Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 11/2008, de 11 de Dezembro

Partilhar:

Sumário

Fixa a seguinte jurisprudência: nos termos do artigo 328.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, o adiamento da audiência de julgamento por prazo superior a 30 dias implica a perda de eficácia da prova produzida com sujeição ao princípio da imediação. Tal perda de eficácia ocorre independentemente da existência de documentação a que alude o artigo 363.º do mesmo diploma. (Proc. nº 4822/07-3)

Texto do documento

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 11/2008

Processo 4822/07-3

Fixação de jurisprudência

Relato n.º 200.

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

António Carlos Fialho Mendes veio, ao abrigo do artigo 437.º, n.os 1 e 4, do Código de Processo Penal, interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, para o Pleno das Secções Criminais, invocando as seguintes razões:

1) Por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13 de Fevereiro de 2007, objecto do presente recurso, considerou-se que o prazo de 30 dias previsto no n.º 6 do artigo 328.º do Código de Processo Penal para retoma da audiência adiada, sob pena de perder a eficácia a produção de prova já realizada, apenas se dirige aos casos de oralidade pura de audiência e não de oralidade documentada;

2) Pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13 de Março de 1991, entendeu-se que o princípio da continuidade da audiência na previsão do actual Código de Processo Penal não sofre qualquer excepção derivada do registo da prova.

Respondeu o Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto no artigo 439.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, requerendo o prosseguimento dos autos.

No exame preliminar considerou-se admissível o recurso e existente a invocada divergência entre o acórdão recorrido e o acórdão para fixação de jurisprudência.

Oportunamente, realizou-se a conferência a que alude o artigo 441.º do Código de Processo Penal, na qual se decidiu ser o recurso admissível atenta a oposição de julgados e se determinou o prosseguimento dos autos nos termos dos artigos 442.º e seguintes do Código de Processo Penal, considerando a necessidade de fixar jurisprudência.

O Ministério Público apresentou alegações, subscritas pela Ex.ª Mma.

Procuradora-Geral-Adjunta, defendendo o entendimento de que:

1) Tomado no seu sentido subjectivo ou formal, o princípio da imediação «determina que o juiz deverá tomar contacto imediato com os elementos de prova, ou seja, através de uma percepção directa ou pessoal», a qual proporciona uma maior possibilidade de apreensão e compreensão dos elementos trazidos ao conhecimento do Tribunal, que são sempre mediatizados pelo acto de personalidade que a prova por declarações implica;

2) Os princípios da oralidade e da concentração cumprem, concomitantemente com o princípio da plenitude da assistência (ou da identidade) do juiz, a função de realização da imediação. São instrumentais do princípio da imediação;

3) Mas para que a imediação produza os seus frutos e não venha a ser desvirtuada, é necessário que o referido contacto oral entre o Tribunal e os participantes processuais se concentre no tempo, assim se procurando evitar que as vantagens decorrentes da imediação e da oralidade não sejam defraudadas devido às normais limitações da memória humana;

4) Iniciada uma audiência de julgamento, ela deve decorrer sem quebras de continuidade, sem interrupções ou adiamentos, por forma a permitir ao Tribunal uma percepção viva, directa e global, não fragmentária ou atomística, do material base da decisão a proferir;

5) A regra da continuidade da audiência de julgamento é, assim, um dos meios de fazer actuar o princípio da concentração. Por isso, um adiamento não pode ser tão dilatado no tempo que venha a colocar em causa a apreciação unitária da prova, a reter enquanto durar a audiência;

6) O Código de Processo Penal de 1986 veio trazer um reforço efectivo dos princípios da imediação, da oralidade e da concentração;

7) No relatório do Novo Código de Processo Penal salientam-se, como promotoras da desejável aceleração processual, «a nova disciplina em matéria de prazos, com cominações que se espera eficazes», e a estruturação da audiência de julgamento e «o seu desenvolvimento em termos de continuidade e concentração reforçada»;

8) Nos termos do artigo 328.º, a audiência de julgamento tem de decorrer sem quebras de continuidade, sendo, porém, admitidas algumas situações de interrupção e de adiamento. Contudo, os adiamentos absolutamente necessários não podem ser tão espaçados que coloquem em causa uma correcta apreciação unitária da prova.

Compreende-se, por isso, que a lei tenha também previsto a preclusão da prova já realizada quando o adiamento excedesse 30 dias;

9) A documentação das declarações orais constituía um princípio geral. Contudo, na versão original do Código de Processo Penal de 1986, estando em causa audiência perante o Tribunal Colectivo ou o Tribunal do Júri, só haveria lugar a documentação das declarações prestadas oralmente em audiência se o Tribunal dispusesse de «meios técnicos idóneos a assegurar a reprodução integral daquelas»;

10) Compreendia-se que assim fosse. Por um lado, era uma decorrência da conhecida insuficiência dos meios técnicos de gravação magnetofónica; por outro lado, dos acórdãos finais proferidos pelo Tribunal do Júri e pelo Tribunal Colectivo não era admissível recurso para o Tribunal da Relação, mas apenas recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, estando, por seu lado, os poderes de cognição do Supremo, em sede de questão de facto, restritos à verificação da suficiência ou insuficiência da matéria de facto provada, da existência ou não de contradição insanável na fundamentação ou do cometimento ou não de erro notório na apreciação da prova, podendo apenas concluir pela existência de qualquer destes vícios com base no texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum;

11) A documentação das declarações prestadas oralmente em audiência não se propunha um único objectivo. Com a referida documentação visava-se:

a) Permitir ao Tribunal da Relação, em sede de matéria de facto, o controlo do julgamento levado a cabo pelo Tribunal Singular;

b) Colocar também ao serviço do Tribunal Colectivo e do Tribunal do Júri um meio de controlo da prova perante eles produzida;

12) A partir de meados da década de 90 - sobretudo na decorrência das exigências que a entrada em vigor do Decreto-Lei 39/95, de 15 de Fevereiro, implicava -, os tribunais começaram a dispor dos meios técnicos de gravação magnetofónica em ordem a assegurar a reprodução integral das declarações prestadas oralmente em audiência;

13) As alterações introduzidas ao Código de Processo Penal pela Lei 59/98, de 25 de Agosto, espelham a adopção e crescente apetrechamento dos meios de gravação magnetofónica em todos os tribunais;

14) Estando reunidas as condições para a criação de um verdadeiro e efectivo segundo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, relativamente aos crimes mais graves - puníveis então com pena de prisão superior a cinco anos e cujo julgamento era da competência do Tribunal Colectivo -, passou a prever-se a possibilidade de recurso para o Tribunal da Relação, em sede de matéria de facto, prevenindo-se assim também uma declaração de inconstitucionalidade, por violação das garantias de defesa consagradas no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, das normas conjugadas dos artigos 433.º e 410.º, n.os 2 e 3, do Código de Processo Penal, versão original, que a evolução da jurisprudência do Tribunal Constitucional então fazia prever;

15) Estando implementados em todos os tribunais os meios técnicos idóneos a assegurar a reprodução integral das declarações prestadas oralmente em audiência, com as alterações ao Código de Processo Penal introduzidas pela Lei 48/2007, de 29 de Agosto, culmina-se o percurso encetado em meados dos anos 90: determina-se agora que a documentação das declarações orais prestadas em audiência é sempre obrigatória, sob pena de nulidade;

16) Com o aludido imperativo pretende-se, por um lado, garantir um verdadeiro e efectivo 2.º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto; por outro, procura-se que o tribunal disponha sempre - seja singular, colectivo ou do júri - de um meio de controlo da prova perante si produzida;

17) No n.º 6 do artigo 328.º determinam-se:

a) O prazo de duração máxima de um adiamento - 30 dias;

b) A consequência de não ter sido retomada a audiência decorrido que seja esse prazo de duração máxima de adiamento. Contemplam-se, por isso, duas realidades diversas, com implicações distintas;

18) A norma prevista no n.º 6 do artigo 328.º, evocando as palavras da exposição de motivos da proposta de lei 21/IV, sob o n.º 33, é uma norma disciplinadora, «visando a prossecução do princípio da continuidade, verdadeiro garante da aceleração processual nesta fase»;

19) Ao tempo da entrada em vigor do novo Código de Processo Penal, o apetrechamento dos tribunais com os meios técnicos idóneos a assegurar a reprodução integral das declarações prestadas oralmente em audiência estava ainda muito longe de se ter iniciado;

20) Tendo presente, nomeadamente, os casos de julgamentos com prova complexa e as consabidas limitações da memória humana, que o decurso do tempo potencia, aceita-se que a lei considerasse um período superior a 30 dias favorável ao esquecimento do conteúdo das declarações prestadas oralmente em audiência, bem como das impressões vivas colhidas quando da sua produção, e adverso à apreciação, que se pretende global e não atomista, da prova produzida;

21) Compreende-se, por isso, que, embora negando o princípio da celeridade, se tenha dado prevalência ao princípio da imediação, de que o da concentração é instrumental, e se tenha cominado com a perda de eficácia da produção de prova já realizada sempre que a audiência não pudesse ser retomada no aludido prazo de 30 dias;

22) Mesmo que o juiz, na marcação da data para a continuação de audiência adiada, não tivesse infringido a norma constante da primeira parte do artigo 328.º, n.º 6 - o adiamento não pode exceder 30 dias - , se não fosse possível, por qualquer motivo, ainda que ponderoso, retomar a audiência no aludido prazo de 30 dias, perdia eficácia a produção da prova realizada;

23) E aceita-se que assim fosse, pois o adiamento não pode ser tão espaçado que, por implicar a possibilidade de frustração de uma apreciação unitária, acabe por defraudar o princípio processual da imediação, e os que dele são instrumentais, indispensáveis ao julgamento;

24) Percebe-se, pois, a opção da lei no sentido da preclusão da prova num período em que os tribunais não se encontravam ainda apetrechados com os meios técnicos idóneos a assegurar reprodução integral das declarações prestadas oralmente em audiência;

25) Mas já há vários anos que a documentação da prova passou a ser bem diversa.

Não estamos já perante «prova ditada para a acta». A documentação da prova é efectivada através de meios técnicos de gravação magnetofónica ou áudio-visual;

26) Gravações de que o tribunal - singular, colectivo ou do júri - se pode socorrer como meio de controlo da prova produzida em audiência de julgamento;

27) Nestes casos, o tribunal de 1.ª instância encontra-se mesmo numa posição privilegiada para, ainda que excepcionalmente não lhe seja possível retomar a audiência no prazo de 30 dias, poder ainda fazer uma apreciação unitária da prova;

28) Diferentemente do que ocorre com o Tribunal da Relação - que, como sabemos, pode sindicar o julgamento da matéria de facto, com base na documentação da prova produzida em audiência de julgamento - , foi perante o Tribunal, o mesmo que agora se pode socorrer da gravação magnetofónica das declarações prestadas, que estas mesmas foram proferidas, nele deixando então impressão colhida no momento, no «pulsar da audiência», a qual também com facilidade será possível recuperar através do recurso ao conteúdo das gravações, estando por isso ao alcance do próprio Tribunal recordá-las a todo o tempo, deste modo ficando também acautelada a plenitude das impressões de tudo o que se produziu em audiência;

29) Deste modo, mostrando-se ultrapassados os receios de um eventual risco de esquecimento do que se passou em audiência e de impossibilidade de apreciação unitária da prova - receios que justificam a continuidade da audiência e aconselham a preclusão da prova quando aquela não se verificar -, não pode deixar de se considerar desproporcionada a preclusão da prova já realizada sempre que tenha havido gravação magnetofónica ou áudio-visual, ou a utilização de outros meios técnicos idóneos a assegurar a reprodução integral das declarações prestadas oralmente em audiência;

30) Por outro lado, sendo o princípio da continuidade um verdadeiro garante da aceleração processual na fase do julgamento, a preclusão da prova em virtude de não ter sido possível retomar a audiência no prazo referido no n.º 6 do artigo 328.º, nos casos em que o Tribunal tenha procedido ao registo integral da prova produzida, acabaria afinal por redundar numa contraproducente e incompreensível negação do princípio da celeridade, face à possibilidade que tem o Tribunal de, se necessário, actualizar, recorrendo ao conteúdo das gravações, as declarações, bem como as impressões, colhidas no momento, que elas deixaram;

31) E tanto mais que a perda de eficácia da prova pode acarretar gravame desmesurado, quer para o arguido quer para a vítima, sendo que ficaria particularmente afectada a prossecução das finalidades do processo - realização da justiça, tutela de bens jurídicos, estabilização das normas, paz jurídica dos cidadãos - em tempo útil;

32) A todos os inconvenientes e gravames acima expostos, acresceriam ainda os sobejamente conhecidos riscos decorrentes da repetição de depoimentos;

33) Face ao acima exposto, concluímos que, se as declarações prestadas oralmente em audiência se encontrarem documentadas através de gravação magnetofónica ou áudio-visual, ou de outros meios técnicos idóneos a assegurar a reprodução integral daquelas, mostrando-se, por isso, ultrapassados os receios de um eventual risco de impossibilidade de apreciação unitária da prova, e caso a audiência não possa vir a ser retomada no prazo de 30 dias, não perde eficácia a produção da prova já realizada;

34) A interpretação teleológica que desenvolvemos tem presente o fim visado pelo legislador ao elaborar a norma - garantia de possibilidade de apreciação unitária da prova a reter na memória enquanto durar a audiência - num período em que os tribunais não se encontravam ainda apetrechados com os meios técnicos idóneos a assegurar reprodução integral das declarações prestadas oralmente em audiência, leva em conta a consideração sistémica dos diversos princípios que informam o sistema processual penal, convocados na apreciação e resolução do presente conflito de jurisprudência, bem como a necessidade da sua compatibilização entre si, e considera ainda o fim último do processo - a realização da justiça, a tutela dos bens jurídicos e a paz jurídica dos cidadãos, em tempo útil;

35) Tal interpretação implica a conclusão de que a norma constante da segunda parte do n.º 6 do artigo 238.º do Código de Processo Penal deve ser entendida em sentido restritivo: se a audiência não puder ser retomada no prazo de 30 dias, a produção da prova já realizada não perde eficácia se tiver havido documentação das declarações prestadas oralmente em audiência, através de gravação magnetofónica ou áudio-visual ou de outros meios técnicos idóneos à reprodução integral daquelas.

Corridos os vistos, procedeu-se a julgamento, em conferência do Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, cumprindo apreciar e decidir:

I - A questão fundamental na análise dos presentes autos centra-se na interpretação do artigo 328.º, n.º 6, do Código de Processo Penal. Tal tarefa reconduz-se à aplicação de princípios fundamentais, visando a consagração de uma interpretação permitida pela lei e arredando a possibilidade de uma analogia proibida por situada à margem do princípio da legalidade.

Como refere Figueiredo Dias, as palavras em que o legislador consagra o comando legal nem sempre se apresentam ausentes de qualquer equivocidade e, pelo contrário, muitas vezes denotam uma natureza polissémica face à qual se impõe a tarefa interpretativa. Por isso o texto legal se torna carente de interpretação, oferecendo as palavras que o compõem, segundo o seu sentido comum e literal, um quadro de significações dentro do qual o aplicador da lei se pode mover e pode optar sem ultrapassar os limites legítimos da interpretação. Fora deste quadro, sob não importa que argumento, o aplicador encontra-se inserido já no domínio da analogia proibida.

Um tal quadro não constitui por isso critério, ou elemento, mas limite da interpretação admissível em direito penal (1).

Também no domínio do direito processual penal, onde se movem e ganham expressão direitos fundamentais, não é admissível a injunção de regras que não se encontrem ancoradas na letra da lei. É uma imposição do princípio da legalidade e, necessariamente, da certeza e segurança da lei com directa impostação constitucional e característica do Estado de Direito. Como refere o mesmo mestre:

«Fundar ou agravar a responsabilidade do agente em uma qualquer base que caia fora do quadro de significações possíveis das palavras da lei não limita o poder do Estado e não defende os direitos, liberdades e garantias das pessoas. Por isso falta a um tal procedimento legitimação democrática e tem de lhe ser assacada violação da regra do Estado de direito. É claro que, dito isto, não ficam ainda apontados os critérios de que o intérprete se deve servir para eleger, de entre os sentidos possíveis das palavras, aquele que deve reputar-se jurídico-penalmente imposto. Se o caso couber em um dos sentidos possíveis das palavras da lei nada há, a partir daí, a acrescentar ou a retirar aos critérios gerais da interpretação jurídica.

Decisivo será assim, por um lado, que a interpretação seja teleologicamente comandada, isto é, em definitivo determinada à luz do fim almejado pela norma; e por outro que ela seja funcionalmente justificada, quer dizer, adequada à função que o conceito (e, em definitivo, a regulamentação) assume no sistema.» Na verdade, o intérprete move-se no âmbito das possíveis significações linguísticas do texto legal e tem de respeitar o sistema da lei, não lhe quebrando a harmonia, não lhe alterando ou rompendo a sua coerência interna. Só até onde chegue a tolerância do texto, e a elasticidade do sistema, é que o intérprete se pode resolver pela interpretação que dê à lei um sentido mais justo e mais apropriado às exigências da vida; só dentre as várias acepções que a letra da lei comporte, e o sistema não exclua, é que o juiz pode escolher, valorando-as pelos critérios da recta justiça e da utilidade prática (2). Sendo certo que o mesmo interprete está ligado aos juízos de valor, bem como aos sentidos e finalidades da norma inscritos no pensamento do legislador histórico, igualmente é exacto que o mesmo se deve comprometer com a análise das novas exigências e realidades, entretanto surgidas, as quais não estiveram presentes no espírito do mesmo legislador. Tal tarefa tem único limite que se consubstancia na impossibilidade de ultrapassar o teor literal da regulamentação e o seu campo de significações adequadas ao entendimento comum e normal das palavras constantes da norma a interpretar.

Como refere Jeschek, o sentido da lei, qualquer que ele seja, só pode expressar-se através de palavras. Estas são a matéria básica da interpretação e, por isso, deve ser sempre respeitado o sentido literal possível como limite extremo da interpretação (3).

O excurso ora ensaiado tem a sua origem na tese proposta pelo Ministério Público apontando para uma congruência sistémica entre a letra da norma ao referir que «[s]e não for possível retomar a audiência neste prazo perde a eficácia a produção de prova já realizada» e a interpretação no sentido de que «a produção da prova não perde eficácia se tiver havido documentação das declarações prestadas».

Estamos em crer que tal pretendida interpretação da norma não se pode, em bom rigor, assumir e caracterizar como tal pois que ultrapassa, e contradiz, a letra da lei, conformando e introduzindo no sistema uma norma de teor distinto, e eventualmente complementar, do artigo 328.º, n.º 6, do Código de Processo Penal. Porém, e não discutindo agora a existência de exigências de articulação da concentração da audiência em função das alterações legislativas operadas pelas sucessivas reformas da lei processual, o certo é que tratamos, aqui e agora, de interpretação da norma e não da criação da norma.

Dito por outra forma, diremos que toda a interpretação começa pela palavra e não contra a palavra.

II - Como refere Figueiredo Dias, é na audiência de discussão e julgamento que o princípio da concentração ganha o seu maior relevo, ligando-se aí aos princípios da forma, enquanto corolário dos princípios da oralidade e da imediação.

Salienta, ainda o mesmo autor que «[a] oralidade e a imediação exigem uma audiência unitária, e continuada, em que tenha lugar a apreciação conjunta e esgotante de toda a matéria do processo. Daqui a concentração espacial - a propósito da qual se fala também por vezes de um princípio de localização -, exigindo que a audiência se desenvolva por inteiro em um mesmo local, apropriado ao fim que com ela se pretende obter e aonde devem ser trazidos todos os participantes processuais (a sala de audiência); e a concentração temporal exigindo que, uma vez iniciada a audiência, ela decorra sem solução de continuidade até final. O artigo 328.º consagra claramente o princípio da concentração no que toca à sua manifestação temporal de continuidade da audiência: 'a audiência é contínua, decorrendo sem qualquer interrupção ou adiamento até ao seu encerramento'.

[...] Os intervalos limitativos da continuidade da audiência podem ter lugar sob a forma de simples interrupções, ou de verdadeiros adiamentos, se a simples interrupção não for bastante para remover o obstáculo (artigo 328.º, n.os 2 e 3) à interrupção ou ao adiamento por período não superior a 5 dias, o CPP liga o efeito da continuação da audiência - esta retoma-se a partir do último acto processual praticado na audiência interrompida ou adiada: ao adiamento por tempo superior a 5 dias, e até 30, corresponde uma decisão do tribunal, oficiosa ou a requerimento, no sentido da repetição ou não de alguns dos actos já realizados; ao adiamento superior a 30 dias, em regra não admissível, liga o CPP o efeito do recomeço da audiência - a prova já realizada perde toda a eficácia (artigo 328.º, n.os 4, 5 e 6).» Mais refere que o CPP, ao diminuir a rigidez das legislações que ligam a distinção entre interrupção e adiamento, para efeito de a audiência continuar no primeiro caso e de recomeçar no segundo, ponderou daquele modo as ligações estreitas entre este princípio da concentração e o princípio da imediação (4) (5).

Mas, pergunta-se, qual é a razão de ser desse relacionamento entre, por um lado, a imediação e a oralidade e, por outro, o princípio da concentração e que mais-valia representa tal conhecimento para a questão que analisamos? O princípio da oralidade e o princípio da publicidade assumem-se como pertencendo ao núcleo de princípios fundamentais de processo penal. Como tal o princípio da oralidade revela uma dupla vertente, quer na sua aplicação directa e imediata quer como matriz de outros princípios processuais como a imediação e concentração.

Pode-se dizer que a oralidade consubstancia um complexo de ideias que confluem, e se traduzem, em vários princípios intimamente ligados entre si, o que a transforma num princípio de operatividade no sistema processual pois que, sem a sua presença, não se podem aplicar de forma eficaz outros princípios processuais como é o caso da publicidade (6) (7).

Como refere Figueiredo Dias (8): «Quando se fala da 'oralidade' como princípio geral do processo penal, tem-se em vista a forma oral de atingir a decisão. O processo será dominado pelo princípio da escrita quando o juiz profere a decisão na base de actos processuais que foram produzidos por escrito (actas, protocolos, etc.); será pelo contrário dominado pelo princípio da oralidade quando a decisão é proferida com base em uma audiência de discussão oral da matéria a considerar. É exactamente isto - mas só isto - que com o princípio da oralidade se quer significar» (9) (10).

Sem embargo importa salientar o papel que o princípio da oralidade desempenha como culminar de uma evolução com génese na diferente perspectiva sobre o conhecimento. Citando Mauro Cappelletti: «O sistema da oralidade, aplicado no terreno das provas, e em particular nas provas a serem constituídas, assinala o momento do ingresso, também no mundo do juízo jurisdicional, daquele diverso método de raciocínio, que, originado na passagem do Medioevo ao Renascimento, e estando sublinhado por nomes como Galileo Galilei e Bacon, o fundador da escola experimental moderna, e de tantos outros pensadores e homens da ciência, encontra-se, hoje, sem dúvida, na base do conceito de juízo em geral. Este deve estar fundamentado, não em apriorismos escolásticos, nem em simples abstracções, mas sobre a análise fenomenológica e experimental da realidade, tal como essa se manifesta à observação. É certo que este método implica uma renovada confiança no homem, e, assim, naquilo que aqui particularmente nos interessa, no homem-juiz, nas capacidades de objectiva observação e de análise serena e imparcial dos dados observados. As rígidas tarifas matemáticas de valoração das provas - testis unus testis nullus - , etc., eram, certamente, de mais fácil aprendizagem e aplicação do que o critério do livre convencimento fundado na integral análise e valoração do fenómeno observado. No primeiro caso, ao juiz bastava levar em conta apenas uma ou algumas das manifestações daquele dado: por exemplo, o número de testemunhas, seu nível social, seu sexo et similia. Na segunda hipótese, ao contrário, as manifestações a serem valoradas podem ser infinitas, nem podem ser aprioristicamente indicadas e 'pesadas' pela lei.» Inextricavelmente ligado ao princípio da oralidade deparamos com o princípio da imediação que, em geral, se pode definir como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da sua decisão.

Também aqui, como no princípio da oralidade, o ponto de vista decisivo é o da forma de obter a decisão (11).

Fazendo apelo às palavras de Perfecto Andrés Ibáñez, «o princípio da imediação relaciona-se com o carácter imediato, quer dizer, não mediado ou livre de interferências, da relação de todos os sujeitos processuais entre si e com o objecto da causa, que propicia tal modo de conceber o processo. Assim, para Calamandrei, pondo a ênfase na dimensão da interactividade, 'imediação significa presença simultânea dos vários sujeitos do processo no mesmo lugar, e, por conseguinte, possibilidade de fontes de prova aonde os autores farão maior empenho'. Frente ao processo penal do antigo regime, no qual o processo se efectuava sobre um material que o tribunal recebia por escrito e, portanto, já elaborado em outra sede (morto, no dizer de Pagano), se afirma agora a superioridade do juízo presencial, em tempo real, que, em expressivos termos do mesmo autor, oferece a vantagem de que 'na viva voz falam também o rosto, os olhos, a cor, o movimento, o tom de voz, o modo de dizer, e tantas outras pequenas circunstâncias, que modificam desenvolvem o sentido das palavras e fornecem tantos indícios a favor ou contra do afirmado com elas'. Portanto, imediação como 'observação imediata' (Florian); como forma de 'encurtar as distâncias' (Carnelutti) ou de 'integral e directa percepção, por parte do juiz, da prova (Silva Melero)'.» Na verdade, na prova há coisas que, necessariamente, se têm de apreciar directamente e há outras que não necessitam de ser apreciadas da mesma maneira pois estão numa relação mais directa com a apreciação e valoração de verosimilhança. É assim que importa distinguir dois planos essenciais e igualmente importantes: primeiro distinguir entre a prova como fonte de conhecimento e o meio de prova ou, dito por outra forma, entre a credibilidade daquele que prova e a prova como realidade jurídica propriamente dita.

Exemplificando o exposto, chama-se à colação o exemplo da credibilidade da testemunha, ou do perito, que se apresenta como terceiro imparcial, que se apresenta como conhecedor dos factos, ou de determinados conhecimentos técnicos ou científicos e, por outro, a verosimilhança daquilo que se afirma, ou certifica, e incorpora como fidedigno mediante o depoimento da testemunha ou do perito. Falamos, assim, de coisas distintas e que se apreciam de modo diverso.

Sem dúvida que a imediação torna possível, na apreciação das provas, a formação de um juízo insubstituível sobre a credibilidade da prova; das razões que se podem observar, no exame directo da prova, para acreditar, ou não acreditar, na mesma.

Significa o exposto que a imediação é o meio pelo qual o tribunal realiza um acto de credibilização sustentada sobre determinados meios de prova em relação a outros.

Exemplifica-se o exposto recorrendo ao caso do testemunho que parece mais digno de crédito do que um outro pela percepção directa e imediata do seu relato e das circunstâncias em que o mesmo se desenrolou: terá sido mais categórico, eventualmente mais seguro; terá recorrido menos vezes à aquiescência tácita de terceiro; ter-se-á expressado em termos mais correntes e mais próprios da sua condição social o que induziu o tribunal a pensar que o seu testemunho era mais fidedigno e menos passível de preparação prévia; suportou com maior à-vontade o exercício do contraditório.

Todas estas, que são razões que servem para acreditar em determinadas provas, e não acreditar noutras, sem dúvida que só são susceptíveis de ser apreciadas directamente pela pessoa que as avalia - o juiz de julgamento em primeira instância - e a possibilidade de admitir que tais circunstâncias possam ser aferidas somente com recurso a um escrito - a denominada transcrição - produz uma evidente dificuldade pela ausência, ou diminuta qualidade de informação carreada para o tribunal, susceptível de o informar sobre as razões da atribuição de credibilidade.

A opção por dar fé a um meio de prova sobre outro é selecção que se deve realizar com apelo à imediação já que não pode ser feita de outra forma sem cair em decisões arbitrárias, pois só a presença directa perante aquele que decide permite aplicar claramente os critérios que permitem optar no caso concreto por uma prova A ou B.

Esta opção também tem de ser fundamentada, ou motivada, para efeito de conhecer qual o critério de preferência de uma prova sobre outra: maior coerência; maior precisão; maior serenidade; maior dignidade. Porém, é fora de dúvida que, quando a decisão sobre a credibilidade opera pelo jogo fundamental da regra da imediação, dificilmente é passível de ser controlada por um juiz que não tenha aquela relação directa e imediata com a prova, sendo, a nosso ver, inconsequente, em termos dogmáticos e práticos, a defesa das transcrições, das cassetes gravada ou outro tipo de suporte, como uma forma de imediação ou um sucedâneo desta.

Sem embargo sempre se dirá, ainda, que a credibilidade em concreto de cada meio de prova tem subjacente a aplicação de máximas da experiência comum que informam a opção do julgador. A sua aplicação concreta está, sem dúvida, fora de qualquer eventual controlo, mas a legitimidade daquela regra da experiência, como norma geral e abstracta, poderá ser questionada caso careça de razoabilidade. Assim, a determinação da credibilidade como segmento do âmbito estritamente do juiz da 1.ª instância está condicionada pela aplicação de regras da experiência que têm de ser válidas, e legítimas, dentro de um determinado contexto histórico e jurídico.

III - Ao prescrever a inadmissibilidade de um adiamento por tempo superior a 30 dias, o legislador revê-se nos princípios da imediação e da oralidade e no seu significado mais profundo em termos de compreensão global da sua função no processo e, nomeadamente, na fase de audiência.

Na verdade, e como bem refere Paulo Pinto Albuquerque (12), a imediação e a descoberta da verdade são prejudicados pela interrupção da produção da prova repetidas vezes, ou por períodos longos, pois ela torna impossível a captação da uma imagem global dos meios de prova e a formulação de um juízo concatenado de toda a prova.

Como forma de reduzir os riscos que o tempo e a duração do processo podem provocar na memória do julgador inscreve-se o princípio da concentração, que sublinha a necessidade de proximidade entre os diversos actos processuais para que o juiz possa valer-se da impressão deixada no seu espírito pelos testemunhos e depoimentos.

Consequentemente, para que a oralidade seja efectiva e traga todos os benefícios inerentes à sua aplicação, torna-se necessária a produção de um mínimo de sessões de audiência ou, idealmente, a produção de apenas uma audiência. A proximidade temporal entre aquilo que o juiz apreendeu, por sua observação pessoal, e o momento em que deverá avaliá-lo na sentença é elemento decisivo para a preservação das vantagens do princípio, pois um intervalo de tempo excessivo entre a audiência e o julgamento tornará difícil ao julgador conservar, com nitidez, na memória os elementos que o tenham impressionado na recepção da prova, fruto de sua observação pessoal sujeita a desaparecer com o passar do tempo.

No que respeita à concentração, Juan Montero Aroca, enfatizando a questão de os actos processuais desenvolverem-se apenas em uma audiência ou quando muito em poucas audiências próximas no tempo entre si, afirma: «[...] la concentración supone que llos actos procesales deben desarrollarse en una sola audiência, o en todo caso en unas pocas audiencias próximas temporalmente entre si, con el objetivo evidente de que las manifestaciones realizadas de palavra por partes ante el juez y las pruebas permanezcan fielmente en la memória de éste a la hora de dictar la sentencia».

Na verdade, todo o processo aquisitivo da informação em que se consubstancia a produção de prova como relação directa e imediata entre o meio de prova e o julgador perde definição e esbate-se com o distanciamento temporal. Deixa de ter sentido a afirmação de uma imediação no plano jurídico quando tal imediação é negada pela neurofisiologia e pelos mecanismos da memória.

Efectivamente, o processo de memorização é complexo, envolvendo sofisticadas reacções químicas e implicando os neurotransmissores. O facto antigo naturalmente tem mais tempo de se fixar no «banco de dados» que funciona no cérebro humano e daí sua maior permanência, o que não ocorre com factos recentes, que têm pouco tempo para se fixarem e ainda podem ter a sua capacidade de fixação alterada por razões relacionadas com variações de estado emocional ou problemas de ordem física.

Importa reter que a memória é dividida em três componentes: a imediata, a intermediária e a remota. A imediata diz respeito a factos recentes próximos (de horas e poucos dias). É denominada também memória primária ou de trabalho. Mantém informações temporárias e tem uma capacidade limitada.

A intermediária diz respeito a factos de semanas e meses.

A memória remota é denominada secundária ou operacional e se refere a factos antigos, do passado. São informações que ficam retidas por longo tempo e em geral estão relacionadas as repetições de experiências ou a condições que envolvem a experiência, como a emoção, por exemplo.

Relativamente ao tempo de duração, salienta-se que a memória de curto prazo, ou de trabalho, representa a informação instantânea e que sobrevive o tempo necessário apenas para a informação ser utilizada. Por seu turno, a memória de longo prazo é a informação que fica durante muito tempo. Os sistemas de curto e longo prazos estão ligados, transferindo informações de um para outro. Toda a informação passa primeiramente pela memória de trabalho. Se ela tiver algum valor, é então transferida para a memória de longo prazo. Caso contrário, a informação fica na memória de curto prazo enquanto for útil e depois é eliminada (13).

Memória de trabalho consiste, portanto, na informação armazenada para completar propósitos presentes ou objectivos de curto prazo ou, conforme refere Leiderman, memória de trabalho é um sistema que permite a manutenção temporária e o processamento da informação para elaborar e dirigir nossa conduta.

A memória de trabalho possui capacidade limitada e intervalo de curto armazenamento. É capaz de manter actividades diferentes de informação pelo tempo necessário para a execução de uma tarefa complexa. O seu elemento principal, o «executivo central», tem como uma das principais funções activar e integrar as representações na memória de longo termo.

O legislador ao fixar o prazo de 30 dias como limite inultrapassável certamente que se fundamentou na contribuição da ciência na definição do espaço temporal dentro do qual permanecem as percepções pessoais que fundamentam a atribuição de credibilidade a um determinado meio de prova.

Saliente-se aqui que o prazo referido - 30 dias - é assumido como realidade directamente conexionada com as aquisições científicas sobre a memória o que permite a inferência que o legislador pretendeu tal prazo como realidade científica e natural e não uma mera criação processual, ligando a sua contagem a itens que nada tem a ver com tal realidade.

Aqui chegados, emerge a questão suscitada pela ilustre representante do Ministério Público quando questiona se não devem merecer tratamento diverso da ineficácia da prova contemplada no artigo 328.º, n.º 6, do Código de Processo Penal as situações em que toda a prova se encontre documentada através da gravação magnetofónica ou áudio-visual.

A resposta afirmativa a tal questão não ultrapassa três objecções distintas: por um lado, e mesmo que se admita que tal interpretação é animada das melhores intenções, não se vislumbra como é possível a sua consagração sem uma violação clara, expressa e precisa da letra da lei. Por outro lado, a mesma interpretação filia-se numa visão mista dos princípios que regem a produção de prova, ou seja, em princípio vigoram os princípios da imediação e a oralidade mas, quando estes não forem possíveis, o julgador socorre-se da prova documentada. Em relação a parte da prova, o juiz faria recurso da informação que possuía na sua memória de trabalho para fundamentar a sua convicção mas, em relação a uma outra parte da mesma prova, já vigoraria a mediação da prova escrita proporcionada pela documentação (14).

Por último, mas não em último, entende-se que o novo regime de documentação da prova consubstanciado nos artigos 363.º e 364.º do Código de Processo Penal, culminando um processo iniciado em 1998, visa, essencialmente, assegurar o duplo grau de jurisdição em matéria de facto, bem como se entende que o mesmo consubstancia um instrumento auxiliar do tribunal na tarefa de fixação dos factos provados e não provados (15). Porém, tal função auxiliar e coadjuvante do juiz não pode ser o mandato para arredar princípios fundamentais na produção da prova como são a imediação e a oralidade.

Como refere Germano Marques da Silva em palavras cuja validade perdura e que se perfilham, «a problemática do registo da prova nada tem de ver com o princípio da oralidade mas apenas quanto à documentação da prova produzida oralmente em audiência, nem o registo magnético constitui fonte de delongas processuais, muito antes pelo contrário, em razão da disciplina que introduz na audiência. Que o registo da prova visa o recurso em matéria de facto, ou pelo menos também tem esse objectivo, não temos qualquer dúvida ser o fim procurado pelo legislador através das normas dos artigos 363.º e 364.º, como resulta dos artigos 412.º, n.º 4, e 431.º, alínea b), todos do Código de Processo Penal.

É claro que o registo da prova não visa exclusivamente o recurso, visa também auxiliar o tribunal que efectua o julgamento a rememorar a produção da prova e não só. Visa ainda a disciplina da audiência, acautelando precipitações ou desvios verbais dos vários intervenientes e também prevenir os depoimentos mentirosos das testemunhas pelo receio de posterior reprodução e confronto. Só por isto já se justificaria o registo, mas ele tem relevância essencial para os recursos em matéria de facto.» (16) É, assim, liminar a conclusão de que o registo da prova previsto no Código de Processo Penal nada tem a ver com o princípio da oralidade ou, como diz o autor citado, só tem a ver com esse princípio na medida em que respeita à documentação da prova produzida, ou examinada oralmente, na audiência de julgamento.

Lateralmente, diga-se, ainda, que, a nosso ver, configura uma contradição, sem valor para a interpretação do normativo em apreço, o apelo que alguns fazem à denominada oralidade documentada.

Permanecem com inteira validade as palavras de Bentham (17) quando a propósito da prova testemunhal, mas em termos configuráveis para qualquer percepção em função do tempo, afirmava «que uma outra causa de inexactidão no testemunho é a falta de memória que pode resultar da debilidade nos actos de percepção bem como pelo decurso do tempo.

A exactidão da concepção relativa a um determinado facto apresenta um limite máximo e não admite graduações; mas não ocorre o mesmo em relação à sua vivacidade e dela depende a nitidez da reminiscência, passado muito tempo.

A importância do facto é o que melhor contribui para a vivacidade da concepção.

Todavia, essa importância é susceptível de infinitos graus acima e abaixo do termo médio. Existem factos, aliás, a maioria deles, tão pouco importantes que passam como sombras sem deixar nenhum rastro na memória. Existem outros cuja importância absoluta ou relativa é tão grande para o indivíduo que, a menos que se suponha uma decadência quase total das faculdades, não é credível que se tenham apagado da memória.» É exactamente essa relatividade do conhecimento pautada pelo afastamento temporal que o normativo em causa pretende evitar e, fiel à exigência de um contacto directo e imediato com o meio de prova, traça um marco temporal intransponível.

IV - Entende-se, assim, que, decorrido o referido prazo de 30 dias cominado no referido n.º 6 do artigo 328.º, perde eficácia a produção de prova já realizada, o que acontece independentemente do facto de a mesma estar documentada. Porém, tal perda de eficácia apenas se deve conjugar no que toca à prova produzida em relação à qual constituam o eixo essencial os referidos princípios da imediação e da oralidade, o que nos conduz, na esteira da opinião de Paulo Pinto Albuquerque e Maia Gonçalves (18), à conclusão de que a razão de ser do preceito não exige a perda de eficácia e a repetição dos meios de prova e de obtenção de prova, que não colidem com o princípio da imediação, como tal se configurando v. g. a discussão e o exame dos documentos em audiência ou a discussão e o exame dos documentos na audiência e a leitura dos autos e declarações relativas a actos processuais realizados antes do julgamento.

Por exclusão de partes, a aplicação da norma em apreço seria circunscrita a todos aqueles meios de prova em relação aos quais a imediação surge em toda a sua plenitude, como é o caso da prova testemunhal e das declarações do arguido, assistente, partes civis, perito e consultor técnico, mas já não seria aplicável aos meios de prova e de obtenção da prova onde o mesmo princípio surge em conjugação com a fixação em documento da respectiva prova.

Uma outra reserva que importa efectuar é a de que a consequência da violação da norma é a perda de eficácia.

Tal prova produzida tem na sua génese um correcto caminho procedimental e está imaculada em relação a qualquer patologia genética, ou seja, embora produzida de forma válida, viu a sua eficácia afectada por um acontecimento posterior, que foi o do não prosseguimento da audiência no prazo de 30 dias. Sublinha-se que não existe aqui um vício processual de qualquer tipo genético em relação à prova produzida, mas tão-somente uma perda de eficácia que tem por consequência a necessidade da sua repetição. A mesma prova produzida deixa de ter qualquer virtualidade para fundamentar a convicção do julgador ou para produzir qualquer efeito processual.

A não repetição nos termos expostos é que, essa sim, configura uma omissão susceptível de configurar o vício a que alude o artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do diploma citado.

Em conformidade com o exposto, o Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, reunido em conferência, delibera na procedência do recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência interposto por António Carlos Fialho Mendes e, em consequência, fixar jurisprudência nos seguintes termos:

Nos termos do artigo 328.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, o adiamento da audiência de julgamento por prazo superior a 30 dias implica a perda de eficácia da prova produzida com sujeição ao princípio da imediação;

Tal perda de eficácia ocorre independentemente da existência de documentação a que alude o artigo 363.º do mesmo diploma.

Igualmente se determina a revogação da decisão recorrida e se ordena o reenvio, oportunamente, do processo ao Tribunal da Relação de Lisboa a fim de que reveja a decisão recorrida de acordo com a jurisprudência fixada.

Dê-se observância ao disposto no artigo 444.º do Código de Processo Penal.

Sem custas.

(1) Questões Fundamentais, pp. 190 e seg.

(2) Manuel Andrade, Ensaio sobre a Teoria de Interpretação das Leis, pp. 35 e seg.

(3) Tratado de Derecho Penal, pp. 104 e seg.

(4) Princípios de Processo Penal, pp. 124 e seg.

(5) Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Julho de 2007, relator juiz conselheiro Oliveira Mendes.

(6) Segundo Montero Aroca, Los Principios Politicos de la Nueva Ley de Enjuiciamento Civil, «Sin oralidad no hay publicidad. En un procedimiento escrito las normas legales pueden estabelecer la publicidad pero so normas de imposible cumplimiento en la pratica. Solo un processo oral y concentrado permite la publicidad y com ella la fiscalizacion del funcionamento de la justicia.» (7) O princípio da publicidade tem como pressuposto o princípio da oralidade, tendo em vista que o julgamento oral nos remete a um julgamento público, que coloca o tribunal sob o controlo público com o intuito de gerar nas consciências a responsabilidade frente ao Estado democrático de direito, o qual não admite qualquer resquício de arbítrio.

(8) Ob. cit., p. 120.

(9) Mauro Capelleti, O Valor Actual do Princípio da Oralidade.

(10) Sobre a relação entre oralidade e o exercício do contraditório, cf. Gilbero Lozi, «I principi dell'oralita e del contradditorio nel processo penale», Revista Italiana di Diritto e procedura penale, pp. 670 e seg.

(11) Perfecto Andrés Ibáñez, Valoração da Prova e Sentença Penal, pp. 4 e seg.

(12) Comentário do Código de Processo Penal, p. 808.

(13) Até meados da década de 1960, conforme Baddeley e Hitch (1994), a memória era perspectivada como um sistema unitário. Nesta data começou a tomar-se consciência que a memória continha um sistema duplo de armazenamento: de curto e de longo termos. A partir desse momento, começou a acreditar-se que a memória de curto termo actuaria como um tipo de memória activa, e esta seria responsável pelo processo de aprendizagem, raciocínio, resolução de problemas, memória, e outras tarefas cognitivas. No entanto algumas falhas processuais foram notadas: apesar do esgotamento da memória de curto termo até a sua capacidade máxima, os indivíduos conseguiam continuar executando tarefas cognitivas. Percebeu-se, então, que o componente que permitia realizar tarefas cognitivas não é o mesmo que permite o armazenamento na memória de curto termo. Surgiu, então, um novo componente chamado de memória de trabalho (working memory), que permite, em síntese: 1) manter transitoriamente as representações na mente por um período curto de tempo;

2) processar a informação necessária para realizar uma grande variedade de tarefas cognitivas, como compreensão da linguagem, operações matemáticas e raciocínio. - Miranda, Angélica C. D.; Nunes, Israel H.; Silveira, Roberto M., Fialho, Francisco A. P.;

Santos, Néri dos, e Machado, Eduardo A. C. de (2006). «A importância da memória de trabalho na gestão do conhecimento», Ciências & Cognição, ano 03, vol. 09, disponível em www.cienciasecognicao.org.

(14) Sem embargo das questões que o actual recurso aos meios de gravação magnetofónica podem suscitar quando da sua apreciação em sede de apreciação pelo colectivo do tribunal de recurso ou quando usados como substituto do princípio da imediação. A título de exemplo, cite-se a necessidade de a documentação ser percepcionada pela plenitude dos juízes intervenientes, em conjunto, e não apenas pelo juiz relator ou pelo presidente do tribunal colectivo.

(15) Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 234/93 e 322/93.

(16) Estudos em Homenagem de Cunha Rodrigues, pp. 801 e segs.

(17) Jeremy Bentham, Tratado das Provas Judiciais, ed. espanhola, pp. 40 e seg.

(18) Respectivamente Comentário, p. 810, e Código de Processo Penal Anotado, p.

642.

Lisboa, 29 de Outubro de 2008. - José António Henriques dos Santos Cabral (relator) - António Jorge Fernandes de Oliveira Mendes - José Adriano Machado Souto de Moura - Eduardo Maia Figueira da Costa (vencido, de acordo com o voto do conselheiro Carmona da Mota) - António Pires Henriques da Graça - Raul Eduardo do Vale Raposo Borges (vencido, de acordo com a posição do Exmo. Conselheiro Carmona da Mota) - Jorge Henrique Soares Ramos (com declaração anexa) - Fernando Manuel Cerejo Fróis - José António Carmona da Mota (vencido, de acordo com a declaração de voto em anexo) - António Pereira Madeira - Manuel José Carrilho de Simas Santos (vencido nos termos da declaração anexa apresentada pelo conselheiro Carmona da Mota) - José Vaz dos Santos Carvalho - António Silva Henriques Gaspar - António Artur Rodrigues da Costa - Armindo dos Santos Monteiro - Arménio Augusto Malheiro de Castro Sottomayor (vencido nos termos da declaração apresentada pelo conselheiro Carmona da Mota) - Luís António Noronha Nascimento (presidente).

Declaração de voto

Pelas exactas razões que levaram o MP a subscrevê-la, também eu tenho enfileirado na corrente jurisprudencial que sustenta, a propósito da norma do constante da segunda parte do n.º 6 do artigo 328.º do Código de Processo Penal, que «se a audiência não puder ser retomada no prazo de 30 dias, a produção da prova já realizada não perde eficácia se tiver havido documentação das declarações prestadas oralmente em audiência, através de gravação magnetofónica ou áudio-visual ou de outros meios técnicos idóneos à reprodução integral daquelas».

Com efeito, tal norma visará não propriamente sancionar a desconcentração da prova em audiência (até porque a repetição da prova, a pretexto de a concentrar, acabará por prejudicar a realização do julgamento em «prazo razoável») mas, simplesmente, remediar a dissipação na memória dos julgadores, após o decurso de um determinado período (que fixou, algo arbitrariamente, em 30 dias), da chamada «prova volátil»: a sua suposta «volatilização» com a passagem do tempo obrigá-la-ia, para refrescamento da memória dos julgadores, a repetir-se (1).

Porém, não se poderá falar em «prova volátil» quando tenha havido «documentação das declarações prestadas oralmente em audiência, através de gravação magnetofónica ou áudio-visual ou de outros meios técnicos idóneos à reprodução integral daquelas».

Aliás, a «documentação» da «prova volátil» destina-se, justamente, a evitar a sua dissipação. «Diz-se documento qualquer objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma coisa, pessoa ou facto» (artigo 362.º do CC). Além de que os «documentos autênticos» (como são os obtidos, pela autoridade judiciária, através de gravação magnetofónica ou áudio-visual: cf. artigo 363.º, n.º 2) «fazem prova plena dos factos atestados com base nas percepções da entidade documentadora» (artigo 371.º, n.º 1). Nesta senda, a Lei 48/2007, de 29 de Agosto (que procedeu à 15.ª alteração ao Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei 78/87, de 17 de Fevereiro), deu aos artigos 363.º e 364.º do CPP a seguinte redacção:

«Artigo 363.º

Documentação de declarações orais

As declarações prestadas oralmente na audiência são sempre documentadas na acta, sob pena de nulidade.

Artigo 364.º

Forma da documentação

A documentação das declarações prestadas oralmente na audiência é efectuada, em regra, através de gravação magnetofónica ou áudio-visual, sem prejuízo da utilização de meios estenográficos ou estenotípicos, ou de outros meios técnicos idóneos a assegurar a reprodução integral daquelas. É correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 101.º» Assim, devendo limitar-se a «perda de eficácia» decretada pela segunda parte do artigo 328.º, n.º 6, do CPP (2) - como todos estarão de acordo - à chamada «prova volátil» («prova [oral] produzida com sujeição ao princípio da imediação»), a respectiva «documentação», garantindo a sua perenidade, deixará de justificar tão drástica cominação (3).

Ademais, a interpretação da lei não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada (4) e as condições específicas do tempo em que é aplicada» (artigo 9.º, n.º 1, do CC), além de que, «na fixação e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas» (artigo 9.º, n.º 3):

«29) Deste modo, mostrando-se ultrapassados os receios de um eventual risco de esquecimento do que se passou em audiência e de impossibilidade de apreciação unitária da prova - receios que justificam a continuidade da audiência e aconselham a preclusão da prova quando aquela não se verificar - , não pode deixar de se considerar desproporcionada a preclusão da prova já realizada sempre que tenha havido gravação magnetofónica ou áudio-visual, ou a utilização de outros meios técnicos idóneos a assegurar a reprodução integral das declarações prestadas oralmente em audiência;

30) Por outro lado, sendo o princípio da continuidade um verdadeiro garante da aceleração processual na fase do julgamento, a preclusão da prova em virtude de não ter sido possível retomar a audiência no prazo referido no n.º 6 do artigo 328.º, nos casos em que o tribunal tenha procedido ao registo integral da prova produzida, acabaria afinal por redundar numa contraproducente e incompreensível negação do princípio da celeridade, face à possibilidade que tem o tribunal de, se necessário, actualizar, recorrendo ao conteúdo das gravações, as declarações, bem como as impressões, colhidas no momento, que elas deixaram;

31) E tanto mais que a perda de eficácia da prova pode acarretar gravame desmesurado, quer para o arguido quer para a vítima, sendo que ficaria particularmente afectada a prossecução das finalidades do processo - realização da justiça, tutela de bens jurídicos, estabilização das normas, paz jurídica dos cidadãos - em tempo útil;

32) A todos os inconvenientes e gravames acima expostos, acresceriam ainda os sobejamente conhecidos riscos decorrentes da repetição de depoimentos» (5).

A interpretação ora contraproposta - diga-se por último - tem até caução constitucional: «Não se vislumbra [...] que determine uma intolerável restrição do direito de acesso aos tribunais, do direito a decisão em prazo razoável mediante processo equitativo, das garantias de defesa do arguido, incluindo o direito de recurso, da presunção de inocência do arguido ou do direito a ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa (artigos 20.º, n.os 1 e 4, e 32.º, n.os 1 e 2, da CRP), o entendimento de que não perde eficácia a prova produzida em audiência de julgamento, que foi objecto de gravação, pela circunstância de se ter verificado um intervalo de cerca de dois meses entre duas sessões desse mesmo julgamento. As preocupações de celeridade seriam até afectadas se, em vez de se reconhecer eficácia à prova produzida na sessão anterior à interrupção, se impusesse a renovação de todo o julgamento ou a repetição dessa prova. E, por outro lado, a existência de documentação de prova e a não desmesurada dilação entre as duas sessões é de molde a afastar o risco de desvanecimento ou confusão na memória dos intervenientes processuais das ocorrências verificadas na sessão anterior. Como se salienta nas contra-alegações do Ministério Público, existindo registo integral, facilmente consultável, quer pelo tribunal quer pelos sujeitos processuais, da prova produzida em audiência, a interrupção, mesmo por período temporal superior a 30 dias, das diligências probatórias, não é de molde a afectar a correcta e adequada valoração final das provas. [Tribunal Constitucional, 25 de Setembro de 2007, Acórdão 473/2007, conselheiros Mário José de Araújo Torres, Benjamim Silva Rodrigues, João Cura Mariano, Joaquim de Sousa Ribeiro e Rui Manuel Moura Ramos).

Votei, pois, que se firmasse jurisprudência no sentido proposto pelo MP nas suas alegações escritas.

(1) «A referida norma constituiu uma inovação do actual CPP, no contexto da afirmação do princípio da continuidade da audiência, salientando os comentadores que ela 'radica na oralidade e imediação da prova, que se não pode esvanecer na mente dos julgadores', (M. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 14.ª ed., Coimbra, 2004, p. 642).

(2) «O adiamento não pode exceder 30 dias. Se não for possível retomar a audiência neste prazo, perde eficácia a produção de prova já realizada.» (3) Tanto mais que a não documentação na acta das «declarações prestadas oralmente na audiência» passou a implicar «nulidade».

(4) «19) Ao tempo da entrada em vigor do novo Código de Processo Penal, o apetrechamento dos tribunais com os meios técnicos idóneos a assegurar a reprodução integral das declarações prestadas oralmente em audiência estava ainda muito longe de se ter iniciado;

20) Tendo presente, nomeadamente, os casos de julgamentos com prova complexa e as consabidas limitações da memória humana, que o decurso do tempo potencia, aceita-se que a lei considerasse um período superior a 30 dias favorável ao esquecimento do conteúdo das declarações prestadas oralmente em audiência, bem como das impressões vivas colhidas quando da sua produção, e adverso à apreciação, que se pretende global e não atomista, da prova produzida;

21) Compreende-se, por isso, que, embora negando o princípio da celeridade, se tenha dado prevalência ao princípio da imediação, de que o da concentração é instrumental, e se tenha cominado com a perda de eficácia da produção de prova já realizada sempre que a audiência não pudesse ser retomada no aludido prazo de 30 dias;

22) Mesmo que o juiz, na marcação da data para a continuação de audiência adiada, não tivesse infringido a norma constante da primeira parte do artigo 328.º, n.º 6 - o adiamento não pode exceder 30 dias - , se não fosse possível, por qualquer motivo, ainda que ponderoso, retomar a audiência no aludido prazo de 30 dias, perdia eficácia a produção da prova realizada;

23) E aceita-se que assim fosse, pois o adiamento não pode ser tão espaçado que, por implicar a possibilidade de frustração de uma apreciação unitária, acabe por defraudar o princípio processual da imediação, e os que dele são instrumentais, indispensáveis ao julgamento;

24) Percebe-se, pois, a opção da lei no sentido da preclusão da prova num período em que os tribunais não se encontravam ainda apetrechados com os meios técnicos idóneos a assegurar reprodução integral das declarações prestadas oralmente em audiência;

25) Mas já há vários anos que a documentação da prova passou a ser bem diversa.

Não estamos já perante «prova ditada para a acta». A documentação da prova é efectivada através de meios técnicos de gravação magnetofónica ou áudio-visual;

26) Gravações de que o tribunal singular, colectivo ou do júri se pode socorrer como meio de controlo da prova produzida em audiência de julgamento;

27) Nestes casos, o tribunal de 1.ª instância encontra-se mesmo numa posição privilegiada para, ainda que excepcionalmente não lhe seja possível retomar a audiência no prazo de 30 dias, poder ainda fazer uma apreciação unitária da prova» (cf. alegações escritas do MP).

(5) Cf. alegações escritas do MP.

J. Carmona da Mota.

Declaração

Vinculado aos princípios da concentração, da oralidade e da celeridade processual e na convicção de que o esclarecido legislador, certamente não desatento à época da reforma de 98, não quis outra coisa senão o que é lícito extrair da letra do preceito em causa, adequaria o sector deliberativo do acórdão, radicalizando-o - sem embargo de reconhecer que pode conduzir a situações chocantes -, por forma a não resultar circunscrita a aplicação da norma aos ressalvados meios de prova não colidentes com o princípio da imediação. - Jorge Henrique Soares Ramos.

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2008/12/11/plain-243593.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/243593.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1987-02-17 - Decreto-Lei 78/87 - Ministério da Justiça

    Aprova o Código de Processo Penal.

  • Tem documento Em vigor 1995-02-15 - Decreto-Lei 39/95 - Ministério da Justiça

    Revê, em ordem a consagração da regra da gravação sonora, sem inviabilizar o recurso a meios audiovisuais ou a outros processos técnicos semelhantes de que o tribunal possa dispor, varias matérias em sede dos Códigos de Processo Civil (aprovado pelo Decreto Lei 44129, de 28 de Dezembro de 1961), e das Custas Judiciais (aprovado pelo Decreto Lei 44329, de 8 de Maio de 1962). Dispõe, nomeadamente, quanto ao registo dos depoimentos, aos procedimentos cautelares, aos processos especiais e sumário, adiamento da (...)

  • Tem documento Em vigor 1998-08-25 - Lei 59/98 - Assembleia da República

    Altera o Código do Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei 78/87 de 17 de Fevereiro, na redacção introduzida pelos Decretos-Leis 387-E/87, de 29 de Dezembro, 212/89, de 30 de Junho e 317/95, de 28 de Novembro. Republicado na integra, o referido código, com as alterações resultantes deste diploma.

  • Tem documento Em vigor 2007-08-29 - Lei 48/2007 - Assembleia da República

    Altera (15.º alteração) e republica o Código de Processo Penal.

Ligações para este documento

Este documento é referido nos seguintes documentos (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

O URL desta página é:

Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda