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Acórdão 369/2009, de 13 de Agosto

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Sumário

Decide indeferir o pedido de inscrição, no registo próprio deste Tribunal, do partido político com a denominação «Partido da Liberdade», a sigla «PL» e o símbolo que consta dos autos.

Texto do documento

Acórdão 369/2009

Processo 566/09 (46/PP)

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

1 - Susana Augusta de Almeida Barbosa, melhor identificada nos autos, veio requerer, na qualidade de primeira signatária, a inscrição, no registo próprio do Tribunal Constitucional, do partido político denominado Partido da Liberdade, com a sigla PL, ao abrigo do disposto nos artigos 14.º e 15.º da Lei dos Partidos Políticos (Lei Orgânica 2/2003, de 22 de Agosto, alterada pela Lei Orgânica 2/2008, de 14 de Maio).

2 - O requerimento vem instruído com i) projecto de Estatutos do Partido da Liberdade; ii) Programa Político; iii) sigla e símbolo; iv) nome completo e assinatura dos subscritores, com indicação do respectivo número de bilhete de identidade e número de cartão de eleitor.

3 - O Secretário de Justiça lavrou cota nos autos (fls. 63), informando que se procedeu a exame de toda a documentação apresentada juntamente com o pedido de inscrição do partido político denominado Partido da Liberdade, tendo-se verificado que a inscrição foi requerida por 7.647 cidadãos eleitores.

4 - O representante do Ministério Público junto deste Tribunal Constitucional pronunciou-se nos seguintes termos:

«2 - Nos termos do artigo 51 n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, o direito de constituir ou participar em associações e partidos políticos inscreve-se no âmbito da liberdade de associação, a que se reporta igualmente o artigo 46 da lei fundamental.

Nessa medida, o artigo 4 n.º 1 da Lei Orgânica 2/2003, de 22 de Agosto, entretanto alterada pela Lei Orgânica 2/2008, de 14 de Maio, veio prever que "é livre e sem dependência de autorização a constituição de um partido político".

No entanto, o n.º 2 do mesmo artigo 4.º veio acrescentar que "os partidos políticos prosseguem livremente os seus fins sem interferência das autoridades públicas, salvo os controlos jurisdicionais previstos na Constituição e na lei".

3 - Por esse motivo, os artigo 14 a 16 da Lei Orgânica 2/2003 (entende-se, aqui, a referida lei na sua actual versão) regulamentam o processo de constituição dos partidos políticos.

A este propósito, o artigo 14 do mesmo diploma veio determinar que "o reconhecimento, com atribuição de personalidade jurídica, e o início das actividades dos partidos políticos dependem de inscrição no registo existente no Tribunal Constitucional".

4 - Ora, a inscrição no registo deste Tribunal pressupõe, desde logo, o pedido nesse sentido formulado por, pelo menos, 7 500 eleitores (cf. artigo 15 n.º 1 do diploma citado).

No caso do Partido da Liberdade, em apreciação, o pedido foi formulado por 7 647 cidadãos eleitores, pelo que foi respeitado o requisito atrás indicado.

Em seguida, os requerentes da constituição de novo partido carecem de apresentar o seu pedido por escrito, e fazê-lo acompanhar do projecto de estatutos, da declaração de princípios ou programa político e da denominação, sigla e símbolo do partido (cf. n.º 2 do artigo 15 do mesmo diploma).

Tal aconteceu, também, no presente caso.

5 - Nessa medida, em termos formais, poder-se-á dizer que os requerentes cumpriram os requisitos atrás indicados, previstos na lei para a constituição de um novo partido político, no presente caso, o Partido da Liberdade.

Será, no entanto, isso suficiente para se proceder, sem mais, à inscrição do novo partido no registo do Tribunal Constitucional?

Julga-se que não!

6 - Desde logo, o projecto de Estatutos do novo partido carece de apreciação por parte deste Tribunal.

Estamos, com efeito, no âmbito, como se disse, da liberdade de associação, prevendo, em geral, a lei (cf. a este propósito o artigo 168 n.º 2 do Código Civil), que os estatutos das associações sejam sujeitos a um controlo de legalidade por parte do Ministério Público.

Ora, a Lei Orgânica 2/2003 tem uma disposição equivalente no seu artigo 16 n.º 3, que prevê que "a requerimento do Ministério Público, o Tribunal Constitucional pode, a todo o tempo, apreciar e declarar a ilegalidade de qualquer norma dos estatutos dos partidos políticos".

Se assim é, justifica-se, pois, que a apreciação das eventuais ilegalidades seja primacialmente feita, desde logo, em sede de apreciação do projecto de Estatutos de novos partidos políticos.

7 - Por outro lado, e também nesta matéria, os n.os 1 e 2 do artigo 16 da Lei Orgânica 2/2003 referem:

"1. Aceite a inscrição, o Tribunal Constitucional envia extracto da sua decisão, juntamente com os estatutos do partido político, para publicação no Diário da República.

2 - Da decisão prevista no número anterior consta a verificação da legalidade por parte do Tribunal Constitucional".

O Tribunal Constitucional carece, pois, de proceder a uma apreciação de legalidade relativamente a qualquer novo partido político que se pretenda constituir, designadamente em termos de apreciação do conteúdo dos respectivos Estatutos.

8 - Mas não é só a apreciação da legalidade dos Estatutos de novos partidos que carece de ser feita pelo Tribunal Constitucional.

Importa, com efeito, determinar igualmente, em relação a um novo partido, se:

O integram cidadãos titulares de direitos políticos (cf. artigo 7 da Lei Orgânica 2/2003);

Se o novo partido não é armado, nem de tipo militar, militarizado ou paramilitar, nem um partido racista ou que perfilhe a ideologia fascista (cf. artigo 8 da Lei Orgânica 2/2003);

Se o novo partido não tem, pela sua designação ou pelos seus objectivos programáticos, índole ou âmbito regional (cf. artigo 51 n.º 4 da Const. e artigo 9 da Lei Orgânica 2/2003).

9 - No caso do Partido da Liberdade, de acordo com a informação prestada pela secção (cf. fls. 63 do processo), os requerentes apresentaram número de cartão de eleitor, pelo que, em princípio, são cidadãos titulares de direitos políticos.

O novo partido também não aparenta ter, nem pela sua designação, nem pelos seus objectivos programáticos, índole ou âmbito regional (cf. artigo 2, 8 e segs. e 18 dos Estatutos), embora se afirme como municipalista (cf. "3.2. Municipalismo"

do Programa Político - fls. 21 e 22 do mesmo Programa).

Por outro lado, da leitura do projecto dos seus Estatutos (cf. designadamente artigo 2), bem como do seu Programa Político (cf. Nota Introdutória, bem como o n.º 1 - Nacionalismo - fls. 3 a 9 do mesmo Programa e o n.º 2 - A Constituição - fls. 12 a 18 do referido Programa), não decorre que o novo partido seja um partido armado, nem de tipo militar, militarizado ou paramilitar, ou que perfilhe, necessariamente, a ideologia fascista.

10 - Já relativamente, porém, à apreciação do facto de o Partido da Liberdade poder ser, ou não, considerado um "partido racista", se crê de usar de maior prudência, em face do disposto no n.º 1.1.2. do Programa Político (cf. fls. 4 do mesmo Programa):

"1.1.2. Etnia

Consideramos como etnicamente identificativo do Povo Português a Ascendência Portuguesa, o nascimento em Território Português, a utilização do Idioma Português como Língua Mãe, o culto da História Pátria, e a afinidade com a Cultura e as Tradições, nomeadamente as Religiosas.

O PL proporá:

A adopção, a interiorização e a divulgação do conceito de etnia, por conveniente no vínculo com a Pátria;

Considerar muito relevante o presente conceito de etnia na atribuição da nacionalidade."

11 - Sobretudo se se atentar no que, mais adiante, se escreve, por exemplo, em matéria de "2.5. Nacionalidade" (cf. fls. 17 e 18 do Programa):

"Consideramos Português todo aquele que nasceu em território português, filho de pais portugueses.

O PL proporá:

O jus sanguinis como principal critério da nacionalidade;

[...]

A regulamentação, muitíssimo criteriosa, da aquisição da nacionalidade, enfatizando eventuais serviços relevantes prestados a Portugal;

A rejeição da aquisição da nacionalidade pelo casamento ou união de facto, e por simples permanência".

12 - Ou o que se escreve, igualmente, em matéria de "4.14. Migrações" (fls. 36 e 37 do Programa):

"O PL proporá, entre outras, as seguintes medidas:

[...]

Regulamentar, reduzindo-o, o reagrupamento familiar e estabelecer um regime de contratos de trabalho para imigrantes trabalhadores não especializados, que tipifique o regresso;

Expulsar efectivamente os estrangeiros em situação ilegal ou que, mesmo legais, tenham sido condenados por actos criminosos;

Estabelecer, como condição para o exercício de qualquer actividade de estrangeiros, a aceitação dos nossos usos e costumes e o respeito pelas nossas tradições e religião."

13 - Face às citações, atrás feitas, do Programa do Partido da Liberdade, julga-se que o novo partido estará numa zona de perigosa proximidade com os partidos que abertamente advogam a supremacia de uma raça sobre outra.

O que implica, nessa medida, particular ponderação na apreciação do requisito de se não tratar de um "partido (potencialmente) racista", condição essencial para a sua inscrição no registo do Tribunal Constitucional (cf. a este propósito o artigo 8 da Lei Orgânica 2/2003, bem como a cominação prevista no artigo 18 n.º 1 alínea a) do mesmo diploma).

14 - Para além dos requisitos atrás enunciados, importa, todavia, igualmente acautelar, quanto ao Partido da Liberdade, que:

O novo partido não tenha uma denominação, uma sigla e um símbolo idênticos ou semelhantes ao de outro já constituído (cf. artigo 12 n.º 1 da Lei Orgânica 2/2003);

A sua denominação se não baseie no nome de uma pessoa, nem contenha expressões directamente relacionadas com qualquer religião ou com qualquer instituição nacional (cf. artigo 51 n.º 3 da Const. e artigo 12 n.º 2 da Lei Orgânica 2/2003);

O seu símbolo não possa confundir-se ou ter relação gráfica ou fonética com símbolos e emblemas nacionais, nem com imagens e símbolos religiosos (cf.

artigo 51 n.º 3 da Const. e artigo 12 n.º 3 da Lei Orgânica 2/2003).

Ora, julga-se que quer a denominação, quer a sigla, quer o símbolo do novo Partido da Liberdade se não encontram nas situações atrás descritas, pelo que poderiam ser, eventualmente, aceites.

15 - Crê-se, no entanto, de ponderar se a designação "Partido da Liberdade"

deverá ser autorizada qua tale, ou se deverá propor-se a sua alteração.

Com efeito, as características essenciais da democracia (liberdade ou liberdades, estado de direito, etc.) são património comum e a essência da própria organização e vida democráticas.

Não devem, por isso, ser propriedade de nenhum partido específico, uma vez que estes, como se verá em seguida, apenas concorrem para a organização e para a expressão da vontade popular, no respeito pelo princípio da democracia política.

Ora, a autorizar-se a designação "Partido da Liberdade", a expressão "liberdade" ficará indelevelmente ligada a este partido, sem poder ser utilizado por qualquer outro.

O que se crê, de todo, de evitar, uma vez que a liberdade respeita a todos, partidos e pessoas que residam em território português.

16 - Apreciemos, agora, os Estatutos do Partido da Liberdade que suscitam, igualmente, algumas legítimas e ponderosas preocupações.

Nesta matéria, terá de se atender, desde logo, ao disposto no artigo 10 n.º 2 da Constituição (cfr, igualmente, no mesmo sentido, o artigo 1 - Função político-constitucional, da Lei Orgânica 2/2003):

"2. Os partidos políticos concorrem para a organização e para a expressão da vontade popular, no respeito pelos princípios da independência nacional, da unidade do Estado e da democracia política".

Bem como atender-se ao disposto no artigo 51 n.º 5 da lei fundamental, que determina (cf. no mesmo sentido o artigo 5 - Princípio democrático, da Lei Orgânica 2/2003):

"5. Os partidos políticos devem reger-se pelos princípios da transparência, da organização e da gestão democráticas e da participação de todos os seus membros".

17 - Ora, algumas das principais questões suscitadas pelos Estatutos do Partido da Liberdade têm, justamente, a ver com a composição e a forma de escolha dos seus órgãos.

Começar-se-á, contudo, pela análise do conceito de membro do Partido da Liberdade, a que se reporta o artigo 5 dos Estatutos.

Nos termos deste artigo, "podem ser membros do PL todos os Portugueses, maiores de 18 anos, devidamente recenseados, no pleno uso dos seus direitos civis e políticos, e que, havendo assumido sob compromisso de honra, a defesa dos Princípios, Bases Programáticas e Programa do PL, tenham sido admitidos nos termos definidos em Regulamento Interno".

E a questão que se suscita é, desde logo, o facto de apenas poderem ser admitidos, como membros, cidadãos portugueses.

Ora, a este propósito, o artigo 19 da Lei Orgânica 2/2003 refere, designadamente:

"2. A ninguém pode ser negada a filiação em qualquer partido político, ou determinada a expulsão, em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, instrução, situação económica ou condição social.

4 - Os estrangeiros e os apátridas legalmente residentes em Portugal e que se filiem em partidos políticos gozam dos direitos de participação compatíveis com o estatuto de direitos políticos que lhe estiver reconhecido".

Por outras palavras, o artigo 5 dos Estatutos do Partido da Liberdade parece violar o referido artigo 19 da Lei Orgânica 2/2003, ao restringir a cidadãos nacionais o acesso à condição de membro do mesmo partido.

18 - Analisemos, agora, os problemas relativos aos diversos órgãos do Partido da Liberdade.

Desde logo, o Congresso Nacional não parece ser o órgão máximo do Partido da Liberdade (cf. artigo 13.º dos Estatutos), mas sim a sua Direcção Nacional.

Ora, em termos de organização e gestão democrática de um partido, o órgão máximo é, normalmente, o Congresso Nacional, em que participa e vota uma representação alargada de militantes.

A este propósito, o artigo 24 alínea da Lei Orgânica 2/2003 prevê que "nos partidos políticos devem existir, com âmbito nacional e com as competências e a composição definidas nos estatutos:

a) Uma assembleia representativa dos filiados;

b) Um órgão de direcção política;

c) Um órgão de jurisdição."

E o artigo 25 n.º 1 veio acrescentar que "a assembleia representativa é integrada por membros democraticamente eleitos pelos filiados".

19 - No entanto, no caso do Partido da Liberdade, apenas o Presidente da Mesa do Congresso Nacional é eleito (cf. artigo 13 n.º 2 § 1 dos Estatutos).

A nomeação do Secretário da Mesa do Congresso Nacional é da responsabilidade do Presidente da Mesa e está sujeita a "sancionamento" da Direcção Nacional. E os "Vogais são indicados pelos militantes reunidos, optando-se pelos filiados mais antigos".

Esta última indicação, porém, também parece suscitar legítimas dúvidas sobre a sua compatibilidade com o artigo 5 n.º 2 da Lei Orgânica 2/2003, que determina que "todos os filiados num partido político têm iguais direitos perante os estatutos", ou seja, desde logo, independentemente da respectiva antiguidade.

20 - A Direcção Nacional (cf. artigo 9 dos Estatutos) - que é, afinal, o órgão de direcção política do partido - é eleita por períodos de 4 anos, o que respeita o disposto no artigo 26 da Lei Orgânica 2/2003.

Cabe-lhe, designadamente, "nomear e demitir o Secretário-geral e sancionar a nomeação dos restantes membros da Secretaria-Geral" (cf. artigo 9 n.º 3 § 3 dos Estatutos).

Admite-se que assim possa acontecer, no caso do Partido da Liberdade, pelo facto de o Secretário-Geral ver o "seu nome incluído nas listas das Direcções candidatas às eleições quadrienais" (cf. artigo 11 n.º 2 § 1 dos Estatutos). De alguma forma, por isso, o Secretário-Geral terá de trabalhar em estreita articulação com a Direcção Nacional.

No entanto, na pureza dos princípios, o Secretário-Geral e os restantes membros da Secretaria-Geral deveriam, enquanto órgão autónomo da Direcção Nacional, ser eleitos em lista própria e não se encontrar sujeitos a "sancionamento" deste último órgão (cf. artigo 11 n.º 2 § 2 dos Estatutos).

21 - A Direcção Nacional tem, também, nos termos do artigo 9 n.º 3 § 4 dos Estatutos, o dever de "nomear e demitir os Presidentes do Conselho de Estratégia Nacional, do Conselho de Jurisdição e do Conselho Fiscal e sancionar a nomeação dos respectivos Secretários e ainda do Secretário do Congresso [...]".

Ora, o Conselho de Estratégia Nacional é, nos termos do artigo 12 dos Estatutos, "um órgão consultivo e proponente de estratégias. Não tem poderes decisórios e as suas recomendações e propostas serão sempre objecto de apreciação por parte da Direcção Nacional".

Trata-se, por isso, tudo o indica, de um órgão consultivo afecto à Direcção Nacional, pelo que se compreende que o seu Presidente seja "um Vice-Presidente da Direcção Nacional e, por esta nomeado", e que "o Secretário e os Vogais serão indicados pelo Presidente, sob sancionamento da Direcção Nacional" (cf. artigo 12 n.º 2 §§ 1 e 2 dos Estatutos).

22 - O que se afigura aceitável, relativamente ao Presidente do Conselho de Estratégia Nacional, já não o é, porém, relativamente ao Conselho de Jurisdição, nem ao Conselho Fiscal.

Refere, em matéria de "Órgão de jurisdição", o artigo 27 da Lei Orgânica 2/2003:

"Os membros do órgão de jurisdição democraticamente eleito gozam de garantia de independência e dever de imparcialidade, não podendo, durante o período do seu mandato, ser titulares de órgãos de direcção política ou mesa de assembleia."

Ora, o Conselho de Jurisdição do Partido da Liberdade tem, designadamente, como deveres (cf. artigo 15 n.º 3 dos Estatutos):

"Fiscalizar toda a actividade política do Partido.

Julgar e decidir sobre todos os diferendos de que tenha conhecimento por comunicação escrita, recomendando, à Direcção Nacional as sanções que entender convenientes, nos termos do Regulamento Interno. Das suas decisões caberá recurso, para o primeiro Conselho Nacional que se realizar;

Emitir pareceres sobre a interpretação dos Estatutos e Regulamentos, bem como dirimir as suas possíveis lacunas.

Representar o Partido na área jurídica."

23 - Ora, pergunta-se, desde logo, se o Conselho de Jurisdição do Partido da Liberdade deverá "fiscalizar a actividade política" deste partido.

Cabe-lhe, no entanto, isso seguramente, como único organismo jurídico do mesmo partido, "julgar e decidir diferendos", bem como aplicar as correspondentes sanções, para garantir a inteira isenção e independência do processo sancionatório.

Bem como emitir pareceres, embora estes devam apresentar carácter vinculativo, sobre a interpretação dos Estatutos e dos Regulamentos.

O Conselho de Jurisdição, dadas as funções que desempenha, carece, com efeito, de ser independente de qualquer outro órgão do partido e observar, na sua actividade, critérios exclusivamente jurídicos.

Os seus membros devem, em consequência, ser eleitos pelo Congresso Nacional e não pela Direcção Nacional, e, muito menos, encontrarem-se sujeitos a "sancionamento" deste último órgão.

24 - Não se crê, por outro lado, como se referiu atrás, que faça qualquer sentido o Conselho de Jurisdição recomendar à Direcção Nacional a aplicação de sanções. Deve ser o próprio Conselho de Jurisdição a aplicar tais sanções, depois de levar a cabo, com respeito de todas as garantias de defesa, todo o processo que deverá anteceder a respectiva aplicação.

A este propósito, o artigo 22 n.º 2 da Lei Orgânica 2/2003 refere que "compete aos órgãos próprios de cada partido a aplicação das sanções disciplinares, sempre com garantias de audiência e defesa e possibilidade de reclamação ou recurso".

25 - Tal como não faz sentido que se preveja a possibilidade de recurso das decisões do Conselho de Jurisdição para o Conselho Nacional, órgão de cariz eminentemente político, não jurídico (cf. artigo 14 dos Estatutos), tanto mais que o Conselho Nacional é, apenas, um "órgão consultivo do partido, encaminhando para a Direcção Nacional as recomendações aprovadas".

A este propósito, o artigo 30 da Lei Orgânica 2/2003, determina:

"1. As deliberações de qualquer órgão partidário são impugnáveis com fundamento em infracção de normas estatutárias ou de normas legais, perante o órgão de jurisdição competente.

2 - Da decisão do órgão de jurisdição pode o filiado lesado e qualquer outro órgão do partido recorrer judicialmente, nos termos da lei de organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional".

O artigo 15 dos Estatutos do Partido da Liberdade não parece, assim, respeitar as normas legais aplicáveis ao Conselho de Jurisdição de um partido político.

26 - Observações idênticas, quanto ao processo de escolha dos seus membros e às suas garantias de independência, se deverão aduzir, da mesma forma, relativamente ao Conselho Fiscal (cf. artigo 16 dos Estatutos), dada a natureza das suas funções, de "fiscalizar toda a actividade financeira e patrimonial do Partido", bem como "verificar as Contas Anuais e emitir Parecer em tempo útil, nos termos da lei".

Um tal órgão deve ser eleito em Congresso Nacional, e não ver os seus membros nomeados ou sujeitos a "sancionamento" pela Direcção Nacional.

27 - Da mesma forma, se crê que não deva caber à Direcção Nacional do Partido da Liberdade "nomear e demitir os Presidentes Distritais e sancionar as nomeações dos Presidentes e demais membros das restantes Estruturas [...]"

(cf. artigo 9 n.º 3 § 6 e 18 n.º 2 dos Estatutos).

Compreende-se que as Estruturas Locais (Distritais, Concelhias, de Freguesia, de Bairro, etc.) sejam criadas "em função da evolução do número de militantes".

No entanto, uma vez decidida a sua criação, julga-se que, em respeito pelo artigo 5 da Lei Orgânica 2/2003 - organização e gestão democráticas e participação de todos os filiados -, os seus membros devam resultar de eleição, não de designação pela Direcção Nacional.

28 - Vejamos, agora, os problemas suscitados pela Estrutura Juvenil do Partido da Liberdade (cf. artigo 19 dos Estatutos).

Desde logo, há que ter em conta que se aplica - à referida Estrutura Juvenil - o disposto na Lei 23/2006, de 23 de Junho, que veio estabelecer o regime jurídico do associativismo jovem.

Com efeito, nos ternos do art, 3 n.º 2 do referido diploma, "são equiparadas a associações juvenis as organizações de juventude partidárias ou sindicais, desde que preencham os requisitos mencionados na alínea a) do número anterior e salvaguardadas as disposições legais que regulam os partidos políticos e as associações sindicais."

29 - Por outro lado, nos termos do artigo 6 do mesmo diploma - relativo aos "Princípios de organização e funcionamento" - "as associações de jovens gozam de autonomia na elaboração dos respectivos estatutos e demais normas internas, na eleição dos seus órgãos dirigentes, na gestão e administração do respectivo património e na elaboração dos planos de actividade, no respeito pela lei e pelos princípios da liberdade, da democraticidade e da representatividade".

Ora, tal disposição parece incompatível com o artigo 19 n.º 2 dos Estatutos do Partido da Liberdade, que prevê que o "Presidente da Estrutura Juvenil é nomeado pela Direcção Nacional" e que "os Vogais são nomeados pelo Presidente da Estrutura, sob sancionamento da Direcção Nacional".

De acordo com a lei acabada de referir, bem como da Lei Orgânica 2/2003 (cf.

artigo 5), o órgão dirigente da Estrutura Juvenil carece de ser eleito, de forma autónoma, relativamente a outros órgãos do partido.

30 - Ainda relativamente ao artigo 19 n.º 2 dos Estatutos do Partido da Liberdade, não se crê de aceitar a redacção proposta, segundo a qual "poderão ser aceites militantes a partir dos 12 anos de idade, que, obrigatoriamente se inscreverão no Partido quando cumprirem as condições expressas no n.º 1 do Artigo 5.º", ou seja, quando atingirem 18 anos de idade.

Desde logo, quanto à idade, nos termos do artigo 2 n.º 1 da Lei 124/99, de 20 de Agosto, que veio garantir aos jovens menores o livre exercício do direito de associação e simplificar o processo de constituição das associações juvenis, "os menores com idade inferior a 14 anos têm o direito de aderir a associações, desde que previamente autorizados, por escrito, por quem detém o poder paternal".

Por outro lado, relativamente à inscrição obrigatória, resultante do facto de os jovens atingirem, entretanto, os 18 anos de idade, inscrevendo-se a participação na actividade de partidos políticos no âmbito da liberdade de associação, a regra deverá ser justamente a inversa, ou seja, como referido no artigo 19 n.º 1 da Lei Orgânica 2/2003, "ninguém pode ser obrigado a filiar-se ou a deixar de se filiar em algum partido político, nem por qualquer meio ser coagido a nele permanecer".

31 - Por último, de acordo com o artigo 6 da Lei 23/2006, atrás referida, as associações de jovens gozam de autonomia "na gestão e administração do respectivo património", o que parece contrariar o disposto no artigo 19 n.º 2 § 5 dos Estatutos do Partido da Liberdade, que refere que "a Estrutura Juvenil não terá autonomia financeira".

32 - Por todas as razões aduzidas ao longo do presente parecer, crê-se que o projecto de Estatutos do Partido da Liberdade - bem como alguns aspectos do Programa Político do mesmo partido -, não estão em condições, na sua actual versão, de respeitar as disposições constitucionais e legais aplicáveis em matéria de constituição de partidos políticos.

Nessa medida, crê-se que o Tribunal Constitucional deverá recusar a inscrição, no seu registo, do mesmo Partido, com as consequências legais daí decorrentes, designadamente em termos de não reconhecimento e consequente não atribuição de personalidade jurídica ao Partido da Liberdade.» 5 - Nos termos do disposto no artigo 223.º, n.º 2, alínea e), da Constituição, nos artigos 9.º, alíneas a) e b), e 103.º, n.º 2, da Lei 28/82, de 15 de Novembro, e nos artigos 14.º e 16.º, n.º 2, da lei dos Partidos Políticos (LPP), compete ao Tribunal Constitucional aceitar a inscrição de partidos políticos em registo próprio existente no Tribunal, após verificação da legalidade da sua constituição, bem como das suas denominações, siglas e símbolos.

Para além do controlo a posteriori previsto nos artigos 16.º, n.º 3, e 18.º da LPP, ao Tribunal Constitucional cabe, pois, um controlo preventivo de legalidade, condicionante do reconhecimento constitutivo da personalidade jurídica dos partidos políticos referido no artigo 14.º do citado diploma.

6 - Do exame da documentação apresentada, conforme consta da cota acima referida, resulta que o pedido de inscrição do partido político Partido da Liberdade é subscrito por um número de cidadãos eleitores superior ao legalmente exigível (cf. o artigo 15.º, n.º 1, da LPP), com observância das formalidades exigidas no n.º 2 do mesmo artigo.

Efectuada consulta, por amostragem, aos "cadernos de recenseamento"

(disponíveis em www.recenseamento.mai.gov.pt), nada resultou que ponha em causa a veracidade desses elementos.

7 - No que respeita à denominação, à sigla e ao símbolo que o Partido da Liberdade (PL) se propõe usar, verifica-se que não são confundíveis com os dos partidos já inscritos, pelo que foi dado cumprimento ao disposto no artigo 12.º, n.º 1, da LPP.

Também não se detecta que a referida denominação e símbolo desrespeitem o disposto no artigo 51.º, n.º 3, da Constituição, e nos n.os 2 e 3 do artigo 12.º da LPP, bem como, quanto à primeira, a proibição constante do artigo 51.º, n.º 4, da Constituição, e do artigo 9.º da LPP.

As dúvidas suscitadas pelo Ministério Público, no que respeita à denominação do partido como "da Liberdade" (ponto 15. da respectiva pronúncia), embora legítimas, não se enquadram nas proibições acima referidas, não sendo, por isso, susceptíveis de fundamentar a não aceitação daquela denominação.

É certo que, no Acórdão 151/2006, foi decidido indeferir o pedido de inscrição de uma denominação partidária igualmente caracterizada pela sua generalidade ("Partido Nacional"). Mas aí pesaram razões específicas ligadas a essa qualificativo, que não se verificam neste caso (designadamente o contrariar "a razão de ser das denominações que contenham expressões directamente relacionadas com qualquer instituição nacional", constante da parte final do n.º 2 do artigo 12.º da LPP).

8 - No que concerne ao conteúdo do programa apresentado, mostra-se igualmente respeitada a proibição acabada de referir, não se revelando, por outro lado, presente qualquer princípio inspirador ou qualquer objectivo ofensivo da proibição de "partidos políticos armados, de tipo militar, militarizados ou paramilitares, partidos racistas ou que perfilhem a ideologia fascista" (artigo 8.º da lei dos Partidos Políticos, em concretização do disposto no artigo 46.º, n.º 4, da Constituição da República).

Não obstante as compreensíveis reticências que o Ministério Público formulou a respeito de afirmações programáticas contidas na rubrica com a epígrafe "etnia", o certo é que elas não são suficientes para qualificar o Partido da Liberdade como um "partido racista".

Com efeito, e ainda que os conceitos de "raça" e de "etnia" mostrem alguma proximidade, eles são predominantemente distinguidos pelo facto de o primeiro conotar uma delimitação de um grupo de pertença com base em características fenotípicas, ao passo que o segundo serve de critério à diferenciação de grupos apoiando-se mais em características culturais.

E é precisamente nesse sentido que o conceito é utilizado, visando a definição daquilo que é "etnicamente identificativo do Povo português". Para esse efeito, os factores apontados são sobretudo de ordem cultural, em momento algum se fazendo apelo a características físicas, muito menos se lhe atribuindo um significado justificativo da concessão ou exclusão de direitos, como é timbre de posições de índole racista.

É certo que, sendo o conceito de "etnia" relevante para o estabelecimento do "vínculo com a Pátria", ele acaba por conduzir a uma proposta de condições de aquisição da nacionalidade portuguesa algo restritivas. Mas essa proposta, pelo menos nos termos em que foi declarada, não pode ser confundida com a defesa de discriminação ou opressão raciais.

9 - Mas o controlo de legalidade deve estender-se à dimensão organizatória da estrutura e da actividade partidárias, tal como ela se espelha nos Estatutos.

Na verdade, os partidos são "associações de Direito Constitucional" (na expressão de Jorge Miranda in Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, I, Coimbra, 2005, 491) ou "associações de natureza privada de interesse constitucional" (nas palavras do Acórdão 304/2003).

Nessa qualidade específica, as organizações partidárias regem-se pelo princípio da liberdade de associação (artigo 46.º, reafirmado no n.º 1 do artigo 51.º, ambos da Constituição). O ordenamento jurídico-constitucional não exerce qualquer controlo sobre a ideologia ou o programa do partido, com excepção do disposto no artigo 46.º, n.º 4 (cf. Gomes Canotilho/ Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I, 4.ª ed., Coimbra, 2007, 682).

Mas, quanto à sua organização interna, a Constituição passou a exigir (depois da revisão constitucional de 1997) a observância, além do mais, de um princípio de democraticidade interna. Assim, de acordo com o artigo 51.º, n.º 5, da Constituição, e o artigo 5.º da lei dos Partidos Políticos, os partidos políticos devem reger-se pelos princípios da transparência, da organização e da gestão democráticas e da participação de todos os seus membros.

Estes são verdadeiros princípios, ou seja, normas abertas, susceptíveis de variáveis conformações concretizadoras, respeitadoras, em termos gradativamente caracterizáveis (em maior ou menor medida), dos seus ditames.

A Constituição não impõe uma "unicidade organizatório-partidária", mas apenas um "conteúdo mínimo à organização democrática interno-partidária" (cf. Gomes Canotilho/ Vital Moreira, ob. cit., 686 e s.).

Assim é em consequência do papel que os partidos desempenham no funcionamento do regime democrático. A ideia fundamental é a de que a democracia de partidos pressupõe a democracia nos partidos (Blanco Valdés, citado por Carla Amado Gomes, "Quem tem medo do Tribunal Constitucional? A propósito dos artigos 103.º-C, 103.º-D e 103.º-E da LOTC", Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra, 2003, 585 s., 587).

10 - Ora, quanto à legalidade do projecto de Estatutos apresentado, constata-se que as disposições estatutárias a seguir apreciadas não estão em conformidade com o quadro constitucional e legal aplicável.

10.1 - Vejamos, em primeiro lugar, o artigo 15.º, que estabelece o seguinte:

«Artigo 15.º

Conselho de Jurisdição

1 - Composição:

Presidente do Conselho de Jurisdição

Secretário

Vogal

2 - Nomeação:

O Presidente do Conselho de Jurisdição é nomeado, nos termos do n.º 3.º do Artigo 9.º, pela Direcção Nacional;

O Secretário e o Vogal serão nomeados pelo Presidente do Conselho de Jurisdição, sob sancionamento da Direcção Nacional.

3 - Deveres:

Fiscalizar toda a actividade política do Partido;

Julgar e decidir sobre todos os diferendos de que tenha conhecimento por comunicação escrita, recomendando à Direcção Nacional as sanções que entender convenientes, nos termos do Regulamento Interno. Das suas decisões caberá recurso, para o primeiro Conselho Nacional que se realizar;

Emitir pareceres sobre a interpretação dos Estatutos e Regulamentos, bem como dirimir as suas possíveis lacunas.

Representar o Partido na área jurídica

Reunir, quando necessário e, pelo menos, uma vez por ano.» Em concretização dos princípios da organização e da gestão democráticas, impostos pela Constituição (artigo 51.º, n.º 5), a lei dos Partidos Políticos estabelece, de entre os órgãos estatutários obrigatórios, a existência de um "órgão de jurisdição", "democraticamente eleito", devendo os seus membros gozar de "garantia de independência e dever de imparcialidade" (artigos 24.º e 27.º da LPP).

A composição do "Conselho de Jurisdição" do PL, tal como se encontra regulada no citado artigo 15.º, n.os 1 e 2, dos Estatutos, não respeita estas normas legais, uma vez que prevê que o presidente do referido Conselho de Jurisdição seja nomeado pela Direcção Nacional do Partido e que o Secretário e o Vogal sejam nomeados pelo Presidente do Conselho de Jurisdição, sob o "sancionamento" da Direcção Nacional.

Por outro lado, a definição de competências do Conselho de Jurisdição, constante, sob a veste de "deveres", do n.º 3 do citado artigo 15.º, não satisfaz o disposto no artigo 30.º da LPP. Neste prevê-se a impugnabilidade das deliberações de qualquer órgão partidário perante o órgão de jurisdição (n.º 1); e a impugnabilidade judicial das decisões do órgão de jurisdição, perante o Tribunal Constitucional, nos termos da respectiva lei de processo (n.º 2).

No caso em apreço, não só o Conselho de Jurisdição não se apresenta, em geral, como instância de recurso das deliberações dos demais órgãos partidários (essa competência genérica não se retira inequivocamente dos "deveres" que lhe estão atribuídos), como também não poderá funcionar como instância de recurso, com garantias de isenção e imparcialidade, nos casos, aí previstos, em que previamente tenha apresentado "recomendações" à Direcção Nacional sobre "as sanções que entende convenientes". Na verdade, partindo do Conselho de Jurisdição a "recomendação" quanto à sanção a aplicar e cabendo a decisão sobre essa sanção à Direcção Nacional, o Conselho de Jurisdição não poderia, depois, desempenhar com imparcialidade a função de apreciar a deliberação sancionatória.

Fica, ainda, por saber qual o órgão com competência disciplinar no Partido, uma vez que, por um lado, essa competência parece estar cometida ao Conselho de Jurisdição (cf. artigo 21.º, n.º 1, 3.ª frase, dos Estatutos) - e nesse caso, caberá perguntar: como poderá funcionar como instância de recurso das suas próprias decisões? - mas, por outro, este órgão parece ter apenas poder para "recomendar" as sanções a aplicar, sendo essas decisões da competência da Direcção Nacional (artigo 15.º, n.º 3, dos Estatutos).

Para além do já referido, esta indefinição também não se mostra conforme ao disposto no artigo 22.º, n.º 2, da LPP, que tem implícita a exigência de enunciação dos órgãos próprios do partido competentes para a aplicação de sanções disciplinares.

Termos em que se conclui pela desconformidade constitucional e legal do disposto no artigo 15.º do projecto de Estatutos.

10.2 - Ainda em matéria disciplinar, encontramos outras omissões e disposições igualmente merecedoras de reparo.

As deliberações partidárias, nomeadamente, em sede disciplinar, são directamente impugnáveis junto do Tribunal Constitucional, nos termos do disposto nos artigos 103.º-C, 103.º-D e 103.º-E da lei do Tribunal Constitucional (na redacção resultante da Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro). Como salienta Carla Amado Gomes, a atribuição destas competências ao Tribunal Constitucional é uma consequência directa da introdução, pela revisão constitucional de 1997, do n.º 5 do artigo 51.º da Lei Fundamental, que constitucionalizou a democracia interna dos partidos como um valor jurídico autónomo, «incumbindo o Tribunal Constitucional de garante último da validade das suas duas manifestações fundamentais: a eleição de órgãos dos partidos e as deliberações destes, recorríveis nos termos da lei» ("Quem tem medo do Tribunal Constitucional? A propósito dos artigos 103.º-C, 103.º-D e 103.º-E da LOTC", ob. cit., 585 e 586).

Concretamente no que respeita à disciplina partidária, cumpre destacar o disposto no n.º 2 do artigo 22.º da LPP, que impõe que a aplicação de sanções disciplinares se faça «sempre com garantias de audiência e defesa e possibilidade de reclamação ou recurso». Trata-se da concretização legal dos princípios constitucionalmente exigidos em sede de processos sancionatórios (artigo 32.º, n.º 10, da Constituição), enquanto garantias inerentes ao próprio princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição).

Os Estatutos sob apreciação - para além dos problemas, acima identificados, atinentes à competência disciplinar e à impugnação das decisões sancionatórias - revelam ser totalmente omissos no que respeita ao tipo de sanções susceptíveis de serem aplicadas aos filiados no Partido.

Também esta omissão contraria os princípios constitucionais e legais já referidos.

No âmbito do direito penal, Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, I, 2.ª ed., Coimbra, 2007, 177, sintetiza assim o conteúdo essencial do princípio da legalidade: «não pode haver crime, nem pena que não resultem de uma lei prévia, escrita, estrita e certa (nullum crimen, nulla poena sine lege).

Como este Tribunal já salientou, embora as exigências de tipicidade, enquanto corolários do princípio da legalidade (artigo 29.º, n.º 1, da Constituição), só valham qua tale no domínio do direito penal, não deixam de se fazer sentir em menor grau nos demais ramos do direito sancionatório. O que significa que as normas sancionatórias têm de conter um mínimo de determinabilidade, em termos de não haver um encurtamento de direitos fundamentais, sob pena de, não se cumprindo esta exigência, os cidadãos ficarem à mercê de puros actos de poder (cf. Acórdãos n.os 666/94 e 730/95).

Na situação vertente, nem sequer há uma enunciação genérica dos comportamentos que podem constituir infracções à disciplina do partido (nem se pode retirar tal enunciação da listagem de deveres dos filiados, que também se apresenta vaga e genérica - cf. artigo 7.º do projecto de Estatutos). Mas tais infracções, não enunciadas, podem dar origem a sanções, que de todo se desconhecem quais possam ser.

A disciplina partidária - ainda que não possa considerar-se direito sancionatório público, atenta a natureza especial que assumem os partidos, enquanto associações de Direito Constitucional - não pode oferecer garantias substancialmente menores do que aquelas que constitucionalmente se exigem ao direito sancionatório público. Desde logo porque envolve, ou pode envolver, direitos, liberdades e garantias de participação política.

Só, assim, aliás, se justifica que o controlo judicial das deliberações partidárias, nomeadamente das deliberações sancionatórias, esteja cometido ao Tribunal Constitucional, nos termos acima referidos.

A este respeito, e embora versando sobre um ilícito de mera ordenação social (financeiro), mostra-se pertinente convocar a conclusão, consolidada na jurisprudência constitucional, assim enunciada no Acórdão 41/2004: «o direito sancionatório público, enquanto restrição relevante de direitos fundamentais, participa do essencial das garantias consagradas explicitamente para o direito penal, isto é, do núcleo de garantias relativas à segurança, certeza, confiança e previsibilidade dos cidadãos.» Não podem, assim, os estatutos de um partido ser totalmente omissos quanto à tipificação (ainda que em termos mínimos) dos ilícitos disciplinares e respectivas sanções, especialmente dos casos que possam dar lugar à aplicação da pena de expulsão. Neste último caso, mas não só, é indiscutível que está em causa a restrição de um direito fundamental, pelo que não podem deixar de se lhe aplicar as regras constitucionais, ainda que em termos de um mínimo de determinabilidade, de tipificação das infracções e previsão das penas (cf. em sentido idêntico, embora para caso diverso, o Acórdão 282/86).

Na medida em que não prevê um catálogo das sanções disciplinares susceptíveis de ser aplicadas aos filiados, nem enuncia, em termos mínimos, as infracções susceptíveis de conduzir à aplicação das sanções (omissas), nomeadamente, para os casos de aplicação da sanção máxima de expulsão, o projecto de Estatutos do Partido da Liberdade desrespeita as garantias constitucional e legalmente impostas em sede de procedimentos sancionatórios.

10.3 - No artigo 21.º, n.º 1, 2.ª frase, do projecto de Estatutos prevê-se, além do mais, que, «em caso de sanção disciplinar», o mandato (nos órgãos do Partido) «extingue-se automaticamente».

A indefinição reinante nesta matéria repercute-se na norma em análise, ficando por saber qual a sanção disciplinar que pode dar origem à extinção automática do mandato. Aparentemente, toda e qualquer sanção conduz a esse resultado, dada a omissão de qualquer indicação especificadora.

Mas, independentemente do excesso que tal solução configuraria, certo é que a previsão de "extinção" do mandato, como sanção acessória automática - traduzida na imediata cessação do mandato como titular de órgão partidário, sem qualquer ponderação da gravidade da infracção disciplinar, no caso concreto - não se compadece com o disposto no artigo 30.º, n.º 4, da Constituição.

Esta norma prevê que «nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos». Como se salientou no já citado Acórdão 282/86, «o facto de não se tratar aqui do terreno criminal não impede a aplicação do princípio constitucional do artigo 30.º, n.º 4. Se às penas criminais não pode acrescentar-se, a título de efeito de pena, a perda de direitos profissionais, por maioria de razão isso está vedado quando se trate de penas sem carácter criminal.» Estas considerações tecidas a propósito de "direitos profissionais" são inteiramente aplicáveis ao caso presente em que estão em causa direitos políticos relacionados com a titularidade de cargos nos órgãos partidários.

10.4 - A falta de autonomia e de democraticidade repete-se ao nível das denominadas "Estruturas Locais".

O artigo 18.º do projecto de Estatutos prevê que tais estruturas, de carácter facultativo, caso venham a ser criadas, sê-lo-ão por decisão ou "sancionamento"

da Direcção Nacional, a quem cabe nomear e demitir o Presidente Distrital e "sancionar" a designação de todos os restantes presidentes e membros (com excepção dos "Representantes") de todas as estruturas. Nos termos do n.º 2, 2.ª frase, "os Presidentes das restantes Estruturas são nomeados pelo Presidente da Estrutura hierarquicamente superior [...]".

Como se vê, todo o processo de criação e composição das estruturas passa, directa ou indirectamente, pela Direcção Nacional. Estamos perante uma estrutura piramidal fortemente hierarquizada, sendo notória a falta de "democraticidade interna" na constituição de tais órgãos locais, com a agravante de que eles formam as chamadas "estruturas de base", que melhor permitiriam a participação dos filiados do partido.

Por isso, o artigo 18.º do projecto de Estatutos não subsiste ao confronto com o princípio democrático, vertido no artigo 5.º da LPP, e com o artigo 13.º da mesma lei, que sujeita as "organizações internas" constituídas no interior de um partido, aos "princípios e limites estabelecidos na Constituição e na lei".

10.5 - Também no que se refere à "Estrutura Juvenil", a regulação estatutária não está isenta de vícios.

O artigo 19.º do projecto de Estatutos estabelece o seguinte:

«Artigo 19.º

Estrutura Juvenil

1 - Composição:

Presidente

Vogais (máximo de 4)

2 - Nomeação:

Presidente da Estrutura Juvenil é nomeado pela Direcção Nacional;

Os Vogais são nomeados pelo Presidente da Estrutura, sob sancionamento da Direcção Nacional;

A militância na estrutura juvenil é opcional e nunca poderá manter-se para além do 25.º aniversário do militante.

Poderão ser aceites militantes a partir dos 12 anos de idade, que, obrigatoriamente se inscreverão no partido quando cumprirem as condições expressas non.º 1.do Artigo 5.º A Estrutura Juvenil não terá autonomia financeira.» As organizações de juventude partidárias não são partidos políticos e, como tal, não estão sujeitas ao controlo do Tribunal Constitucional, nem comungam dos direitos e deveres que a Constituição e a lei atribuem aos partidos políticos.

Ou seja, são necessariamente entidades distintas do partido político.

São equiparadas a "associações juvenis" (têm mais de 75 % de associados com idade igual ou inferior a 30 anos) sendo-lhes aplicável o regime jurídico do associativismo jovem, estabelecido na Lei 23/2006, de 23 de Junho, em conformidade com o disposto no seu artigo 3.º, n.º 2, e salvaguardadas as disposições legais que regulam os partidos políticos.

De acordo com o artigo 2.º da Lei 124/99, de 20 de Agosto (que «garante aos jovens menores o livre exercício do direito de associação e simplifica o processo de constituição das associações juvenis»), os menores com idade inferior a 14 anos têm o direito de aderir a associações, desde que previamente autorizados, por escrito, por quem detém o poder paternal (n.º 1). A referida autorização deixa de ser necessária a partir dos 14 anos, idade a partir da qual os menores podem também constituir novas associações e ser titulares dos respectivos órgãos (n.º 2 do artigo 14.º).

Por isso, a generalidade das organizações de juventude partidárias, ligadas aos partidos actualmente registados, exigem, nos respectivos estatutos, que os seus militantes tenham a idade mínima de 14 anos.

O projecto de Estatutos aqui em causa prevê uma "Estrutura Juvenil", destinada a militantes entre os 12 anos de idade e os 25 anos.

Entende o Ministério Público que esta norma estatutária infringe o disposto no citado artigo 2.º da Lei 124/99, uma vez que admite a militância na "Estrutura Juvenil" a partir dos 12 anos de idade, sem prever qualquer autorização por quem detém o poder paternal. Na medida em que os estatutos regulam um ponto imperativamente previsto na lei, em termos desviantes desta, pois omitem um requisito, nela fixado, de participação em associações juvenis, pode concluir-se que contrariam o legalmente imposto, pelo que é de sufragar aquele entendimento.

Além disso, resulta do artigo 19.º, acima transcrito, que esta estrutura terá escassa ou nula autonomia relativamente ao Partido, uma vez que não terá autonomia financeira (artigo 19.º, n.º 2, 5.ª frase) e os seus dirigentes são nomeados (presidente) ou "sancionados" (vogais) pela Direcção Nacional do Partido.

Como também faz notar o Ministério Público, esta norma estatutária infringe directamente o disposto no artigo 6.º da citada Lei 23/2006, que, concretizando princípios de organização e funcionamento, prevê que as associações de jovens gozem de autonomia i) na elaboração dos respectivos estatutos e demais normas internas; ii) na eleição dos seus órgãos dirigentes; iii) na gestão e administração do respectivo património; e iv) na elaboração dos planos de actividade, no respeito pela lei e pelos princípios da liberdade, da democraticidade e da representatividade.

Neste contexto de falta de autonomia - o que, como vimos, é fundamento bastante para julgar a disposição ilegal -, torna-se, ainda, problemática a militância dos menores (a partir dos 12 anos de idade) em tal estrutura.

Na verdade, não tendo a Estrutura Juvenil autonomia, ela acaba por assumir a natureza de uma estrutura componente do próprio partido (não de uma associação, distinta deste), inserida na sua orgânica própria. Isso mesmo se retira da enumeração dos órgãos partidários constante do artigo 8.º, onde é referida a Estrutura Juvenil. Sendo assim, não é forçado concluir-se que a possibilidade de inscrição de menores de idade, a partir de 12 anos, abre a porta à militância de menores de idade no próprio Partido, o que briga como o disposto no artigo 7.º da LPP, em conjugação com o artigo 49.º da CRP.

Pelas razões apontadas, também a norma do artigo 19.º do projecto de Estatutos infringe a Constituição e a lei.

10. 6. Entre o elenco de "deveres dos membros do Partido" estabelece-se, no artigo 7.º, n.º 8, do projecto de Estatutos o dever de «guardar sigilo sobre todas as actividades do Partido».

O "sigilo sobre todas as actividades" significaria, se lido em toda a sua extensão, fazer equivaler o partido a uma sociedade de índole secreta, o que, manifestamente, estaria vedado.

Mas ainda que não seja essa a ideia subjacente a uma tal declaração, a verdade é que a ausência de qualquer elemento delimitador das actividades objecto do dever de reserva (v. g., a sua restrição às questões da "vida interna" do partido com "carácter reservado", à semelhança do que estabelecem os estatutos de outros partidos políticos) não permite outra leitura.

Assim, a fórmula utilizada, pela sua amplitude, contende com o princípio da transparência, vertido no artigo 6.º da LPP. Neste se estabelece, designadamente, que os partidos políticos prosseguem publicamente os seus fins (n.º 1), prevendo-se a obrigatoriedade de divulgação pública das suas actividades enumeradas nas alíneas do n.º 2 deste preceito legal.

Acresce que, do ponto de vista dos filiados, o referido dever, porque enunciado sem qualquer restrição (e susceptível de consequências em sede disciplinar, como as acima referidas), é susceptível de contender com o exercício dos seus direitos, constitucionalmente garantidos, maxime de liberdade de expressão e participação na vida política.

10.7 - A constituição da Mesa do Congresso Nacional, tal como prevista no artigo 13.º, n.º 2, do projecto de Estatutos, não obedece aos ditames do princípio da democraticidade.

Nos termos desta disposição, só a designação do Presidente da Mesa resulta de eleição directa e incondicionada pelos militantes reunidos em Congresso. A nomeação do secretário é da responsabilidade do presidente, sob "sancionamento" da Direcção Nacional. Os «Vogais são indicados pelos militantes reunidos, optando-se pelos mais antigos».

Este regime consagra uma restrição (no que respeita ao secretário, uma vez que este não é escolhido directamente) e um condicionamento (no que respeita aos vogais) da capacidade eleitoral activa dos membros do Congresso incompatível com aquele princípio. O que é tanto mais grave quanto é certo que o Congresso Nacional é o órgão que, por natureza, melhor se ajusta a enquadrar a participação democrática dos militantes na vida de um partido, quer através de mecanismos de representação alargada, quer através de participação directa (como parece estar previsto neste caso, já que se dispõe que integram o Congresso Nacional "todos os militantes com direito a voto" - artigo 13.º, n,º 1, 2.ª frase).

11 - A legalidade de certos preceitos estatutários pode ainda ser posta em causa por inobservância de normas legais de alcance geral. Com efeito, algumas normas do projecto dos Estatutos não obedecem às exigências de determinabilidade, segurança e certeza jurídicas, que se impõem a quaisquer disposições estatutárias, independentemente da natureza da pessoa colectiva que pretendam reger.

Esse vício é sobremodo patente nas normas de composição de alguns órgãos:

da Direcção Nacional (artigo 9.º, n.º 1), da Comissão Política Permanente (artigo 10.º, n.º 1), da Secretaria-Geral (artigo 11.º, n.º 1), do Conselho de Estratégia Nacional (artigo 12.º, n.º 1), da mesa do Congresso Nacional (artigo 13.º, n.º 1), e do Conselho Nacional (artigo 14.º, n.º 1). Estabelece-se aí uma elasticidade quantitativa, dada pela simples indicação de um número máximo de membros, ou pela fixação de um intervalo (por vezes muito largo) entre um mínimo e um máximo, em grau muito elevado, gerador de fortes incertezas. Um caso à parte, que serve de exemplo extremo disso mesmo, é o disposto no artigo 12.º, n.º 1, do projecto de Estatutos, onde se prevê que a composição do órgão "Conselho de Estratégia Nacional" integre vogais em "número considerado necessário".

No caso da Direcção Nacional, tudo indica que este processo de normação estatutária, ao deixar em aberto a composição definitiva desse órgão, colide, mesmo, com o regime legal específico das associações partidárias.

Na verdade, trata-se de um órgão de presença obrigatória, nos termos da alínea b) do artigo 24.º da LPP. Em relação a esse e aos restantes órgãos com essa natureza, tal norma determina que as suas competências e composição são "definidas" nos estatutos. É por demais duvidoso que o artigo 9.º cumpra satisfatoriamente essa exigência, uma vez que remete implicitamente para outra instância partidária (o Congresso Nacional?) a concreta fixação do número de vogais da Direcção Nacional. Com isso, a composição do órgão de direcção política não pode colher-se directamente, de forma acabada, nos próprios estatutos, como a lei parece exigir.

12 - Uma referência final para outras questões levantadas pelo Ministério Público, que entendemos deverem ser resolvidas no sentido da validade, nos pontos sobre que incidem, da disciplina estatutária.

12.1 - É o caso da questão respeitante à nomeação (e demissão) do Secretário-Geral pela Direcção Nacional, a quem compete, ainda, "sancionar" a nomeação dos restantes membros da Secretaria-Geral, nos termos do previsto nos artigos 9.º, n.º 3, e 11.º, n.º 2, do projecto de Estatutos.

Ainda que se possa considerar não ser essa a "melhor" solução, sob o ponto de vista da democraticidade, o certo é que estamos perante uma questão do foro da organização interna do partido, sobre qual a lei não estabelece regras imperativas. Não nos podemos esquecer que o princípio da democraticidade convive e "dialoga" com o princípio da autonomia e liberdade de organização interna dos partidos, corolário da liberdade de associação, pelo que deve ser deixada uma ampla margem de auto-organização e auto-regulação às associações partidárias.

12.2 - Também não são de acolher as observações avançadas pelo Ministério Público, quanto ao processo de escolha dos membros do Conselho Fiscal. As considerações tecidas a propósito da designação dos membros do Conselho de Jurisdição (ponto 10.1) não são extensíveis ao Conselho Fiscal.

Na verdade, o conselho fiscal encontra-se fora do "conteúdo mínimo organizatório", especificamente enunciado, para as associações com a natureza de partidos políticos, pelo artigo 24.º da LPP. É em relação a esses órgãos que cobra todo o sentido a regra imperativa de eleição, por exigências do princípio da democraticidade interna. Essas exigências só se colocam, em termos estritos, em relação aos órgãos de formação e expressão da vontade política do partido (a assembleia representativa e o órgão de direcção política), bem como ao órgão encarregado de controlar a regularidade da actuação destes (o órgão de jurisdição). As "garantias de independência" dos membros de um órgão como o conselho fiscal, com competência exclusiva em matéria financeira e fiscal, não serão muito diferentes das que se impõem, em geral, aos órgãos equivalentes, obrigatoriamente existentes em todos os tipos de pessoas colectivas (artigo 162.º do Código Civil) - garantias, essas, que a previsão do artigo 16.º do projecto de Estatutos, por si só, não parece afrontar.

12.3 - Já oferece alguma dúvida a questão de a militância no Partido da Liberdade estar limitada aos "Portugueses" (artigo 5.º, n.º 1, do projecto de Estatutos).

É, na verdade, duvidosa a compatibilidade de uma tal restrição com o disposto nos artigos 7.º e 19.º, n.º 2, da LPP, quando conjugados com a previsão legal de direitos de voto dos estrangeiros residentes em Portugal, em determinadas condições - cf. a Lei 13/99, de 22 de Março (recenseamento eleitoral), a Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto (eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais) e a Declaração 10/2001, publicada no DR, 1.ª série, de 13.9.2001 (torna públicos os países a cujos cidadãos é reconhecida capacidade eleitoral activa e passiva em Portugal nas eleições dos órgãos das autarquias locais).

Mas, tudo ponderado, cremos que uma tal solução está ainda dentro dos limites da licitude. A nacionalidade não está incluída entre os factores de exclusão proibidos, no artigo 19.º, n.º 2, da LPP (como conceito jurídico, ela não se identifica com o "território de origem", mero elemento de facto). Por outro lado, se a capacidade de gozo de direitos políticos é condição necessária da inscrição num partido, não dá um direito de exercício de militância partidária, em concreto, num determinado partido. Nem a impossibilidade de inscrição em algum ou alguns dos partidos integrantes do universo eleitoral prejudica, de forma significativa, o exercício da capacidade eleitoral, activa e passiva, dos cidadãos estrangeiros que dela disponham, nos termos legais.

Decisão

Pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir o pedido de inscrição, no registo próprio deste Tribunal, do partido político com a denominação "Partido da Liberdade", a sigla PL e o símbolo que consta de fls. 23/24.

Sem custas.

Lisboa, 13 de Julho de 2009. - Joaquim de Sousa Ribeiro - João Cura Mariano - Benjamim Rodrigues - Mário Torres - Rui Manuel Moura Ramos.

202157835

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2009/08/13/plain-259153.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/259153.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1986-11-11 - Acórdão 282/86 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do corpo dos artigos 160.º do Código da Contribuição Industrial e 130.º do Código de Transacções, na parte em que determinam a suspensão dos direitos emergentes da inscrição dos técnicos de contas, por infracção do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, do § único dos artigos 160.º do Código da Contribuição Industrial e 130.º do Código do Imposto de Transacções, por ofensa do artigo 30.º, n.º 4, da Constituição e dos artigos (...)

  • Tem documento Em vigor 1998-02-26 - Lei 13-A/98 - Assembleia da República

    Altera a lei orgânica sobre a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional.

  • Tem documento Em vigor 1999-03-22 - Lei 13/99 - Assembleia da República

    Aprova a nova lei do recenseamento eleitoral e publica em anexo os modelos dos impressos nela previstos.

  • Tem documento Em vigor 1999-08-20 - Lei 124/99 - Assembleia da República

    Garante aos jovens menores o livre exercício do direito de associação e simplifica o processo de constituição das associações juvenis.

  • Tem documento Em vigor 2001-08-14 - Lei Orgânica 1/2001 - Assembleia da República

    Aprova a lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais. Altera o regime de financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.

  • Tem documento Em vigor 2003-07-19 - Acórdão 304/2003 - Tribunal Constitucional

    Pronuncia-se pela inconstitucionalidade das normas do artigo 18º, n.º 1, alínea c), e do artigo 32º, n.º 1, do decreto da Assembleia da República n.º 50/IX, que aprova a Lei dos Partidos Políticos. (Processo nº 381/2003).

  • Tem documento Em vigor 2003-08-22 - Lei Orgânica 2/2003 - Assembleia da República

    Aprova a lei dos Partidos Políticos.

  • Tem documento Em vigor 2006-06-23 - Lei 23/2006 - Assembleia da República

    Estabelece o regime jurídico do associativismo jovem.

  • Tem documento Em vigor 2008-05-14 - Lei Orgânica 2/2008 - Assembleia da República

    Altera (primeira alteração) a Lei Orgânica 2/2003, de 22 de Agosto, que aprova a Lei dos Partidos Políticos, e procede à sua republicação, com a redacção actual e demais correcções formais.

Ligações para este documento

Este documento é referido nos seguintes documentos (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

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