Decreto 45734
Tem constituído clara preocupação do Governo, muitas vezes manifestada, o aperfeiçoamento e a extensão a toda a população activa nacional, designadamente a população rural, dos princípios orientadores e das normas definidoras da política social.
Conhecida é também a extrema complexidade de tais problemas, rodeados, por toda a parte, das maiores dificuldades de solução, e naturalmente confiados aos departamentos a quem compete, no plano económico-social, a regulamentação das questões do trabalho e do seguro colectivo.
Daí o interesse que, entre nós, ao Ministério das Corporações e Previdência Social o assunto vem merecendo, acentuado, no momento presente, pelo reconhecimento imperioso da necessária coordenação que, cada vez mais, se torna indispensável estabelecer com o desenvolvimento já alcançado nos restantes sectores da actividade nacional.
Expressão viva desse interesse é a posição assumida na recente reforma da previdência, promulgada pela Lei 2115, de 18 de Junho de 1962, em cuja base IV se dispõe que "para a realização progressiva dos objectivos de acção médico-social, de assistência materno-infantil e de auxílio na invalidez, o Governo actuará com a possível urgência com vista a desenvolver e generalizar a protecção social aos trabalhadores rurais e suas famílias, considerando a mais eficaz coordenação, por via de acordos, de todas as instituições e serviços de previdência e assistência».
Atitude que no relatório do Decreto 45266, de 23 de Setembro de 1963, novamente se acentua ao declarar:
Não se pode esquecer, com efeito, que uma das mais importantes inovações introduzidas pela nova lei da previdência consistiu na perspectiva aberta pelos seus preceitos de alargar o esquema do seguro a toda a população activa, nela incluindo, de modo especial, os trabalhadores rurais, os pescadores e as pessoas que, sem dependência de entidades patronais, exercem profissões, serviços ou actividades.
E mais adiante:
Por outro lado, e com referência especial aos trabalhadores rurais, há a ter em conta as medidas já recentemente tomadas, de forma a preparar o alargamento do seguro social ao campo, e que se traduzem essencialmente na determinação imposta a todas as Casas do Povo de assegurarem aos seus sócios um esquema mínimo de benefícios, do qual fazem parte a concessão de subsídios na doença, no casamento, no nascimento de filhos, na invalidez e na morte, além da assistência médica e medicamentosa em espécie, tudo levando a crer, por isso, que o segundo passo poderá consistir na inscrição dos trabalhadores rurais, bem como dos trabalhadores do mar e independentes, nas caixas regionais e, cumulativamente, na Caixa Nacional de Pensões a fim de poderem beneficiar de uma ou mais modalidades do esquema destas instituições, mediante o pagamento das contribuições correspondentes, tal como se estabelece na base VIII, n.º 2, da Lei 2115.
Pela sua amplitude e complexidade fàcilmente se compreenderá, no entanto, que tão importantes medidas só devem ser tomadas depois de ponderado estudo, susceptível de assegurar uma continuidade de acção suficientemente esclarecida e segura.
O que, só por si, basta para acentuar, em virtude do extraordinário desenvolvimento da política social em curso, a impossibilidade em que o Ministério das Corporações se encontra de atender, com os seus quadros e serviços actuais, às exigências das iniciativas a tomar, sobretudo na sua fase inicial de concretização e aplicação.
Esta a razão por que se considera indispensável confiar a ponderação e apreciação dos meios necessários à execução do compromisso imposto pela base IV da Lei 2115, bem como a resolução dos problemas conexos respeitantes ao regime de trabalho e demais modalidades de valorização dos trabalhadores agrícolas e respectivas comunidades, a uma comissão especializada que, em ordem aos objectivos postos, e por forma a evitar duplicações inúteis ou sobreposições desnecessárias, promova também a activa cooperação com os demais serviços e entidades a quem incumbe o estudo ou a efectivação de providências atinentes ao bem-estar e promoção social das populações rurais.
Segundo se crê, tendo em conta a experiência e os inquéritos já efectuados pelos serviços com especiais responsabilidades na matéria, designadamente a Junta Central das Casas do Povo, a cujo labor se presta homenagem, o trabalho da comissão poderá desenvolver-se em ritmo bastante acelerado e de modo a permitir uma concretização progressiva dos resultados alcançados. De esperar é igualmente que essa concretização se faça através do alargamento correspondente dos serviços adequados, já existentes, com vista ao seu enquadramento harmonioso no conjunto dos instrumentos da política social, única forma de evitar desvios ou diversidade de critérios na sua aplicação.
Nestes termos:
Usando da faculdade conferida pelo n.º 3.º do artigo 109.º da Constituição, o Governo decreta e eu promulgo o seguinte:
Artigo 1.º Para cumprimento do disposto na base IV, n.º 3, da Lei 2115, de 18 de Junho de 1962, é instituída no Ministério das Corporações e Previdência Social uma comissão que terá por objectivo o estudo, desenvolvimento e generalização da protecção social aos trabalhadores rurais e suas famílias e será denominada Comissão de Política Social Rural.
Art. 2.º Incumbe à Comissão ora instituída estudar e propor as providências adequadas à regulamentação social das condições de trabalho nas actividades agrícolas, silvícolas ou pecuárias e à elevação do nível moral, económico e social das populações residentes nas zonas do continente e das ilhas adjacentes em que tais actividades tenham considerável relevância.
Art. 3.º Compete em especial à Comissão:
1.º Estudar e propor, em relação aos trabalhadores rurais, normas relativas aos seguintes assuntos:
a) Regime geral de trabalho e, designadamente, períodos normais de trabalho, descanso semanal, férias e remuneração;
b) Contrato individual de trabalho, convenções colectivas e portarias ou despachos de regulamentação de trabalho;
c) Condições de trabalho, pelo que respeita à higiene e segurança nos locais de trabalho e à prevenção de acidentes de trabalho e doenças profissionais;
d) Trabalho de mulheres e de menores;
e) Regime de trabalho domiciliário;
f) Protecção e regulamentação do trabalho artesanal;
g) Classificação de actividades e profissões;
h) Orientação, aperfeiçoamento, recuperação e readaptação profissionais;
i) Oferta e procura de mão-de-obra, crises de trabalho e migrações;
j) Serviços de colocação;
k) Integração dos trabalhadores das várias actividades rurais na organização das caixas sindicais de previdência;
l) Coordenação das realizações de serviço social em benefício dos trabalhadores e suas famílias;
m) Fomento da habitação económica.
2.º Realizar inquéritos às condições de vida dos trabalhadores rurais e suas famílias.
3.º Promover o aperfeiçoamento e generalização das Casas do Povo, tendo sobretudo em consideração a necessidade da sua progressiva adaptação às condições económico-sociais da vida local, a sua natureza de organismos de previdência e a sua finalidade essencial de instrumentos de "cooperação social».
4.º Contribuir para o aperfeiçoamento e desenvolvimento do espírito de comunidade característico das sociedades rurais.
5.º Colaborar com os serviços do Estado e das autarquias locais e as demais entidades legalmente reconhecidas as quais incumbem actividades de promoção do bem-estar das populações rurais, procurando, para o efeito, estabelecer os necessários acordos de cooperação, de modo a assegurar a maior eficiência da acção comum e o mais económico aproveitamento dos recursos próprios de cada uma dessas entidades.
Art. 4.º A Comissão será presidida pelo vice-presidente do Conselho Superior da Previdência e da Habitação Económica e será composta de seis vogais, que compreenderão um especialista em assuntos económicos, um actuário, um médico, um funcionário superior do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, um especialista em problemas sociológicos e um representante da organização corporativa da lavoura a designar pela respectiva Corporação.
§ 1.º Os vogais da Comissão serão nomeados em portaria do Ministro das Corporações e Previdência Social, que fixará por despacho as suas remunerações.
§ 2.º Ao mesmo Ministro competirá a nomeação do pessoal necessário para o bom desempenho das funções incumbidas à Comissão, podendo também, para o efeito, deslocar funcionários dos quadros do Ministério das Corporações e Previdência Social.
Art. 5.º Será dada estreita colaboração à Comissão pela Junta Central das Casas do Povo, pelo Centro de Estudos da Junta da Acção Social e pelos serviços do Fundo do Desenvolvimento da Mão-de-Obra.
§ único. A Comissão poderá requisitar dos organismos corporativos e das instituições de previdência social os elementos de que necessite para a prossecução dos seus objectivos.
Art. 6.º Os funcionários públicos chamados a desempenhar o lugar de vogal e os nomeados ou deslocados nos termos do disposto no § 2.º do artigo 4.º poderão exercer as suas funções em regime de comissão de serviço.
Art. 7.º Os encargos derivados do funcionamento da Comissão serão suportados pelo Fundo Nacional do Abono de Família, pelo Fundo Comum das Casas do Povo e pelo Fundo de Desenvolvimento da Mão-de-Obra, nos termos que forem determinados pelo Ministro das Corporações e Previdência social.
Publique-se e cumpra-se como nele se contém.
Paços do Governo da República, 27 de Maio de 1964. - AMÉRICO DEUS RODRIGUES THOMAZ - António de Oliveira Salazar - José João Gonçalves de Proença.