Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:
A - Relatório. - 1 - João Monteiro Baptista, com os demais sinais dos autos, recorre para o Tribunal Constitucional, na qualidade de primeiro proponente da «Lista de cidadãos independentes - Vencer para Unir», ao abrigo do disposto nos artigos 31.º e 32.º da Lei Orgânica 1/2001 (Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais - LEOAL), da decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Soure que julgou improcedente a reclamação apresentada pelo recorrente da decisão que admitiu a candidatura apresentada pelo Partido Socialista à Assembleia de Freguesia de Vinha da Rainha, considerando elegível o candidato Evaristo Mendes Duarte, apresentado por aquele partido político.
2 - Com interesse para o caso sub judicio, consta dos autos:
2.1 - A fls. 229, o ora recorrente impugnou, nos termos do disposto no artigo 25.º, n.º 3, da LEOAL a candidatura do cabeça de lista do Partido Socialista à Assembleia de Freguesia de Vinha da Rainha - Evaristo Mendes Duarte - com fundamento na sua inelegibilidade em face do disposto no artigo 7.º, n.º 1, alínea d) da LEOAL;
2.2 - A fls. 237, o Tribunal Judicial de Soure proferiu despacho de admissão da candidatura apresentada pelo Partido Socialista, julgando elegíveis os candidatos apresentados.
Quanto à elegibilidade do candidato Evaristo Mendes Duarte, o Tribunal referiu que:
"O candidato em causa vem indicado como 'agente técnico de arquitectura e engenharia', cf. fls. 1.
De acordo com o n.º 1 do artigo 7.º da Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto, não são elegíveis para os órgãos das autarquias locais dos círculos eleitorais onde exercem funções ou jurisdição:
a) Os directores de finanças e chefes de repartição de finanças;
b) Os secretários de justiça;
c) Os ministros de qualquer religião ou culto;d) Os funcionários dos órgãos das autarquias locais ou dos entes por estas constituídos ou em que detenham posição maioritária que exerçam funções de direcção, salvo no caso de suspensão obrigatória de funções desde a data da entrega da lista de candidatura em que se integrem.
Nesta fase admitem-se as impugnações de elegibilidade de candidatos, todavia, na mesma ainda não se cumpre o contraditório (o qual fica reservado para a fase das reclamações), pelo que a procedência da impugnação só deverá ser decretada se tiverem sido carreados para os autos elementos que com toda a certeza ditem tal solução, sendo ónus do impugnante trazer tais elementos aos autos, se estes deles não fizerem já parte.
Ora no presente caso, nada nos autos permite concluir com toda a certeza que o candidato em causa se encontra nalguma das situações previstas no supra aludido preceito, pelo que, haverão as impugnações de improceder".
2.3 - A fls. 243, o ora recorrente deduziu junto do Tribunal Judicial de Soure a reclamação prevista no artigo 29.º, n.º 1, da LEOAL, anexando uma lista do Município de Soure, na qual o cabeça de lista do Partido Socialista consta como funcionário.
2.4 - Em resposta, a mandatária do Partido Socialista juntou aos autos uma declaração emitida pela divisão dos recursos humanos daquele município, constante de fls. 248, com o seguinte teor:
"Conforme o solicitado e para os devidos efeitos, declara-se que o funcionário da Câmara Municipal de Soure, Evaristo Mendes Duarte, tem a categoria de Técnico Superior, exercendo de facto essas funções, não tendo, assim, quaisquer funções de direcção".
2.5 - Na sequência, foi a reclamação indeferida (fls. 249 e v.), com base nos fundamentos que se transcrevem:
"[...]
De acordo com a alínea d) do n.º 1 do artigo 7.º da Lei Orgânica 1/2001, de 14.08, não são elegíveis para os órgãos das autarquias locais dos círculos eleitorais onde exercem funções ou jurisdição 'os funcionários dos órgãos das autarquias locais ou dos entes por estas constituídos ou em que detenham posição maioritária que exerçam funções de direcção, salvo no caso de suspensão obrigatória de funções desde a data da entrega da lista de candidatura em que se integrem'.A causa de inelegibilidade prevista no normativo acima transcrito em subjacente a necessidade de preservar a independência do exercício dos cargos electivos autárquicos e exige que o funcionário em causa exerça funções de direcção (Acórdão TC. n.º 515/01, processo 735/01, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Conforme se extrai da declaração de fls. 248, o candidato visado pela reclamação apresentada, apesar de ser funcionário da Câmara Municipal de Soure, não desempenha quaisquer funções de direcção.
Pelo exposto, e por não estar demonstrada a causa de inelegibilidade invocada, improcede a reclamação apresentada."
2.6 - É esta a decisão de que se recorreu, nos termos supra referidos, para este Tribunal, encontrando-se o recurso acompanhado da seguinte motivação:
"1.º A decisão foi baseada no contraditório apresentado pela mandatária do Partido Socialista (Declaração dos Recursos Humanos do Município de Soure) afirmando que não desempenha funções de Direcção, o que para nós é muito vago.
2.º O funcionário em questão não exercendo funções de direcção o que é verdade, desempenha funções de superintendência, coordenação e chefia no órgão autárquico (Inocêncio Galvão Teles - anotação, O Direito).
3.º O candidato referenciado tem poderes na Câmara Municipal de executabilidade de diversos serviços de interferência directa com as Juntas de Freguesia. Actualmente é o principal interlocutor entre os Presidentes de Junta e o Município.
4.º Tem a seu cargo a responsabilidade de supervisionar e fiscalizar obras públicas empreitadas pelo Município.
5.º Faz ou fez parte dos Júris em concursos directos de obras que o executivo camarário promove.
6.º Integra a composição do Gabinete Concelhio da Protecção Civil, como representante da Câmara Municipal, juntamente com o Presidente.
7.º Se esta candidatura sair vencedora, o candidato irá ter assento na Assembleia Municipal, órgão deliberativo, onde pode propor e votar propostas que poderão ser favoráveis directamente à sua pessoa.
8.º A sua candidatura está em vantagem em relação a todas as outras. É beneficiado pela sua condição de funcionário da Autarquia. Tem poder que pode utilizar indirectamente no sentido de angariar e intimidar o eleitorado.
9.º Sendo um funcionário altamente qualificado com funções directivas na área de obras tem à sua ordem funcionários subordinados, logo executa uma chefia.
10.º Em 1987 esta freguesia passou por um caso idêntico e alguns protagonistas são os mesmos. O candidato do Partido Socialista à Junta de Freguesia era protagonizado por um funcionário da Câmara com a profissão de mecânico. O actual presidente da Câmara na oposição (PSD) impugnou esta candidatura e foi deliberado que a mesma era inconstitucional. Perante esta situação estamos estupefactos com a decisão tomada neste processo".
2.7 - Notificada do requerimento de interposição do recurso, a mandatária do Partido Socialista juntou "nova Declaração Complementar [emitida pela Área dos Recursos Humanos da Câmara Municipal] que clarificasse com maior pormenor quais as funções/actividades efectivamente exercidas pelo Funcionário Evaristo Mendes Duarte".
Dessa declaração (fls. 259), consta, entre o mais, que:
"[...]
O Técnico Evaristo Mendes Duarte, com a categoria de Técnico Superior, não desempenha quaisquer funções ou cargos de direcção.De acordo com o conteúdo funcional da sua categoria profissional, acompanha a execução de intervenções no âmbito das Áreas de Saneamento e Salubridade, Comunicações, Abastecimento Público de Água, Protecção Civil e Defesa do Meio Ambiente, sempre na dependência e dando cumprimento a determinações e orientações superiores, designadamente, quer do Senhor Vice-Presidente da Câmara Municipal de Soure, quer do Senhor Director de Departamento de Obras e Urbanismo, quer do Senhor Chefe de Divisão de Obras Públicas e Municipais [...]".
B - Fundamentação. - 3 - A norma do artigo 7.º, n.º 1, alínea d), da LEOAL, dispõe que não são elegíveis para os órgãos das autarquias locais dos círculos eleitorais onde exercem funções ou jurisdição "os funcionários dos órgãos das autarquias locais ou dos entes por estas constituídos ou em que detenham posição maioritária que exerçam funções de direcção, salvo no caso de suspensão obrigatória de funções desde a data da entrega da lista de candidatura em que se integrem".
Este preceito sucedeu à disposição prevista na pretérita regulamentação eleitoral dos órgãos das autarquias locais - o Decreto-Lei 701-B/76, de 29 de Setembro, o qual dispunha, no seu artigo 4.º, que não podem ser eleitos para os órgãos do poder local, entre outros, os «funcionários dos órgãos representativos das freguesias ou dos municípios» [alínea c), na redacção dada pelo Decreto-Lei 757/76, de 21 de Outubro].
Comparando os regimes, constata-se que a lei actualmente em vigor delimitou mais restritamente o âmbito da inelegibilidade referida aos funcionários municipais, circunscrevendo-o apenas aos que exerçam funções de direcção, no que se denota uma clara diferença substantiva quanto à "extensão da inelegibilidade" (cf. Maria de Fátima Abrantes Mendes e Jorge Miguéis, lei eleitoral dos órgãos das autarquias locais, 1.ª reedição, actualizada, anotada e comentada, 2005, p. 169), traduzida na actual elegibilidade dos funcionários municipais que, inter alia, não desempenhem aquelas funções, ou seja, não tenham a responsabilidade de superintender, coordenar ou chefiar a actividade de um ou mais sectores, serviços ou departamentos municipais (cf. Acórdão 515/01, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Esta clarificação permite desde já afastar a inelegibilidade do candidato do Partido Socialista à Assembleia de Freguesia de Vinha da Rainha - Evaristo Mendes Duarte - a pretexto da sua qualidade de funcionário municipal.
Por outro lado, impõe-se perscrutar, perante os elementos carreados aos autos e supra relatados, se o candidato em causa exerce efectivamente funções de direcção no Município de Soure.
Relativamente a este aspecto impõe-se valorar não só o teor da declaração ínsita a fls. 248 (supra referida no ponto 2.3), na qual se explicita que o candidato em causa não exerce funções de direcção no Município de Soure, tendo a categoria de técnico superior, como também a explicitação posterior constante da declaração de fls. 259 (supra referida no ponto 2.7) na qual, para além desse dado, se refere o concreto conteúdo funcional que o candidato desempenha no município.
Ora, resulta claro a partir desses elementos que as funções desempenhadas pelo funcionário municipal candidato do Partido Socialista não constituem funções de direcção para efeitos da qualificação subjacente à disposição do artigo 7.º, n.º 1, alínea d), da LEOAL, como, aliás, o próprio recorrente reconhece no requerimento de interposição do recurso.
Não se obnubila que, apesar disso, o recorrente acaba igualmente por sustentar que o candidato desempenha efectivamente "funções de superintendência, coordenação e chefia no órgão autárquico", deixando transparecer da sua argumentação que a inelegibilidade referida no citado preceito abrange não só o exercício de direito dessas funções, como também o seu exercício de facto.
Trata-se, no entanto, de matéria de conhecimento despiciendo uma vez que a mesma não se encontra devidamente arvorada em suporte fáctico bastante, não podendo, face aos referidos elementos dos autos, dar-se como provado o exercício, ainda que meramente de facto, das referidas funções de superintendência, chefia e coordenação, importando recordar, quanto a este aspecto, que é ao recorrente que incumbe o ónus da prova dos factos constitutivos da inelegibilidade que invoca (cf. Acórdão 688/97, Diário da República 2.ª série, de 9 de Janeiro de 1998), como resulta das regras gerais vigentes em matéria de ónus da prova (artigo 342.º Código Civil).
Nestes termos, considerando-se que o candidato do Partido Socialista, Evaristo Mendes Duarte, à Assembleia de Freguesia de Vinha da Rainha, não exerce funções de direcção no Município de Soure, não procede a situação de inelegibilidade invocada pelo recorrente.
C - Decisão. - 4 - Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao recurso interposto pelo primeiro proponente da Lista de cidadãos independentes "Vencer para Unir" da decisão que indeferiu a reclamação apresentada contra a admissão da candidatura de Evaristo Mendes Duarte à Assembleia de Freguesia de Vinha da Rainha, na lista do Partido Socialista, julgando-se elegível esse candidato.
Lisboa, 14 de Setembro de 2009. - Benjamim Rodrigues - Carlos Fernandes Cadilha - Carlos Pamplona de Oliveira - Joaquim de Sousa Ribeiro - Maria Lúcia Amaral - José Borges Soeiro - Gil Galvão.
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