conduz à inconstitucionalidade dos referidos comandos por violação dos princípios da igualdade perante os encargos públicos, proporcionalidade, justiça e justa indemnização 12 - Nestes termos e por violação, entre outros, das normas e princípios acima apontados, designadamente dos artigo 13.º, 62.º 2, 266.º 2 da CRP, arts. 23.º 1, 25.º 2 b) e c) e 26.º n.º 12 do Código das Expropriações (Lei 168/99), artigo 4.º do PDM de Matosinhos (DR, 2.ª série, 17.11.92), do Decreto-Lei 222/98, 17.07, (Lista III), deve ser dado provimento ao presente recurso e em consequência serdeclarada a inconstitucionalidade:
a) Das alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 25.º, do CE, quando interpretadas no sentido de não considerar como solo "apto para construção" as parcelas expropriadas;b) Do n.º 12 do artigo 26.º do CE, quando interpretado no sentido de excluir do seu âmbito de aplicação as parcelas expropriadas".
Não foram apresentadas contra-alegações.
11 - Após a apresentação das alegações os recorrentes foram ouvidos sobre a questão do eventual não conhecimento do recurso de constitucionalidade.
12 - Tendo ocorrido mudança de relator, por vencimento do primitivo relator, cumpre elaborar acórdão em função da linha de fundamentação em que se abonou a maioria.
B - Fundamentação
13 - O presente recurso vem interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, da LTC, que admite em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade, os recursos interpostos de decisão que aplique, como ratio decidendi, norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo e que tenha constituído ofundamento normativo da decisão recorrida.
Decompondo essas exigências, cumpre referir, em primeiro lugar, que o objecto da fiscalização jurisdicional de constitucionalidade são, pois, apenas normas jurídicas, não podendo o Tribunal Constitucional pronunciar-se sobre uma (eventual) "inconstitucionalidade da decisão judicial", como, de resto, tem sido unanimemente acentuado pela jurisprudência deste Tribunal - cf. nesse sentido o Acórdão 199/88, publicado no DR 2.ª série, de 28 de Março de 1989.Por isso se reconhece que os recursos de constitucionalidade, embora interpostos de decisões de outros tribunais, visam controlar o juízo que nelas se contém sobre a violação ou não violação da Constituição por normas mobilizadas na decisão recorrida como sua ratio decidendi ou seu fundamento normativo, não podendo visar as próprias decisões jurisdicionais, identificando-se, nessa medida, o conceito de norma jurídica como elemento definidor do objecto do recurso de constitucionalidade, pelo que apenas as normas e não já as decisões judiciais podem constituir objecto de tal recurso - cf., nestes exactos termos, o Acórdão 361/98 e, entre muitos outros, os Acórdãos n.os 286/93, 336/97, 702/96, 336/97, 27/98 e 223/03, todos disponíveis para consulta em www.tribunalconstitucional.pt/ -, e isto porque a nossa Constituição não configurou o recurso de constitucionalidade como um recurso de amparo - ou de «queixa constitucional» (Verfassungsbeschwerde, staatsrechtliche Beschwerde) - no âmbito do qual fosse possível sindicar qualquer lesão dos direitos fundamentais, aí se incluindo a possibilidade de conhecer, nesse âmbito, do mérito da própria decisão judicial
sindicanda.
Daí decorre que a "violação dos preceitos constitucionais", imputada directamente ao acto de concreta aplicação do direito, e não aos preceitos legais aplicados pelas instâncias, não densifica nem traduz um problema de constitucionalidade normativa susceptível de ser apreciado por este Tribunal, porque uma coisa é reportar a inconstitucionalidade à concreta decisão considerada como resultado de um momento de aplicação dos preceitos legais, outra, bem diferente, é imputar à norma esse vício, identificando e isolando o critério jurídico que aquela aplicação projecta, comomomento normativo, numa dada factualidade.
14 - Ora examinando a pretensão de apreciação da questão de constitucionalidade, tal como ela foi delineada pela recorrente no requerimento de aperfeiçoamento do requerimento de interposição do recurso, constata-se que esta não coloca ao tribunal qualquer questão de inconstitucionalidade normativa ou seja, uma questão de validade constitucional de uma concreta norma/critério normativo/dimensão normativa, de cuja aplicação tenha derivado a solução da causa.Ao invés, o que a recorrente verdadeiramente questiona é, quer a correcção do juízo de fixação dos elementos de facto relevantes para se operar a qualificação das parcelas expropriadas, para efeitos de cômputo da indemnização devida, como terreno apto para a construção ou como terreno apto para outros fins, quer a bondade do resultado a que aportou o juízo de subsunção dessa circunstancionalidade fáctica.
Na verdade, a recorrente define a norma cuja constitucionalidade pretendem ver apreciada não em torno de um critério abstracto existente no sistema jurídico que tenha sido aplicado ao seu caso e determinado a solução contestada, mas sim por apelo a elementos de facto que, na sua óptica, existirão na situação, conquanto o tribunal assim não o haja entendido ou ponderado, e que determinariam uma qualificação dos terrenos, para efeitos indemnizatórios, diversa daquela a que aportou o acórdão
Tal posição está bem expressa nas seguintes asserções:"a) Um prédio, como o expropriado, que dispõe de infra-estruturas urbanísticas, nomeadamente acesso rodoviário em betuminoso, rede de água, luz, telefone e gás, existindo na sua envolvente, a cerca de 250 metros, habitações unifamiliares de um e dois pisos, em lotes de moradias geminadas, implantadas nas frentes dos arruamentos que as servem, inserido em zona classificada pelo PDM de Matosinhos como "zona urbana e urbanizável", apesar de parte do mesmo ser solo RAN e ou REN, a alínea b) n.º 2 do artigo 25.º do Código das Expropriações deve ser interpretada no sentido de classificar um solo com tais características como apto para construção e assim ser
avaliado.
b) Um prédio como o expropriado, que dispõe das infra-estruturas apontadas, inserido em zona classificada pelo PDM de Matosinhos como "zona urbana ou urbanizável"(artigo 4.º do PDM, DR, 266, 2.ª série, 17.11.92), ou seja, destinada a adquirir as características ínsitas na alínea a) (aliás, a mesma só não dispõe de saneamento), pese embora estar parcialmente inserido na RAN e ou REN, a alínea c) do n.º 2 do art. 25.º do CE deve ser interpretada no sentido classificar um prédio com aqueles condicionalismos como apto para construção e desse modo ser avaliado.
c) Um prédio, como o expropriado, que dispõe de infra-estruturas urbanísticas, nomeadamente acesso rodoviário em betuminoso, rede de água, luz, telefone e gás, existindo na sua envolvente, a cerca de 250 metros, habitações unifamiliares de um e dois pisos, implantadas na frente dos arruamentos que as servem, inserido em zona reservada pelo Plano Rodoviário Nacional 2000 - que prevalece sobre o PDM (DL 222/98, 17.07, Lista III) -, para a infra-estrutura que determinou a declaração de utilidade pública, apesar de parte do mesmo ser solo RAN e ou REM, o n.º 12 do artigo 26.º do CE deve ser interpretado no sentido de se avaliar um solo como tais condicionalismos - legais e factuais - em função do valor médio das construções existentes ou que é possível edificar num perímetro de 300 m exterior à parcela".
E no mesmo sentido no remate do mesmo requerimento:
"E decididas nos acórdão e sentença recorridos (para a qual aquele parcialmente remete) em sentido diverso do supra exposto, interpretando o artigo 26.º n.º 12 do CE e 25.º n.º 2 do CE de modo diverso do ora expandido, ou seja, classificando o solo como apto para outros fins, e não como solo apto para construção, apesar de dispor das infra-estruturas descritas - acesso rodoviário em betuminoso, água, luz, telefone e gás; se situar em zona urbana ou urbanizável definida pelo PDM (artigo 4.º do regulamento) e se destinar a adquirir as características constantes da alínea a) n.º 2 do art.25.º; existirem construções num perímetro de 300 m, e estar destinada pelo plano rodoviário nacional para a instalação de infra-estrutura que determinou a expropriação (via de acesso ao IC24/nó do aeroporto) - considerando o acórdão irrelevante este aspecto - uma vez que o solo é RAN e ou REN."
Temos, portanto, que a recorrente controverte a constitucionalidade da decisão em si
própria.
Assim sendo, o Tribunal Constitucional não pode conhecer do recurso.
C - Decisão
15 - Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do recurso de constitucionalidade.Custas pela recorrente, com taxa de justiça de 12 UC.
Lisboa, 12.01.2010. - Benjamim Rodrigues - Joaquim de Sousa Ribeiro - João Cura Mariano (vencido conforme declaração que junto) - Rui Manuel Moura
Ramos.
Declaração de voto
Votei vencido por entender que a Recorrente, apesar de no requerimento de resposta ao convite para explicitar a interpretação normativa cuja constitucionalidade pretendia ver apreciada, ter revelado a sua discordância relativamente à qualificação feita pela decisão recorrida das parcelas expropriadas, como solo apto para outros fins, não deixou de enunciar, em conclusão (ponto II b) um critério geral e abstracto, susceptível de ser aplicado noutros processos, e que foi parcialmente sustentado na decisão recorrida, por remissão para os termos da sentença da 1.ª instância.Na verdade da leitura do referido ponto II b), das conclusões do requerimento de interposição de recurso corrigido resulta que a Recorrente pretendeu que este Tribunal verificasse a constitucionalidade da interpretação dos artigos 25.º, n.º 2, b) e c), e 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações de 1999 (C.Exp), no sentido de que o solo expropriado que integre a Reserva Agrícola Nacional deve ser classificado como apto para outros fins, para efeitos de cálculo do valor da indemnização devida pela expropriação, mesmo que disponha de acesso rodoviário em betuminoso, água, luz, telefone e gás, se situe em zona urbana ou urbanizável definida pelo PDM, se destine a adquirir as características constantes da alínea a) n.º 2 do art.25.º, existam construções num perímetro de 300 m, e esteja destinado pelo plano rodoviário nacional para a instalação de infra-estrutura que determinou a expropriação.
Da leitura do acórdão recorrido e da sentença de 1.ª instância para cuja fundamentação aquele remete resulta que apenas se verificou, relativamente às condições físicas das partes das parcelas expropriadas que integravam a área RAN, que as mesmas preenchiam os requisitos da alínea b), do n.º 2, do artigo 25.º, do C.Exp. e que existiam construções num perímetro de 300 metros.
Atenta a natureza instrumental do recurso de constitucionalidade que exige que o mesmo seja susceptível de influenciar o sentido da decisão recorrida, não servindo para solucionar questões meramente académicas, deveria assim o objecto do presente recurso restringir-se à existência das condições físicas dos terrenos expropriados que integravam a zona RAN verificadas pela decisão recorrida, por só elas integrarem a sua
ratio decidendi.
Por estas razões teria verificado a constitucionalidade da interpretação dos artigos 25.º, n.º 2, b), e 26.º, do Código das Expropriações de 1999, no sentido de que o solo expropriado que integre a Reserva Agrícola Nacional deve ser classificado como apto para outros fins, para efeitos de cálculo do valor da indemnização devida pela expropriação, mesmo que disponha das condições exigidas pela alínea b), do n.º 2, do citado artigo 25.º e existam construções num perímetro de 300 metros, uma vez que relativamente a ela se verificam todos os requisitos do recurso de constitucionalidade.E, conhecendo desta questão, teria julgado o recurso nos seguintes termos.
1 - Do mérito do recurso
1.1 - Do estado da questão de constitucionalidade A questão de constitucionalidade aqui colocada está longe de ser desconhecida desteTribunal.
Desde há muito que o nosso sistema legal tem revelado a preocupação de fixar critérios diferentes para o cálculo das indemnizações devidas pela expropriação de solos aptos para neles serem erguidos edifícios e pela expropriação de solos que não tem essaaptidão.
Neste sentido, já o Decreto-Lei 576/70, de 24 de Novembro, alterado pelo Decreto-Lei 57/70, de 13 de Fevereiro, fazia uma distinção entre terrenos para construção de terrenos para outros fins (artigo 6.º).Por sua vez, o Código das Expropriações de 1976 ao estabelecer os termos da distinção entre terrenos situados em aglomerado urbano e terrenos situados fora dos aglomerados urbanos, ou em zona diferenciada do aglomerado urbano (artigo 30.º e seg.), viu a jurisprudência constitucional censurar-lhe esta opção, por não ponderar o factor da edificabilidade (vg. acórdãos n.º 131/88 e n.º 52/90, em ATC, respectivamente no 11.º vol., pág. 465, e no 15.º vol., pág. 49).
Por este motivo o Código das Expropriações de 1991 voltou a diferenciar os solos aptos para a construção dos solos aptos para outros fins (artigo 24.º, n.º 1).
E foi precisamente no domínio deste Código que surgiram questões de constitucionalidade semelhantes à colocada neste recurso, a propósito da aplicação do disposto no n.º 5, do seu artigo 24.º, aos solos integrados na Reserva Agrícola Nacional (RAN), onde se lia que "é equiparado a solo para outros fins o solo que, por lei ou regulamento, não possa ser utilizado na construção".
O Acórdão 267/97 (em ATC, 36.º vol., pág. 759) considerou que era inconstitucional a norma do n.º 5, do artigo 24.º, do Código das Expropriações de 1991, enquanto interpretada por forma a excluir da classificação de "solo apto para a construção" os solos integrados na RAN, expropriados com a finalidade de neles se edificar para fins diferentes de utilidade pública agrícola.
Mas o Acórdão 20/2000 (em ATC, 46.º vol., pág. 179) veio rectificar esta posição, considerando que não era inconstitucional o mesmo preceito, interpretado por forma a excluir da classificação de "solo apto para a construção" solos integrados na Reserva Agrícola Nacional expropriados para implantação de vias de comunicação.
No mesmo sentido decidiram os Acórdãos n.º 247/2000, 219/2001, 243/2001, 172/2002, 346/2003, 347/2003, 425/2003 (todos disponíveis no site
www.tribunalconstitucional.pt).
E outros acórdãos vieram estender este juízo de não inconstitucionalidade a situações em que as expropriações visavam a construção duma central de resíduos urbanos (Acórdão 155/2002, em ATC, 52.º vol., pág. 743) ou de escolas (Acórdãos n.º 333/2003 e 557/2003, em ATC, respectivamente no 56.º vol., pág. 579 e no 57.º vol.
pág. 979).
Entretanto, entrou em vigor o Código das Expropriações de 1999, actualmente em vigor, que manteve a distinção entre solos aptos para construção e solos aptos para outros fins. Assim, ficou estipulado no seu artigo 25.º:"1 - Para efeitos do cálculo da indemnização por expropriação, o solo classifica-se em:
a) Solo apto para a construção;
b) Solo para outros fins.
2 - Considera-se solo apto para a construção:a) O que dispõe de acesso rodoviário e de rede de abastecimento de água, de energia eléctrica e de saneamento, com características adequadas para servir as edificações
nele existentes ou a construir;
b) O que apenas dispõe de parte das infra-estruturas referidas na alínea anterior, masse integra em núcleo urbano existente;
c) O que está destinado, de acordo com instrumento de gestão territorial, a adquirir ascaracterísticas descritas na alínea a);
d) O que, não estando abrangido pelo disposto nas alíneas anteriores, possui, todavia, alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública, desde que o processo respectivo se tenha iniciado antes da data da notificação a que se refere o n.º 5 do artigo 10.º 3 - Considera-se solo para outros fins o que não se encontra em qualquer das situaçõesprevistas no número anterior."
E relativamente aos solos considerados aptos para construção consagrou no seu artigo 26.º o seguinte critério de cálculo do valor da indemnização pela sua expropriação:"1 - O valor do solo apto para a construção calcula-se por referência à construção que nele seria possível efectuar se não tivesse sido sujeito a expropriação, num aproveitamento económico normal, de acordo com as leis e os regulamentos em vigor, nos termos dos números seguintes e sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 23.º 2 - O valor do solo apto para construção será o resultante da média aritmética actualizada entre os preços unitários de aquisições, ou avaliações fiscais que corrijam os valores declarados, efectuadas na mesma freguesia e nas freguesias limítrofes nos três anos, de entre os últimos cinco, com média anual mais elevada, relativamente a prédios com idênticas características, atendendo aos parâmetros fixados em instrumento de planeamento territorial, corrigido por ponderação da envolvente urbana do bem expropriado, nomeadamente no que diz respeito ao tipo de construção existente, numa
percentagem máxima de 10 %.
3 - Para os efeitos previstos no número anterior, os serviços competentes do Ministério das Finanças deverão fornecer, a solicitação da entidade expropriante, a lista das transacções e das avaliações fiscais que corrijam os valores declarados efectuadas nazona e os respectivos valores.
4 - Caso não se revele possível aplicar o critério estabelecido no n.º 2, por falta de elementos, o valor do solo apto para a construção calcula-se em função do custo da construção, em condições normais de mercado, nos termos dos números seguintes.5 - Na determinação do custo da construção atende-se, como referencial, aos montantes fixados administrativamente para feitos de aplicação dos regimes de habitação a custos controlados ou de renda condicionada.
6 - Num aproveitamento economicamente normal, o valor do solo apto para a construção deverá corresponder a um máximo de 15 % do custo da construção, devidamente fundamentado, variando, nomeadamente, em função da localização, da qualidade ambiental e dos equipamentos existentes na zona, sem prejuízo do disposto
no número seguinte.
7 - A percentagem fixada nos termos do número anterior poderá ser acrescida até ao limite de cada uma das percentagens seguintes, e, com a variação que se mostrarjustificada:
a) Acesso rodoviário, com pavimentação em calçada, betuminoso ou equivalente junto b) Passeios em toda a extensão do arruamento ou do quarteirão, do lado da parcela -0,5 %;
c) Rede de abastecimento domiciliário de água, com serviço junto da parcela - 1 %;d) Rede de saneamento, com colector em serviço junto da parcela - 1,5 %;
e) Rede de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão com serviço junto da
parcela - 1 %:
f) Rede de drenagem de águas pluviais com colector em serviço junto da parcela - 0,5%;
g) Estação depuradora, em ligação com a rede de colectores de saneamento comserviço junto da parcela - 2 %;
h) Rede distribuidora de gás junto da parcela - 1 %;
i) Rede telefónica junto da parcela - 1 %.
8 - Se o custo da construção for substancialmente agravado ou diminuído pelas especiais condições do local, o montante do acréscimo ou da diminuição daí resultante é reduzido ou adicionado ao custo da edificação a considerar para efeito dadeterminação do valor do terreno.
9 - Se o aproveitamento urbanístico que serviu de base à aplicação do critério fixado nos ns. 4 a 8 constituir, comprovadamente, uma sobrecarga incomportável para as infra-estruturas existentes, no cálculo do montante indemnizatório deverão ter-se em conta as despesas necessárias ao reforço das mesmas.10 - O valor resultante da aplicação dos critérios fixados nos ns. 4 a 9 será objecto da aplicação de um factor correctivo pela inexistência do risco e do esforço inerente à actividade construtiva, no montante máximo de 15 % do valor da avaliação.
11 - No cálculo do valor do solo apto para a construção em áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, legalmente fixadas, ter-se-á em conta que o volume e o tipo de construção possível não deve exceder os da média das construções existentes do lado do traçado do arruamento em que se situe, compreendido entre duas
vias consecutivas.
12 - Sendo necessário expropriar solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em vigor, o valor de tais solos será calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada."Já quanto aos prédios classificados como aptos para fim diverso da construção dispôs
o seguinte no artigo 27.º:
"1 - O valor do solo apto para outros fins será o resultante da média aritmética actualizada entre os preços unitários de aquisições ou avaliações fiscais que corrijam os valores declarados efectuadas na mesma freguesia e nas freguesias limítrofes nos três anos, de entre os últimos cinco, com média anual mais elevada, relativamente a prédios com idênticas características, atendendo aos parâmetros fixados em instrumento de planeamento territorial e à sua aptidão específica.2 - Para os efeitos previstos no número anterior, os serviços competentes do Ministério das Finanças deverão fornecer, a solicitação da entidade expropriante, a lista das transacções e das avaliações fiscais que corrijam os valores declarados efectuadas na
zona e os respectivos valores.
3 - Caso não se revele possível aplicar o critério estabelecido no n.º 1, por falta de elementos, o valor do solo para outros fins será calculado tendo em atenção os seus rendimentos efectivo ou possível no estado existente à data da declaração de utilidade pública, a natureza do solo e do subsolo, a configuração do terreno e as condições de acesso, as culturas predominantes e o clima da região, os frutos pendentes e outras circunstâncias objectivas susceptíveis de influir no respectivo cálculo."Apesar do Código das Expropriações de 1999 não ter adoptado um preceito idêntico ao n.º 4, do artigo 25.º, do Código das Expropriações de 1991, isso não impediu que alguma jurisprudência continuasse a entender que os solos integrados na RAN devessem ser catalogados como "solos aptos para outro fim", mesmo que reunissem as condições exigidas pelo artigo 25.º, n.º 2, para um solo ser considerado apto para construção, atenta a proibição legal de neles construir, tendo por isso prosseguido a mencionada discussão de constitucionalidade no domínio deste novo Código.
E neste quadro normativo, o Acórdão 398/2005 (no D. R., 2.ª série, de 14-7-2005) reiterou o juízo que não era inconstitucional a norma do n.º 3, do artigo 25.º, do Código das Expropriações de 1999, interpretada com o sentido de excluir da classificação de "solo apto para a construção" solos integrados na RAN expropriados
para implantação de vias de comunicação.
No mesmo sentido se pronunciaram posteriormente os Acórdãos n.º 416/2007 (no D.R., 2.ª série, de 18-7-2007) e 337/2007 (disponível no sitewww.tribunalconstitucional.pt).
E, indo um pouco mais longe, os Acórdãos n.º 275/2004 (em ATC, 59.º vol., pág.227), 417/2006 (no D.R., 2.ª série, de 11-7-2006) e 118/2007 (disponível no site www.tribunalconstitucional.pt) consideraram mesmo que era inconstitucional o artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações de 1999, quando interpretado no sentido de ser indemnizável como solo apto para construção terreno integrado na RAN com aptidão edificativa segundo os elementos objectivos definidos no n.º 2 do artigo 25.º do
mesmo Código.
Por sua vez, o Acórdão 114/2005 (em ATC, 61.º vol., pág. 415) não julgou inconstitucional a norma do artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações de 1999, considerada aplicável à determinação do valor do solo incluído na RAN, expropriado para a implantação de vias de comunicação, quando resultam satisfeitos em relação a ele os critérios, enquadráveis na alínea a), do n.º 2, do artigo 25.º, do mesmo Código.E, no mesmo sentido, se pronunciaram os Acórdãos n.º 234/2007 (em ATC, 68.º vol., pág. 847) e 239/2007 (disponível no site www.tribunalconstitucional.pt).
Também o Acórdão 276/07 (em ATC, 69.º vol., pág. 157) considerou que não eram inconstitucionais as normas constantes dos artigos 23.º, n.º 1, e 26.º, n.os 1 e 12, ambos do Código das Expropriações de 1999, quando interpretadas no sentido de incluírem na classificação de "solo apto para a construção", e a serem indemnizados de acordo com as regras constantes deste n.º 12, os solos adquiridos em data anterior à entrada em vigor de Plano Director Municipal que os integrou em zona RAN e expropriados para a implantação de "áreas de serviço" de auto-estradas.
Já o Acórdão 469/2007 (em ATC, 70.º vol., pág. 231) julgou mesmo inconstitucional a interpretação dos artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.os 2 e 3, 26.º, n.º 12, e 27.º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei 168/99, de 18 de Setembro, segundo a qual o valor da indemnização devida pela expropriação, para construção de um terminal ferroviário, de um terreno, que objectivamente preenche os requisitos elencados no n.º 2, do artigo 25.º, para a qualificação como "solo apto para a construção", mas que foi integrado na RAN por instrumento de gestão territorial em data posterior à sua aquisição pelos expropriados, deve ser calculado de acordo com os critérios definidos no artigo 27.º para os "solos para outros fins", e não de acordo com o critério definido no n.º 12, do artigo 26.º, todos do referido Código.
1.2 - Do princípio da justa indemnização
O artigo 62.º, n.º 2, da C.R.P., determina que a expropriação por utilidade pública só pode ser efectuada mediante o pagamento de justa indemnização.Apesar da Constituição ter remetido para o legislador ordinário a fixação dos critérios conducentes à fixação da indemnização por expropriação, não deixou de exigir que esta seja "justa", impondo assim a observância dos princípios constitucionais da igualdade e proporcionalidade, assim como do direito geral à reparação dos danos, como corolário do Estado de Direito democrático (artigo 2.º, da C.R.P.).
Em termos gerais e utilizando definição comum à jurisprudência deste Tribunal, poder-se-á dizer que a "justa indemnização" há-de tomar como ponto de referência o valor adequado que permita ressarcir o expropriado da perda do bem que lhe pertencia, com respeito pelo princípio da equivalência de valores. O valor pecuniário arbitrado, a título de indemnização, deve, assim, ter como referência o valor real do
bem expropriado.
Ora, o critério geral de valorização dos bens expropriados, como medida do ressarcimento do prejuízo sofrido pelo expropriado, numa sociedade de economia de mercado como a nossa, é o do seu valor corrente, ou seja o seu valor venal ou de mercado, numa situação de normalidade económica.Como escreveu ALVES CORREIA "... a indemnização calculada de acordo com o valor de mercado, isto é, com base na quantia que teria sido paga pelo bem expropriado se este tivesse sido objecto de um livre contrato de compra e venda, é aquela que está em melhores condições de compensar integralmente o sacrifício patrimonial do expropriado e de garantir que este, em comparação com outros cidadãos não expropriados, não seja tratado de modo desigual e injusto" (em "O plano urbanístico e o princípio da igualdade", pág. 546, da ed. de 1989, da Almedina).
Apesar deste valor de mercado não poder atender a situações especulativas e poder sofrer algumas correcções impostas por razões de justiça que visam evitar enriquecimentos injustificados (vide, por exemplo as correcções impostas nas alíneas do n.º 2, e o n.º 3, do artigo 23.º, do C.Exp.), donde resultará um "valor de mercado normativo", é ele que deve constituir o critério referencial determinante da avaliação dos bens expropriados para o efeito de fixação da respectiva indemnização a receber pelos
expropriados.
Foi este o critério geral que foi adoptado pelo legislador ordinário no artigo 23.º, n.º 1,do Código das Expropriações de 1999:
"1 - A justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de factoexistentes naquela data."
Procurando evitar alguma subjectividade na determinação deste valor indemnizatório, o legislador fixou critérios valorativos instrumentais, relativamente a vários tipos de bens expropriados, distinguindo no artigo 25.º, como já vimos, entre solos aptos para aconstrução e solos aptos para outros fins.
Na verdade, para o apuramento do equivalente pecuniário do bem expropriado, há que atender às utilidades que ele proporciona ou é capaz de proporcionar. Tratando-se de um terreno, o seu valor depende decisivamente da existência ou não de aptidão edificativa. Existindo essa aptidão, a expropriação representa a privação do valor económico correspondente, pelo que este tem que ser levado em conta no cálculoindemnizatório.
Contudo, quando, apesar dessa aptidão física, o terreno se encontra incluído na RAN, o regime legal que lhe é aplicável retira-lhe aquela potencialidade edificativa.A RAN, como se define no artigo 3.º, do Decreto-Lei 196/89, de 14 de Junho (diploma que estabelece o seu regime jurídico) é o conjunto das áreas que, em virtude das suas características morfológicas, climatéricas e sociais, maiores potencialidades apresentam para a produção de bens agrícolas. Estas áreas são identificadas na carta da RAN, a publicar por Portaria do Ministério com competência na execução da política agrícola (artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei 196/89, de 14 de Junho).
Segundo o preâmbulo daquele diploma, é a defesa, que se pretende mais eficaz, das áreas constituídas por solos de maiores potencialidades agrícolas, ou por terem sido objecto de importantes investimentos destinados a aumentar a capacidade produtiva dos mesmos, com a consequente melhoria das condições sócio-económicas das populações, que a ela se dedicam, que justifica a afectação de certos terrenos à RAN.
"Mas se a defesa dessas áreas das agressões várias de que têm sido objecto ao longo do tempo, designadamente de natureza urbanística constitui uma vertente fundamental da política agrícola, não é menos verdade que, por si só, é insuficiente para garantir a afectação das mesmas à agricultura - objectivo que, em última análise se pretende
conseguir".
Daí que, nos termos do artigo 8.º, n.º 1, a) deste diploma, "os solos da RAN devem ser exclusivamente afectos à agricultura, sendo proibidas todas as acções que diminuam ou destruam as suas potencialidades agrícolas, designadamente as seguintes:a) Obras hidráulicas, vias de comunicação e acessos, construção de edifícios, aterros e
escavações...".
Assim, é proibido por lei destinar um terreno que integre a RAN à construçãoimobiliária.
Esta proibição legal influi decisivamente no valor venal desse terreno.Na verdade, se o expropriado o pretendesse alienar, mediante negócio jurídico, não teria a mínima expectativa de receber um preço que reflectisse a sua aptidão edificativa.
Esta aptidão não pode ser perspectivada como um conceito puramente naturalístico, tendo necessariamente de reflectir as limitações de interesse público ao pleno exercício das faculdades inerentes ao direito de propriedade.
É certo que o Decreto-Lei 196/89, de 14 de Junho, não deixou de estabelecer algumas excepções à exclusividade da afectação dos terrenos que integram a RAN à agricultura. Entre elas, conta-se a utilização desses solos para vias de comunicação, seus acessos e outros empreendimentos ou construções de interesse público, desde que não haja alternativa técnica economicamente aceitável para o seu traçado ou localização (artigo 9.º, n.º 2, d), do Decreto-Lei 196/89, de 14 de Junho). Além disso, também se poderá verificar uma desafectação dos terrenos integrados em área RAN, nomeadamente quando se verifique supervenientemente uma das situações referidas nas alíneas a) e b), do artigo 7.º, do Decreto-Lei 196/89, de 14 de Junho.
E se é incontestável que a mera previsão legal de possibilidade de um terreno situado em área RAN poder ser utilizado para construção, é susceptível de gerar expectativas, alicerçadas em determinada factualidade, de que nele venha a ser autorizada a realização de construções, com reflexo no seu valor de mercado - como foi já reconhecido e valorizado no Acórdão 408/08 (no D.R. 2.ª série, de 31-7-08) - fora destas situações esse valor não contempla as suas aptidões físicas para nele se
erguerem imóveis.
Daí que, não tendo o tribunal recorrido verificado a existência dessas reais expectativas relativamente aos terrenos expropriados, o cálculo da indemnização nos termos do artigo 27.º, do C. Exp. de 1999, destinado aos solos aptos para outros fins, não contraria o princípio da justa indemnização, na perspectiva de que este exige o pagamento do valor venal do bem expropriado à data da expropriação.
1.3 - Do princípio da igualdade
Mas não pode olvidar-se, como este Tribunal tem repetidamente sustentado (cf., por último, o Acórdão 11/2008, em D.R., 2.ª série, de 14-1-2008), que o cânone da justa indemnização está indissoluvelmente ligado ao princípio da igualdade, em termosde implicação recíproca.
Impondo este princípio, nesta esfera aplicativa, o tratamento não discriminatório, na distribuição dos encargos públicos, dos expropriados entre si, dele resulta inequivocamente que o quantum indemnizatório não pode colocar certa categoria de expropriados em posição distinta da que cabe a outros expropriados, cujos terrenos, sob o ponto de vista normativamente relevante, se encontram em idêntica situação. A desigualdade de tratamento só pode ter justificação numa diferença de situações.Relembra-se que o artigo 26.º, n.º 12, do C. Exp., dispõe que "sendo necessário expropriar solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em vigor, o valor de tais solos será calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada."
Este preceito, que corresponde, com algumas alterações, ao n.º 2, do artigo 25.º, do Código das Expropriações de 1991, teve como finalidade evitar as manipulações das regras urbanísticas por parte da Administração, nomeadamente na classificação dolosa e pré-ordenada de um terreno como zona verde, de lazer ou para instalação de infra-estruturas ou equipamentos públicos, com vista à sua desvalorização e ulterior aquisição, por expropriação, mediante o pagamento de uma indemnização de um valor correspondente ao do solo não apto para construção (vide, neste sentido, ALVES CORREIA, em "Código das Expropriações e outra legislação sobre expropriações por utilidade pública", pág. 23, da ed. de 1992, da Aequitas, e em "A jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre expropriações por utilidade pública e o Código das Expropriações de 1999", na R.L.J., Ano 133, pág. 53-54, e OSVALDO GOMES, em "Expropriações por utilidade pública", pág. 195-196, da ed. de 1997, da Texto
Editora).
Prescindindo da prova da actuação dolosa nestas intervenções a dois tempos, o legislador entendeu que a expropriação de determinados terrenos após a sua anterior classificação como zona verde, de lazer ou para instalação de infra-estruturas ou equipamentos públicos, por plano municipal de ordenamento do território, relativamente a quem já era proprietário desses terrenos à data desta classificação, deveria ser compensada, não com o pagamento duma indemnização equivalente ao seu valor venal à data da expropriação, mas sim com uma indemnização que tivesse em consideração a capacidade edificativa dos terrenos vizinhos que não foram atingidos por aquelarestrição de uso.
Tendo o legislador fixado este critério específico para o cálculo da indemnização da expropriação dos terrenos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infra-estruturas ou equipamentos públicos, por plano municipal de ordenamento do território, importa ponderar se a não aplicação deste mesmo critério aos terrenos integrados na RAN, não viola o princípio da igualdade entre expropriados.As disposições dos planos municipais de ordenamento do território que reservam terrenos particulares para a instalação de infra-estruturas (v.g. arruamentos) ou equipamentos públicos (v.g. hospitais, instalações desportivas, escolas), atendendo ao seu destino público, têm necessariamente implícita uma intenção de aquisição futura desses terrenos pela Administração, sendo tais disposições até apelidadas de "reservas de expropriação" ou de "expropriações a prazo incerto" (vide ALVES CORREIA, em "Manual de direito do urbanismo", vol. I, pág. 774, da 4.ª ed., da Almedina).
Quanto às prescrições dos planos que destinam certos terrenos situados em áreas edificáveis a espaços verdes ou de lazer, verifica-se que a destinação imposta àqueles terrenos pela Administração é também de tal modo dominada pela satisfação de puros interesses públicos urbanísticos que o seu aproveitamento privado é quase impraticável.
Por isso se considera que as mesmas esvaziam tão severamente o conteúdo mínimo essencial do direito de propriedade, por motivos de utilidade pública, que são encaradas como verdadeiras "expropriações de plano" (vide ALVES CORREIA, na
ob. cit., pág. 777-778).
As situações contempladas na letra do referido n.º 12, do artigo 26.º, do C.Exp., correspondem, pois, a casos em que as limitações impostas por plano de ordenamento do território aniquilam de tal forma o conteúdo mínimo essencial do direito de propriedade que se traduzem em actos equivalentes a uma verdadeira expropriação, pelo que o legislador considerou que a sua posterior expropriação efectiva por um valor que atendesse à desvalorização resultante das severas limitações impostas, se traduzia objectivamente numa inadmissível manipulação das regras urbanísticas pela Administração, independentemente da prova de uma intenção dolosa.O legislador terá, aliás, tido em atenção que a doutrina já defendia que estes actos pré ou quase expropriativos poderiam gerar, só por si, uma obrigação de indemnização autónoma (vide ALVES CORREIA, em "O plano urbanístico e o princípio da igualdade", pág. 521-528, da ed. de 1989, da Almedina), a qual actualmente tem cobertura legal no artigo 2.º, do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei 67/2007, de 31 de Dezembro, e no artigo 18.º, n.º 2, da lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e de Urbanismo - Lei 48/98, de 12 de Agosto (vide, sobre este direito de indemnização, ALVES CORREIA, em "Manual de Direito do Urbanismo", pág. 764 e
seg., da 4.ª ed., da Almedina).
Ora, a inclusão de um terreno na RAN não é equiparável a estas situações, uma vez que as limitações inerentes ao estatuto desta reserva não tem a severidade dos casos anteriormente referidos e tem em atenção a especial localização factual desse terreno eas suas características intrínsecas.
Recorde-se que as limitações resultantes da integração de um terreno em zona RAN não atingem o núcleo essencial do direito de propriedade, uma vez que o destino permitido é susceptível duma utilização privada e tem em consideração as características morfológicas, climatéricas e sociais do terreno em causa.As proibições, designadamente a proibição de construção, restrições ou condicionamentos à utilização dos terrenos integrados em área RAN, são uma mera consequência da vinculação situacional da propriedade que incide sobre eles, pelo que são encaradas como meramente conformadoras do conteúdo do direito de propriedade, não gerando por isso qualquer direito de indemnização autónomo (vide, neste sentido, ALVES CORREIA, na ob. cit., pág. 291-293).
Não sendo, pois, equiparáveis, tendo em consideração os pressupostos e finalidades do disposto no n.º 12, do artigo 26.º, do C.Exp., as situações de expropriação de terrenos anteriormente classificados de zona verde, de lazer ou destinados a implantação de infra-estruturas ou equipamentos públicos, com a expropriação de terrenos que integram a zona RAN, a não aplicação do critério referido naquele preceito a esta última situação não configura uma violação ao princípio da igualdade
entre expropriados.
Não se tendo detectado que o critério normativo aqui fiscalizado violasse qualquer parâmetro constitucional, julgaria o recurso improcedente. - João Cura Mariano.
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