Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1 - Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto (TRP), em que é recorrente o Ministério Público e recorrido António Colaço Pinto, o primeiro interpôs recurso, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea a) e 72.º n.os 1, alínea a) e 3, da Lei 28/82, de 15 de novembro (LTC), do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20 de maio de 2014 (de fls. 165-182) que, não aplicando a norma do n.º 2 do artigo 772.º do Código de Processo Civil (versão anterior ao aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de junho), julgou procedente o recurso interposto, pelo ora recorrido, do despacho (de 22/10/2012) que não admitiu o recurso de revisão, por si interposto, de sentença proferida em primeira instância (em 25/06/1990) que, em acção de investigação da paternidade, declarou o ora recorrido pai biológico do então menor C… - assim revogando a decisão então recorrida e determinando a prolação de despacho que admita liminarmente o recurso de revisão e o prosseguimento dos autos.
2 - Com interesse para o caso sub judice, resulta dos autos o que de seguida se enuncia.
2.1 - Em 26 de junho de 1990, foi proferida sentença a declarar que o, então menor, C…, é filho do ora recorrido.
De tal decisão não foi então interposto recurso, tendo a mesma transitado em julgado.
A decisão sobre a matéria de facto aí proferida fundamentou-se nas declarações da mãe do menor e no depoimento das testemunhas indicadas por aquela.
A paternidade do réu foi aí declarada com fundamento na manutenção de relações sexuais com a mãe do menor durante o período legal de conceção e na exclusividade de tais relações.
2.2 - O pedido de interposição de recurso de revisão, daquela decisão de 26/06/1990, formulado pelo ora recorrido, deu entrada no Tribunal da Relação do Porto por requerimento enviado por via eletrónica a 10 de outubro de 2012.
Nesse recurso, o ora recorrido veio alegar que:
nunca foi pai biológico de C…, motivo pelo qual contestou aquela ação; durante estes anos todos, nunca reconheceu, de facto, tal paternidade, nem nunca privou ou manteve qualquer contato com C…ou com a mãe do mesmo; na referida ação nunca foi feito qualquer teste científico para apuramento da paternidade, nomeadamente testes sanguíneos de paternidade ABO/ RH ou testes de ADN; a prova produzida foi reduzida somente aos depoimentos da mãe daquele e de alguns familiares chegados; o respeito pela verdade biológica impõe a imprescritibilidade não só do direito de investigar, como do de impugnar; pretende demonstrar que os factos que serviram de fundamento à decisão não ocorreram e são incompatíveis com aqueles que emergirão do resultado dos exames que se pretende sejam realizados; fundamentou o recurso no disposto na alínea b) do artigo 771.º do Código de Processo Civil e na interpretação extensiva do disposto na alínea c), da referida norma.
O recurso não foi admitido pelo juiz a quo, nos termos do despacho proferido em 22/10/2012 (cf. fls. 16):
B…veio interpor recurso de revisão da sentença proferida em 25/06/1990 e da qual não foi interposto recurso ordinário, tendo, por isso, transitado em julgado.
Com a interposição do recurso deve o requerente alegar os factos constitutivos do fundamento do recurso, que são exclusivamente os elencados no artigo 771.º do Código de Processo Civil (cf., artigo 773.º do mesmo diploma legal).
O tribunal a que for dirigido o recurso indefere-o quando não tenha sido instruído nos termos do artigo 773.º ou quando reconheça, de imediato, que não motivo para revisão.
Ora, neste caso, vistos os fundamentos do recurso invocados pelo recorrente, logo se constata que os mesmos não se enquadram no elenco do artigo 771.º do Código de Processo Civil, pelo que se conclui que o recurso não foi devidamente instruído nos termos estipulados pelo artigo 773.º do mesmo diploma, não existindo motivo para revisão.
Pelo exposto, ao abrigo do previsto no artigo 774.º, n.º 1, do CPC, indefere-se o requerimento de recurso interposto.
»2.3 - Inconformado com tal decisão, o recorrente interpôs recurso de apelação da mesma, concluindo a respetiva motivação com as seguintes conclusões (cf. fls. 18-25):
1 - O que interessa é a verdade biológica e não a interpretação formalista levada a cabo pelo Juiz, que violou o disposto nos arts. 771.º, als. b) e c) e 773.º do CPC.
2 - Já que ao tempo não era possível a realização de testes e exames científicos quer de exclusão de paternidade quer de fixação de paternidade como hoje em dia há.
3 - E nem os então existentes, testes ou exames de exclusão de paternidade foram feitos. O M.P. não os requereu e o Recorrente, por ignorância e manifesta insuficiência económica, também não.
4 - O que colocou a decisão de atribuir a paternidade ao recorrente na análise da prova testemunhal, indireta.
5 - Deve pois proceder o presente recurso e ser ordenada a realização de exames de sangue e quaisquer outros métodos cientificamente comprovados a fim de ser estabelecida, com rigor, a paternidade, ou não do recorrente.
6 - Se assim não for entendido, desde já o recorrente suscita a inconstitucionalidade do artigo 771.º, als. b) e c), do CPC, por violação do disposto ns. ns. 1 e 4, do artigo 20.º da CRP.
»Citados o filho do recorrente e o Ministério Público, apenas este apresentou contraalegações, defendendo a manutenção da decisão, invocando ainda a extemporaneidade do recurso de revisão.
Convidado pelo juiz relator a pronunciar-se sobre a questão da caducidade do direito de interpor recurso de revisão, o Apelante veio invocar a inconstitucionalidade do n.º 2 do artigo 772.º do CPC, por violação do disposto nos arts. 18.º, n.º 3, 26.º, n.º 1 e 36.º da CRP.
O Tribunal da Relação do Porto, decidindo o recurso de apelação deduzido contra o despacho de não admissão do recurso de revisão interposto pelo ora recorrido, julgou procedente o recurso, revogando a decisão então recorrida e determinando que fosse proferido despacho a admitir liminarmente o recurso, prosseguindo os autos nos termos previstos no n.º 2 do artigo 774.º do [anterior] CPC.
Para o efeito, concluíram os Juízes que
[...] no caso em apreço, não é de negar ao recorrente o direito de efetuar esta “prova dos nove”, quanto à paternidade em causa, apenas porque decorreram mais de cinco anos desde o trânsito em julgado da decisão que o declarou como pai, considerando-se que os interesses em jogo - confronto entre bens constitutivos da personalidade e a garantia da segurança jurídica - justificam [...], no caso em apreço, a recusa da aplicação de tal prazo de caducidade [previsto no n.º 2 do artigo 772.º, do [anterior CPC], por violação do princípio fundamental à identidade pessoal contido no artigo 26.º da CRP em conjugação com os arts. 16.º, n.º 1, 18.º, n.º 1, e 36.º, n.º 1, todos da CRP
».
3 - É este o teor do Acórdão do TRP, de 20 de maio de 2014, ora recorrido para este Tribunal (cf. fls. 165-182 e, em especial, fls. 167 e ss.):
[...]
II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso - cf., artºs. 684.º, n.º 3 e 685.º-A, do Código de Processo Civil[1], [1 Tratando-se de decisão proferida antes da entrada em vigor do novo código, aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de Junho, em ação instaurada depois de 1 de Janeiro de 2008, aplicar-se-á o regime de recursos vigente à data da sua prolação - cf., neste sentido, António Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina 2013, pág. 15, e João Correia, Paulo Pimenta e Sérgio Castanheira, “Introdução ao Estudo e à Aplicação do Código de Processo Civil de 2013”, Almedina, pág. 118.] as questões a decidir são as seguintes:
1 - Se se verificam os pressupostos de interposição do recurso de revisão.
2 - Caducidade do direito de interpor recurso de revisão - Inconstitucionalidade do n.º 2 do artigo 772.º do CPC.
III - APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
[...] 1 - Pressupostos de interposição do recurso de revisão. O recorrente interpôs o presente recurso de revisão da sentença transitada em julgado que o declarou pai biológico do então menor, C…, ao abrigo do disposto na alínea b) do artigo 771.º do CPC e na interpretação extensiva da alínea c) da citada norma, alegando, em síntese, que o registo da paternidade não corresponde à verdade biológica, tendo a decisão assentado unicamente em prova indireta - no depoimento da mãe e de alguns familiares chegados-, requerendo agora a realização de exames científicos de paternidade.
O Juiz a quo indeferiu liminarmente o recurso, com fundamento em que o mesmo não preenche qualquer um dos fundamentos previstos no artigo 771.º do CPC, não se encontrando devidamente instruído nos termos estipulados no artigo 773.º O recurso extraordinário de revisão visa anular uma decisão com fundamento em vícios próprios ou do respetivo procedimento, comportando-se como uma verdadeira ação com um duplo objetivo:
o primeiro, de verificar a existência de qualquer vício na decisão transitada ou no processo a ela conducente - juízo rescindente; o segundo, de substituir a decisão proferida através da repetição da instrução e julgamento da ação - juízo rescisório.
No recurso extraordinário de revisão, do que se trata é de apurar se algum fundamento justifica a destruição da decisão transitada em julgado e, em caso afirmativo, de refazer a decisão impugnada.
Segundo o artigo 771.º, do CPC, a decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão nos casos aí taxativamente previstos, entre os quais se destacam os seguintes:
[...] b) Se verifique a falsidade de documento ou ato judicial, de depoimento ou das declarações de peritos ou árbitros, que possam em qualquer dos casos, ter determinado a decisão a rever, não tendo a matéria sido objeto de discussão no processo em que foi proferida. c) Se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, só por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida.
[...].
Enquanto na alínea b) se aponta a falsidade (do ato judicial, ou do depoimento de alguma testemunha) como fundamento da revisão, a alínea c), apresenta como fundamento a apresentação de documento superveniente.
Quanto à falsidade, com o DL 38/2003, de 8 de março, deixou de se exigir a propositura de uma ação autónoma para verificar a falsidade do meio de prova ou ato judicial ou para declarar a nulidade ou anular a confissão, desistência ou transação em que a sentença se tivesse fundado. Ao contrário do que antes acontecia, deixou de ser necessário que qualquer das falsidades seja atestada por sentença prévia, podendo a prova de tal falsidade ser feita na fase rescindente do recurso de revisão (arts. 774.º, n.º 2, e 775.º, n.º 2)[2]. [2 Cfr., quanto a tal questão, José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 3.º, 2.ª ed. Coimbra Editora 2008, pág. 221, Luís Filipe Brites Lameiras, “Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil”, Almedina, pág. 196.] Como salienta Fernando Amâncio Ferreira[3], [3 “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 9.ª ed., Almedina, pág. 334.] não é suficiente a verificação de uma qualquer das quatro falsidades mencionadas para que possa haver revisão. É ainda condição essencial que haja um nexo de causalidade entre a peça falsa e a decisão revidenda; quer dizer, é necessário que a decisão se baseie na prova viciada, ou que ela tenha determinado a decisão que se pretende rever.
O documento superveniente - que se formou ulteriormente ao trânsito em julgado da decisão revidenda, ou de que a parte não tivesse conhecimento ou não pudesse ter feito uso no processo onde foi proferida a decisão - que se junte para alicerçar a revisão, terá de fazer prova plena e inabalável do facto relevante, só por si suficiente para modificar a decisão transitada em julgado. Como refere Luís Lameiras, estamos no patamar da prova legal vinculada - da prova plena - à qual é, em absoluto alheio, qualquer tipo de julgamento de facto produzido pelo julgador à luz da sua liberdade de apreciação (artigo 655.º):
o julgamento - quanto ao pertinente documento - se bem que com reflexo no facto, é de direito, produzido pela própria lei.
No caso em apreço, alegando que a decisão recorrida assentou unicamente no depoimento da mãe e de alguns familiares, o autor pretende no presente recurso fazer uso de um meio de prova não utilizado na instrução da causa que deu azo a tal decisão, respeitando o fundamento do recurso à formação do material instrutório.
Assim, e relativamente ao fundamento previsto na alínea c) do artigo 771.º, o caso em apreço apresenta duas particularidades:
Por um lado, encontra-se em causa, não um documento, mas um exame e, por outro lado, trata-se de um meio de prova ainda não existente, mas a produzir[4], [4 Se o Recorrente tivesse já o resultado dos exames em sua posse, por os ter realizado extrajudicialmente, não teríamos qualquer dúvida em enquadrar o recurso em apreço no fundamento previsto na alínea c) do artigo 771.º do CPC, tal como foi já decidido por este tribunal da Relação do Porto de 31.10.2006, disponível in CJ Ano XXXI, Tomo IV, pág. 187.] fundando-se o requerimento de interposição do recurso unicamente na convicção do autor de que não é o pai biológico da criança e ainda no argumento de que, face aos avanços da técnica, tal realidade irá ser seguramente comprovada pela realização de exames genéticos de paternidade.
Afirma o autor que, embora seja verdade que namorou com a mãe do menor durante alguns meses, tal como foi dado como provado na referida sentença, o autor pôs fim ao namoro por descobrir que esta acompanhava dia e noite com outros homens com quem esta se relacionava, vivendo inquieto e atormentado desde então, por ter consciência de que está reconhecido como pai de alguém que entende desde sempre que não pode ser seu filho.
Assim sendo, embora o recorrente não alegue expressamente que os depoimentos, da mãe e das testemunhas, em que se baseou o tribunal para a declaração de paternidade, sejam falsos, dos factos por si alegados resulta necessariamente a falsidade de tais depoimentos, pelo menos relativamente ao depoimento prestado pela mãe. Com efeito, o tribunal reconheceu a paternidade do aqui recorrente a partir dos seguintes factos, que deu como provados:
“4. Entre o princípio de Setembro de 1986 e meados de Junho de
1987, o Réu namorou com a I...
5 - Durante esse namoro, por diversas vezes, o réu manteve relações sexuais com a J…, nomeadamente nos primeiros cento e vinte dias dos trezentos que antecederam o nascimento do menor.
6 - Neste último período, a J…não manteve relações sexuais com outro homem que não o réu.”
Ora, se os dois primeiros factos são compatíveis com uma eventual exclusão da paternidade do réu - o réu pode ter namorado e mantido relações sexuais com a mãe do menor durante o referido período e o filho não ser dele-, o último facto - ausência de relações sexuais com outro homem - é incompatível com a profunda convicção aqui manifestada pelo Apelante, de que o filho não é dele.
Como tal, poderá o autor efetuar a prova da falsidade das declarações da mãe e das testemunhas, que levaram o tribunal que proferiu a sentença revidenda a dar como provado que a mãe não manteve relações sexuais com outro homem durante o período legal da conceção, mediante a realização de exames a efetuar nos presentes autos, recaindo a situação, não na alínea c), mas, sim, na alínea b), do citado artigo 771.º, do CPC.
Face a tal enquadramento, o recorrente não tinha, assim, que, com o requerimento de interposição de recurso, apresentar de imediato prova de tal falsidade[5]. [5 No sentido de que, atualmente, aprova da falsidade pode ser feita na própria fase rescindente do recurso de revisão se pronuncia, entre outros, Luís Brites Lameiras, “Notas Práticas ao Regime dos Recursos Em Processo Civil”, Almedina, pág. 196.] Com efeito, o n.º 2 do artigo 773.º do CPC, apenas nos casos de revisão com fundamento nas alíneas a), c), f) e g) do artigo 771.º, exige que o requerimento de interposição de recurso tenha de ser instruído com certidão da sentença ou do documento em que se funda o pedido. Por outro lado, se o CPC de 1939 exigia ao recorrente a apresentação de prova sumária da veracidade do fundamento invocado em situações que não pressupunham uma decisão judicial prévia, tal norma foi eliminada na revisão de 1967.
Como refere José Lebre de Freitas[6], [6 Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 3.º, Tomo I, 2.ª ed., Coimbra Editora, pág. 236.] nos casos não previstos no n.º 2 do art. 773, o recorrente alega, com o requerimento de interposição, os factos de que recorre a falsidade da prova (alínea b), a nulidade ou anulabilidade do negócio de auto composição do (alínea d), ou a falta ou nulidade da citação (alínea e), podendo reservar a propositura da prova a produzir para a audiência preliminar ou para o momento do art 512.º (art. 775, n.º 2).
Quando o fundamento do recurso seja umas das falsidades previstas na al. b), do artigo 771.º, não só a verificação de tal falsidade tem lugar na própria instância de recurso, como o n.º 2, do artigo 775.º, prevê que, em tal caso, após a resposta dos recorridos ou o decurso do prazo respetivo, se sigam os termos do processo sumário.
Note-se que, encontrandonos ainda perante o despacho liminar a que se refere o artigo 774.º, o despacho que admita o recurso, nesta fase, não garante desde logo a revisão da sentença impugnada, mas, tão só, a oportunidade de realização de exames ao sangue sendo que, caso os mesmos se venham a mostrar inconclusivos ou confirmem a paternidade, o recurso de revisão, aí sim, será julgado necessariamente improcedente; apenas no caso de o resultado de tal exames excluir claramente a paternidade do autor, aí sim, se imporá a procedência do recurso, com a consequente quebra do caso julgado e anulação da sentença revidenda, dando início à abertura da instrução na ação de impugnação (artigo 776.º, n.º 1, alínea c) do CPC).
Pelo exposto, entende-se que o recurso de revisão em apreço tem cabimento no âmbito do fundamento previsto na al. b), do artigo 771.º do CPC, não tendo de ser instruído com a prova da falsidade dos depoimentos em que o tribunal se baseou para declarar a paternidade, prova esta que poderá ser produzida na fase rescindente do recurso, precisamente mediante a realização dos exames requeridos pelo Apelante.
2 - Caducidade do direito de interpor recurso de revisão O recurso extraordinário de revisão interpõe-se de decisões transitadas em julgado, e só pode ser interposto se não tiverem decorrido mais de cinco anos do respetivo trânsito - n.º 2 do artigo 772.º do CPC-, tendo por função reparar anomalias processuais de especial gravidade, taxativamente enunciadas no artigo 771.º do CPC.
Tendo a sentença revidenda sido proferida em 26.06.90, levanta-se a questão da caducidade do direito de interpor recurso de revisão, por há muito ter decorrido o referido prazo de cinco anos sobre o seu trânsito em julgado.
Invoca o Apelante a inconstitucionalidade do n.º 2 do artigo 772.º do CPC, quando interpretado no sentido de que já não pode ser interposto recurso de revisão de sentença proferida em processo de investigação de paternidade, por violação do disposto nos arts. 18.º, n.º 3, 26.º, n.º 1 e 36.º, n.º 1, da Constituição, defendendo a imprescritibilidade pura e simples, de tal direito.
Com a previsão de tal recurso extraordinário, por via do qual se admite a reabertura de um processo extinto, abre a lei exceções ao caso julgado, razão pela qual se compreende que o mesmo se encontre sujeito a apertados limites, quer quando aos seus fundamentos, quer quanto ao prazo durante o qual pode ser deduzido.
Para uma correta ponderação dos interesses em jogo, atenderemos aos juízos de valor que vem sendo formulados pelo Tribunal constitucional nas inúmeras decisões são em que teve de colocar na balança os dois grandes interesses aqui em confronto:
por um lado, a certeza e a segurança jurídica - a recomendar a fixação de prazos para revisão - e, do outro lado, o respeito pela justiça material e, em especial, pela verdade biológica - a apontar no sentido do apuramento desta sem limites temporais.
Como o tribunal constitucional tem vindo a salientar, para avaliar se a limitação temporal - imposição de um prazo de caducidade de cinco anos para a interposição do recurso de revisão - é adequada, necessária e proporcional ao conteúdo dos interesses ou valores em confronto, “não pode prescindir-se de encarar a situação concreta que originou o caso julgado”.
No Acórdão 209/2004 [7], [7 Disponível in www.tribunalcons-titucional.pt/tcacordaos/20040209.html.] citado pelo Apelante, o tribunal constitucional apreciou e concluiu pela inconstitucionalidade do prazo de cinco anos previsto no n.º 2 do n.º 2 do artigo 772.º do CPC, restringindo-se, embora, tal declaração ao recurso de revisão de uma sentença proferida numa ação oficiosa de paternidade, cujo fundamento era a falta ou nulidade da citação. Aí se entendeu que a solução normativa consagrada na citada norma, quando aplicável aos casos em que, tendo ocorrido à revelia a ação em que foi proferida a decisão cuja decisão é requerida, seja alegada como fundamento da revisão, precisamente, a falta ou a nulidade da citação para aquela ação, é efetivamente inconstitucional, por ofensa do princípio do contraditório, em que se integra a proibição da indefesa contida no artigo 20.º da Constituição.
Contudo, apesar de se encontrar em discussão o mesmo prazo de caducidade de interposição do recurso de revisão, reportado, em ambos os casos, a uma ação de investigação de paternidade, a diversidade do fundamento aqui invocado para o recurso de revisão - existência de meios científicos que hoje garantem a verdade biológica - levará a que o princípio fundamental afetado seja, não já o princípio do contraditório, mas sim o direito à identidade pessoal e o direito ao desenvolvimento da personalidade (um direito de conformação da própria vida, um direito geral de liberdade de ação cujas restrições tem de ser constitucionalmente justificadas, necessárias e proporcionais), consagrado no n.º 1 do artigo 26.º da CRP, direitos estes que podem ser invocados tanto pelo pretenso filho como pelo suposto pai.
No entender de Cura Mariano[8], [8 Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 626/2009, disponível in www.tribunalconstitucional. pt/tcacordaos/20090626.html.] este direito fundamental pode ser visto numa perspetiva estática - onde avultam a identificação genética, a identificação física, o nome e a imagem - e numa perspetiva dinâmica - onde interessa cuidar da verdade biográfica e da relação com o indivíduo ao longo dos tempos.
A evolução da sociedade tem levado a uma crescente valorização do direito de cada um a saber das suas origens genéticas e raízes familiares e culturais, o denominado “direito à historicidade pessoal[9]”. [9 Nas palavras de Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da Republica Portuguesa Anotada”, I Vol., 4.ª ed., 2007, pág. 462.] O direito à identidade pessoal, integrando uma dimensão fundamental da personalidade, abrange o direito a saber quem é o pai ou a mãe biológicos.
Como decorrência do referido direito à identidade pessoal, tem vindo a ser discutida a inconstitucionalidade do prazo de caducidade previsto art.1817.º do Código Civil, por impor restrições ao direito fundamental de investigar a paternidade.
Assim, enquanto o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 23/2006, relatado por Mota Pinto, declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade do prazo de dois anos a contar da maioridade ou emancipação previsto no n.º 1 do artigo 1817.º do CPC, na redação da Lei 21/98, de 12.05, o Acórdão do Plenário n.º 401/2011, de 22.09.2011, relatado por Cura Mariano (com sete votos a favor e cinco votos contra), decidiu pela não inconstitucionalidade da norma do n.º 1 do artigo 1817.º, do CC, na redação da Lei 14/2009, de 1 de Abril, na parte em que, aplicando-se às ações de paternidade, por força do artigo 1873.º, do CC, prevê um prazo de 10 anos para a propositura de tal ação, contado da maioridade ou emancipação do investigante.
Contudo, o referido acórdão do Plenário do TC não pôs fim à questão em torno de saber se o direito de investigar a paternidade (ou de a impugnar) deve estar sujeito a um prazo de caducidade ou se é imprescritível[10], [10 Atentar-se-á em que, no Código Civil de 1867, as ações de investigação podiam ser intentadas a todo o tempo, não existindo prazo de caducidade, prazo que só veio a ser fixado pelo legislador com o Código Civil de 1966, restrição que assentou em três razões básicas, segurança jurídica, envelhecimento das provas e o receio da “caça às fortunas”, sendo que estas duas últimas se mostram ultrapassadas pelos avanços da ciência quanto à fidelidade dos testes de paternidade. Com relevo nos surge igualmente o facto de Portugal se afastar dos regimes jurídicos de matriz romanista que consideram imprescritível o direito de investigação de paternidade, entre os quais se destacam o direito espanhol, italiano, alemão e brasileiro (cf., neste sentido, Cristina Dias, em anotação ao citado acórdão do STJ de 09.04.2012, “Investigação da paternidade e abuso de direito. Das consequências jurídicas do reconhecimento da pater-nidade”, in Cadernos de Direito privado n.º 45 Janeiro/Março 2014, págs. 32 e ss.).] continuando sujeito a aceso debate, como se pode ver pelo Acórdão do STJ de 09-04-2013, com um voto de vencido de Salazar Casanova a propor a alteração, ao nível constitucional, considerando-se a inconstitucionalidade da fixação de qualquer prazo de caducidade para a propositura da ação de investigação.
No caso em apreço, discutindo-se o prazo de caducidade previsto no n.º 2 do artigo 772.º do CPC, temos no prato da balança, como já referimos, por um lado, a garantia da certeza e da segurança jurídica, que justifica a imposição de um limite temporal ao exercício do direito de sentença possa vir a ser alterada, e o princípio da justiça material, que dá prevalência à verdade sobre a forma.
Sendo a causa de pedir, nas ações de investigação ou reconhecimento da paternidade, constituída pelo facto naturalístico da procriação biológica do filho pelo réu a quem a paternidade é imputada, o referido facto da procriação biológica podia ser demonstrado por via direta, através dos “exames de sangue e quaisquer outros métodos cientificamente comprovados”, a que se refere o artigo 1801.º, do Código Civil, ou indiretamente, através do recurso a alguma das presunções legais de paternidade previstas nas als. a), b), c) e d), do artigo 1871.º do CC, ou, ainda, através do recurso a presunções naturais ou judiciais, alicerçadas em máximas da experiência, nos termos do artigo 351.º; é o que sucedia, então, na generalidade das causas em que não houvesse lugar à realização de exames de sangue concludentes e em que não ocorresse alguma das situações de facto que servem de substrato às aludidas presunções legais de paternidade, constantes das alíneas a) a d) do artigo 1871.º, incumbindo então naturalmente ao autor demonstrar que houve relações de sexo entre a mãe e o pretenso pai no período legal de conceção do filho e que tais relações foram exclusivas [11]. [11 Cfr., neste sentido, Carlos Lopes do Rego, “O ónus da prova nas acções de investigação de paternidade:
prova directa e indirecta do vínculo da filiação”, in Comemorações dos 35 Anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1997”, Vol. I, “Direito da Família e das Sucessões”, Coimbra Editora, pág. 781].
A situação em apreço inseriu-se precisamente nesta última hipótese:
a paternidade foi reconhecida unicamente pela demonstração no processo de que as relações de sexo que a autora manteve com o réu podiam ser a causa adequada da gravidez e do subsequente nascimento e de que a mãe do menor apenas as manteve com o aí réu, sendo a partir destes dois factos que as máximas da experiência apontaram o réu como o autor da fecundação.
Com o presente recurso, pretende o autor, não só, por em causa o referido facto indiciário da exclusividade das relações com o réu no período legal da conceção, atestado em audiência de julgamento pelos depoimentos da mãe e das referidas testemunhas, como ainda, e essencialmente, efetuar prova direta de que não é ele o pai.
A redação introduzida pelo DL 496/77, de 25 de Novembro, ao artigo 1801.º do CC, ao consagrar expressamente a realização de exames científicos, veio privilegiar o princípio da verdade biológica, cientificamente comprovada e que faça coincidir o estatuto de filho com a realidade do correspondente vínculo de derivação biológica[12]. [12 Como refere José da Costa Pimenta, a ideia mestra da Reforma de 1977 foi, sem dúvida, a abertura à verdade biológica. Se os laços jurídicos não corresponderem a laços sanguíneos, deve poder-se declarar-se isso, e investigar-se, sem entraves, no sentido de estabelecer a correspondência, dando como exemplo do maior peso que vem sendo dado à verdade biológica, o alargamento das possibilidades de afastamento da presunção derivada do casamento (pater is est) - “Filiação”, Coimbra Editora, 1986, pags. 21 e 22.] Ora, se à data em que foi proferida a sentença a rever era ainda esporádico o recurso à realização de exames de sangue para o estabelecimento da paternidade, constituindo então um meio de prova pouco seguro, servindo as mais das vezes unicamente para efeitos de exclusão da paternidade[13] [13 Como é expressamente reconhecido por José da Costa Pimenta, na citada obra, págs. 43 e 44.], no atual estado da ciência os exames de ADN (ou DNA) propiciam um elevado grau de segurança (com probabilidades bioestatísticas superiores a 99,5 %), constituindo a forma mais fiável de estabelecimento do vínculo bioló-gico[14]. [14 Como se refere no citado Acórdão do STJ de 09.04.2013, nos últimos anos, foram descobertas técnicas, pelos cientistas, James Watson, americano e Francis Crik, Inglês, que utilizam o DNA como marcador da individualidade biológica, que têm tornado possível excluir ou admitir a paternidade, em 100 % dos casos.] E se existem atualmente meios que conseguem diretamente demostrar o fenómeno biológico da procriação, através de prova científica concludente, que permita considerar demonstrada, com o grau de certeza pratica e socialmente exigível, a procriação biológica, parecenos que a descoberta da verdade biológica se deve sobrepor à necessidade de segurança que está por detrás da fixação do prazo de cinco anos para a propositura do recurso de revisão.
Com efeito, se apesar da declaração de paternidade efetuada em tal processo, e decorridos cerca de 18 anos, o declarado pai continua convencido de que não o é, o facto de se lhe conceder a possibilidade de proceder a exames de sangue, que com um grau de probabilidade próximo da certeza, lhe dirá se ele é, efetivamente, ou não, o pai biológico, contribuirá para uma pacificação de todos os interessados:
se o teste confirmar que ele é o pai, o recurso de revisão será julgado improcedente; se o teste excluir a sua paternidade, confirmando a profunda convicção do autor, então, ter-se-á por justificada a reabertura do processo de investigação de paternidade, a fim de se fazer coincidir a verdade registral com a verdade biológica.
Assim sendo, perguntamos nós, qual o interesse, para os envolvidos, em manter um estado de coisas em que, encontrando-se estabelecido no registo que determinado indivíduo é pai de outro, continuando aquele convicto de que o não é, tal reconhecimento jurídico acaba por não tem qualquer correspondência na relação interpessoal entre ambos? (eventuais interesses patrimoniais do filho na manutenção de tal situação não são por nós considerados dignos de tutela, ou pelo menos, não deverão prevalecer).
Note-se, que, no caso em apreço, citado o declarado filho (que entretanto atingiu a menoridade), na sequência do recurso interposto do despacho de indeferimento liminar do recurso de revisão para os termos do recurso e da causa, o mesmo nem sequer deduziu oposição ao requerido, tendo-se remetido ao silêncio.
Como se salienta no citado Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 23/2006, não podemos ignorar que “os exames biológicos conducentes à determinação da filiação, podem ser realizados fora dos processos judiciais, e a pedido dos particulares, sem qualquer limitação temporal, pelos próprios serviços do Instituto de Medicina Legal”, pelo que aceitar, em termos absolutos, a limitação temporal dos cinco[s] anos para a revisão das sentenças em que a paternidade haja sido declarada sem recurso a exames científicos, pode levar a situações melindrosas de existência de uma paternidade reconhecida no registo que se saiba não corresponder à verdade biológica por a mesma ter sido excluída por exames de sangue.
A tal respeito, afirma-se ainda no Acórdão deste Tribunal de 31.10.2006 [15] [15 Acórdão relatado por Emído Costa, disponível na CJ Ano XXXI, Tomo IV, pág. 187.], a propósito de um recurso de revisão que teve como fundamento um exame sanguíneo realizado ao menor à mãe e ao pretenso pai pelo IML, que excluía a paternidade do menor:
“Se é do interesse da menor e da sociedade em geral que ela tenha um nome no lugar destinado ao pai no seu assento de nascimento, não é menos certo que tal nome deve corresponder ao do seu verdadeiro pai biológico. Outro nome que não esse falseia a realidade”.
Como é salientado pelo Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional n.º 401/2001, a constituição e a determinação integral do vínculo da filiação, abrangendo ambos os progenitores, corresponde a um interesse geral de ordem pública, a um relevante princípio de organização jurídicosocial. Dar eficácia jurídica ao vínculo genético da filiação, propiciando a localização perfeita do individuo na zona nuclear mais do sistema das relações de parentesco, não se repercute apenas nas relações paifilho, tendo projeções externas a essa relação (v.g., em tema de impedimentos matrimoniais).
Como vem sendo reconhecido pela nossa doutrina e jurisprudência, o impulso científico e social para o conhecimento das origens e o desenvolvimento da genética e a generalização dos testes genéticos de elevada fiabilidade, não deixa incólume o equilíbrio de interesses e direitos constitucionalmente protegidos, aquando da análise de restrições impostas ao direito de investigar ou de impugnar livremente a paternidade, como o são os prazos de caducidade respeitantes à interposição das ações correspondentes[16], [16 Cfr., neste sentido, Guilherme de Oliveira, “Curso de Direito da Família”, Vol. II, Direito da Filiação, Tomo I, Coimbra Editora 2006, pág. 247 a 253.] ou de rever uma sentença que declarou a paternidade unicamente com base em prova indireta.
O referido prazo de cinco anos, ao excluir totalmente a possibilidade de, através da realização de exames científicos, se obter a revisão de uma sentença que declarou a paternidade do réu com recurso a mera prova testemunhal, acarreta uma diminuição do alcance do conteúdo essencial dos direitos fundamentais à identidade pessoal e a constituir família, que incluem o direito ao conhecimento da paternidade ou da maternidade, conflituando com o interesse público na correspondência entre a paternidade biológica e a paternidade jurídica.
Concluindo, entende-se que, no caso em apreço, não é de negar ao recorrente o direito de efetuar esta “prova dos nove”, quanto à paternidade em causa, apenas porque decorreram mais de cinco anos desde o trânsito em julgado da decisão que o declarou como pai, considerando-se que os interesses em jogo - confronto entre bens constitutivos da personalidade e a garantia da segurança jurídica - justificam[17], [17 A avaliação de interesses aqui efetuada manter-se-á inteiramente válida no caso de ser o filho a pretender por em causa a paternidade reconhecida por sentença transitada em julgado.] no caso em apreço, a recusa da aplicação de tal prazo de caducidade, por violação do princípio fundamental à identidade pessoal contido no artigo 26.º da CRP em conjugação com os arts. 16.º, n.º 1, 18.º, n.º 1, e 36.º, n.º 1, todos da CRP.
A decisão recorrida deverá ser substituída por outra que admita o recurso, notificando-se a parte contrária para responder, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 774.º, do CPC.
IV - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar procedente o recurso, revogando-se a decisão recorrida, determinando-se que seja proferido despacho a admitir liminarmente o recurso, prosseguindo os autos nos termos previstos no n.º 2 do artigo 774.º do CPC [...]
»Ao acórdão recorrido foi aposto voto de vencido nos seguintes termos:
Com todo o respeito pela opinião que fez vencimento, considero que o caso julgado não deve ceder à veracidade da filiação através da realização de exames de sangue agora solicitados dado que resulta dos autos que o recorrente foi parte interveniente no processo com a possibilidade de apresentar as suas razões de facto e de direito, de oferecer as suas provas e controlar as provas do adversário, bem como tomar posição sobre o resultado de umas e outras, ou seja, de exercer plenamente o princípio do contraditório e o princípio do direito à prova testemunhal e pericial, sendo que esta última já constava do nosso Código Civil - artigo 1801 na redação dada pelo D-L n.º 496/77 -, pelo que, neste caso concreto, declararia extinto, por caducidade, o direito de interpor o presente recurso de revisão.
»4 - É deste Acórdão do TRP de 20 de maio de 2015 que o Ministério Público interpôs recurso de constitucionalidade, nos termos seguintes (cf. fls. 186):
Vem o Ministério Público interpor recurso para o Tribunal Constitucional do douto acórdão proferido em 20 de Maio de 2014 e constante de fls. 165 a 182, nos termos dos artigos 280.º, n.os 1-a), e 3, da Constituição da República Portuguesa - CRP, 70.º, n.º 1-a) e 72.º n.os 1-a) e 3, da Lei 28/82, de 15 de Novembro, uma vez que, no mesmo, não foi aplicada a norma do artigo 772.º n.º 2, do (anterior) Código de Processo Civil, com fundamento na sua inconstitucionalidade, por violação do direito à identidade pessoal, e às disposições conjugadas dos artigos 16.º n.º l, 18.º n.º l, 26.º n.º 1, e 36.º n.º l, todos da Constituição da República Portuguesa.
No acórdão recorrido decidiu-se que essa norma é inconstitucional ao “excluir totalmente a possibilidade de, através da realização de exames científicos, se obter a revisão de uma sentença que declarou a paternidade do réu com recurso a mera prova testemunhal”, por “acarretar uma diminuição do alcance do conteúdo essencial dos direitos fundamentais à identidade pessoal e a constituir família, que incluem o direito ao conhecimento da paternidade ou da maternidade, conflituando com o interesse público na correspondência entre a paternidade biológica e a paternidade jurídica”.
».
5 - O recurso de constitucionalidade foi admitido por despacho proferido pelo Tribunal a quo em 27/05/2014 (cf. fls. 187).
6 - Prosseguindo os autos neste tribunal e notificadas as partes para, querendo, produzirem alegações, o Ministério Público apresentou alegações (fls. 193-304), concluindo no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso por si interposto, nos termos seguintes (cf. fls. 288-304):
[...] 1)
O não reconhecimento de dignidade constitucional autónoma ao princípio da verdade biológica não invalida que o apuramento da paternidade biológica seja uma dimensão do direito fundamental à identidade pessoal (artigo 26.º, n.º 1, da CRP)
»(cf. supra n.º 43 das presentes alegações);
2)
E o Tribunal tem entendido que tal direito
(cf. supra n.º 43 das presentes alegações);
3)
E por isso este parâmetro tem sido mobilizado na apreciação de normas relativas à investigação da paternidade (Acórdão 401/2011), bem como em matéria de ação de impugnação da paternidade presumida, seja ela intentada pelo filho ou pelo marido da mãe (Acórdãos n.os 609/2007 e 279/2008 e 589/2007, 179/2010 e 446/2010, respetivamente)
»(cf. supra n.º 43 das presentes alega-ções);
4) o direito fundamental à identidade pessoal
, no sentido de que
(cf. supra n.º 44 das presentes alegações);
5)
O direito à verdade pessoal envolve também uma dimensão relacional específica que o concretiza como direito à verdade perante o filho quanto ao vínculo familiar que os une
»(cf. supra n.º 44 das presentes alegações);
6)
O direito de impugnação da paternidade está, assim, apenas, na disponibilidade direta dos membros da família, no sentido de que só o marido, a mãe e o filho é que se encontram autonomamente legitimados a intentar a ação. E não está, por isso, excluído que a situação de discrepância entre a paternidade presumida e a realidade biológica se mantenha sempre que não haja interesse concreto por parte dos interessados na destruição da paternidade presumida
»(cf. supra n.º 44 das presentes alegações);
7)
Mas não são apenas interesses gerais ou valores de organização social, em torno da instituição familiar, que podem justificar a consolidação definitiva, na ordem jurídica, a partir de determinado limite temporal, de uma paternidade não correspondente à realidade biológica
»(cf. supra n.º 44 das presentes alegações);
8)
Também quanto às posições subjetivas em jogo, na ação de impugnação de paternidade, se deteta uma relevante diferença em relação às que se confrontam numa ação de investigação de paternidade. Nesta, o eventual interesse do investigado em não assumir um vínculo de paternidade correspondente à realidade biológica não é merecedor de tutela, pelo menos do ponto de vista do direito à identidade pessoal e à autoconformação da personalidade, não devendo ser reconhecida “uma faculdade de o pai biológico se eximir à responsabilidade jurídica correspondente” (Guilherme de Oliveira,“Caducidade das ações de investigação”, Lex Familiae, Revista Portuguesa de Direito de Família, 2004, págs. 7 s., 11)
»(cf. supra n.º 44 das presentes alegações);
9)
Já o eventual interesse daquele que é tido como filho em manter esse estatuto não pode ser inteiramente desconsiderado (como seria com um regime de imprescritibilidade). Sobretudo quando o vínculo jurídico tem tradução consistente no “mundo da vida” familiar e social, gerando, como é normal, laços afetivos, a destruição retrospetiva desse vínculo acarreta (ou agrava) a perda de sentido de uma componente nuclear da memória e da historicidade pessoais, da autorepresentação de si, por parte de quem é filho. Valores também situados na esfera da identidade pessoal podem ser invocados em tutela do interesse do outro sujeito da relação paternofilial em ver como definitivamente adquirido o estatuto de que goza, após o decurso de um certo prazo em que o pai teve efetiva oportunidade de o impugnar judicialmente
»(cf. supra n.º 44 das presentes alegações);
10)
O direito à identidade pessoal do próprio filho pesa, de facto, no sentido da
(declaração de voto aposta ao Acórdão 589/2007). Ao estabelecimento do prazo em questão é associada a
(cf. supra n.º 44 das presentes alegações);
11)
Em suma, a imprescritibilidade da ação de impugnação da paternidade presumida do marido não é imposta pelo direito à identidade pessoal da mãe. O interesse da proteção da família constituída (artigo 67.º da CRP) e o direito à identidade pessoal do próprio filho (artigo 26.º, n.º 1, da CRP) pesam no sentido da estabilização do vínculo paternofilial após o decurso de um certo prazo, em que é dada à mãe a oportunidade de o contrariar (impugnando a paternidade presumida e, antes disso, obstando a que constasse do registo de nascimento)
»(cf. supra n.º 44 das presentes alegações);
12)
O Tribunal já se pronunciou sobre o prazo legalmente estabelecido para o pai intentar ação de impugnação da paternidade presumida (artigo 1842.º, n.º 1, alínea a), do CC) e entendeu que o prazo então previsto (dois anos contados desde que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se a sua não paternidade) e o agora vigente (três anos contados desde que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se a sua não paternidade)
, um prazo
(cf. supra n.º 44 das presentes alegações);
13)
E concluiu, por isso, que
(Acórdãos n.os 589/2007 e 446/2010) (cf. supra n.º 44 das presentes alegações);
14)
Há que concluir que não há qualquer imposição constitucional no sentido da imprescritibilidade da ação de impugnação da paternidade presumida do marido, não obstante ser de reconhecer o direito fundamental à identidade pessoal da mãe (artigo 26.º, n.º 1, da CRP). E que o estabelecimento do prazo de três anos, contados a partir do nascimento do filho, traduz-se numa afetação negativa deste direito, necessária à salvaguarda do direito à identidade pessoal do filho e ao interesse da proteção da família constituída (artigos 26.º, n.º 1, 67.º e 18.º, n.º 2, da CRP) (cf. supra n.º 44 das presentes alegações);
15)
O Plenário do Tribunal Constitucional, face a posições divergentes na jurisprudência das suas Secções, conheceu da matéria relativa à imprescritibilidade do prazo de propositura de acção sobre investigação de paternidade no Acórdão 401/2011. Concluiu, nesse aresto, que
(cf. supra n.º 45 das presentes alegações);
16)
…a questão relativa à conformidade constitucional da imposição de prazos de caducidade nas acções de investigação de paternidade ou de maternidade pode colocar-se em termos semelhantes nas acções de impugnação de paternidade ou maternidade
»(cf. supra n.º 45 das presentes alegações);
17)
A relação paternofilial seria necessariamente posta em crise, se colocada numa situação de permanente precariedade e incerteza, por sujeita a ser abolida por acção, exercitável a todo o tempo, sem qualquer preclusão, do pai presumido
»(cf. supra n.º 45 das presentes alegações);
18)
São aqui inteiramente válidas as considerações expendidas no Acórdão 626/2009, a propósito do prazo, também subjectivo, do n.º 3 do artigo 1817.º, no sentido de que
. Em matéria que contende com o estado civil de um outro, estando em causa um vínculo estabelecido, constitutivo da personalidade, não só do impugnante, como também do filho, não é injustificado nem excessivo fazer recair sobre o pai um ónus de diligência quanto à iniciativa processual para apuramento definitivo da filiação (para o que hoje existem meios peremptoriamente concludentes), não fazendo prolongar, através de um regime de imprescritibilidade, uma situação de incerteza indesejável
»(cf. supra n.º 45 das presentes alegações);
19)
Essa tem sido também a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que, no caso Rasmussen contra Dinamarca, em sentença de 28 de Novembro de 1984, decidiu que, em acções de impugnação, “a fixação de prazos de caducidade tem uma justificação objectiva e razoável”. Essa posição foi mantida, mais recentemente, na sentença de 12 de Janeiro de 2006 (Mizzi contra Malta)
»(cf. supra n.º 45 das presentes alegações);
20)
Apurado que um regime de caducidade da acção de impugnação de paternidade, com prazo a contar desde o conhecimento, pelo marido da mãe, “de circunstâncias de que possa concluir-se a não paternidade” não enferma, em si mesmo, de qualquer inconstitucionalidade, resta ajuizar da conformidade constitucional da duração concretamente estabelecida
»(cf. supra n.º 45 das presentes alegações);
21) Prazo de 2 anos para a impugnação -
Este parece ser um prazo razoável e adequado à ponderação dos interesses acerca do exercício do direito de impugnar e que permitirá avaliar todos os factores que podem condicionar a decisão
»(cf. supra n.º 45 das presentes alegações);
22)
É de manter este juízo, cuja validade sai reforçada com o alongamento do prazo. Ainda que a decisão de avançar com um processo de impugnação exija um período de maturação e de reflexão que não se coaduna com a pressão de um prazo excessivamente curto, pela natureza dos interesses envolvidos e pelas implicações, qualquer que seja o resultado, que advêm de uma tal decisão, cremos que o prazo de três anos é suficiente para garantir a viabilidade prática do exercício do direito de impugnar a paternidade, não o impedindo ou dificultando gravemente
»(cf. supra n.º 45 das pre-sentes alegações);
23)
A tese sustentada na decisão recorrida é a de que os interesses que anteriormente justificavam a fixação de prazos de caducidade revelam-se, numa observação actualizada, insubsistentes, pelo que deixaram de ter uma eficácia contrabalanceadora, capaz de justificar a previsão de limites temporais à instauração da acção de investigação da paternidade
»(cf. supra n.º 46 das presentes alegações);
24) A caducidade enquanto figura extintiva de direitos, pelo seu não exercício em determinado prazo, procura satisfazer os interesses da certeza e estabilidade das relações jurídicas, os quais exigem a sua rápida definição, impulsionando os titulares dos direitos em jogo a exercêlos num espaço de tempo considerado razoável, sob a cominação da sua extinção
»(cf. supra n.º 46 das presentes alegações);
25)
Apesar dos decisivos progressos científicos no domínio da determinação da filiação biológica, conjugados com a evolução verificada nos valores dominantes no âmbito da filiação, terem determinado uma significativa desvalorização dos interesses que presidiam ao estabelecimento de prazos de caducidade para a propositura das acções de investigação da paternidade, alguns desses interesses não deixaram de manter um peso atendível pelo legislador nas suas opções de definição do regime da constituição da filiação
»(cf. supra n.º 46 das presentes alegações);
26)
Mas, já num plano geral, não é possível ignorar que a constituição e a determinação integral do vínculo de filiação, abrangendo ambos os progenitores, corresponde a um interesse de ordem pública, a um relevante princípio de organização jurídicosocial. O dar eficácia jurídica ao vínculo genético da filiação, propiciando a localização perfeita do sujeito na zona mais nuclear do sistema das relações de parentesco, não se repercute apenas na relação paifilho, tendo projecções externas a essa relação (v.g. em tema de impedimentos matrimoniais). É do interesse da ordem jurídica que o estado pessoal de alguém não esteja amputado desse dado essencial. Daí, além do mais, a consagração da averiguação oficiosa de paternidade (artigos 1864.º e seguintes). E importa que esse objectivo seja alcançado o mais rápido possível, numa fase ainda precoce da vida do filho, evitando-se um prolongamento injustificado de uma situação de indefinição na constituição jurídica da relação de filiação. É do interesse público que se estabeleça o mais breve que seja possível a correspondência entre a paternidade biológica e a paternidade jurídica, fazendo funcionar o estatuto jurídico da filiação com todos os seus efeitos, duma forma estável e que acompanhe durante o maior tempo possível a vida dos seus sujeitos
»(cf. supra n.º 46 das presentes alegações);
27)
Ora, o meio, por excelência, para tutelar estes interesses atendíveis públicos e privados ligados à segurança jurídica, é precisamente a consagração de prazos de caducidade para o exercício do direito em causa. Esses prazos funcionam como um meio de induzir o titular do direito inerte ou relutante a exercêlo com brevidade, não permitindo um prolongamento injustificado duma situação de indefinição, tendo deste modo uma função compulsória, pelo que são adequados à protecção dos apontados interesses, os quais também se fazem sentir nas relações de conteúdo pessoal, as quais, aliás, têm muitas vezes, como sucede na relação de filiação, importantes efeitos patrimoniais
»(cf. supra n.º 46 das presentes alegações);
28)
Apesar da inexistência de qualquer prazo de caducidade para as acções de investigação da paternidade, permitindo que alguém exerça numa fase tardia da sua vida um direito que anteriormente negligenciou, poder corresponder a um nível de protecção máximo do direito à identidade pessoal, isso não significa que essa tutela optimizada corresponda ao constitucionalmente exigido
»(cf. supra n.º 46 das presentes alegações);
29)
Como já vimos, o direito ao estabelecimento do vínculo da filiação não é um direito absoluto que não possa ser harmonizado com outros valores confituantes, incumbindo ao legislador a escolha das formas de concretização do direito que, dentro das que se apre-sentem como respeitadoras da Constituição, se afigure mais adequada ao seu programa legislativo. Assim o impõe a margem de liberdade que a actividade do legislador democrático reclama. Caberá, assim, nessa margem de liberdade do legislador determinar se se pretende atingir esse maximalismo, protegendo em absoluto o referido direito, ou se se opta por conceder protecção simultânea a outros valores constitucionalmente relevantes, diminuindo proporcionalmente a protecção conferida aos direitos à identidade pessoal e da constituição da família
»(cf. supra n.º 46 das presentes alegações);
30)
Ao ter optado por proteger simultaneamente outros valores relevantes da vida jurídica através da consagração de prazos de caducidade, o legislador não desrespeitou, as fronteiras da suficiência da tutela, uma vez que essa limitação não impede o titular do direito de o exercer, impondolhe apenas o ónus de o exercer num determinado prazo
»(cf. supra n.º 46 das presentes alegações);
31)
É legítimo que o legislador estabeleça prazos para a propositura da respectiva acção de investigação da paternidade, de modo a que o interesse da segurança jurídica não possa ser posto em causa por uma atitude desinteressada do investigante, não sendo injustificado nem excessivo fazer recair sobre o titular do direito um ónus de diligência quanto à iniciativa processual para apuramento definitivo da filiação, não fazendo prolongar, através de um regime de imprescritibilidade, uma situação de incerteza indesejável
»(cf. supra n.º 46 das presentes alegações);
32)
Necessário é que esse prazo, pelas suas características, não impossibilite ou dificulte excessivamente o exercício maduro e ponderado do direito ao estabelecimento da paternidade biológica
»(cf. supra n.º 46 das presentes alegações);
33)
Por isso, o que incumbe ao Tribunal Constitucional verificar é se, na modelação desses prazos, o legislador ultrapassou a margem de conformação que lhe cabe
»(cf. supra n.º 46 das presentes alegações);
34) O prazo de 10 anos após a maioridade ou emancipação, consagrado no artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, revela-se, pois, como suficiente para assegurar que não opera qualquer prazo de caducidade para a instauração pelo filho duma acção de investigação da paternidade, durante a fase da vida deste em que ele poderá ainda não ter a maturidade, a experiência de vida e a autonomia suficientes para sobre esse assunto tomar uma decisão suficientemente consolidada
»(cf. supra n.º 47 das presentes alegações);
35)
Em geral, tem o Tribunal entendido que as normas de direito ordinário que estabelecem prazos para a interposição de ações em tribunal não infringem qualquer norma ou princípio constitucional, na medida em que apenas revelam escolhas legítimas do legislador quanto aos vários modos pelos quais podem ser prosseguidos os diferentes valores constitucionais inscritos, em última análise, no artigo 20.º da CRP
»(cf. supra n.º 49 das presentes alegações);
36)
O mesmo sucedeu (ainda por exemplo) no caso do Acórdão 310/2005, em que estava em juízo norma do Código de Processo Civil que impunha um prazo de cinco anos, contados desde o trânsito em julgado da decisão, para interposição de recurso de revisão. Também neste caso se emitiu juízo de não inconstitucionalidade, por se entender que a conformação legislativa de prazos [aqui, para a interposição de recurso], não afetando por si mesma, e de forma negativa, qualquer posição jurídica subjectiva constitucionalmente tutelada, e sendo antes concretização do princípio de segurança que justifica a proteção constitucional do caso julgado, se inscrevia ainda na liberdade que o legislador detém para ordenar de forma côngrua o decurso de processos perante os tribunais
»(cf. supra n.º 49 das presentes alegações);
37)
A circunstância de a lei prever um certo prazo para a caducidade da ação de investigação pode ter como consequência a impossibilidade, para o investigante, de vir a constituir o vínculo de paternidade ao qual aspira. Assim sendo, não restam dúvidas que a fixação, em si mesma, desse prazo se traduzirá sempre em uma certa afetação negativa de posições jurídicas subjectivas que a CRP, em vários lugares (nomeadamente, nos artigos 26.º ou 36.º), protege
»(cf. supra n.º 49 das presentes alegações);
38)
Tal não significa que essa afetação negativa seja constitucionalmente censurável. Pode muito bem não o ser. Visto que cabe ao legislador encontrar soluções através das quais se harmonizem diferentes, e por vezes conflituantes, direitos e interesses constitucionalmente protegidos, cabelhe também decidir se, e em que circunstâncias, se justifica a diminuição do alcance ou da proteção de um desses direitos ou interesses, em ordem à promoção equilibrada ou proporcionada de aqueles outros que com os primeiros conflituem. São, por isso, coisas diferentes, a “simples” afetação negativa de direitos fundamentais e a afetação inconstitucional de direitos fundamentais
»(cf. supra n.º 49 das presentes alegações);
56.º
Ora, no caso dos presentes autos, o ora Recorrente interveio na acção oficiosa de investigação de paternidade, tendo tido oportunidade de se defender, como achou adequado.
Na ocasião, não requereu, sequer, a realização de nenhum tipo de exames, que pudessem infirmar a paternidade que lhe era atribuída. Conformou-se, também, na altura, com a sentença proferida, tanto que dela não recorreu.
Será, então, lícito admitir que, 24 anos passados, sob a invocação de
, « constante dúvida
» e o sentir-seExames, esses, que, naturalmente, vão carecer do acordo e da adesão do indivíduo que foi declarado seu filho, que muito dificilmente, em face do comportamento totalmente ausente do seu pai, ao longo de todos estes anos, vai ter interesse em acolher uma tal iniciativa? E o seu filho se recusar em colaborar? Poderá o tribunal valorar negativamente a sua conduta? Quando, a bem dizer, o que está em causa é uma acção dissimulada de impugnação de paternidade, sem a devida obediência aos requisitos legalmente estabelecidos para o efeito? 57.º Crê-se, sinceramente, não ser esta a melhor solução, nem, aliás, a jurisprudência constitucional citada permite acolher uma tal posição.
Com efeito, como se viu, este Tribunal já considerou constitucionalmente conforme o estabelecimento do prazo de 2 e 3 anos, para o marido da mãe intentar acção de impugnação de paternidade presumida, considerando não haver
(cf. supra n.º 44 das presentes alegações).
Este Tribunal julgou, por isso, « não inconstitucional a norma do artigo 1842.º, n.º 1, alínea a), do Código Civil, na redacção dada pela Lei 14/2009, de 1 de Abril, que estabelece que a acção da impugnação da paternidade pode ser intentada pelo marido da mãe, no prazo de três anos contados desde que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se a sua não paternidade
».
58.º
Conheceu, do mesmo modo
.
A este propósito, concluiu que
(cf. supra n.º 45 das presentes alegações).
E este Tribunal Constitucional afirmou, também, claramente (cf. supra n.º 46 das presentes alegações):
59.º
“Como já vimos, o direito ao estabelecimento do vínculo da filiação não é um direito absoluto que não possa ser harmonizado com outros valores confituantes, incumbindo ao legislador a escolha das formas de concretização do direito que, dentro das que se apresentem como respeitadoras da Constituição, se afigure mais adequada ao seu programa legislativo. Assim o impõe a margem de liberdade que a actividade do legislador democrático reclama. Caberá, assim, nessa margem de liberdade do legislador determinar se se pretende atingir esse maximalismo, protegendo em absoluto o referido direito, ou se se opta por conceder protecção simultânea a outros valores constitucionalmente relevantes, diminuindo proporcionalmente a protecção conferida aos direitos à identidade pessoal e da constituição da família.
Ao ter optado por proteger simultaneamente outros valores relevantes da vida jurídica através da consagração de prazos de caducidade, o legislador não desrespeitou, as fronteiras da suficiência da tutela, uma vez que essa limitação não impede o titular do direito de o exercer, impondolhe apenas o ónus de o exercer num determinado prazo.
É legítimo que o legislador estabeleça prazos para a propositura da respectiva acção de investigação da paternidade, de modo a que o interesse da segurança jurídica não possa ser posto em causa por uma atitude desinteressada do investigante, não sendo injustificado nem excessivo fazer recair sobre o titular do direito um ónus de diligência quanto à iniciativa processual para apuramento definitivo da filiação, não fazendo prolongar, através de um regime de imprescritibilidade, uma situação de incerteza indesejável.
Necessário é que esse prazo, pelas suas características, não impossibilite ou dificulte excessivamente o exercício maduro e ponderado do direito ao estabelecimento da paternidade biológica.”
60.º
A acolher-se a tese sufragada pelo Acórdão recorrido, do Tribunal da Relação do Porto, desde que se verifique a descoberta, sempre possível, de novos e mais perfeitos exames, poderá intentar-se recurso de revisão de acções de investigação de paternidade, pelo que a noção de caso julgado deixará, pura e simplesmente de fazer sentido.
Numa área, sobretudo, em que a estabilidade do vínculo familiar, e o princípio da segurança jurídica, queira-se ou não, fazem seguramente sentido, pelo menos para alguns dos membros da família em causa.
61.º
Assim, ao contrário do defendido no Acórdão recorrido, julga-se que o prazo de 5 anos, previsto no artigo 772.º, n.º 2 do anterior Código de Processo Civil se afigura como um prazo razoável, decorrente da liberdade conformação do legislador, que ponderou devidamente os interesses em conflito e que se destina a dar prevalência ao princípio da segurança jurídica, numa área tão sensível quanto o da definição da paternidade.
Por todas as razões anteriormente invocadas, julga-se que o Tribunal Constitucional deverá, assim:
62.º
a) conceder provimento ao recurso obrigatório interposto pelo Ministério Público nos presentes autos;
b) considerar, como constitucionalmente conforme, a norma do artigo 772.º, n.º 2 do anterior Código de Processo Civil, ao
, por tal norma não
c) determinar, em consequência, a revogação do Acórdão recorrido, de 20 de Maio de 2014, do Tribunal da Relação do Porto.
».
7 - Em sede de alegações de recurso, o recorrido concluiu pela improcedência do recurso do seguinte modo (cf. fls. 306-312):
ANTONIO COLAÇO PINTO, vem apresentar as suas Alegações, Não obstante bem cuidada e elaborada a peça apresentada pelo Exmo. Senhor ProcuradorGeral Adjunto, certo é que as conclusões a que chegou não podem nem deverão proceder Vejamos:
Tomando como ponto de partida o sumário, elaborado nos termos do disposto no artg.º 713.º, n.º, 7 do CPCivil, constante no acórdão recorrido, temos como certo, que a questão a dilucidar e esclarecer é só uma e só uma:
“… 3 - O prazo de caducidade de cinco anos previsto no n.º 2 do artg.º 772°, do CPC, ao excluir a possibilidade de, através da realização de exames científicos, se obter a revisão de uma sentença que declarou a paternidade de unicamente com base em prova testemunhal, surge como inconstitucional por violação do direito fundamental à identidade pessoal e às disposições conjugadas dos artgs.º, 16.º, n.º 1;
18.º, n.º 1;
26.º, n.º 1 e 36.º, n.º 1 todos da CRP…”
Está certa esta afirmação? Ou estará errada? A resposta tem que ser dada a esta questão com objetividade e razoabilidade.
O acórdão recorrido foi crítico, incisivo e objetivo ao invés das doutas considerações expendidas pelo Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto que se esquivaram à concludência de uma resposta concordante com o ali consignado.
Como bem se salientou ali, o TC tem vindo a salientar que, para se avaliar se a limitação temporal, i.e., imposição de um prazo de caducidade de cinco anos para a interposição do recurso de revisão, é adequada, necessária e proporcional ao conteúdo dos interesses ou valores em confronto, “não pode prescindir-se de encarar a situação concreta que originou o caso julgado”.
Na decisão que originou caso julgado no presente processo, não existiam os meios técnicos e científicos que hoje garantem a verdade biológica, motivo que levou a que nunca tivesse sido feito qualquer teste científico para apuramento da paternidade, máxime testes sanguíneos de exclusão de paternidade ABO/RH ou testes de ADN. Ora e tal como se sublinhou no recorrido acórdão, tal facto afeta princípios fundamentais constitucionalmente consagrados como o direito à identidade pessoal e o direito ao desenvolvimento da personalidade (“um direito de conformação da própria vida, um direito geral de liberdade de ação cujas restrições tem de ser constitucionalmente justificadas, necessárias e proporcionais”), aclamados no artg.º 26.º, n.º 1 da CRP.
E tal é a importância destes direitos constitucionais que, no decorrer dos últimos anos, a inconstitucionalidade do prazo de caducidade do artgo. 1817.º do CC tem vindo a ser discutida, pelo mesmo motivo que hoje pugnamos:
por impor restrições ao direito fundamental de investigar a paternidade.
Porém, acreditamos na bondade do acórdão recorrido que, porque o vemos sábio e justo, nos atrevemos ora a reproduzir parcialmente, na parte que julgamos fundamental:
“… Sendo a causa de pedir, nas ações de investigação ou reconhecimento da paternidade, constituída pelo facto naturalístico da procriação biológica do filho pelo réu a quem a paternidade é imputada, o referido facto da procriação biológica podia ser demonstrado por via direta, através dos “exames de sangue e quaisquer outros métodos científicos comprovados”, a que se refere o artg.º 1801.º, do Código Civil, ou indiretamente, através do recurso a alguma das presunções legais de paternidade previstas nas als. a), b), c) e d), do artg.º 1871°. do CC, ou, ainda, através do recurso a presunções naturais ou judiciais, alicerçadas em máximas da experiência, nos termos do artg.º 351.º., é o que sucedia, então, na generalidade das causas em que não houvesse lugar à realização de exames de sangue concludentes e em que não ocorresse alguma das situações de facto que servem de substrato às aludidas presunções legais de paternidade, constantes das alíneas a) a d) do artg.º 1871.º, incumbindo então naturalmente ao autor demonstrar que houve relações de sexo entre mãe e o pretenso pai no período legal de conceção do filho e que tais relações foram exclusivas.
A situação em apreço inseriu-se precisamente nesta última hipótese:
a paternidade foi reconhecida unicamente pela demonstração no processo de que as relações de sexo que a autora manteve com o réu podiam ser a causa adequada da gravidez e do subsequente nascimento e de que a mãe do menor apenas as manteve com o aí réu, sendo a partir destes dois factos que as máximas da experiência apontaram o réu como o autor da fecundação.
Com o presente recurso, pretende o autor, não só, por em causa o referido facto indiciário da exclusividade das relações com o réu no período legal da conceção, atestado em audiência de julgamento pelos depoimentos da mãe e das referidas testemunhas, como ainda, e essencialmente, efetuar prova direta de que não é ele o pai.
A redação introduzida pelo DL. 496/77, de 25 de Novembro, ao artigo 1801.º, do CC, ao consagrar expressamente a realização de exames científicos, veio privilegiar o princípio da verdade biológica, cientificamente comprovada e que, faça coincidir o estatuto de filho com a realidade do correspondente vínculo de derivação biológica.
Ora, se à data em que foi proferida a sentença a rever era ainda esporádico o recurso à realização de exames de sangue para o estabelecimento da paternidade, constituindo então um meio de prova pouco seguro, servindo as mais das vezes unicamente para efeitos de exclusão da paternidade, no atual estado da ciência os exames de ADN (ou DNA) propiciam um elevado grau de segurança (com probabilidades bioestatísticas superiores a 99,5,), constituindo a forma mais fiável de estabelecimento do vínculo biológico.
E se existem atualmente meios que conseguem diretamente demonstrar o fenómeno biológico da procriação, através de prova científica concludente, que permita considerar demonstrada, com grau de certeza pratica e socialmente exigível, a procriação biológica, perecenos que a descoberta da verdade biológica se deve sobrepor à necessidade de segurança que está por detrás da fixação do prazo de cinco anos para a propositura do recurso de revisão.
Com efeito, se apesar da declaração de paternidade efetuada em tal processo, e decorridos cerca de 18 anos, o declarado pai continua convencido de que não o é, o facto de se lhe conceder a possibilidade de proceder a exames de sangue, que com um grau de probabilidade próximo da certeza, lhe dirá se ele é, efetivamente, ou não, o pai biológico, contribuirá para uma pacificação de todos os interessados:
se o teste confirmar que ele é o pai, o recurso de revisão será julgado improcedente; se o teste excluir a sua paternidade, confirmando a profunda convicção do autor, então, ter-se-á por justificada a reabertura do processo de investigação de paternidade, a fim de se fazer coincidir a verdade registral com a verdade biológica.
Assim sendo, perguntamos nós, qual o interesse, para os envolvidos, em manter um estado de coisas em que, encontrando-se estabelecido no registo que determinado individuo é pai de outro, continuando aquele convicto de que o não é, tal reconhecimento jurídico acaba por não ter qualquer correspondência na relação interpessoal entre ambos? Note-se, que, no caso em apreço, citado o declarado filho (que entretanto atingiu a maioridade), na sequência do recurso interposto do despacho de indeferimento liminar do recurso de revisão para os termos do recurso e da causa, o mesmo nem sequer deduziu oposição ao requerido, tendo-se remetido ao silêncio.
Como se salienta no citado Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 23/2006, não podemos ignorar que “os exames biológicos conducentes à determinação da filiação, podem ser realizados fora dos processos judiciais, e a pedido dos particulares, sem qualquer limitação temporal, pelos próprios serviços do Instituto de Medicina Lega!”, pelo que aceitar, em termos absolutos, a limitação temporal dos cinco anos para a revisão das sentenças em que a paternidade haja sido declarada sem recurso a exames científicos, pode levar a situações melindrosas de existência de uma paternidade reconhecida no registo que se saiba não corresponder à verdade biológica por a mesma ter sido excluída por exames de sangue.
A tal respeito, afirma-se ainda no Acórdão deste Tribunal de 31.10.2006, a propósito de um recurso de revisão que teve como fundamento um exame sanguíneo realizado ao menor, à mãe e ao pretenso pai pelo IML, que excluía a paternidade do menor:
“Se é do interesse da menor e da sociedade em geral que ela tenha um nome no lugar destinado ao pai no seu assento de nascimento, não é menos certo que tal nome deve corresponder ao do seu verdadeiro pai biológico. Outro nome que não esse falseia a realidade”.
Como é salientado pelo Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional n.º 401/2001, a constituição e a determinação integral do vínculo da filiação, abrangendo ambos os progenitores, corresponde a um interesse geral de ordem pública, a um relevante princípio de organização jurídicosocial. Dar eficácia jurídica ao vínculo genético da filiação, propiciando a localização perfeita do individuo na zona nuclear mais do sistema das relações de parentesco, não se repercute apenas nas relações paifilho, tendo projeções externas a essa relação (v.g., em tema de impedimentos matrimoniais).
Como vem sendo reconhecido pela nossa doutrina e jurisprudência, o impulso científico e social para o conhecimento das origens e o desenvolvimento da genética e a generalização dos testes genéticos de elevada fiabilidade, não deixa incólume o equilíbrio de interesses e direitos constitucionais protegidos, aquando da análise de restrições impostas ao direito de investigar ou de impugnar livremente a paternidade, como o são os prazos de caducidade respeitantes à interposição das ações correspondentes, ou de rever uma sentença que declarou a paternidade unicamente com base em prova indireta.
O referido prazo de cinco anos, ao excluir totalmente a possibilidade de, através da realização de exames científicos, se obter a revisão de uma sentença que declarou a paternidade do réu com recurso a mera prova testemunhal, acarreta uma diminuição do alcance do conteúdo essencial dos direitos fundamentais à identidade pessoal e a constituir família, que incluem o direito ao conhecimento da paternidade ou da maternidade, conflituando com o interesse público na correspondência entre a paternidade biológica e a paternidade jurídica.
Concluindo, entende-se que, no caso em apreço, não é de negar ao recorrente o direito de efetuar esta “prova dos nove”, quanto à paternidade em causa, apenas porque decorreram mais de cinco anos desde o trânsito em julgado da decisão que o declarou como pai, considerando-se que os interesses em jogo - confronto entre bens constitutivos da personalidade e a garantia da segurança jurídicajustificam, no caso em apreço, a recusa da aplicação de tal prazo de caducidade, por violação do principio fundamental à identidade pessoal contido no artg.º 26.º da CRP em conjugação com os artgs.º 16.º, n.º 1, 18°., n.º 1, e 36.º, n.º 1 todos da CRP.” (bold nosso) A ser assim, como é, dúvidas não temos! E, por essa razão, acreditamos que improcedendo o recurso interposto e sendo decidido que e em CONCLUSÃO:
“O prazo de caducidade de cinco anos previsto no n.os, 2 do artg.º, 772°, do CPC, ao excluir a possibilidade de, através da realização de exames científicos, se obter a revisão de uma sentença que declarou a paternidade unicamente com base em prova testemunhal, surge como inconstitucional por violação ao direito fundamental à identidade pessoal e às disposições conjugadas dos artgs.º 16.º, n.º 1, 18°., n.º 1, 26.º, n.º 1 e 36.º, n.º 1 todos da CRP.”
».
Cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentação
8 - Importa desde logo proceder à explicitação do objeto do presente recurso no confronto do pedido com o teor da decisão ora recorrida (cf. supra I, 4 e 3).
8.1 - A norma em juízo no caso concreto é a que consta do artigo 772.º, n.º 2, do anterior Código de Processo Civil (CPC) - versão anterior ao CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de junho - na parte em que estabelece um prazo peremptório de cinco anos cujo decurso preclude a interposição do recurso extraordinário de revisão de decisões judiciais transitadas em julgado.
Assim dispunha o artigo 772.º do CPC, que se inseria em secção própria (Secção V), dedicada ao recurso de Revisão, do Capítulo VI (Dos recursos), ambos inseridos no Livro III (Do Processo), Título II (Do Processo de declaração), Subtítulo I (Do processo ordinário), do CPC:
Artigo 772.º
Prazo para a interposição
1 - O recurso é interposto no tribunal que proferiu a decisão a rever.
2 - O recurso não pode ser interposto se tiverem decorrido mais de cinco anos sobre o trânsito em julgado da decisão e o prazo para a interposição é de 60 dias, contados:
a) No caso da alínea a) do artigo 771.º, do trânsito em julgado da sentença em que se funda a revisão;
b) No caso da alínea f) do artigo 771.º, desde que a decisão em que se funda a revisão se tornou definitiva;
c) No caso da alínea g) do artigo 771.º, desde que o recorrente teve conhecimento da sentença;
d) Nos outros casos, desde que o recorrente obteve o documento ou teve conhecimento do facto que serve de base à revisão.
3 - Nos casos previstos na segunda parte do n.º 3 do artigo 680.º, o prazo previsto no n.º 2 não finda antes de decorrido um ano sobre a aquisição da capacidade por parte do incapaz ou sobre a mudança do seu representante legal.
4 - Se, porém, devido a demora anormal na tramitação da causa em que se funda a revisão existir risco de caducidade, pode o interessado interpor recurso mesmo antes de naquela ser proferida decisão, requerendo logo a suspensão da instância no recurso, até que essa decisão transite em julgado.
5 - As decisões proferidas no processo de revisão admitem os recursos ordinários a que estariam originariamente sujeitas no decurso da acção em que foi proferida a sentença a rever.
»Para o Tribunal da Relação do Porto, no acórdão ora recorrido, « o referido prazo de cinco anos, ao excluir totalmente a possibilidade de, através da realização de exames científicos, se obter a revisão de uma sentença que declarou a paternidade do réu com recurso a mera prova testemunhal, acarreta uma diminuição do alcance do conteúdo essencial dos direitos fundamentais à identidade pessoal e a constituir família, que incluem o direito ao conhecimento da paternidade ou da maternidade, conflituando com o interesse público na correspondência entre a paternidade biológica e a paternidade jurídica
», entendendo o mesmo Tribunal que não deve aquele prazo de cinco anos - in casu há muito decorrido - obstar à interposição do recurso extraordinário de revisão da sentença, já que:
[...] no caso em apreço, não é de negar ao recorrente o direito de efetuar esta “prova dos nove”, quanto à paternidade em causa, apenas porque decorreram mais de cinco anos desde o trânsito em julgado da decisão que o declarou como pai, considerando-se que os interesses em jogo - confronto entre bens constitutivos da personalidade e a garantia da segurança jurídica - justificam [...], no caso em apreço, a recusa da aplicação de tal prazo de caducidade, por violação do princípio fundamental à identidade pessoal contido no artigo 26.º da CRP em conjugação com os arts. 16.º, n.º 1, 18.º, n.º 1, e 36.º, n.º 1, todos da CRP
»(cf. Acórdão do TRP de 20/05/2014, ora recorrido, fls. 180).
Dirigindo-se a norma em apreço a todos os recursos extraordinários de revisão, em processo cível - independentemente do tipo de ação em que foi proferida a sentença a rever - verifica-se que a decisão recorrida fundamenta a recusa de aplicação da norma -
(nela previsto) - por razões de inconstitucionalidade que se têm por verificadas especificamente na situação dos autos - pretendendo o declarado pai rever a sentença que estabeleceu a sua paternidade, decorridos 22 anos sobre a data da sua prolação, em recurso de revisão que o Tribunal ora recorrido admite, enquadrando-o no fundamento previsto na alínea b) do artigo 771.º também do CPC anterior (e não também no fundamento previsto na alínea c) da mesma disposição legal, como pretendido pelo então recorrente e ora recorrido).
Assim dispunha, na parte relevante, o artigo 771.º do anterior CPC, igualmente inserido na secção dedicada ao recurso de Revisão:
Artigo 771.º
Fundamentos do recurso
A decisão transitada em julgado só pode ser objecto de revisão quando:
a) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . b) Se verifique a falsidade de documento ou acto judicial, de depoimento ou das declarações de peritos ou árbitros, que possam, em qualquer dos casos, ter determinado a decisão a rever, não tendo a matéria sido objecto de discussão no processo em que foi proferida;
c) Se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida;
[...]
».
Assim, quanto ao fundamentos do recurso, do teor da decisão ora recorrida decorre que, tendo o recorrente interposto
[...] recurso de revisão da sentença transitada em julgado que o declarou pai biológico do então menor, C…, ao abrigo do disposto na alínea b) do artigo 771.º do CPC e na interpretação extensiva da alínea c) da citada norma, alegando, em síntese, que o registo da paternidade não corresponde à verdade biológica, tendo a decisão assentado unicamente em prova indireta - no depoimento da mãe e de alguns familiares chegados -, requerendo agora a realização de exames científicos de paternidade
», entenderam os Juízes não se ter por verificado o fundamento previsto na alínea c) do referido artigo 771.º do CPC - já que
[...] por um lado, encontra-se em causa, não um documento, mas um exame e, por outro lado, trata-se de um meio de prova ainda não existente, mas a produzir[...], fundando-se o requerimento de interposição do recurso unicamente na convicção do autor de que não é o pai biológico da criança e ainda no argumento de que, face aos avanços da técnica, tal realidade irá ser seguramente comprovada pela realização de exames genéticos de paternidade
»- mas sim na alínea b) da mesma disposição, destinando-se o recurso a demonstrar a falsidade dos depoimentos das testemunhas que atestaram a exclusividade da relação da mãe do então menor com o réu. Isto, já que, nas palavras do acórdão recorrido:
[...] poderá o autor efetuar a prova da falsidade das declarações da mãe e das testemunhas, que levaram o tribunal que proferiu a sentença revidenda a dar como provado que a mãe não manteve relações sexuais com outro homem durante o período legal da conceção, mediante a realização de exames a efetuar nos presentes autos, recaindo a situação, não na alínea c), mas, sim, na alínea b), do citado artigo 771.º, do CPC.
»A questão de constitucionalidade a ser apreciada nos presentes autos refere-se, assim, à norma contida no artigo 772.º, n.º 2, do anterior Código de Processo Civil, na parte em que estabelece um prazo de cinco anos, sobre o trânsito em julgado da decisão, e cujo decurso preclude a interposição do recurso extraordinário de revisão, com o sentido de
.
8.2 - Do exposto resulta que em causa não está, portanto, em termos gerais, a previsão de um prazo peremptório de cinco anos sobre o trânsito em julgado da decisão a rever e cujo decurso preclude a interposição do recurso de revisão, mas sim a previsão desse prazo, absolutamente preclusivo, em relação às hipóteses em que a ação na qual foi proferida a decisão cuja revisão é requerida foi uma ação oficiosa de investigação de paternidade, na qual a paternidade do réu foi declarada com base em prova testemunhal, sendo alegado, para fundamentar o pedido de revisão, a necessidade de realização de exames científicos - que possam apurar
Depois há de se ter em conta também que o juízo de desvalor que recaiu sobre o prazo em causa, determinando a desaplicação da norma contida no artigo 772.º, n.º 2, do anterior CPC, nessa parte, pelo Tribunal ora recorrido - e assim não considerando o decurso do prazo ali estabelecido e o seu efeito preclusivo-, não se dirigiu a qualquer aspeto normativo particular desse prazo, seja quanto ao limite temporal concretamente estabelecido, seja quanto ao modo da sua contagem, designadamente quanto à determinação do seu termo inicial.
9 - Assim explicitado o objeto do recurso, deve começar-se por explicitar o ponto de partida da análise jusconstitucional da questão colocada a este Tribunal.
9.1 - Afigura-se, prima facie, que a norma (dimensão normativa) em causa, que se apresenta como um dado a este Tribunal, se reporta, ainda, ao Direito da Filiação - relevando a modalidade da filiação biológica, que tem por objeto a relação de parentesco que decorre da procriação-, resultando do direito infraconstitucional a pluralidade de formas e regimes de constituição do vínculo filial, em especial quanto ao estabelecimento da paternidade.
O Código Civil regula os vários modos de estabelecimento da paternidade, classicamente repartidos em três:
a presunção de paternidade relativamente ao marido da mãe, que opera na determinação da paternidade dos filhos nascidos ou concebidos na constância do casamento da mãe; a perfilhação (ato voluntário, pessoal, livre, solene e irrevogável do perfilhante) e o reconhecimento judicial (por decisão judicial), que operam na determinação da paternidade dos filhos nascidos ou concebidos fora do matrimónio ou nos casos em que aquela presunção seja afastada, como decorre do disposto no artigo 1796.º, n.º 2, do Código Civil, e, sucessivamente, nos seus artigos 1826.º a 1846.º (que regulam a presunção de paternidade) e 1847.º a 1873.º (que regulam o reconhecimento da paternidade, seja por perfilhação, seja por reconhecimento judicial).
A causa de pedir nas ações de investigação da paternidade - a ação em causa no caso em apreço - é a procriação biológica do filho pelo réu a quem a paternidade é imputada. Explica JORGE DUARTE PINHEIRO que
[...] a prova da procriação pode ser feita alternativamente com base em testes de ADN (artigo 1801.º), em presunções legais não ilididas pelo réu (artigo 1871.º) ou pela demonstração de que o pretenso pai teve relações sexuais com a mãe durante o período legal de concepção e que dessas relações resultou o nascimento do investigante
»(Direito da Família e das Sucessões, Volume II - Direito da Filiação, Proteção de crianças, jovens e idosos, 2.ª edição, AAFDL, Lisboa, 2006, p. 60).
A prova da procriação - para efeitos de estabelecimento da paternidade biológica - pode assim ser feita em tribunal por recurso a exames periciais, como os testes de ADN ou exames hematológicos, com a ressalva de o entendimento doutrinal e jurisprudencial maioritário afastar a possibilidade da sua realização coerciva.
A sentença pode também ser proferida quando haja recurso às presunções legais previstas no artigo 1871.º, do Código Civil (tendo a presunção constante da alínea e) do n.º 1 apenas sido introduzida por via da Lei 21/98, de 12 de maio), que assim dispõe:
Artigo 1871.º
(Presunção)
1 - A paternidade presume-se:
a) Quando o filho houver sido reputado e tratado como tal pelo pretenso pai e reputado como filho também pelo público;
b) Quando exista carta ou outro escrito no qual o pretenso pai declare inequivocamente a sua paternidade;
c) Quando, durante o período legal da concepção, tenha existido comunhão duradoura de vida em condições análogas às dos cônjuges ou concubinato duradouro entre a mãe e o pretenso pai;
d) Quando o pretenso pai tenha seduzido a mãe, no período legal da concepção, se esta era virgem e menor no momento em que foi seduzida, ou se o consentimento dela foi obtido por meio de promessa de casamento, abuso de confiança ou abuso de autoridade.
e) Quando se prove que o pretenso pai teve relações sexuais com a mãe durante o período legal de concepção.
2 - A presunção considera-se ilidida quando existam dúvidas sérias sobre a paternidade do investigado.
»A invocação, pelo investigante (ou quem o represente), de uma destas presunções faz inverter o ónus da prova na ação de investigação da paternidade, cabendo então ao investigado ilidir a presunção, a ocorrer quando existam dúvidas sérias sobre a paternidade do investigado.
Não havendo lugar às citadas presunções, a prova da paternidade cabe ao autor da ação de investigação de paternidade. Poderá, assim, a paternidade ser determinada pelo tribunal quando, em juízo, o autor faça prova da designada
, isto é, demonstre que durante o período de conceção a mãe manteve relações sexuais com o pretenso pai e que essas relações foram exclusivas, como ocorreu in casu. Com efeito, no caso dos autos, a paternidade foi estabelecida por sentença judicial proferida no âmbito de uma ação de investigação da paternidade em 26/06/1990, com base na prova então produzida.
Como escreve, a propósito, Carlos Lopes do Rego, « [...] na verdade, demonstrado que, no período temporal em que as relações de sexo poderiam ser causa adequada da gravidez e do subsequente nascimento, a mãe do menor apenas com o pretenso pai as manteve, naturalmente que as