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Acórdão 16/2010, de 22 de Fevereiro

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Sumário

Decide julgar inconstitucional [por violação do nº 1 do art. 32º da Constituição] a interpretação do artigo 380.º, em conjugação com o artigo 411.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, segundo a qual o pedido de correcção de uma decisão, formulado pelo arguido, não suspende o prazo para este interpor recurso dessa mesma decisão. (Proc. 142/09).

Texto do documento

Acórdão 16/2010

Processo 142/09

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I - Relatório

1 - Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Guimarães, em que é recorrente José marques, e recorrido o Instituto de Solidariedade e Segurança Social, IP, e o Ministério Público, foi interposto recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da lei do Tribunal Constitucional (LTC),

nos seguintes termos:

«José Marques, recorrente no processo à margem referenciado, inconformado com a apreciação e decisão desse Venerando Tribunal, vertido no Acórdão da conferência, acerca da invocada inconstitucionalidade material do artigo 380.º da CPP, quando interpretado no sentido em que este normativo legal "estabelece um regime próprio de correcção das decisões judiciais que difere substancialmente dos artigos 667.º e 669.º, ambos do Código do Processo Civil, desde logo porque a discordância relativamente a uma decisão judicial, assim como os erros de julgamento ou as suas omissões como omissões de pronúncia, só pode motivar recurso, se o mesmo for admissível e não um pedido de aclaração que iria implicar, a ser aceite, uma modificação essencial da decisão em causa, o que o artigo 380.º, n.º 1 do CPP não consente";

E em consequência "nos termos do disposto no artigo 411.º do Código do Processo Penal (CPP) o prazo para interposição do recurso é de 20 dias a contar de, tratando-se de sentença, do respectivo depósito. Se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada aquele prazo é elevado para 30 dias [...];

Pelo que em Processo Penal, à data da apresentação do recurso - antes de 2 de Janeiro de 2008 - era inaplicável o "artigo 686.º do Código do Processo Civil ao processo penal" por força do artigo 4.º do CPP.

E, em consequência, entendeu esse Venerando Tribunal que tal interpretação do artigo 380.º do CPP não viola os princípios constitucionais consagrados nos artigo 205.º, n.º 1 - dever de fundamentação das sentenças na forma prevista por lei - e 32, n.º 1 da CRP - princípio das garantias de defesa de processo criminal, incluindo o direito de

recurso.

Da "decisão surpresa":

Sem que nada o fizesse prever, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães agora posto em crise sustenta que: "O artigo 686.º do Código do Processo Civil foi revogado pelo artigo 9 do Dec.-Lei 303/2007, de 24 de Agosto". Pelo que seria inaplicável ao processo em causa já que "Este Novo regime foi ditado pela necessidade de imprimir maior celeridade processual, evitando a formulação de pedidos de correcção, arguição de nulidades, e pedidos de esclarecimento manifestamente dilatórios com o único propósito de dilatar o prazo de interposição de recurso.

Celeridade processual que se acentua no âmbito do processo criminal..."

Salvo devido respeito que é sempre muito, ainda que se aceite e compreenda a necessidade da aceleração processual que, em boa verdade se diga, na maioria das vezes não depende das partes ("in casu" do arguido/recorrente), sempre se dirá que sustentar como sustenta o Aresto da Veneranda Relação de Guimarães que a revogação do artigo 686.º do CPP o tornaria inaplicável ao caso em concreto sempre será uma decisão ilegal e inconstitucional.

Isto porque, o artigo 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei 303/2007, determina expressamente a sua inaplicabilidade aos processos em curso, como é o caso deste que

se aprecia.

Sendo ainda certo que, a revogação do artigo 686.º do CPC só operou em 1 de Janeiro de 2008, ou seja, bem depois da interposição do recurso em 8-11-2007.

Para além da violação expressa da lei decorrente da aplicabilidade da revogação do artigo 686.º do CPP ao caso em apreço, sempre se dirá que a redução das garantias dos cidadãos, concretamente do direito de conhecerem com o rigor exigível a real fundamentação de sentenças (neste caso condenatória), para dela poderem interpor recurso cabal (sobretudo atento o principio da preclusão), ainda que esta limitação decorra da alteração de leis processuais redutoras desse direito (de interposição de recurso quando haja rectificação, aclaração ou reforma de sentença) viola expressamente o artigo 18.º, n.º 3 da lei fundamental.

Pelo exposto, nos termos da alínea b), do n.º 1, do artigo 70, da lei do Tribunal Constitucional (doravante LTC), aprovada pela Lei 28/82, de 15 de Novembro, atentas as sucessivas alterações que lhe foram introduzidas, interpõe-se o presente recurso para o Venerando Tribunal Constitucional.

É recurso ordinário a subir nos próprios autos. Artigo 78.º, n.º 3 a LTC.

Desde já requer a sua admissão, por estar em tempo e recorrente ter legitimidade.

Pede e espera deferimento»

2 - Convidado a aperfeiçoar o requerimento de interposição do recurso, nomeadamente, no que respeita à identificação da norma ou interpretação normativa cuja inconstitucionalidade pretende que o Tribunal aprecie, o recorrente veio dizer o

seguinte:

«O que está em causa no presente recurso é a interpretação normativa perfilhada, inicialmente, na decisão sumária proferida no Venerando Tribunal da Relação de Guimarães e posteriormente assumida e reiterada no Douto Acórdão do redito Tribunal

da Relação de que aqui se recorre.

Segundo aquele Acórdão, o artigo 380.º do CPP"estabelece um regime próprio de correcção das decisões judiciais que difere substancialmente dos artigos 667.º e 669.º, ambos do Código do Processo Civil, desde logo porque a discordância relativamente a uma decisão judicial, assim como os erros de julgamento ou as suas omissões como omissões de pronúncia, só pode motivar recurso, se o mesmo for admissível e não um pedido de aclaração que iria implicar, a ser aceite, uma modificação essencial da decisão em causa, o que o artigo 380.º, n.º 1 do CPP não consente".

Em consequência, aquele Venerando Tribunal da Relação rejeitou o conhecimento de um recurso penal, interposto pelo aqui recorrente, Esse recurso, foi interposto dentro do prazo de 20 dias após a recepção de uma rectificação da sentença de primeira instancia.

Ora, salvo o devido respeito por melhor opinião, a interpretação normativa que o Acórdão aqui recorrido perfilha para o artigo 380.º do CPP viola materialmente o

artigo 32.º, n.º 1 da CRP.

Este normativo constitucional garante, em processo penal, o direito ao recurso.

Por sua vez, este está sujeito a normas próprias quanto à sua elaboração e sobretudo,

está sujeito, ao princípio da preclusão.

Se o recorrente não poder conhecer todos os motivos, de facto e de direitos, que presidiram à elaboração da sentença, não pode, em consequência, exercer de forma cabal o seu direito de recurso para um tribunal superior.

É que, como é consabido, devido ao princípio da preclusão, posteriormente à apresentação do recurso no tribunal superior, está vedado ao recorrente acrescentar-lhe ou modificar a argumentação daquele.

Na interpretação normativa do artigo 380.º do C. P. P. perfilhada no Acórdão recorrido, ao se entender (à data do Acórdão e considerando a legislação processual aplicável aos autos) veda-se a possibilidade de aguardar por uma aclaração de sentença em primeira instância (que aliás a veio a modificar).

Na linha dessa interpretação normativa impõe-se que o recorrente use (forçosamente) a faculdade de interposição de recurso da primeira para a segunda instância, sem que conheça de forma sustentada os fundamentos que presidiram à elaboração da sentença (que repete-se veio a ser modificada na aclaração).

A interpretação normativa perfilhada no Acórdão recorrido (doutrinária e jurisprudencialmente minoritária, diga-se por amor à verdade) produz um resultado avesso às garantias de defesa e de recurso subjacentes no artigo 32.º, n.º 1 da lei

Fundamental.

Para além disso, o dever de fundamentação das sentenças judiciais (artigo 205.º, n.º 1 da CRP) prende-se, na modesta opinião do recorrente, precisamente, na necessidade de dar a conhecer os motivos, de facto e de direito que presidiram à prolação de uma

dada sentença judicial.

A lei (penal) prevê a correcção da sentença (artigo 380.º do CPP) que permite no caso de erro, lapso, obscuridade, ou ambiguidade que não importem uma modificação essencial, que o Sr. Juiz "a quo" melhor conforme o seu dever constitucional de fundamentar, para posteriormente o arguido poder, sobre os motivos da fundamentação exercer o direito de recurso.

Por isso, afirma o recorrente, sem prejuízo doutra e melhor opinião, que o acórdão recorrido, na interpretação normativa que perfilha relativamente ao artigo 380.º do CPP, até seria violador do artigo 205.º, n.º 1 da CRP porquanto ao impedir, antes de recurso e por requerimento do arguido, a correcção da sentença ao Juiz do tribunal "a quo" estaria a permitir, em abstracto, que as sentenças proferidas em primeira instancia não estivessem obrigadas ao dever de fundamentação constitucionalmente consagrada

e legalmente fixado.

A rematar diga-se que em causa está a interpretação normativa perfilhada pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães aqui recorrido, relativamente ao artigo 380.º do CPP, no sentido em que impõe que a interposição de um recurso penal para o Tribunal da Relação se faça nos prazos fixados no artigo 411.º do CPP, independentemente de ter havido um pedido prévio de correcção da sentença.

Consequentemente impõem que o recurso seja interposto antes de ser conhecido o

resultado da rectificação requerida

Tal interpretação normativa, pelos motivos antes expandidos contraria materialmente as garantias de defesa consignadas no artigo 32.º, n.º 1 da CRP e permitiria a prolação de sentenças judiciais sem cumprimento cabal do dever constitucional e legal de fundamentação, nos termos do artigo 205.º, n.º da CRP A invocação de tal inconstitucionalidade foi expressamente arguida pelo recorrente, nos termos aqui desenhados, na reclamação para a conferência que interpôs da redita decisão sumária que rejeitou o conhecimento do recurso em segunda instância e que o

Acórdão aqui recorrido não reconheceu.

Para além, o Acórdão recorrido contém uma decisão surpresa, que o recorrente não

podia prever.

Sem que nada o fizesse prever, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães agora posto em crise sustenta que: "O artigo 686.º do Código do Processo Civil foi revogado pelo artigo 9 do Decreto-Lei 303/2007, de 24 de Agosto". Pelo que seria inaplicável ao processo em causa já que "Este Novo regime foi ditado pela necessidade de imprimir maior celeridade processual evitando a formulação de pedidos de correcção, arguição de nulidades, e pedidos de esclarecimento manifestamente dilatórios com o único propósito de dilatar o prazo de interposição de recurso.

Celeridade processual que se acentua no âmbito do processo criminal..."

Salvo devido respeito, sempre se dirá que sustentar como sustenta o Aresto da Veneranda Relação de Guimarães que a revogação do artigo 686.º do CPP o tornaria inaplicável ao caso em concreto sempre será uma decisão ilegal e inconstitucional.

Isto porque, o artigo 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei 303/2007, determina expressamente a sua inaplicabilidade aos processos em curso, como é o caso deste que

se aprecia.

Sendo ainda certo que, a revogação do artigo 686.º do CPC só operou em 1 de Janeiro de 2008, ou seja, bem depois da interposição do recurso em 8-11-2007.

Para além da violação expressa da lei decorrente da aplicabilidade da revogação do artigo 686.º do CPP ao caso em apreço, diga-se que aplicar ao processo "sub judicio"

uma disposição normativa processualmente mais célere e que importaria a redução das garantias dos cidadãos, concretamente do direito de conhecerem com o rigor exigível a real fundamentação de sentenças (neste caso condenatória), para dela poderem interpor recurso cabal (sobretudo atento o principio da preclusão), ainda que esta limitação decorra da alteração de leis processuais redutoras desse direito (de interposição de recurso quando haja rectificação, aclaração ou reforma de sentença) viola expressamente o artigo 18.º, n.º 3 da lei fundamental.» 3 - O recorrente apresentou alegações, onde conclui o seguinte:

«A - O entendimento levado ao Acórdão aqui recorrido é clara e materialmente violador de normas e princípios Constitucionais B - Sendo-o também a aplicação da norma contida no art. 9 do Decreto-Lei 303/2007, de 24-8, ao processo aqui em causa.

C - Isto é, não podia, o Tribunal recorrido, desaplicar o artigo 686.º do C.P.C., "ex vi"

art. 4 do C.P.P., para integrar a lacuna do C.P.C. - quanto ao prazo para interposição de recurso quando tenha havido pedido de aclaração/rectificação de sentença;

D - Porquanto, por força da norma de direito transitório contida no artigo 11.º, n.º 1 do mesmo Decreto-Lei 303/2007, de 24-8, ao processo "Sub Júdice", aquele artigo 686.º do C.P.C. era-lhe aplicável "ex vi" artigo 4.º do C.P.P. simplesmente por se tratar de um processo já em curso aquando da entrada em vigor daquele Decreto-Lei

n.º 303/2007, de 24-8.

Vem assim violando, por força daquele entendimento, o artigo 18.º, n.º 3 do C. P. P.

E - Já o artigo 380.º do C.P.P. deveria ser considerado inconstitucional, por violação dos artigos 205.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1 da C. R. P., quando interpretado no sentido em que este artigo do C.P.P. estabelece um regime próprio de correcção das decisões judiciais, uma vez que os erros de julgamento, as suas omissões e as omissões de pronuncia, só podem motivar recurso, se o mesmo for admissível e não um pedido de aclaração que iria implicar, a ser aceite, uma modificação essencial da decisão, o que o

artigo 380.º, n.º 2 não consente e,

Em consequência,

F - O pedido de aclaração ou correcção de uma Sentença em processo penal não tem a virtualidade de suspender ou atingir o prazo de interposição de recurso consagrado

no artigo 411.º do C. P. P.

G - Termos em que deverá proceder o presente recurso.» 4 - O representante do Ministério Público junto deste Tribunal Constitucional

contra-alegou, concluindo da seguinte forma:

«1 - Só são passíveis de correcção, nos termos do artigo 380.º do Código de Processo Penal, as deficiências da sentença cuja correcção não importe modificação

essencial.

2 - A discordância relativamente a uma decisão só pode motivar recurso e já não o seu pedido de correcção, quando o seu deferimento implique uma modificação essencial

dessa decisão.

3 - Dada a pouca relevância no conteúdo da decisão que as correcções implicam num caso (n.º 1) e a exclusiva competência do tribunal de recurso para delas conhecer no outro (n.º 2), não viola o direito de defesa do arguido (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição) a interpretação daquela norma que exige que os pedidos de correcção tenham de ser feitos simultaneamente com a interposição do recurso.

4 - Consequentemente, também não é violadora do direito ao recurso (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição) a interpretação do artigo 380.º, em conjunção com o artigo 411.º, n.º 1, ambos do CPP, segundo a qual a arguição de irregularidades pedidos de aclaração ou correcção de decisões, não têm a virtualidade de suspender ou alongar o

prazo de interposição de recurso.

5 - Termos em que deverá improceder o presente recurso.» 5 - Dos autos emergem os seguintes elementos, relevantes para a presente decisão:

Por sentença do Tribunal Judicial de Monção, o arguido, José Marques, foi condenado pela prática de um crime de abuso de confiança à segurança social, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 105.º, n.º 1, e 107.º, n.º 1, ambos do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), na pena de seis meses de prisão, suspensa na sua execução pelo prazo de dezoito meses sob condição de o mesmo proceder ao pagamento à Segurança Social, no prazo de quatro meses, a contar do trânsito, da quantia de (euro)7.525,95, acrescida de juros de mora (cf. fls. 435/458 dos autos).

Por requerimento entrado em 06.09.2007, o arguido requereu a "aclaração" da sentença quanto a duas questões, uma respeitante à matéria de facto dado como provada e outra respeitante à motivação da matéria de facto (cf. fls. 473 e s. dos

autos).

Por despacho de 9.10.2007, o juiz apreciou apenas a primeira questão - tendo, quanto a esta, procedido à correcção da sentença, alterando a referência que nela se faz à quantia de "(euro)7525,95" pela de "(euro)7526,05" - por ter considerado que apenas esta consubstanciava um verdadeiro pedido de aclaração da sentença, nos termos do artigo 380.º do CPP, enquanto que a segunda questão implicava uma reapreciação do mérito da sentença, pelo que só poderia ser analisada pelo tribunal superior (cf. fls.

484).

Por requerimento, entrado em 7.11.2007, o arguido interpôs recurso da sentença proferida em 1.ª instância (cf. fls. 530 e s.).

O recurso foi rejeitado por decisão sumária do relator no Tribunal da Relação de Guimarães, com fundamento em extemporaneidade (cf. fls. 603/605).

Desta decisão o arguido reclamou para a conferência, que por acórdão, de 15.12.2008, manteve a decisão de rejeição do recurso, por extemporaneidade (cf. fls.

631/637).

É deste acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que vem interposto o presente

recurso de constitucionalidade.

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.

II - Fundamentação

A) Delimitação do objecto do recurso

6 - Importa começar por delimitar o objecto do recurso.

Na resposta ao convite ao aperfeiçoamento, o recorrente esclarece que pretende ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do artigo 380.º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de impor a interposição de um recurso penal para o Tribunal da Relação, nos prazos fixados no artigo 411.º do CPP, independentemente de ter havido um pedido prévio de correcção da sentença, obrigando, em consequência, que o recurso seja interposto antes de ser conhecido o

resultado da rectificação requerida.

Nas conclusões das respectivas alegações, o recorrente invoca ainda uma outra questão, a da inconstitucionalidade do entendimento do tribunal recorrido que levou à não aplicação do artigo 686.º do Código de Processo Civil ao presente processo, defendendo que preceito seria aplicável por força do artigo 4.º do CPP e da norma de direito transitório contida no artigo 11.º, n.º 1, do citado Decreto-Lei 303/23007, por se tratar de processo em curso antes da sua entrada em vigor (cf. conclusões A. a

D.).

Acontece que, embora o recorrente refira o artigo 686.º do CPC no requerimento de interposição de recurso e na resposta ao convite ao aperfeiçoamento, fá-lo em termos de considerar que o tribunal recorrido violou a lei ao não considerar aplicável tal preceito ao caso concreto. Em momento algum enunciou qualquer questão de inconstitucionalidade normativa respeitante a este preceito legal (ou à sua aplicabilidade no âmbito do processo penal). De igual modo, não suscitou tal questão de constitucionalidade perante o tribunal recorrido.

Sendo assim, apenas se conhecerá da questão de constitucionalidade da referida interpretação do artigo 380.º do Código de Processo Penal - a única suscitada no requerimento de interposição do recurso e melhor esclarecida na resposta ao convite

ao aperfeiçoamento.

Como salienta o Ministério Público, essa questão, embora preencha os pressupostos necessários ao conhecimento do objecto do recurso, encontra-se imperfeitamente enunciada, sendo, por isso, preferível recorrer à formulação presente na própria decisão recorrida (acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 15.12.08), onde se refere: «a arguição de irregularidades, pedidos de aclaração ou correcção de despacho ou decisões [ao abrigo do disposto no artigo 380.º do CPP] não têm a virtualidade de suspender ou alongar o prazo de interposição do recurso consagrado no

n.º 1 do artigo 411.º do CPP».

Mas mesmo esta formulação carece de ser precisada. Na realidade, a dimensão normativa efectivamente aplicada para decisão do caso em apreço tem pressupostos mais limitados que os enunciados em tal formulação, uma vez que está em causa apenas um pedido de aclaração formulado pelo próprio arguido que é também o recorrente.

Deve considerar-se, em suma, que o presente recurso tem por objecto a apreciação da constitucionalidade da interpretação do artigo 380.º, em conjugação com o artigo 411.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, segundo a qual o pedido de correcção de uma decisão, formulado pelo arguido, não suspende o prazo para este

interpor recurso dessa mesma decisão.

É esta a única questão de que cumpre conhecer, ficando fora do campo de apreciação outras dimensões da questão, como sejam, a conjugação entre a arguição de nulidades da sentença e a interposição de recurso, ou a correcção da sentença, pelo próprio tribunal ou a requerimento de outros, que não o arguido, e a sua conjugação com o

direito ao recurso do arguido.

B) Mérito do recurso

7 - Os preceitos do Código de Processo Penal aqui em causa têm a seguinte redacção:

«Artigo 380.º

Correcção da sentença

1 - O tribunal procede, oficiosamente ou a requerimento, à correcção da sentença

quando:

a) Fora dos casos previstos no artigo anterior, não tiver sido observado ou não tiver sido integralmente observado o disposto no artigo 374.º;

b) A sentença contiver erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não

importe modificação essencial.

2 - Se já tiver subido recurso da sentença, a correcção é feita, quando possível, pelo tribunal competente para conhecer do recurso.

3 - O disposto nos números anteriores é correspondentemente aplicável aos restantes actos decisórios previstos no artigo 97.º»

«Artigo 411.º

Interposição e notificação do recurso

1 - O prazo para interposição do recurso é de 20 dias e conta-se:

a) A partir da notificação da decisão;

b) Tratando-se de sentença, do respectivo depósito na secretaria;

c) Tratando-se de decisão oral reproduzida em acta, a partir da data em que tiver sido proferida, se o interessado estiver ou dever considerar-se presente.

2 - O recurso de decisão proferida em audiência pode ser interposto por simples

declaração na acta.

3 - O requerimento de interposição do recurso é sempre motivado, sob pena de não admissão do recurso, podendo a motivação, no caso de recurso interposto por declaração na acta, ser apresentada no prazo de 20 dias, contado da data da

interposição.

4 - Se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada, os prazos estabelecidos nos n.os 1 e 3 são elevados para 30 dias.

5 - No requerimento de interposição de recurso o recorrente pode requerer que se realize audiência, especificando os pontos da motivação do recurso que pretende ver

debatidos.

6 - O requerimento de interposição ou a motivação são notificados oficiosamente aos restantes sujeitos processuais afectados pelo recurso, devendo ser entregue o número

de cópias necessário.

7 - O requerimento de interposição de recurso que afecte o arguido julgado na ausência, ou a motivação, anteriores à notificação da sentença, são notificados àquele quando esta lhe for notificada, nos termos do n.º 5 do artigo 333.º» Como vimos, a questão sub judicio é a constitucionalidade da interpretação do artigo 380.º, em conjugação com o artigo 411.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, segundo a qual o pedido de correcção de uma decisão, formulado pelo arguido, não suspende o prazo para este interpor recurso dessa mesma decisão.

No entender do recorrente, esta interpretação viola o direito ao recurso, incluído entre as garantias constitucionais do processo criminal (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição) e o dever de fundamentação das sentenças judiciais de forma "clara e transparente", por força do disposto no artigo 205.º, n.º 1, da CRP.

O Ministério Público contrapõe que tal interpretação - que exige que os pedidos de correcção tenham de ser feitos simultaneamente com a interposição do recurso - não é violadora do direito ao recurso (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição), salientando que só são passíveis de correcção, nos termos do artigo 380.º do CPP, as deficiências da sentença cuja correcção não importe modificação essencial. Pelo que o tribunal recorrido apenas pode efectuar correcções que têm pouca relevância no conteúdo da decisão, sendo as demais da exclusiva competência do tribunal de recurso (cf. n.os 1 e

2 do artigo 380.º do CPP).

8 - Embora o recorrente invoque dois parâmetros constitucionais - direito ao recurso e dever de fundamentação das sentenças judiciais - a verdade é que a questão colocada se resume à compatibilidade da referida interpretação com a garantia constitucional do direito ao recurso. Na verdade, não vem invocado que tal interpretação dispense as indicações obrigatórias que consubstanciam a fundamentação da decisão, mas antes se alega a necessidade de conhecer essa mesma fundamentação - depois de esclarecida ou aclarada - antes que se inicie o prazo para interposição do recurso. Ou seja, a questão é saber se a interpretação em causa contrária, ou não, a exigência de um processo que seja estruturado de modo a tornar efectivo o direito ao recurso.

A interpretação dos artigos 380.º e 411.º do CPP impugnada considera que o prazo para interposição do recurso continua a correr, a partir do termo inicial fixado no artigo 411.º, mesmo quando o arguido requeira a correcção da sentença ao abrigo do artigo 380.º do CPP. O que significa que o arguido poderá ter que interpor recurso da sentença antes de conhecer a resposta ao requerimento formulado nos termos do artigo 380.º, sob pena de intempestividade do dito recurso.

Cumpre salientar que, no âmbito do artigo 380.º do CPP, estão em causa pedidos de correcção que respeitam a questões que não importam uma modificação essencial do teor da decisão: ou são casos em que os vícios de que a sentença enferma não consubstanciam nulidade, embora aquela não cumpra todas as indicações ou menções exigidas no artigo 374.º (cf. alínea a) do n.º 1 do artigo 380.º); ou são situações em que a sentença contém erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importa uma modificação essencial (cf. alínea b) do mesmo artigo).

O âmbito limitado do mecanismo de correcção previsto no artigo 380.º, n.º 1, alínea b), do CPP, foi já salientado pelo Tribunal no Acórdão 89/2007, que julgou não inconstitucional essa norma, na interpretação segundo a qual não é possível a correcção da decisão judicial quando tal correcção importa alteração substancial do decidido.

Neste aresto, afirma-se que o mecanismo processual previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 380.º «consubstancia um meio célere de correcção de determinados aspectos da decisão (os que não implicam alteração substancial do sentido desta), subsistindo os

demais meios processuais».

No caso concreto dos presentes autos, como vimos, o pedido de aclaração formulado pelo arguido levou a que o tribunal de 1.ª instância procedesse a uma correcção da sentença, ao abrigo do disposto no citado artigo 380.º, alterando a quantia de "(euro)7525,95" pela de "(euro)7526,05"; e tendo entendido, quanto à outra questão colocada na aclaração e respeitante à "motivação da matéria de facto", que esta implicava uma reapreciação do mérito da sentença, pelo que só poderia ser apreciada

pelo tribunal superior.

9 - A redacção do artigo 380.º do CPP é a conferida pelo Decreto-Lei 78/87, de 17 de Fevereiro, que aprovou o actual Código de Processo Penal (com excepção de uma pequena alteração do seu n.º 3, resultante da Lei 48/2007, de 29 de Agosto).

No plano do direito ordinário e a propósito desta norma legal, controvertia-se a questão de saber se, no âmbito do processo penal, era aplicável o disposto no artigo 686.º do CPC (entretanto revogado pelo Decreto-Lei 303/2007, de 24 de Agosto), que estabelecia que o prazo para o recurso só começava a correr depois de notificada a decisão proferida sobre requerimento de rectificação, aclaração ou reforma

da sentença.

Como refere VINÍCIO A. P. RIBEIRO, Código de Processo Penal, Notas e Comentários, Coimbra, 2008, 808 s., «[E]ntendiam uns que, não dispondo o CPP de norma sobre a eventual suspensão do prazo para interposição de recurso nos casos em que tivesse sido pedida a reforma, aclaração ou correcção da sentença, devia tal omissão ser suprida com o regime constante do CPC, nos termos do artigo 4.º do CPP. Outros, pelo contrário, defendiam a inaplicabilidade do disposto no cit. Artigo 686.º do CPC, dado que o CPP contém uma regulamentação dos recursos autónoma e

independente do CPC.»

Como referido, o artigo 686.º do CPC foi revogado pelo Decreto-Lei 303/2007, de 24 de Agosto (artigo 9.º). Este diploma operou, no âmbito do processo civil, a revisão do regime de arguição dos vícios e da reforma da sentença, ao estabelecer que, cabendo recurso da decisão, o requerimento de rectificação, esclarecimento ou reforma é sempre feito na respectiva alegação (cf., no que respeita ao esclarecimento ou reforma da sentença quanto a custas e multa, o artigo 669.º, n.os 1 e 3, do CPC, na

redacção actual).

Em contrapartida, o regime processual civil passou a prever a possibilidade de abertura de novo contraditório, nos termos, nomeadamente, do disposto no n.º 3 do artigo 670.º do CPC, segundo o qual o «recurso que tenha sido interposto fica a ter por objecto a nova decisão, podendo o recorrente, no prazo de 10 dias, dele desistir, alargar ou restringir o respectivo âmbito, em conformidade com a alteração sofrida, e o recorrido responder a tal alteração, no mesmo prazo.» Tendo-se mostrado necessário, para melhor enquadrar a questão em apreço, este excurso pelo processo civil, não importa, no entanto, aprofundar o respectivo regime, nem tal seria possível atento o objecto do presente recurso, que, como vimos, não abrange a questão de saber se as regras do processo civil são, nesta parte, aplicáveis

ao processo penal.

10 - Desde a revisão constitucional de 1997 que o direito ao recurso se inclui expressamente entre as garantias de defesa em matéria penal (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição). O que significa que o direito de defesa pressupõe a existência de um

duplo grau de jurisdição.

A vertente do direito ao recurso que aqui importa convocar é a que exige que o processo esteja estruturado de modo a permitir o efectivo exercício desse direito, pois a sua proclamação constitucional implica que o Estado fique vinculado a emitir as normas organizatórias e procedimentais adequadas e necessárias ao seu cabal exercício

por parte dos interessados.

A interpretação questionada é, prima facie, susceptível de contender com essa dimensão do direito ao recurso, na medida em que obriga o recorrente a formular um recurso e respectivas alegações sem poder aguardar o resultado de um pedido de

esclarecimento ou correcção da sentença.

Sob este ponto de vista, não se mostra desprovida de fundamentação, nos planos conceptual e funcional, uma distinção entre dois grupos de situações, reguladas na alínea b) do n.º 1 do artigo 380.º Aí, debaixo da epígrafe "correcção da sentença", estão contemplados os casos de erro ou lapso, por um lado, e os de obscuridade ou

ambiguidade, por outro.

Ora, ainda que a lei processual-penal os regule unitariamente, contrariamente ao que faz o Código de Processo Civil (cf. os artigos 667.º e 669.º), poderá dizer-se que, pelo menos em teoria, o segundo grupo de situações levanta obstáculos mais sérios à

efectividade do direito ao recurso.

Na verdade, quando está em causa uma obscuridade ou ambiguidade, o arguido defronta-se com uma opacidade, maior ou menor, do conteúdo da sentença, que pode não lhe permitir alcançar, com um mínimo de certeza, o seu sentido e alcance, de modo a ter por definido o objecto da sua contra-argumentação.

Já quando está em causa um erro, sobretudo quando se trata de um erro de escrita ou de cálculo, ele, em regra, não só é manifesto ou patente, como a sua rectificação não levanta dificuldades de maior, sendo possível por uma leitura integrada da sentença. Na maioria das vezes, o erro não é, pois, susceptível de afectar a posição do recorrente.

Nomeadamente, naqueles casos em que este, independentemente do despacho que venha a recair sobre aquele pedido, dispõe, desde logo de todos os elementos indispensáveis à elaboração do seu recurso, podendo formulá-lo contando com a rectificação, ou em termos de condicionalidade, de fácil conformação, sem ónus

excessivos.

Como salienta o Ministério Público, o caso dos autos é disso um bom exemplo, atento o tipo de rectificação que foi efectuada. Deve, no entanto, salientar-se que, neste caso, a irrelevância dessa rectificação só pode ser afirmada, com segurança, uma vez conhecido o despacho que recaiu sobre o requerimento de aclaração, pois o teor desse requerimento não deixava antever necessariamente um tal desfecho (cf. fls. 477/479

dos autos).

Outros casos, no entanto, haverá, em que, não obstante estarem em causa pedidos de correcção que podem resultar em "modificações não essenciais" da sentença, e portanto subsumíveis no âmbito do artigo 380.º do CPP, o teor de tais pedidos revela a impossibilidade de formular adequadamente um recurso, antes de conhecida da decisão sobre ele. A título de exemplo, pense-se no caso em que o tribunal de primeira instância condena determinado arguido na pena de "x" meses de prisão, quando do teor da respectiva fundamentação de facto e de direito resulta, inequivocamente, que se trata de um lapso de escrita, pois a pena pretendida aplicar era de "x" anos de prisão.

Situações como esta têm sido entendidas como consubstanciando modificações não essenciais, como tal, enquadráveis no artigo 380.º do CPP - cf., por exemplo, o Acórdão do STJ de 27.02.1992 (CJ, XVII, 1992, I, 48-51), onde se decidiu que é lícito corrigir a sentença através do processo estabelecido no artigo 380.º do CPP, quando, por manifesto erro, o tribunal escreveu no dispositivo pena diferente da que quis aplicar, e que indicara até na fundamentação.

Note-se que, no caso exemplificado (em que na condenação se escreve "meses" de prisão, em vez de "anos", como resulta da fundamentação) o erro colocaria o arguido numa posição de não poder decidir se interpunha, ou não, recurso, ficando para tal dependente da resposta que viesse a ser dada ao seu pedido de correcção, pois eventualmente estaria conformado com uma pena de "meses" de prisão, mas já não com uma condenação em "anos" de prisão.

Outro exemplo pode facilmente ser conjecturado: num caso em que A e B são co-arguidos, pode, por manifesto lapso, constar da decisão (na parte final) a condenação de A em pena de prisão e a absolvição de B, quando, na verdade, resultava da fundamentação que se queria condenar B e absolver A. Também aqui se pode ter por admissível a correcção do erro da sentença, pois, como se decidiu, embora em caso não exactamente idêntico, no Acórdão do STJ de 11.03.2003 (CJ/STJ, ano I, T. I, 1993, 212 s.), havendo a sentença laborado em confusão de nomes e de nacionalidade da pessoa física submetida a julgamento, o caminho a seguir, em tais circunstâncias, é o da correcção do erro cometido, cuja eliminação não importa

modificação essencial do julgado.

Tal como no anterior, igualmente neste caso não estarão reunidas as condições para que os arguidos possam recorrer em simultâneo, ou na pendência, de um pedido de correcção da sentença. Na verdade, A (que foi condenado, mas que devia ter sido absolvido) ver-se-á obrigado a recorrer, por cautela, sendo certo que, após a correcção, perderá interesse (e até legitimidade) no recurso; enquanto que B não tem (antes dessa correcção) interesse em recorrer de uma sentença que, na decisão final, o absolve, mas já poderá tê-lo, uma vez efectuada a correcção.

Estes exemplos e outros que se poderiam alinhar são demonstrativos de que nem sempre os erros ou lapsos - exclusivamente imputáveis ao tribunal, frise-se - são superáveis pelo arguido sem ónus desproporcionados. De resto, as tipologias fenoménicas são muito variadas e de diferenciação gradativa, pelo que, sobretudo tratando-se de inexactidões ou omissões, a sua qualificação como erro ou lapso, ou obscuridade ou ambiguidade, é de molde a suscitar funda incerteza.

Tudo ponderado, não cremos que se justifique decidir, nesta matéria, por um

tratamento diferenciado dos dois grupos.

Nessa decisão, há que ter em conta que a interpretação normativa que vem questionada tem o efeito perverso de se mostrar inócua (leia-se, irrelevante para o exercício do direito ao recurso, que desde logo pode ser interposto em condições de total conhecimento dos seus pressupostos), nos casos em que o pedido de correcção da sentença se baseia num erro, ambiguidade ou obscuridade inexistente (podendo até constituir, como muitas vezes acontece, mera manobra dilatória do recorrente), revelando-se, pelo contrário, prejudicial quando confrontada com situações em que verdadeiramente se verifique tal erro, ambiguidade ou obscuridade da sentença. Nesta segunda hipótese, a decisão de que se pretende recorrer não é integralmente conhecida, ou porque contém uma divergência entre o que ficou escrito e o que estava no pensamento do tribunal decidir, ou porque é obscura (por não se poder alcançar o seu sentido exacto) ou porque é ambígua (comporta dois ou mais sentidos distintos).

Para estes casos (os que são verdadeiramente casos de aplicação do artigo 380.º do CPP), a ideia de que o prazo para interpor recurso deve começar a contar, para o arguido que pediu a correcção da sentença, do conhecimento da decisão que recaia sobre tal pedido de correcção (a qual é complemento e parte integrante da sentença corrigida ou aclarada) é o corolário lógico de se considerar que este incidente pós-decisório é necessário ao cabal conhecimento, por parte do recorrente, da decisão final do tribunal recorrido (a quem incumbe, em primeira linha, a apreciação de tal requerimento - cf. artigo 380.º, n.º 1, do CPP) e, consequentemente, do exercício, em

concreto, do direito ao recurso.

O pedido de correcção da sentença surge porque o seu destinatário (arguido) a considera errónea, obscura ou ambígua. Até ser proferida decisão quanto a esse pedido, o requerente está (ou pode estar) colocado num estado de incerteza quanto aos termos finais da sentença em relação à qual tem que definir o seu interesse em recorrer e, na hipótese afirmativa, conformar o teor do seu recurso. O mesmo é dizer que, em determinadas circunstâncias, o resultado daquele incidente pós-decisório, qualquer que ele seja, é condicionante do adequado exercício do direito ao recurso, pois mesmo que o pedido de correcção venha indeferido, só com o conhecimento desta decisão poderá o arguido estar certo do alcance da sentença de que recorre e, consequentemente, construir a sua defesa em sede de recurso (ou até, decidir se toma, ou não, essa iniciativa processual). Só nesse momento, o arguido fica certificadamente, e em definitivo, na posse de todos os dados a ponderar na determinação da sua vontade, quanto ao se e ao modo do exercício do direito ao recurso.

11 - Em face desta projecção da decisão quanto ao pedido de correcção sobre a efectivação do direito ao recurso, reconhecer-se-á, sem dificuldade, que a solução que, em grau máximo, preserva a garantia constitucional é a de estabelecimento de uma tramitação sucessiva, sem sobreposições temporais. Solução que exigiria que o termo inicial para a contagem do prazo de recurso viesse dado pela notificação da decisão do pedido de correcção da sentença de que se pretende recorrer.

Contrapor-se-á que a interpretação dos artigos 380.º e 411.º do CPP adoptada na decisão recorrida persegue o objectivo legítimo de assegurar celeridade processual e de contrariar puros expedientes dilatórios, com isso se contribuindo para a boa administração da justiça. Nessa medida, a questão por ela suscitada distingue-se da apreciada no Acórdão 384/98, que decidiu julgar inconstitucional a norma contida no artigo 172.º, n.º 4, da Lei 21/85, de 30 de Julho (Estatuto dos Magistrados Judiciais), na interpretação feita pelo Plenário Geral do Tribunal de Contas, no sentido de o recorrente dever interpor o recurso de deliberação classificativa do concurso para juízes do Tribunal de Contas num momento em que ignora os fundamentos da decisão que pretende impugnar. Para além de aqui estar em causa a ignorância total dos fundamentos da decisão, foi entendido que tal exigência traduz-se antes na imposição de uma formalidade limitadora do efectivo exercício do direito ao recurso e absolutamente alheia ao que possa ser a prossecução de um interesse racional e

teleologicamente justificado.

Mas há que ver que o facto de a finalidade da solução em causa aparecer credenciada constitucionalmente não dispensa a apreciação da observância da proporcionalidade, quanto aos meios concretos de a atingir. Cumpre apreciar, designadamente, se essa solução se contém dentro dos limites da necessidade e da justa medida, isto é, se ela é indispensável e não sacrifica desmesuradamente os valores associados à efectividade

do direito ao recurso.

Neste juízo, não pode ignorar-se que, na sua formulação geral e abstracta, a interpretação normativa em causa é susceptível de abranger situações em que o arguido é colocado numa posição real de impossibilidade de formular adequadamente o seu recurso (ou até de tomar a decisão de recorrer, ou não), por desconhecer os contornos e a extensão exacta da decisão objecto desse recurso. Por isso mesmo, a interpretação sub juditio não pode partir do pressuposto de que apenas são abrangidos casos em que o conhecimento da decisão sobre o pedido de correcção da sentença é absolutamente irrelevante para o exercício do direito ao recurso. Tendo exclusivamente na mira as situações de aproveitamento abusivo, com intuitos dilatórios, de uma previsão de incidentes pós-decisórios, o legislador, nesta interpretação, acaba por penalizar os arguidos para quem o conhecimento da decisão quanto ao pedido de correcção (e, com ele, da configuração última da sentença) é, genuinamente, condição de um

adequado exercício do direito ao recurso.

Isso mesmo é reconhecido pelo Ministério Público, quando refere, nas respectivas alegações, que «em casos extremos, se essa correcção levar a que a motivação do recurso perca algum sentido, então terá de ser dada oportunidade ao arguido para alterar essa motivação, adequando-a à decisão corrigida». E o mesmo pensamento está subjacente ao legislador da reforma dos recursos em processo civil de 2007, quando prevê a possibilidade de abertura de novo contraditório, nos termos do artigo 670.º,

n.os 3 e 4, do CPC, acima referido.

Uma "válvula de escape" deste tipo permite atender suficientemente ao interesse em combater dilações totalmente injustificadas, pois, nos casos (presumivelmente os mais numerosos) em que o teor da decisão sobre o pedido de correcção da sentença vem revelar que o seu conhecimento era irrelevante para a formulação do recurso, não há qualquer alongamento do prazo para recorrer. Mas, ao mesmo tempo, não deixa sem protecção as situações, que não podem ser desconsideradas, em que se verifica o inverso. A incerteza existente, quanto à relevância da decisão sobre o pedido de correcção, no momento da sua interposição, e só desfeita no momento em que ele é decidido, não paralisa desnecessariamente o ritmo processual normal, mas também não obstaculiza o exercício adequado do direito ao recurso. O que se consegue facultando ao arguido, a posteriori, quando tal se justifica, e em excepção ao princípio da preclusão, um ajustamento do recurso aos termos finais da sentença corrigida. Solução que, é certo, acarreta para o arguido o ónus suplementar de reformulação de uma peça processual já apresentada. Mas esse é um ónus claramente não excessivo, em face das

vantagens associadas.

Simplesmente, é tudo menos certa a aplicabilidade desta solução em processo penal.

Ela só poderia afirmar-se ao abrigo do princípio geral do contraditório ou de juízo interpretativo que considere supletivamente aplicável a regra do artigo 670.º, n.º 3, do

CPC ao processo penal.

Não cabe a este Tribunal Constitucional tomar posição, por se tratar de aplicação de norma no plano do direito ordinário. Cumpre apenas chamar a atenção para que a disciplina dos prazos processuais constitui matéria de direito estrito, por razões óbvias de segurança e certeza jurídicas. Faz-se aqui sentir, com redobrada intensidade, o princípio da determinabilidade da lei. E no âmbito do processo penal, em que o direito ao recurso é uma das garantias de defesa constitucionalmente reconhecidas ao arguido, qualquer esbatimento da segurança jurídica quanto à disciplina da articulação entre um pedido de correcção e o direito ao recurso é de molde a comprometer a efectividade

deste.

Ora, a aplicação supletiva de normas de processo civil está dependente do juízo, sempre sujeito a controvérsia, como, aliás, já se verificou neste campo, da existência ou não de uma lacuna. Pode duvidar-se ser esse o caso, atenta a exaustiva regulação dos recursos em processo penal, contida no respectivo código.

Por outro lado, a questão de saber qual o momento a partir do qual se conta o prazo para recorrer não pode ficar dependente de interpretações que convoquem princípios jurídicos. Estes não nos dão, de forma acabada e imediata, uma solução do caso, apenas apontam o sentido da solução a construir por mediação judicial.

Só uma regra de fixação precisa do termo inicial do prazo de recurso, quando requerida uma aclaração ou correcção da sentença, de aplicação certa em processo penal e dotada de um conteúdo que preserve a utilidade, para efeitos da interposição e da formulação do recurso, em todos os casos, do conhecimento do despacho que recair sobre aquele pedido, se apresenta capaz de cumprir satisfatoriamente as exigências de conformação do direito ao recurso em termos compatíveis com a garantia

constitucional.

Não pode considerar-se que as normas dos artigos 380.º e 411.º, n.º 1, do CPP, na interpretação em juízo, contentem todas estas condições. Tal como formulada, sem qualquer resguardo adaptativo, ela, ainda que na prossecução de um interesse legítimo, sacrifica desnecessária e excessivamente a efectividade do direito ao recurso - uma garantia pessoal do arguido, revestida de toda a força jurídico-constitucional que às

garantias desta natureza cabe.

Em suma, a interpretação questionada, segundo a qual o prazo para interposição do recurso continua a correr, a partir do termo inicial fixado no artigo 411.º, mesmo quando o arguido requeira a correcção da sentença ao abrigo do artigo 380.º do CPP, é inconstitucional, por revelar uma estruturação do processo penal incompatível com o direito ao recurso, consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da lei Fundamental.

III - Decisão

Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se:

a) Julgar inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, a interpretação do artigo 380.º, em conjugação com o artigo 411.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, segundo a qual o pedido de correcção de uma decisão, formulado pelo arguido, não suspende o prazo para este interpor recurso dessa mesma

decisão.

b) Consequentemente, conceder provimento ao recurso, devendo a decisão recorrida ser reformulada em conformidade com o presente juízo de inconstitucionalidade.

Sem custas.

Lisboa, 12 de Janeiro de 2010. - Joaquim de Sousa Ribeiro - Benjamim Rodrigues - João Cura Mariano (vencido em parte de acordo com declaração de voto junta) -

Rui Manuel Moura Ramos.

Declaração de voto

Divergi da amplitude do entendimento de que é inconstitucional, por violação do direito ao recurso, a interpretação do artigo 380.º, em conjugação com o artigo 411.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal (CPP), segundo a qual qualquer pedido de correcção de uma decisão formulado pelo arguido, não suspende o prazo para interpor

recurso dessa mesma decisão.

Entendo que se justifica um maior rigor na declaração de inconstitucionalidade, importando efectuar a distinção entre os dois grupos de situações reguladas na alínea

b), do n.º 1, do artigo 380.º, do CPP.

Neste preceito estão contemplados quer os casos de erro ou lapso material da decisão penal, por um lado, quer os casos de obscuridade e ambiguidade dessa decisão, por

outro.

Como se distingue neste acórdão quando se está perante uma obscuridade ou ambiguidade da decisão, o arguido defronta-se com uma opacidade, maior ou menor, do seu conteúdo que não lhe permite compreender, com um mínimo de certeza, todo o seu alcance, o que inviabiliza a definição pelo arguido do objecto da sua contra-argumentação nas alegações de recurso.

Nestes casos, a exigência que o arguido opte pela interposição de recurso, apresentando as razões de discordância da decisão, sem que entretanto tenha sido elucidado sobre o conteúdo integral desta, põe em causa um efectivo direito ao recurso

do arguido.

Na verdade, a efectividade deste direito exige que as normas processuais que o regulamentam assegurem que o arguido recorrente tenha a possibilidade de analisar e avaliar criteriosamente os fundamentos da decisão recorrida, de forma a permitir-lhe um exercício consciente, fundado e eficaz desse seu direito, o que não sucede quando a dedução de um pedido de esclarecimento sobre o real conteúdo da decisão recorrida não interrompe o prazo para a dedução do recurso.

Já quando se está perante um mero erro ou lapso da decisão, cuja eliminação não importe a sua modificação substancial, a sua existência e possibilidade de rectificação não levantam dificuldades de maior à posição do arguido.

Em todas estas situações, sem possibilidade de excepção, o arguido, conhece perfeitamente o conteúdo da decisão emitida, mas entende que ela enferma de um erro ou lapso, pelo que independentemente do despacho que venha a recair sobre o respectivo pedido de rectificação, ele dispõe de todos os elementos indispensáveis à elaboração do seu recurso, podendo formulá-lo, em termos de condicionalidade, cobrindo as hipóteses de correcção ou de não correcção do erro ou lapso. Basta

utilizar uma argumentação subsidiária.

Trata-se de um ónus cujo cumprimento não encerra uma dificuldade excessiva e que se revela proporcional face ao objectivo constitucional perseguido de assegurar uma maior celeridade processual (artigo 20.º, n.º 5, da Constituição), com isso contribuindo para a

boa administração da justiça.

Atenta a importância da distinção de situações acima revelada, apenas declararia inconstitucional a referida interpretação, relativamente aos casos em que é deduzido um pedido de aclaração duma obscuridade ou ambiguidade da decisão. - João Cura

Mariano.

202911929

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2010/02/22/plain-270252.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/270252.dre.pdf .

Ligações deste documento

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  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1985-07-30 - Lei 21/85 - Assembleia da República

    Aprova o Estatuto dos Magistrados Judiciais.

  • Tem documento Em vigor 1987-02-17 - Decreto-Lei 78/87 - Ministério da Justiça

    Aprova o Código de Processo Penal.

  • Tem documento Em vigor 2007-08-24 - Decreto-Lei 303/2007 - Ministério da Justiça

    Altera, no uso de autorização legislativa concedida pela Lei n.º 6/2007, de 2 de Fevereiro, o Código de Processo Civil, procedendo à revisão do regime de recursos e de conflitos em processo civil e adaptando-o à prática de actos processuais por via electrónica; introduz ainda alterações à Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais e aos Decretos-Leis n.os 269/98, de 1 de Setembro ( procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não (...)

  • Tem documento Em vigor 2007-08-29 - Lei 48/2007 - Assembleia da República

    Altera (15.º alteração) e republica o Código de Processo Penal.

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