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Acórdão 303/2009, de 21 de Julho

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Sumário

Não julga inconstitucionais as normas dos artigos 1.º e 6.º do Decreto-Lei n.º 278/82, de 20 de Julho, ( estabelece normas quanto à integração do pessoal de segurança social no regime jurídico da função pública ), interpretadas no sentido de que o estabelecido nos artigos 1.º e 6º apenas abrange o pessoal que se encontrava em exercício de funções nas instituições de previdência à data em que esse diploma entrou em vigor. Proc. nº 201/09

Texto do documento

Acórdão 303/2009

Processo 201/09

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1 - Relatório

Afonso Manuel da Silva Gonçalves interpõe recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) de 5 de Fevereiro de 2009, que negou provimento ao recurso jurisdicional interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa de 27 de Fevereiro de 2007, que, por seu turno, negara provimento ao recurso contencioso de anulação por ele deduzido contra o despacho da Direcção da Caixa Geral de Aposentações, de 18 de Junho de 2002, que lhe reconhecera o direito à aposentação voluntária, mas lhe comunicara ser devedor da quantia de (euro) 24 464,73, por pretensa dívida resultante da contagem

de tempo para a aposentação.

No requerimento de interposição de recurso refere o recorrente pretender ver apreciada a inconstitucionalidade das normas dos artigos 1.º e 6.º do Decreto-Lei 278/82, de 20 de Julho, com a interpretação com que foram aplicadas na decisão recorrida, inconstitucionalidade essa que por ele teria sido suscitada nas alegações do

recurso jurisdicional.

As alegações apresentadas pelo recorrente no aludido recurso jurisdicional foram

sintetizadas nas seguintes conclusões:

«1.ª O regime do artigo 6.º do Decreto-Lei 278/82, de 20 de Julho, deve também ser aplicado aos subscritores que, como o recorrente, tendo trabalhado em instituições de previdência, ingressaram na função pública antes da entrada em vigor daquele

diploma;

2.ª A sentença recorrida, ao perfilhar o entendimento de que o referido normativo não é aplicável ao recorrente, faz do mesmo uma interpretação meramente literal, ao total arrepio do estatuído n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil;

3.ª Outrossim, tal interpretação jurídica restringe-se a um conceptualismo formalista, desprezando as consequências práticas que dele advêm;

4.ª Sendo que a desaplicação da referida norma ao requerente acarreta a este prejuízos relevantes, injustificáveis a todas as luzes;

5.ª Outrossim, a interpretação de que o regime do referido artigo 6.º do Decreto-Lei 278/82 não é aplicável ao recorrente viola o princípio da igualdade consagrado na

Constituição;

6.ª O recorrente transitou de uma instituição de previdência para a função pública sem que tenha ocorrido qualquer hiato entre essas duas situações profissionais;

7.ª Tendo-lhe sido contado todo o tempo de serviço prestado no CNP para o efeito de

concessão de diuturnidades;

8.ª Nenhuma diferença relevante existe entre a situação do recorrente e a dos restantes trabalhadores que só ingressaram na função pública após a publicação do referido

diploma;

9.ª Com efeito, esses trabalhadores ingressaram na função pública, voluntariamente, e não compulsivamente, como se sugere na sentença recorrida;

10.ª Sendo assim, o tratamento desigual que, em matéria de aposentação, é dado a essas duas situações é gritantemente inconstitucional, na medida em que se trata de uma desigualdade de tratamento sem qualquer fundamento razoável e sem qualquer

justificação objectiva e racional.

Mostram-se, assim, violados os artigos 13.º da Constituição, 9.º do Código Civil e 6.º do Decreto-Lei 278/82, de 20 de Julho, pelo que deve a douta sentença recorrida

ser revogada com as consequências legais.»

O Acórdão do TCAS de 5 de Fevereiro de 2009, ora recorrido, fundamentou o improvimento do recurso jurisdicional nas seguintes considerações:

«2.2 - O recorrente interpôs, no TAC, recurso contencioso de anulação do acto, de 18 de Junho de 2002, da Direcção da Caixa Geral de Aposentações, pelo qual lhe foi reconhecido o direito à aposentação, imputando-lhe, no entanto, uma dívida de (euro) 24 464,73, de contagem de tempo relativa ao período compreendido entre 26 de

Setembro de 1964 a 30 de Setembro de 1979.

A sentença recorrida apreciou os vícios de violação de lei imputados a esse acto (violação do princípio da igualdade e infracção dos artigos 34.º, n.º 2, do Estatuto da Aposentação e 1.º e 6.º do Decreto-Lei 278/82, de 20 de Julho) e, considerando que eles não se verificavam, negou provimento ao recurso contencioso.

No presente recurso jurisdicional, o recorrente não contesta o entendimento da sentença quanto à violação do artigo 34.º, n.º 2, do Estatuto da Aposentação, mas continua a sustentar a alegada infracção do princípio da igualdade e dos artigos 1.º e 6.º

do Decreto-Lei 278/82

Vejamos se lhe assiste razão.

O artigo 1.º do Decreto-Lei 278/82 estabelece o seguinte:

'1 - O pessoal dos centros regionais de segurança social e do Centro Nacional de Pensões oriundo das instituições de previdência de inscrição obrigatória e suas federações e o pessoal da Comissão de Equipamentos Colectivos da Segurança Social e da Federação das Caixas de Previdência e Abono de Família fica abrangido pelo regime jurídico dos funcionários e agentes da Administração Pública.

2 - Exceptuam-se do disposto no número anterior os agentes que expressamente declarem que desejam manter o seu regime de trabalho.

3 - [...]

4 - Se à data da entrada em vigor algum agente se encontrar na situação de licença sem vencimento ou de impedimento prolongado ou equiparado, o prazo referido no número anterior conta-se a partir do momento em que reinicie funções.' Por sua vez, o artigo 6.º do mesmo diploma legal dispõe que:

'1 - O pessoal sujeito, nos termos do presente diploma, ao regime jurídico da função pública fica abrangido pelos Estatutos da Aposentação e da Pensão de Sobrevivência.

2 - O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social assumirá a responsabilidade pelo encargo com a parcela da aposentação e da pensão de sobrevivência resultante da consideração do tempo de serviço prestado nas instituições de previdência, bem como

das diuturnidades que do mesmo resultem.

3 - O regime decorrente do disposto no Decreto Regulamentar 30/80, de 25 de Julho, à excepção do seu artigo 8.º, é aplicável às aposentações e pensões de

sobrevivência previstas neste artigo.'

O recorrente, reconhecendo que apenas exerceu funções na ex-Caixa Nacional de Pensões num período - entre 26 de Setembro de 1964 e 30 de Setembro de 1979 - em que as relações laborais eram regidas pelas disposições aplicáveis ao sector privado, sustenta que o regime dos transcritos preceitos lhe deve ser aplicável, por ter ingressado na função pública antes da sua entrada em vigor.

Porém, o Decreto-Lei 278/82 não veio considerar como sendo prestado na função pública todo o trabalho que antes da entrada em vigor desse diploma tivesse sido

prestado às instituições de previdência.

Como nota o digno Magistrado do Ministério Público, esta tese, em última análise, poderia levar à aplicação retroactiva da lei por forma a abranger os próprios funcionários já aposentados, com consequências financeiras que imporiam uma clara explicitação da lei quanto ao momento da sua eficácia, se houvesse intenção do legislador em lhe atribuir efeitos retroactivos.

Ora, se a lei nada estabelece quanto à sua aplicação no tempo, vigora o princípio da não retroactividade (cf. artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil), devendo entender-se que quando dispõe directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, abrange as próprias relações já constituídas que subsistam à data da sua entrada em vigor (cf. n.º 2 do referido artigo 12.º).

Assim, atento ao disposto no citado artigo 12.º, ao facto de o Decreto-Lei 278/82 não conter quaisquer disposições transitórias sobre a sua aplicação no tempo, bem como ao teor dos n.os 1, 2 e 4 do transcrito artigo 1.º, afigura-se-nos indubitável que aquele diploma não é aplicável a quem, como o recorrente, já não faz parte do 'pessoal'

a que alude este preceito.

Portanto, a sentença recorrida, ao julgar improcedente a violação dos artigos 1.º e 6.º do Decreto-Lei 278/82, não merece a censura que lhe é dirigida pelo recorrente.

Quanto à inconstitucionalidade desta interpretação, o recorrente invoca-a com fundamento na violação do princípio da igualdade, por não existir qualquer fundamento razoável para a desigualdade de tratamento entre a sua situação e a dos restantes trabalhadores que só ingressaram na função pública após a publicação do Decreto-Lei

n.º 278/82.

Como se escreveu no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 39/88 (in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 374, págs. 114 e seguintes), 'o princípio da igualdade não proíbe, pois, que a lei estabeleça distinções. Proíbe, isso sim, o arbítrio; ou seja, proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer sem qualquer justificação razoável, segundo critérios de valor objectivo

constitucionalmente relevantes'.

Porém, o Tribunal Constitucional também tem afirmado que só poderá haver violação do princípio da igualdade quando da fixação do tempo de aplicação de uma norma decorrerem tratamentos desiguais para situações iguais e sincrónicas, ou seja, que o princípio da igualdade não opera diacronicamente (cf. Acórdãos n.º 34/86, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 7.º, tomo i, p. 42, n.º 43/88, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 374, p. 168, e n.º 309/93, in Boletim do Ministério da Justiça,

n.º 426, p. 70).

Assim, porque não se está perante situações sincrónicas, não pode a situação referida pelo recorrente ser violadora do princípio da igualdade.

Portanto, improcedem todas as conclusões da alegação do recorrente, devendo, em consequência, julgar-se improcedente o presente recurso jurisdicional.

3 - Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença

recorrida.»

O recorrente apresentou alegações neste Tribunal, sintetizando a respectiva

fundamentação nas seguintes conclusões:

«1.ª O regime do artigo 6.º do Decreto-Lei 278/82, de 20 de Julho, deve também ser aplicado aos subscritores que, como o recorrente, tendo trabalhado em instituições de previdência, ingressaram na função pública antes da entrada em vigor daquele

diploma;

2.ª O recorrente transitou de uma instituição de previdência para a função pública sem que tenha ocorrido qualquer hiato entre essas duas situações profissionais;

3.ª Tendo-lhe sido contado todo o tempo de serviço prestado na CNP para o efeito de

concessão de diuturnidades;

4.ª A desaplicação da referida norma ao requerente acarreta a este prejuízos relevantes, injustificáveis a todas as luzes;

5.ª O acórdão recorrido, ao perfilhar o entendimento de que o referido normativo não é aplicável ao recorrente, faz do mesmo uma interpretação meramente literal, ao total arrepio do estatuído n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil;

6.ª Tal interpretação jurídica restringe-se a um conceptualismo formalista, desprezando as consequências práticas que dele advêm e desinserindo a norma do contexto;

7.ª A interpretação de que o regime do referido artigo 6.º do Decreto-Lei 278/82 não é aplicável ao recorrente viola o princípio da igualdade consagrado na

Constituição;

8.ª O princípio da igualdade acolhido no artigo 13.º, n.º 1, da Lei Fundamental impõe que se trate como igual o que for essencialmente igual;

9.ª Nenhuma diferença relevante existe entre a situação do recorrente e a dos restantes trabalhadores da previdência que só transitaram para a função pública após a publicação do Decreto-Lei 278/82, sendo o único elemento distintivo a simples

fronteira no tempo, aleatoriamente traçada;

10.ª - A interpretação contida no acórdão recorrido perfila-se como injustificadamente discriminatória, não lhe assistindo fundamento material bastante.

Deve, assim, julgar-se materialmente inconstitucional a norma constante do artigo 6.º do Decreto-Lei 278/82, de 20 de Julho, quando interpretada e aplicada nos termos constantes do acórdão recorrido, fazendo-se assim Justiça!» A recorrida Caixa Geral de Aposentações apresentou contra-alegações, formulando a

final as seguintes conclusões:

«1.ª O Decreto-Lei 278/82 não veio considerar como serviço prestado na função pública todo o trabalho que antes da entrada em vigor desse diploma tivesse sido prestado a instituições de previdência. Aliás, tal tese levaria, em última análise, à aplicação retroactiva da lei por forma a abranger os próprios funcionários já aposentados, com consequências financeiras que imporiam uma clara explicitação da lei quanto ao momento da sua eficácia, se houvesse intenção do legislador em lhe atribuir

efeitos retroactivos.

2.ª A interpretação do Decreto-Lei 278/82, no sentido de que o estabelecido nos seus artigos 4.º, n.º 1, e 6.º, n.os 1 e 2, não é aplicável ao recorrente, não consubstancia qualquer violação do princípio da igualdade, na medida em que a desigualdade resultante da sua aplicação ao pessoal que se encontrava em exercício de funções nas instituições de previdência na altura em que o tal diploma entrou em vigor e a sua não aplicação ao pessoal que tinha exercido funções nessas instituições, mas que, na data de entrada em vigor desse diploma, já aí não exercia funções e que, entretanto, foi admitido na função pública, assenta em diferentes situações de facto.

3.ª Os artigos 4.º, n.º 1, e 6.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei 278/82 não se aplicam à generalidade dos trabalhadores que tinham exercido funções nas instituições de previdência, mas que, na data de entrada em vigor desse diploma legal, já aí não exerciam funções, pelo que, igualmente por esse motivo, tal interpretação não pode ser considerada como violadora do princípio da igualdade.

4.ª O período em causa apenas podia ser considerado para o regime da CGA nos termos em que o foi, ou seja, por acréscimo ao tempo de subscritor, nos termos do artigo 25.º do Estatuto da Aposentação, o que implicou o apuramento da consequente

dívida de quotas.

5.ª Como se escreveu no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 39/88 (in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 374, pp. 114 e seguintes), 'o princípio da igualdade não proíbe, pois, que a lei estabeleça distinções. Proíbe, isso sim, o arbítrio, ou seja, proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer sem justificação razoável, segundo critérios de valor objectivo constitucionalmente relevantes'. Porém, a jurisprudência do TC tem decidido que só pode haver violação do princípio da igualdade quando da fixação do tempo de aplicação de uma norma decorrerem tratamentos desiguais para situações iguais e sincrónicas, ou seja que o princípio da igualdade não opera diacronicamente (cf. Acórdãos n.º 34/86, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 7.º, tomo i, p. 42, n.º 43/88, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 374, p. 168, e n.º 309/93, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 426, p.

70).

6.ª O que não é o caso, uma vez que não se está perante situações sincrónicas, não pode a situação referida pelo recorrente ser violadora do princípio da igualdade.»

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.

2 - Fundamentação

Apesar de o recorrente dedicar parte substancial das suas alegações à tentativa de demonstração de que a interpretação mais correcta do direito ordinário em causa seria a que considerasse o regime do artigo 6.º do Decreto-Lei 278/82 também aplicável aos subscritores que, como ele, tendo trabalhado em instituições de previdência, ingressaram na função pública antes da entrada em vigor desse diploma, cumpre registar que não compete ao Tribunal Constitucional pronunciar-se sobre a correcção da interpretação e aplicação do direito ordinário efectuado pelas instâncias, mas tão-só, tomando o critério normativo efectivamente aplicado como um dado da questão de constitucionalidade, apreciar se tal critério viola, ou não, as normas ou princípios constitucionais invocados (no caso, se viola o princípio da igualdade). Esse critério normativo foi o de que o regime do artigo 6.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei 278/82 só se aplica ao pessoal que se encontrava em exercício de funções nas instituições de previdência à data em que esse diploma entrou em vigor, e já não ao pessoal que cessara o exercício de funções nessas instituições antes de tal data, designadamente por ter ingressado na função pública (como ocorrera com o recorrente); quanto a este último universo de pessoal o tempo de serviço prestado nas instituições de previdência apenas podia relevar para a aposentação, nos termos do artigo 25.º do respectivo Estatuto, como "acréscimo ao tempo de subscritor", o que implicava o apuramento da correspondente dívida de quotas. É este critério normativo que vem acusado de

violador do princípio da igualdade.

Ora, a respeito de pretensas violações do princípio da igualdade derivadas da sucessão de regimes legais, o Tribunal Constitucional tem sistematicamente sustentado que "a sucessão de leis no tempo, e concretamente a existência passada ou futura de regimes mais favoráveis, não acarretavam ofensa do princípio da igualdade, pela circunstância de originarem regimes diversos, decorrentes dessa sucessão temporal de leis" (Acórdão

n.º 99/2004).

Como já se afirmara no Acórdão 580/99:

«[...] o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição, impede que uma dada solução normativa confira tratamento substancialmente diferente a situações no essencial semelhantes. No plano formal, a igualdade impõe um princípio de acção segundo o qual as situações pertencentes à mesma categoria essencial devem ser tratadas da mesma maneira. No plano substancial, a igualdade traduz-se na especificação dos elementos constitutivos de cada categoria essencial. A igualdade só proíbe, pois, diferenciações destituídas de fundamentação racional, à luz dos próprios critérios axiológicos constitucionais [...].

[...] importa ter presente que o legislador tem uma ampla liberdade no que respeita à alteração do quadro normativo vigente num dado momento histórico. Na verdade, o legislador, de acordo com opções de política legislativa tomadas dentro de uma ampla zona de autonomia, pode proceder às alterações da lei que se lhe afigurarem mais adequadas e razoáveis, tendo presente, naturalmente, os interesses em causa e os

valores ínsitos na ordem jurídica.

Uma alteração legislativa pode operar, consequentemente, uma modificação do tratamento normativo conferido a uma dada categoria de situações. Com efeito, as situações abrangidas pelo regime revogado são objecto de uma valoração diferente daquela que incidirá sobre as situações às quais se aplica a lei nova. Nesse sentido, haverá situações substancialmente iguais que terão soluções diferentes.

Contudo, não se pode falar neste tipo de casos de uma diferenciação verdadeiramente incompatível com a Constituição. A diferença de tratamento, decorre, como resulta do que se disse, da possibilidade que o legislador tem de modificar (revogar) um quadro legal vigente num determinado período. A intenção de conferir um diferente tratamento legal à categoria de situações em causa é afinal a razão de ser da própria alteração

legislativa.

O entendimento propugnado pela recorrente levaria à imutabilidade dos regimes legais, pois qualquer alteração geraria sempre uma desigualdade. Ora, tal posição não é reclamável pelo princípio da igualdade no quadro constitucional vigente.» Na verdade, como se sublinhou no citado Acórdão 99/2004, quando estão em causa as diferenças de regime decorrentes da normal sucessão de leis, há que reconhecer ao legislador uma apreciável margem de liberdade no estabelecimento do marco temporal relevante para aplicação do novo e do velho regime. Aliás, numa outra decisão (Acórdão 467/2003), este Tribunal, referindo-se igualmente a uma situação de comparação de regimes de aposentação de um ponto de vista dinâmico da sucessão no tempo, vistos - tal como aqui sucede - na perspectiva do princípio da igualdade, considerou não funcionar este princípio, enquanto exigência do texto constitucional, "em

termos diacrónicos".

Retomando o discurso do Acórdão 99/2004, há que reconhecer que, também no caso ora em análise, "a determinação da fronteira entre os dois regimes ocorreu, na interpretação da decisão recorrida, por referência a um critério geral, previamente definido no artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil (e como tal perfeitamente previsível), segundo o qual a lei só dispõe para o futuro, quando lhe não seja atribuída eficácia retroactiva pelo legislador", prosseguindo:

«Não se verificando neste domínio normativo qualquer exigência constitucional de retroactividade da lei nova, a opção pela disposição só para o futuro - que confirma o entendimento intuitivo de «que em todo o preceito jurídico está implícito um 'de ora avante', um 'daqui para o futuro'» (J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, 1983, p. 225) - apresenta-se como uma solução racional e, de qualquer forma, situada dentro da margem de liberdade concedida ao

legislador.»

Conclui-se, assim, que não viola o princípio da igualdade, antes se insere na liberdade de conformação do legislador, a opção deste de passar a ficar abrangido pelo regime jurídico da função pública apenas o pessoal que, sendo oriundo das instituições de previdência de inscrição obrigatória, estivesse a exercer funções em centros regionais de segurança social ou no Centro Nacional de Pensões à data da publicação do Decreto-Lei 278/82, não contemplando idêntica solução para aqueles que, em data anterior, houvessem cessado o exercício dessas específicas funções. Quanto a estes, mesmo que, como o ora recorrente, houvessem passado a integrar a função pública, o período em que exerceram funções nas instituições de previdência, só poderia relevar para efeitos de aposentação, por acréscimo ao tempo de subscritor, nos termos do artigo 25.º do Estatuto da Aposentação, o que implicou o apuramento da consequente dívida de quotas - como o entendeu a Administração e as instâncias o confirmaram. A natureza mais desfavorável deste regime não determina necessariamente que se dê por verificada a violação do princípio da igualdade. A sucessão de regimes legais determina, em regra, variações no carácter mais ou menos favorável dos mesmos na perspectiva dos interessados, mas a não desconformidade constitucional desse resultado deriva, desde logo, da diversidade das situações de facto contempladas, e, depois, da inexigibilidade de atribuição de eficácia retroactiva a todas as alterações que o legislador decida empreender. Repete-se: o princípio da igualdade não opera

diacronicamente.

Não colhendo a argumentação do recorrente, resta confirmar a decisão impugnada.

3 - Decisão

Em face do exposto, acordam em:

a) Não julgar inconstitucionais as normas dos artigos 1.º e 6.º do Decreto-Lei 278/82, de 20 de Julho, interpretados no sentido de que o estabelecido no artigo 6.º, n.os 1 e 2, apenas abrange o pessoal que se encontrava em exercício de funções nas instituições de previdência à data em que esse diploma entrou em vigor; e,

consequentemente,

b) Negar provimento ao recurso, confirmando o acórdão recorrido, na parte

impugnada.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta.

Lisboa, 22 de Junho de 2009. - Mário José de Araújo Torres (relator) - Joaquim de Sousa Ribeiro - João Cura Mariano - Benjamim Silva Rodrigues - Rui Manuel

Moura Ramos.

202045033

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2009/07/21/plain-257508.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/257508.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1980-07-25 - Decreto Regulamentar 30/80 - Presidência do Conselho de Ministros e Ministérios das Finanças e do Plano e dos Assuntos Sociais

    Determina que o pessoal ao serviço do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social seja obrigatoriamente inscrito na Caixa Geral de Aposentações.

  • Tem documento Em vigor 1982-07-20 - Decreto-Lei 278/82 - Ministérios das Finanças e do Plano, dos Assuntos Sociais e da Reforma Administrativa

    Estabelece normas quanto à integração do pessoal da segurança social no regime jurídico da função pública.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1998-02-26 - Lei 13-A/98 - Assembleia da República

    Altera a lei orgânica sobre a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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