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Acórdão 404/2009, de 21 de Setembro

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Sumário

Decide não conhecer do pedido de apreciação e declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 3.º, n.os 1 e 2, 6.º, 7.º, 9.º, n.os 1 e 3, e 10.º, n.º 3, todos do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2009, de 5 de Janeiro, que estabelece um regime transitório de avaliação de desempenho do pessoal a que se refere o Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de Abril. (proc. nº 355/09)

Texto do documento

Acórdão 404/2009

Processo 355/09

Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional

I. Relatório

1 - Objecto

Um Grupo de Deputados à Assembleia da República requereu a apreciação e declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 3.º, n.os 1 e 2, 6.º, 7.º, 9.º, n.os 1 e 3, e 10.º, n.º 3, todos do Decreto Regulamentar 1-A/2009, de 5 de Janeiro, que estabelece um regime transitório de avaliação de desempenho do pessoal a que se refere o Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto-Lei 139-A/90, de 28 de Abril.

O teor das normas questionadas é o seguinte:

Decreto Regulamentar 1-A/2009, de 5 de Janeiro

Artigo 3.º

Âmbito da avaliação

1 - Na avaliação a efectuar pelo órgão de direcção executiva, a que se refere o artigo 18.º do Decreto Regulamentar 2/2008, de 10 de Janeiro, não se aplicam os indicadores de classificação constantes da alínea c) do n.º 1 daquele artigo, relativos aos resultados escolares e ao abandono escolar.

2 - A avaliação a cargo dos coordenadores de departamento curricular, a que se refere o artigo 17.º do Decreto Regulamentar 2/2008, de 10 de Janeiro, incluindo a observação de aulas, depende de requerimento dos interessados e constitui condição necessária para a atribuição das menções de Muito Bom e de Excelente.

Artigo 6.º

Formação

Para efeitos do disposto no presente decreto regulamentar e independentemente do ano em que tenham sido realizadas, são contabilizadas todas as acções de formação contínua acreditadas, desde que não tenham sido tomadas em consideração em anteriores avaliações.

Artigo 7.º

Observação de aulas

Quando, a pedido dos interessados, haja lugar a avaliação a cargo do coordenador do departamento curricular, nos termos do n.º 2 do artigo 3.º, é calendarizada, pelo avaliador, a observação de duas aulas leccionadas pelo avaliado, podendo este requerer a observação de uma terceira aula.

Artigo 9.º

Entrevista individual

1 - A realização da entrevista individual, a que se referem a alínea d) do artigo 15.º e o artigo 23.º do Decreto Regulamentar 2/2008, de 10 de Janeiro, só tem lugar desde que haja requerimento do avaliado nesse sentido.

2 - A proposta de classificação final é comunicada por escrito ao professor avaliado.

3 - O requerimento a que se refere o n.º 1 deve ser apresentado no prazo máximo de cinco dias úteis a contar da comunicação referida no número anterior.

4 - No caso de não ser requerida a entrevista individual ou de o avaliado a esta não comparecer sem motivo justificado, considera-se a classificação proposta como tacitamente aceite.

Artigo 10.º

Avaliação dos coordenadores de departamento curricular e dos avaliadores com competência por eles delegada 1 - Os coordenadores de departamento curricular, bem como os professores titulares, providos em concurso ou nomeados em comissão de serviço, em quem aqueles tenham delegado competências de avaliação, são exclusivamente sujeitos à avaliação a cargo da direcção executiva, nos termos do artigo 18.º do Decreto Regulamentar 2/2008, de 10 de Janeiro, com excepção da alínea c) do n.º 1 daquele artigo, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

2 - Os coordenadores de departamento curricular e os avaliadores com competência por eles delegada, a que se refere o número anterior, são avaliados nos termos do disposto no artigo 6.º do Decreto Regulamentar 11/2008, de 23 de Maio, com as necessárias adaptações decorrentes do presente decreto regulamentar.

2 - Fundamentação do pedido

O requerente fundamentou o seu pedido de declaração da inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas acima mencionadas, nos seguintes termos, que aqui integralmente se transcrevem:

"1. O Decreto Regulamentar 1- A/2009, de 5 de Janeiro, tem por objectivo, de acordo com o seu artigo 1.º, definir o regime transitório de avaliação de desempenho do pessoal docente de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, sem prejuízo da aplicação do disposto nos Decretos Regulamentares n.os 2/2008, de 10 de Janeiro, e 11/2008, de 23 de Maio, naquilo em que não o contrariem.

2 - A regulamentação contida no Decreto Regulamentar 1-A/2009 é feita ao abrigo dos n.os 4 e 5 do artigo 40.º do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto-Lei 139-A/90, de 28 de Abril, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 15/2007, de 19 de Janeiro (Estatuto da Carreira Docente).

3 - É uma constatação legítima a verificação de que os n.os 1 e 2 do artigo 3.º, o artigo 6.º, o artigo 7.º, os n.º s 1 e 3 do artigo 9.º e o n.º 2 do artigo 10.º, todos do Decreto Regulamentar 1-A/2009, de 5 de Janeiro, que «Estabelece um regime transitório de avaliação de desempenho do pessoal a que se refere o Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto-Lei 139-A/90, de 28 de Abril», contrariam disposições legais contidas no Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto-Lei 139-A/90, de 28 de Abril, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 15/2007, de 19 de Janeiro, e que tal facto consubstancia uma inconstitucionalidade, por violação do artigo 112.º da Constituição da República Portuguesa, por violação do principio da legalidade.

Das Inconstitucionalidades:

A) N.º 1 do artigo 3.º

Este normativo do Decreto Regulamentar 1- A/2009, de 5 de Janeiro, vem dispensar a avaliação a que se refere o artigo 18.º do Decreto Regulamentar 2/2008, de 10 de Janeiro, que «regulamenta o sistema de avaliação de desempenho do pessoal docente da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário», efectuada pelo órgão de direcção executiva, e cujos indicadores de classificação ponderam [alínea c)] "o progresso dos resultados escolares esperados para os alunos e redução das taxas de abandono escolar, tendo em conta o contexto sócio-educativo - aprecia os dados apresentados pelo docente na ficha de auto-avaliação os quais são objecto de avaliação pelos avaliadores."

Por sua vez o n.º 2, deste mesmo artigo 3.º, vem condicionar, ao pedido do interessado, a observação de aulas a que se refere o artigo 17.º do mesmo Decreto Regulamentar 2/2008, de 10 de Janeiro, no âmbito da avaliação a cargo dos coordenadores de departamento.

Ora, a aplicação do n.º 1 deste artigo 3.º vem contrariar o disposto na alínea d), do n.º 1, e na alínea c), do n.º 2, do artigo 45.º do Estatuto da Carreira Docente.

Com efeito, de acordo com as normas do Estatuto da Carreira Docente, na avaliação efectuada pelo coordenador do departamento curricular ou do conselho de docentes, é ponderado o envolvimento e a qualidade científico-pedagógica do docente, designadamente com base na apreciação do "processo de avaliação das aprendizagens dos alunos" (alínea d) do n.º 1 do artigo 45.º do Estatuto).

Por outro lado, a alínea c) do n.º 2 do artigo 45.º do Estatuto, determina que na avaliação efectuada pelo órgão de direcção executiva são ponderados, em função de elementos disponíveis, entre outros indicadores de classificação, o "progresso dos resultados escolares esperados para os alunos e taxas de abandono escolar tendo em atenção o contexto sócio - educativo".

Assim sendo, o n.º 1 do artigo 3.º do Decreto Regulamentar 1-A/2009, de 5 de Janeiro, ao determinar a não aplicação dos indicadores de classificação constantes da alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do Decreto Regulamentar 2/2008, de 10 de Janeiro, no que se refere ao resultado escolar dos alunos e abandono escolar, contraria expressamente os citados preceitos legais do Estatuto da Carreira Docente, que exigem a sua ponderação obrigatória na avaliação do pessoal docente.

B) N.º 2 do artigo 3.º

O n.º 2 do artigo 3.º ao estabelecer que a avaliação a cargo dos coordenadores de departamento curricular, a que se refere o artigo l7.º do Decreto Regulamentar 2/2008, de 10 de Janeiro, fica condicionada, viola directamente o estipulado pela alínea c) do n.º 3 e pelo n. 4 do [artigo 45.º do] Estatuto da Carreira Docente.

Com efeito, estes normativos determinam que, com vista à classificação dos parâmetros definidos para a avaliação de desempenho, deve atender-se, entre outros elementos, à observação de aulas, devendo o órgão de direcção executiva calendarizar para o efeito, a observação pelo avaliador de "pelo menos, três aulas leccionadas pelo docente por ano escolar".

Decorre, portanto, do Estatuto da Carreira Docente que este elemento avaliativo é obrigatório para todos os docentes sem excepção, não dependendo de requerimento do avaliado, e, ainda, é exigível que, independentemente da menção qualitativa a aplicar, a observação não seja inferior a três aulas.

Assim, ao estipular que a observação de aulas fica dependente do requerimento do docente avaliado só sendo obrigatória para efeitos de atribuição das menções de "Muito Bom" e de "Excelente", o disposto no n.º 2 do artigo 3.º do Decreto Regulamentar 1-A/2009, de 5 de Janeiro, também diverge do disposto na alínea c) do n.º 3 e do n.º 4 do artigo 45.º do Estatuto.

C) Artigo 6.º

O n.º 5 do artigo 45.º do Estatuto da Carreira Docente, relativamente aos itens de classificação, determina que para efeitos do disposto na alínea e) do n.º 2 do mesmo artigo (na avaliação efectuada pelo órgão de direcção executiva são ponderados, entre outros indicadores de classificação, as "acções de formação contínua concluídas") Limita as acções de formação que incidam sobre conteúdos de natureza científico-didáctica com ligação à matéria curricular leccionada e às relacionadas com necessidades da escola definidas no respectivo projecto educativo ou plano de actividades.

Este artigo 6.º do Decreto Regulamentar 1-A/2009, de 5 de Janeiro, apenas não inclui as acções de formação que já tenham sido tomadas em consideração em anteriores avaliações.

Diverge-se, assim, do expressamente disposto pelo n.º 5 do artigo 45.º do Estatuto da Carreira Docente, ao estipular que, em matéria de formação, se consideram, para efeitos de avaliação, todas as acções de formação contínua acreditadas, independentemente do ano em que tenham sido realizadas, apenas excepcionando as que tenham sido consideradas em avaliações anteriores.

D) Artigo 7.º

Ao dispor que, na situação prevista no n.º 2 do artigo 3.º do Decreto Regulamentar 1-A/2009, de 5 de Janeiro é apenas calendarizada pelo avaliador a observação de duas aulas leccionadas pelo avaliado, ficando dependente de requerimento deste a observação de uma terceira, este artigo 7.º do Decreto Regulamentar viola também o n.º 4 do artigo 45.º do Estatuto da Carreira Docente, que expressamente determina a obrigatoriedade de observação de, pelo menos, três aulas leccionadas pelo docente.

Pelo exposto, também esta norma viola o princípio da legalidade consagrado no artigo 112.º da Constituição, ao violar de forma inequívoca o n.º 4 do artigo 45.º do Estatuto da Carreira Docente.

E) N.os 1 e 3 do artigo 9.º

Os n.º s 1 e 3 do artigo 9.º do Decreto Regulamentar 1/2009, de 5 de Janeiro, contrariam o disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 44.º do Estatuto da Carreira Docente.

De facto, ao determinar que a realização da entrevista individual a que se referem a alínea d) do artigo 15.º e o artigo 23.º do Decreto Regulamentar 2/2008, de 10 de Janeiro, só tem lugar desde que haja um requerimento do avaliado nesse sentido, está, dessa forma, a atribuir um carácter facultativo à entrevista pessoal.

Ora, na alínea e) do n.º 1 do artigo 44.º do Estatuto da Carreira Docente, desenvolvida nessa matéria pelo Decreto Regulamentar 2/2008, de 10 de Janeiro, explicita-se claramente que o processo de avaliação do desempenho compreende várias fases entre as quais está a "entrevista dos avaliadores com o avaliado para conhecimento da proposta de avaliação e apreciação do processo, em particular da ficha de auto-avaliação". Atribui-se, desta forma, à referida entrevista individual, entre avaliador e avaliado, um carácter obrigatório, enquanto fase do processo de avaliação do desempenho.

Nessa medida, constata-se uma violação clara da norma constante do Estatuto da Carreira Docente.

F) N.º 2 do artigo 10.º

No âmbito da avaliação dos coordenadores de departamento curricular e dos avaliadores com competência por eles delegada, também esta norma diverge do estipulado pelo n.º 2 do artigo 43.º do Estatuto da Carreira Docente, no que respeita à avaliação dos docentes titulares que exerçam competências de coordenadores de departamento curricular.

Com efeito, enquanto no primeiro diploma tal competência é atribuída a um inspector da área departamental do avaliado, o Estatuto da Carreira Docente atribui tal competência exclusivamente ao conselho executivo ou director, nos termos do artigo 29.º do Decreto Regulamentar 11/2008 de 10 de Janeiro".

Termina o requerente concluindo:

"Por tais razões, parece evidente que as inovações e interpretações legislativas introduzidas pelo Decreto Regulamentar 1-A/2009, de 5 de Janeiro, se afiguram inconstitucionais por violação do artigo 112.º da Constituição da República Portuguesa.

Sendo o regime de avaliação de desempenho dos docentes uma matéria de reserva de lei, como expressamente consta do Estatuto da Carreira Docente, em todas as normas em que um decreto regulamentar disponha, interprete ou permita interpretar, altere, integre, de forma diversa alguma das suas normas ou introduza inovações relativamente àquele, ou revogue alguma das suas disposições, por violação do Estatuto da Carreira Docente, essas normas são manifestamente ilegais.

A esta disposição constitucional está subjacente o princípio da hierarquia das normas que não permite que um diploma de "valor inferior" promova modificações, sob qualquer forma, em normas contidas num outro diploma de "valor superior", ou seja, as normas estatuídas pelo Estatuto da Carreira Docente só podem ser alteradas ou contrariadas por normas constantes de um diploma legislativo de igual valor.

Desta forma, na aplicação dos preceitos legais supra identificados do Decreto Regulamentar 1-A/2009, de 5 de Janeiro, é violado o princípio da legalidade, imposição constitucional estatuída pelo n.º 1 e pelo n.º 5 do artigo 112.º da Constituição da República Portuguesa".

3 - Resposta do órgão autor da norma

Notificado para responder, o Primeiro-Ministro veio, em síntese, alegar o seguinte:

O Tribunal Constitucional não é competente para conhecer do pedido apresentado.

No processo sub judice é pedido a esse douto Tribunal que aprecie e declare, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade das normas contidas no artigo 3.º, n.os 1 e 2, no artigo 6.º, no artigo 7.º, no artigo 9.º, nos 1 e 3, e no artigo 10.º, n.º 2, do Decreto Regulamentar 1-A/2009, de 5 de Janeiro, que estabelece um regime transitório de avaliação de desempenho do pessoal docente de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário.

Este pedido é formulado ao abrigo do disposto no artigo 281.º, n.º 2, alínea f), da Constituição da República Portuguesa (CRP), e tem como fundamento a "violação do princípio da legalidade, consagrado no n.º 1 e no n.º 5 do artigo 112.º da CRP."

Verifica-se, contudo, que não é isso que está em causa no processo em apreço.

O que está em causa é o facto de, alegadamente, os artigos acima referidos do Decreto Regulamentar 1-A/2009 violarem o Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto-Lei 139-A/90, de 28 de Abril, na redacção dada pela Lei 15/2007, de 19 de Janeiro (adiante designado '"Estatuto").

Efectivamente, os fundamentos invocados prendem-se todos eles com a violação de várias disposições dos artigos 43.º, 44.º e 45.º do Estatuto.

Sendo assim, o que está em causa é a ilegalidade de uma norma administrativa - o decreto regulamentar - por violação de uma norma legal - o Estatuto.

Ora, esta ilegalidade não pode ser objecto de análise pelo Tribunal Constitucional, uma vez que a competência deste Tribunal para apreciar e declarar ilegalidades limita-se aos casos das alíneas b) a d) do n.º 1 do artigo 281.º, da CRP.

Este tem sido, aliás, o entendimento adoptado unanimemente pelo Tribunal Constitucional em sucessivas decisões (cf. os Acórdãos n.º 113/88, de 1 de Junho, n.º 145/88, de 29 de Junho, n.º 169/88, de 13 de Julho, n.º 577/96, de 16 de Abril, e n.º 375/01, de 18 de Setembro).

Não se discute que existem, efectivamente, discrepâncias entre os preceitos do Decreto Regulamentar e as disposições do Estatuto.

Mas estas diferenças resultam única e exclusivamente do facto de o Decreto Regulamentar em apreço definir um regime transitório, cujos efeitos terminam no final do 1º ciclo de avaliação, ou seja, no fim do ano civil de 2009 - como é, aliás, referido no artigo 14.º daquele diploma.

Não se trata, assim, de alterar o modelo de avaliação definido no Estatuto, mas sim de introduzir algumas correcções pontuais que visam aperfeiçoar e simplificar o processo de avaliação no 1º ciclo de avaliação, tendo em conta as dificuldades suscitadas nesta fase inicial de implementação do modelo.

A natureza transitória do Decreto Regulamentar confere-lhe uma especificidade que não pode deixar de ser tida em consideração.

Efectivamente, o diploma que regulamenta em geral o Estatuto é o Decreto Regulamentar 2/2008, de 10 de Janeiro, sendo que o Decreto Regulamentar sub judice apenas vem alterar o regime transitório, que já constava, por sua vez, de um outro diploma especial - o Decreto Regulamentar 11/2008, de 23 de Maio.

Aliás, também este último diploma continha normas diferentes das que resultam do Estatuto e do Decreto Regulamentar 2/2008 - veja-se, por exemplo, os artigos 5.º, 6º e 7º - e que se justificam exactamente pelo facto de se tratar de um regime transitório, sendo que não é do nosso conhecimento que a validade do Decreto Regulamentar 11/2008 tenha alguma vez sido posta em causa.

Ora, também no caso do Decreto Regulamentar 1-A/2009 é a natureza meramente transitória do regime por si estabelecido que justifica a especificidade das soluções e, por isso mesmo, admite alguns afastamentos relativamente ao regime geral, sem que isso acarrete a ilegalidade das normas daquele diploma.

Termina, pois, o Primeiro-Ministro requerendo que: o pedido seja rejeitado por falta de competência do Tribunal Constitucional para conhecer do mesmo; ou, se assim não se entender, que o Tribunal Constitucional não declare a inconstitucionalidade, nem a ilegalidade das normas contidas nos artigos 3.º, n.os 1 e 2, 6º, 7.º, 9.º, n.os 1 e 3, e 10º, n.º 2, do Decreto Regulamentar 1-A/2009, de 5 de Janeiro.

4 - O memorando

Discutido em Plenário o memorando apresentado pelo Presidente do Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 63.º, n.º 1, da LTC, e fixada a orientação do Tribunal, cumpre agora decidir de harmonia com o que então se estabeleceu.

II. Fundamentação

5 - O Tribunal está colocado perante a questão da possível violação dos artigos 43.º a 45.º do Estatuto da Carreira Docente (Decreto-Lei 139-A/90, de 28 de Abril, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 15/2007, de 19 de Janeiro), por parte de diversos preceitos do Decreto Regulamentar 1-A/2009, de 5 de Janeiro.

O requerente alega que o facto de na avaliação a efectuar pela direcção executiva não se aplicarem os indicadores de classificação relativos aos resultados escolares e ao abandono escolar (artigo 3.º, n.º 1, DR n.º 1-A/2009) Contraria o artigo 45.º, n.º 2, alínea c), do Estatuto da Carreira Docente, e que, pelo contrário, o facto de se ponderarem acções de formação que não incidam sobre conteúdos de natureza científico-didáctica com ligação à matéria curricular leccionada ou que não estejam relacionadas com necessidades da escola definidas no respectivo projecto educativo ou plano de actividades (artigo 6.º, DR n.º 1-A/2009) Contraria o disposto no artigo 45.º, n.º 5, do mesmo Estatuto.

Considera, também, que viola o disposto no artigo 45.º, n.º 1, alíneas d) e e), e no n.º 4, desse mesmo preceito do Estatuto da Carreira Docente o facto de a avaliação, através da observação de aulas, depender de requerimento do interessado (artigo 3.º, n.º 2, DR n.º 1-A/2009) E o facto da observação de uma terceira aula e da entrevista pessoal estarem igualmente dependentes de requerimento do interessado (artigos 7.º e 9.º DR n.º 1-A/2009).

Finalmente, considera o requerente que a atribuição da competência para avaliar, prevista no artigo 10.º do Decreto Regulamentar 1-A/2009, aos coordenadores de departamento curricular e aos professores titulares em quem estes tenham delegado competências de avaliação, viola o preceituado no artigo 43.º, n.º 2, do já referido Estatuto da Carreira Docente.

O requerente invoca a violação do princípio da legalidade, tal como, segundo alega, apareceria consagrado no artigo 112.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa.

Cumpre, no entanto, começar por dizer que os vícios que o requerente imputa ao DR n.º 1-A/2009 não se reconduzem ao preceito invocado.

O sentido do artigo 112.º, n.º 5, da Constituição é o de garantir a tipicidade dos actos legislativos, tendo as seguintes implicações: "só a Constituição, e não a lei, podem criar categorias de actos legislativos ou actos com força e valor idênticos a actos legislativos" e, consequentemente, "o acto legislativo não pode assumir contornos de fonte de habilitação de modo a consentir a intervenção de actos regulamentares que lhe determinem o conteúdo através de interpretação, integração, modificação, suspensão ou revogação" (veja-se Alexandre Sousa Pinheiro/Pedro Lomba, in Comentário à Constituição Portuguesa, coord.

Paulo Otero, Vol. III: Princípios Gerais da Organização do Poder Político, Coimbra 2008, p.

209). Nesta hipótese, sim, poderia questionar-se se haveria inconstitucionalidade do acto legislativo.

Mas não é disso que aqui se trata.

O requerente não alega (nem tal efectivamente ocorreu) Que algum acto legislativo (como seja o Estatuto da Carreira Docente agora em causa) Tenha habilitado um regulamento a alterar o seu conteúdo. Alega, pura e simplesmente, que um determinado decreto regulamentar contraria uma série de normas da lei, e que há portanto - nas suas palavras - uma violação do "princípio da legalidade".

É claro que se poderá, com razão, dizer que é possível retirar da Constituição um princípio de legalidade administrativa, que imporá a subordinação dos regulamentos administrativos à lei (artigos 112.º, n.º 7, e 199.º, alínea c).

Todavia, o controlo jurisdicional do efectivo respeito por um tal princípio não se situa no âmbito da esfera de actuação do Tribunal Constitucional.

Com efeito, a nossa Constituição é muito clara ao distinguir, a respeito da competência do Tribunal Constitucional, entre inconstitucionalidade e ilegalidade. O Tribunal aprecia e declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade de quaisquer normas (artigo 281.º, n.º 1, alínea a), mas só terá competência para declarar a ilegalidade de uma norma nos casos em que tal ilegalidade resulta da violação de uma lei de valor reforçado (artigo 281.º, n.º 1, alínea b) E, ainda, alíneas c) a d).

O Estatuto da Carreira Docente que agora está em causa não é, todavia, uma lei de valor reforçado (artigo 112.º, n.º 3, da Constituição). Desta forma, não compete ao Tribunal Constitucional apreciar uma eventual desconformidade entre o referido Estatuto da Carreira Docente e o Decreto Regulamentar que pretende definir os termos da sua aplicação transitória.

E não é suficiente a invocação de uma disposição como o artigo 112.º, n.º 5 ou 7, para transformar essa questão de legalidade numa questão de constitucionalidade.

Quando a Constituição prescreve a subordinação de uma norma infraconstitucional a outra norma infraconstitucional, por exemplo, a subordinação dos regulamentos às leis (segundo os artigos 112.º, n.º 7, e 199.º, alínea c), a eventual ocorrência de uma contradição normativa, como confirma Jorge Miranda, "é um problema de ilegalidade (ou de ilegalidade sui generis) E não de inconstitucionalidade". De facto, "o que está em causa, em qualquer das hipóteses, é, primariamente, a contradição entre duas normas não constitucionais, não é a contradição entre uma norma ordinária e uma norma constitucional [...]" (Manual de Direito Constitucional, Tomo VI, 3.ª ed., p. 27).

O requerente coloca ao Tribunal tão-só a questão da desconformidade entre um acto regulamentar e um acto legislativo. Não se trata, portanto, de uma questão de constitucionalidade.

Tem sido esta a conclusão a que reiteradamente tem chegado a jurisprudência deste Tribunal:

a eventual contradição entre um regulamento e uma lei é um problema de mera ilegalidade (ilegalidade simples) E não de inconstitucionalidade. Não cabe, pois, no âmbito da sua competência.

Disse, a este propósito, o Tribunal Constitucional no acórdão 113/88, cujos termos foram posteriormente repetidos e transcritos nos acórdãos 145/88 e 375/01:

"O desrespeito das normas constitucionais de hierarquia ou de preferência normativa não é, em princípio, uma inconstitucionalidade, nem sequer para efeitos do sistema de jurisdição constitucional. Quando teve de qualificar tais situações, a CRP adoptou claramente a qualificação de ilegalidade, mesmo nos casos especiais em que atribuiu ao TC competência para conhecer delas.

Os artigos 280.º e 281.º da CRP, ao distinguirem nitidamente entre as figuras da inconstitucionalidade e da ilegalidade, não deixam dúvidas sobre o conteúdo e alcance da distinção: em princípio, só existe inconstitucionalidade quando, num conflito de duas normas de hierarquia diferente, uma das normas em confronto directo seja uma norma constitucional;

quando, ao invés, o conflito de normas ponha em confronto duas normas infraconstitucionais, então não há inconstitucionalidade.

É certo que a CRP não atribui ao TC apenas a resolução de conflitos entre normas constitucionais e normas infraconstitucionais mas identificou explicitamente os tipos de outros conflitos para cujo conhecimento deu competência ao TC, não havendo nenhuma razão para equiparar aos especiais casos de ilegalidade expressamente previstos na Constituição os casos comuns de ilegalidade dos regulamentos (situação que, além do mais, transformaria o TC em tribunal comum de última instância em matéria de contencioso da legalidade dos regulamentos, o que, além das indesejáveis consequências práticas, não seria uma solução congruente com o sistema constitucional de jurisdição constitucional e o sistema de fiscalização de legalidade administrativa)."

Em suma, não compete ao Tribunal Constitucional conhecer de eventuais vícios de desconformidade entre regulamentos e actos legislativos, que são vício de ilegalidade. O Tribunal não tem, portanto, à luz da Constituição, competência para conhecer do pedido apresentado.

III. Decisão

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional não toma conhecimento do pedido.

Lisboa, 30 de Julho de 2009. - Ana Maria Guerra Martins - Carlos Pamplona de Oliveira - Mário José de Araújo Torres - Gil Galvão - Joaquim de Sousa Ribeiro - Maria Lúcia Amaral - José Borges Soeiro - João Cura Mariano - Vítor Gomes - Maria João Antunes - Benjamim Rodrigues - Rui Manuel Moura Ramos.

202311167

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2009/09/21/plain-260803.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/260803.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1990-04-28 - Decreto-Lei 139-A/90 - Ministério de Educação

    Aprova e publica em anexo o estatuto da carreira dos educadores de infância e dos professores dos ensinos básico e secundário.

  • Tem documento Em vigor 2007-01-19 - Decreto-Lei 15/2007 - Ministério da Educação

    Altera (sétima alteração) o Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de Abril, republicado em anexo e altera o regime jurídico da formação contínua de professores, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 249/92, de 9 de Novembro.

  • Tem documento Em vigor 2007-04-03 - Lei 15/2007 - Assembleia da República

    Altera (segunda alteração) a Lei n.º 5/93, de 1 de Março (Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares).

  • Tem documento Em vigor 2008-01-10 - Decreto Regulamentar 2/2008 - Ministério da Educação

    Regulamenta o sistema de avaliação de desempenho do pessoal docente da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário.

  • Tem documento Em vigor 2008-05-23 - Decreto Regulamentar 11/2008 - Ministério da Educação

    Define o regime transitório de avaliação de desempenho do pessoal docente e respectivos efeitos durante o 1.º ciclo de avaliação de desempenho que se conclui no final do ano civil de 2009.

  • Tem documento Em vigor 2009-01-05 - Decreto Regulamentar 1-A/2009 - Ministério da Educação

    Estabelece um regime transitório de avaliação de desempenho do pessoal a que se refere o Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de Abril.

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