Acordam no plenário do Tribunal Constitucional:
I - Objecto do pedido
1 - Pedido
O Presidente da Assembleia Legislativa Regional da Madeira veio, «nos termos do artigo 281.º, n.º 2, alínea g), da Constituição, e dos artigos 51.º, n.º 1, e 62.º da Lei do Tribunal Constitucional», requerer a apreciação e declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade:
a) Da parte relativa ao Programa Operacional Plurifundos da Região Autónoma da Madeira, do capítulo I.3 (e não I.1.3., como se diz por lapso) do anexo à Lei 30-B/2000, de 29 de Dezembro (Grandes Opções do Plano para 2001), e da parte relativa às Regiões Autónomas, na medida da sua incidência sobre a Região Autónoma da Madeira, do capítulo IV (2.ª opção) do mesmo anexo a essa Lei;
b) Das normas do artigo 5.º, n.º 45 («Alterações orçamentais»), do artigo 9.º, n.os 1 e 2 («Retenção dos montantes nas transferências»), e do artigo 78.º («Necessidades de financiamento das Regiões Autónomas»), da Lei 30-C/2000, de 29 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2001), «na medida da incidência dessas normas sobre a Região Autónoma da Madeira».
Quanto ao anexo à Lei 30-B/2000, trata-se - nos termos do artigo 7.º desta mesma lei - do documento que, «dela fazendo parte integrante», contém as «Grandes Opções do Plano Nacional para 2001».
No capítulo I desse documento analisa-se «A situação económica em Portugal» e no n.º 3 do mesmo capítulo, especificamente, «O Quadro Comunitário de Apoio para 2000-2006 e a Estratégia Portuguesa de Desenvolvimento e Coesão Social de Médio Prazo». É aí que se inscreve o dito «Programa Operacional Plurifundos da Região Autónoma da Madeira», o qual é descrito com a enunciação detalhada dos seus «objectivos estratégicos e eixos prioritários». Assim, e textualmente:
«Programa Operacional Plurifundos da Região Autónoma da Madeira - Objectivos estratégicos e eixos prioritários:
Objectivos da Estratégia Regional de Desenvolvimento Económico e Social:
Reforçar a competitividade e o posicionamento geoestratégico da economia madeirense;
Promover o emprego e a empregabilidade do potencial humano;
Assegurar a melhoria da qualidade de vida e preservar os valores ambientais.
Eixos prioritários:
Eixo 1 - Desenvolvimento de uma Plataforma de Excelência Euro-Atlântica - envolvendo:
Valorização do potencial turístico, cultural e de lazer - esta medida engloba um conjunto de acções no domínio das infra-estruturas turísticas, dos equipamentos de animação turística, desportiva e de lazer, da valorização do património cultural de interesse turístico, da revalorização das áreas de maior concentração de oferta hoteleira e de promoção turística;
Estímulo à Inovação e à 'Sociedade de Informação' - inclui, nomeadamente, acções dirigidas à integração da sociedade madeirense na dinâmica da 'Sociedade da Informação'; no sentido de vir a transformar a Madeira num hub de conectividade entre a Europa, África e Américas e acções dirigidas ao aproveitamento do potencial existente na área de ciência e tecnologia - Universidade da Madeira, Pólo Científico e Tecnológico, Parque de C&T da Madeira - bem como a elaboração de um Plano Estratégico de Inovação;
Melhoria das acessibilidades exteriores - esta medida engloba acções dirigidas à melhoria das infra-estruturas que potenciem uma utilização mais eficiente dos principais pontos de acesso ao exterior - Aeroporto Internacional do Funchal, porto do Funchal e infra-estruturas portuárias do Caniçal - a construção de um porto de abrigo na costa norte e o reforço da segurança ao nível de transportes;
Protecção e valorização do ambiente e ordenamento do território - esta medida engloba uma vasta gama de acções, por exemplo, nos domínios do reforço/melhoria dos sistemas de captação, transporte, armazenamento e distribuição de água; da rede pública de drenagem de águas residuais, infra-estruturas e equipamentos de deposição, remoção e transferência de resíduos sólidos, criação de espaços verdes;
Competências humanas e equidade social - incluindo acções dirigidas à qualificação dos jovens, ao desenvolvimento da formação avançada, à intensificação da formação de activos, à formação profissional de adultos desempregados, ao apoio a pessoas com dificuldades específicas de inserção;
Eixo 2 - Consolidação da Base Económica e Social - envolvendo:
Agricultura e desenvolvimento rural;
Pescas e aquicultura;
Competitividade e eficiência económica;
Melhoria das acessibilidades internas;
Coesão e valorização social;
Intervenção integrada de Porto Santo.»
No capítulo IV do anexo à Lei 30-B/2000, por sua vez, estabelecem-se e enunciam-se propriamente (tal a sua epígrafe) «As grandes opções do Plano para 2001 e principais linhas de acção governativa». A segunda dessas opções é a de «Reforçar a cidadania para assegurar a qualidade da democracia», a qual se concretiza em várias dimensões, uma delas relativa justamente às Regiões Autónomas: a tal respeito começa por definir-se uma orientação geral, seguida de um elenco diversificado e detalhado de medidas, em várias áreas da acção governamental. Transcreve-se tão-só o teor daquela orientação, omitindo, por desnecessário aqui, o demais:
«Regiões autónomas
O Governo da República desenvolverá a sua acção nas Regiões Autónomas tendo em vista a consolidação da coesão económica e social nacional e procurando compensar estas regiões das desvantagens inerentes à sua condição insular ultraperiférica, implementando medidas nos diversos sectores da actividade governativa, sendo de salientar as seguintes medidas específicas: [...] [Segue-se a indicação dessas medidas, nos domínios da economia, justiça, cultura e ambiente.]»
Quanto, por outro lado, aos preceitos da Lei 30-C/2000 (Orçamento do Estado para 2001) que vêm questionados, dispõem eles como segue:
«Artigo 5.º
Alterações orçamentais
Na execução do Orçamento do Estado para 2001, fica o Governo autorizado a:
...
45) Transferir do orçamento do Ministério da Economia para a Empresa de Electricidade da Madeira, E. P., as verbas destinadas ao financiamento de infra-estruturas energéticas.
Artigo 9.º
Retenção de montantes nas transferências
1 - As transferências correntes e de capital do Orçamento do Estado para os organismos autónomos da administração central, para as Regiões Autónomas e para as autarquias locais poderão ser retidas para satisfazer débitos, vencidos e exigíveis, constituídos a favor da Caixa Geral de Aposentações, da ADSE, da segurança social e da Direcção-Geral do Tesouro, e ainda em matéria de contribuições e impostos, bem como dos resultantes da não utilização ou utilização indevida de fundos comunitários.
2 - A retenção a que se refere o número anterior, no que respeita a débitos das Regiões Autónomas, não pode ultrapassar 5% do montante da transferência anual prevista no artigo 30.º da Lei 13/98, de 24 de Fevereiro.
3 - As transferências referidas no n.º 1, no que respeita a débitos das autarquias locais [...]
4 - Será transferida para os municípios e freguesias uma verba [...]
Artigo 78.º
Necessidades de financiamento das Regiões Autónomas
As Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira não poderão contrair empréstimos que impliquem um aumento do seu endividamento líquido em montante superior a 6 milhões de contos para a Região Autónoma da Madeira e 6 milhões de contos para a Região Autónoma dos Açores, incluindo todas as formas de dívida.
2 - Fundamentos do pedido
A fundamentar o pedido, invoca o requerente dois distintos vícios de inconstitucionalidade: um, de natureza procedimental, abrangendo aquele pedido em todo o seu objecto; o outro, de índole substantiva, restrito à norma do artigo 78.º da Lei 30-C/2000.
2.1 - O primeiro dos mencionados vícios reside na circunstância de que «no procedimento de decisão legislativa por que a proposta de lei 47/VIII (Grandes Opções do Plano para 2001) e a proposta de lei 48/VIII (Orçamento do Estado para 2001) viriam a converter-se, respectivamente, na Lei 30-B/2000 e na Lei 30-C/2000, não procedeu o Parlamento à audição da Assembleia Legislativa Regional da Madeira no modo em que o exigem as normas dos artigos 227.º, n.º 1, alínea v), e 229.º, n.º 2, da Constituição».
A tal respeito - e depois de considerações genéricas sobre a natureza e o alcance do «dever de audição» dos órgãos regionais, consignado nos citados preceitos da lei fundamental - o requerente alega basicamente e em síntese:
Desde logo, é evidente que as matérias de que tratam as normas impugnadas são «respeitantes às Regiões Autónomas», para efeitos do disposto nos artigos 227.º, n.º 1, alínea v), e 229.º, n.º 2, da Constituição da República, uma vez que tais normas representam «momentos de incidência particular nas regiões das leis gerais do Orçamento e das Grandes Opções do Plano»: «são disposições especiais dessas leis para as Regiões Autónomas, comportando um tratamento próprio no que a elas respeita». Isso mesmo - que normas da lei orçamental possam constituir «objecto idóneo do direito constitucional de audição» - já foi, de resto, admitido e reconhecido no Acórdão 670/99, deste Tribunal;
Devendo, pois, proceder-se à audição dos órgãos regionais, é necessário, para que tal audição se realize em termos de efectividade constitucional, que a mesma seja promovida pelos órgãos decisores em tempo de as propostas ou ideias das Regiões «se constituírem em contributo possível de modulação das decisões». Ou seja, com uma «anterioridade razoável, em termos de as propostas regionais poderem ser formadas e, depois, consideradas nas mesmas decisões»;
Ora, se a lei que regula essa audição (Lei 40/96, de 31 de Agosto) já concretiza a ideia de «prazo razoável», não esclarece (nem ela, nem, expressamente, as normas pertinentes da Constituição) sobre qual o «momento adequado de suscitação» da audição, v. g., no caso de lei da Assembleia da República. Mas é claro que a determinação desse momento «não pode abstrair da concreta configuração constitucional do órgão decisor, do seu modo de funcionamento, nem da estrutura (complexa ou simples) dos actos em causa». Pois bem: como no «thelos do Parlamento está o debate», não haverá audição efectiva das Regiões «quando ela só vai a tempo da votação final e escapa a performance essencial da discussão». «A racionalidade estrutural da Constituição determina que a audição seja dirigida não a um processo truncado de decisão, mas a um processo íntegro de decisão». Assim, «uma vez que a decisão parlamentar não é de formação instantânea e internaliza uma vertente de discussão, a efectividade das normas que garantem o direito de audição das regiões só é conseguida se este direito puder ser exercido em tempo de abranger o essencial do processo de decisão e não apenas o momento final desse processo» - o que vale dizer (nisso se concretiza o essencial do dito processo): «debate na generalidade e na especialidade dos projectos e propostas de lei; votação na generalidade e votação final global». «Uma audição que se suscita e, pois, se exerce, para além da ocorrência de qualquer destes momentos corresponde, para efeitos constitucionais, ao não exercício do direito de audição». E, acentua-se e esclarece-se: sendo certo que o sentido das normas constitucionais que garantem o direito de audição não é o de esta ter uma «necessária eficácia», mas a «possibilidade de eficácia» sobre a decisão, «a possibilidade de eficácia tem de o ser em toda a linha, sob pena da emergência a esse nível de um défice de efectivação da própria Constituição»: por isso, mesmo no caso de leis como a das opções do Plano e do Orçamento («e a diferença do que parece afirmado no Acórdão 670/99»), a audição deverá inclusivamente «ser prévia ao debate na generalidade»;
Ora, no caso em apreço, «foi já em momento de discussão na especialidade das propostas de lei n.os 47/VIII e 48/VIII que a audição das Regiões foi suscitada. Assim o comprova o Diário da Assembleia da República, 2.ª série-A, n.º 16, de 30 de Novembro de 2000, contendo as datas da discussão na especialidade daquelas propostas de lei, no confronto com a carta enviada pelo Presidente da Assembleia da República à Região Autónoma da Madeira, que regista justamente o momento da formulação do pedido de audição». Com efeito, o Diário dá conta de que a Comissão de Economia, Finanças e Plano reuniu nos dias 9, 10, 13, 14, 15, 16, 17, 21 e 22 de Novembro de 2000 para discutir e votar na especialidade as propostas de Lei n.os 47/VIII e 48/VIII; por seu lado, a carta enviada à Região Autónoma da Madeira tem data de 23 de Novembro de 2000. Quer isto dizer que - «mesmo [passando?] sobre um controverso entendimento quanto ao relevo da discussão e votação na generalidade na consecução do direito de audição, em lei do Orçamento» - já se estava, no caso, em tempo de discussão na especialidade daquelas propostas de lei, «o que é dizer, em tempo constitucionalmente inadequado para efectivar o direito de audição das Regiões Autónomas».
2.2 - O segundo vício, de ordem material, imputado especificamente à norma do artigo 78.º da Lei do Orçamento de Estado para 2001 consiste por sua vez, segundo o requerente, em que a mesma norma, ao fixar limites à dívida pública regional, atenta «contra a autonomia financeira e, por essa via, contra a autonomia política das Regiões, em violação do disposto nos artigos 225.º e 227.º, n.º 1, alíneas h) e p), da Constituição».
A este propósito sustenta o requerente, no essencial, que «a limitação heterónoma da dívida pública regional [...] só pode justificar-se nos quadros de uma directa dependência dessa dívida em relação ao Estado (aval, empréstimos externos) ou em razões excepcionais de política macro-económica (vinculação internacional do Estado em matéria de dívida pública, excesso de moeda em circulação, impossibilidade comprovada de equilíbrio sustentável das finanças públicas), que, porque existe um núcleo essencial de autonomia creditícia, carecem de ser pelo legislador expressamente afirmadas». É nesta base - e lembrando que este Tribunal, no seu Acórdão 532/2000, reconheceu que «a fixação anual pelo Orçamento do Estado do plafom de endividamento das Regiões representa uma constrição da autonomia financeira (mormente da autonomia orçamental) e também da autonomia financeira reconhecida constitucionalmente às Regiões» - que se alega que «o limite de endividamento fixado para a Região no artigo 78.º da Lei do Orçamento é nuclearmente redutor da mesma autonomia».
2.3 - E conclui o pedido repetindo que todas as normas «violam os artigos 227.º, n.º 1, alínea v), e 229.º, n.º 2, da Constituição» e a «norma do artigo 78.º da Lei do Orçamento viola também os artigos 225.º e 227.º, n.º 1, alíneas h) e p), da Constituição».
2.4 - O Presidente da Assembleia Legislativa Regional da Madeira juntou ao pedido:
a) Cópia do Diário da Assembleia da República, 2.ª série-A, n.º 16, suplemento de 30 de Novembro de 2000;
b) Cópia do ofício n.º 1462/GAB/00, de 23 de Novembro, enviado pelo chefe do Gabinete do Presidente da Assembleia da República ao chefe de gabinete do Presidente da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, e que tem o seguinte teor:
«Para efeitos do preceituado no artigo 229.º, n.º 2, da Constituição e visto o disposto no artigo 151.º do Regimento da Assembleia da República e na alínea i) do artigo 36.º, n.º 1, da Lei 130/99, de 21 de Agosto, encarrega-me S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República de solicitar a V. Ex.ª parecer sobre as normas pertinentes das propostas de lei n.os 47/VIII e 48/VIII, relativas ao 'Orçamento do Estado para 2001' e às 'Grandes Opções do Plano para 2001'. Os respectivos textos encontram-se disponíveis em http:www.parlamento.pt/OE_2011/oe_2011.html
O presente ofício confirma o e-mail, já enviado para: Sandranunes@alrm.pt»»;
c) Parecer jurídico da autoria do Prof. Doutor Jorge Miranda, datado de 27 de Fevereiro de 2001, versando, em geral, o tema do dever de audição dos órgãos das Regiões, pelos órgãos da República, em matérias àquelas respeitantes, mas não, especificamente, o caso sub judicio.
3 - Resposta
Notificado nos termos e para os efeitos dos artigos 54.º e 55.º, n.º 3, da LTC, o Presidente da Assembleia da República apresentou a resposta que a seguir se transcreve:
«1 - Oferece o merecimento dos autos.
2 - Reproduz a seguinte passagem do ofício n.º 317/PAR/00, de 29 de Novembro de 2000, dirigido ao Exmo. Sr. Presidente da Assembleia Legislativa Regional da Madeira:
"Nos meus despachos de 16 de Outubro de 2000, relativos à admissão das propostas de lei 47/VIII e n.º 48/VIII 'Orçamento do Estado para 2001' e 'Grandes Opções do Plano para 2001' - refiro expressamente a necessidade de ser dado cumprimento a esse dever por parte da Assembleia da República. Neles se pode, com efeito, ler: 'Promova-se a audição dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas'.
Informam-me os serviços do meu Gabinete que o expediente relativo ao cumprimento desses despachos terá sido imediatamente executado. Razão pela qual consta dos respectivos arquivos fotocópia do ofício n.º 1317/GAB/00, de 16 de Outubro, enviando à ALRM 'para os efeitos constitucionais e estatutários pertinentes [...] as propostas de lei 47/VIII e n.º 48/VIII [...] parte em suporte magnético e parte em texto'.
[...] Não houve, pois, qualquer atitude deliberada de desconsideração das Assembleias Legislativas Regionais e, muito menos, de violação da Constituição. Os serviços da Assembleia da República estão convictos de ter dado cumprimento atempado ao dever de audiência. Tudo aponta nesse sentido. Nada indica o contrário.
Pode ter havido um erro de logística. Não posso, contudo, imputá-lo, inequivocamente, aos serviços da Assembleia da República. A dúvida é legítima, tanto mais que os factos ocorreram no período de tempo que mediou entre a realização das eleições regionais e a primeira reunião das respectivas Assembleias Legislativas.
O meu Gabinete só teve a percepção da possibilidade de extravio ou qualquer outra razão impeditiva da normal recepção depois de, para tal, ter sido alertado [no original, certamente por lapso, diz-se 'alterado']. Face a essa eventualidade foram de imediato emitidos os ofícios n.º 1461/GAB/00 e n.º 1462/GAB/00, de 23 de Novembro, enviados, via e-mail e fax, às Assembleias Legislativas Regionais dos Açores e da Madeira [...]";
3 - Reitera o teor da resposta dada na reunião plenária de 29 de Novembro de 2000 (Diário da Assembleia da República, 1.ª série, n.º 25, pp. 965 a 966), a uma interpelação do Sr. Deputado Guilherme Silva;
4 - Junta o Diário da Assembleia da República, contendo os trabalhos preparatórios das referidas leis.»
Uma vez que o Presidente da Assembleia da República reitera, no n.º 3 da sua resposta, o teor da resposta dada na reunião plenária de 29 de Novembro de 2000 a uma interpelação do Deputado Guilherme Silva - interpelação essa visando justamente «saber se foram ouvidas as Regiões Autónomas e, neste caso, as assembleias legislativas regionais sobre a proposta de lei do Orçamento do Estado e das Grandes Opções do Plano e se isto foi feito com respeito do prazo de 15 dias estabelecido na Lei 40/96, de 31 de Agosto» -, transcreve-se, do respectivo Diário, a mesma resposta parlamentar, que foi a seguinte:
«[...] o que poderá estar em causa não será a lei na sua totalidade, mas algumas das suas disposições.
A este respeito a única coisa que posso dizer é que, quando admiti as propostas de lei, despachei imediatamente no sentido de serem ouvidas as Regiões Autónomas. No meu Gabinete há documentação a comprovar a expedição do conhecimento às Regiões Autónomas, mas não há prova da recepção desse mesmo conhecimento.
Por isso mesmo, quando, mais tarde, o problema foi levantado, a lei foi novamente enviada às Regiões Autónomas para poderem pronunciar-se.
Posso informá-lo de que a Região Autónoma dos Açores já respondeu [...] mas não sei se, neste momento, a Região Autónoma da Madeira já respondeu.
De qualquer modo, também compete às Regiões Autónomas a prova de que não receberam o ofício enviado pela Assembleia da República.»
4 - Diligências instrutórias
4.1 - Face aos factos mencionados pelo Presidente da Assembleia da República na sua resposta ao pedido, entendeu o Presidente do Tribunal, para uma mais rigorosa e completa apreensão desses mesmos factos e do seu possível alcance, solicitar àquela entidade uma informação complementar, versando o preciso ponto de saber se havia registo postal, ou outro registo de saída do respectivo Gabinete, do ofício n.º 1317/GAB/00, de 16 de Outubro, enviado à Assembleia Legislativa Regional da Madeira, a que se faz referência na mesma resposta. Prestou então o Presidente da Assembleia da República, a tal respeito, os esclarecimentos seguintes:
«1 - Inexiste registo postal do envio à Assembleia Legislativa Regional da Madeira do ofício n.º 1317/GAB/00. Por regra, a troca de correspondência entre a Assembleia da República e as Assembleias Legislativas Regionais não é feita sob registo postal.
2 - O registo de saída da correspondência do Gabinete do Presidente da Assembleia da República está totalmente informatizado. O sistema é inviolável e a numeração e a datação são cronologicamente seguidas.
3 - Junto se enviam, devidamente autenticadas, fotocópias dos seguintes documentos:
a) Despachos do Presidente da Assembleia da República de 16 de Outubro de 2000, admitindo as propostas de lei n.os 47/VIII e 48/VIII;
b) Cópia de arquivo do ofício n.º 1317/GAB/00, de 16 de Outubro de 2000;
c) Impressão em suporte de papel do texto digitalizado referente a todas as saídas de correspondência do Gabinete do Presidente da Assembleia da República no dia 16 de Outubro de 2000.»
Extrai-se destes documentos:
a) Que na parte final dos despachos do presidente da Assembleia da República de 16 de Outubro de 2000, que admitem as propostas de lei n.os 47/VIII e 48/VIII, se deixou consignado: «Promova-se a audição dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas»;
b) Que o ofício n.º 1317/GAB/00, daquela mesma data, do gabinete do presidente da Assembleia da República, assinado pelo respectivo Chefe de Gabinete e dirigido ao Chefe de Gabinete do Presidente da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, é do seguinte teor:
«Encarrega-me Sua Excelência o Presidente da Assembleia da República de, para os efeitos constitucionais e estatutários pertinentes, junto enviar a VV. Exas. Propostas de Lei 47/VIII e n.º 48/VIII, relativas ao 'Orçamento do Estado para 2001' e às 'Grandes Opções do Plano para 2001'; parte em suporte magnético e parte em texto.»
c) Que na impressão em suporte papel do texto digitalizado referente a todas as saídas de correspondência do Gabinete do Presidente da Assembleia da República no dia 16 de Outubro de 2001 se encontra a referência a uma saída de correspondência, com o número de saída 01317/2000, tendo como destinatária a Assembleia Legislativa Regional da Madeira.
4.2 - Entendeu ainda o Presidente do Tribunal, como diligência instrutória, ouvir o Presidente daquela Assembleia Legislativa, o qual respondeu do seguinte modo, em ofício datado de 7 de Novembro de 2001:
«01 - Não deu entrada nesta Assembleia nem foi recebido fosse por quem fosse, ligado aos seus serviços, o ofício a que V. Ex.ª faz referência e anexa, presumivelmente emitido pelo Gabinete de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República n.º 1317/GAB/00, de 16 de Outubro de 2000.
02 - Deu, sim, entrada nos serviços desta Assembleia e reportado à matéria em causa, o ofício proveniente do Gabinete de Sua Excelência o Presidente da Assembleia da República n.º 1462/GAB/00, datado de 23 de Novembro de 2000.
03 - O documento, anteriormente referido, foi objecto do meu despacho de remessa para a 2.ª Comissão Especializada Permanente desta Assembleia, em 24 de Novembro de 2000, e enviado para a dita Comissão em 27 de Novembro de 2000 para efeito de emissão de parecer o qual deu entrada no meu gabinete em 28 de Novembro de 2000.»
4.3 - Apresentado pelo presidente o memorando a que se refere o artigo 63.º da Lei 28/82, foi o mesmo discutido e fixada a orientação do Tribunal, cumprindo agora decidir, em consonância com essa orientação.
II - Questões preliminares
5 - Uma primeira questão preliminar
Registe-se desde já que o artigo 8.º da Lei 40/96, de 31 de Agosto, que veio regular o procedimento de audição dos órgãos regionais, determina que nos correspondentes actos normativos se faça expressa menção dessa audição.
Ora, no caso, tal menção não consta nem da Lei 30-B/2000, nem da Lei 30-C/2000.
Só que, a ausência, em si mesma, de tal menção não se traduzirá em mais do que numa violação de lei (ao cabo, uma mera «irregularidade») - e de modo algum numa «inconstitucionalidade», que logo precludisse a necessidade de examinar quanto vem invocado para fundamentar a ocorrência deste último vício. E, por outro lado, semelhante omissão tão-pouco constitui, por si só, razão suficiente para presumir, sem possibilidade de prova em contrário, que a audição não ocorreu.
De todo o modo, a questão não é relevante, porque não é de falta de audição em si mesma que se trata, mas sim o de saber se ela foi atempadamente efectuada, como adiante se verá.
6 - Natureza normativa das proposições do anexo à Lei 30-B/2000, contendo as Grandes Opções do Plano
6.1 - Um outro problema prévio, que deverá colocar-se, é o de saber se as Grandes Opções do Plano - ou, mais precisamente, as proposições do anexo à respectiva Lei, que contém aquelas - constituem «normas» para efeitos de fiscalização de constitucionalidade por parte do Tribunal.
Sobre o conceito de norma para efeitos de fiscalização da constitucionalidade, debruçou-se este Tribunal, nomeadamente, no Acórdão 26/85, (Acórdãos, 5.º vol., pp. 7 e segs.), no Acórdão 150/86, (Acórdãos, 7.º vol., t. I, pp. 287 e segs.), no Acórdão 80/86, (id., pp. 79 e segs.), bem como no Acórdão 156/88, (Acórdãos, 11.º vol., pp. 1057 e segs.), e no Acórdão 172/93, (em Acórdãos, 24.º vol., pp. 451 e segs.), entre outros.
E em toda essa jurisprudência, o Tribunal tem entendido ser necessário adoptar um conceito funcional de norma, ou seja, um conceito funcionalmente adequado ao sistema de fiscalização da constitucionalidade.
Como pode ler-se no referido Acórdão 26/85:
«Assim, o que há-de procurar-se, para o efeito do disposto nos artigos 277.º e seguintes da Constituição, é um conceito funcional de «norma», ou seja, um conceito funcionalmente adequado ao sistema de fiscalização da constitucionalidade aí instituído e consonante com a sua justificação e sentido.
Pois bem: como a Comissão Constitucional já havia acentuado, o que se tem em vista com esse sistema é o controlo dos actos do poder normativo do Estado (lato sensu) - e, em especial, do poder legislativo - ou seja, daqueles actos que contêm uma «regra de conduta» ou um «critério de decisão» para os particulares, para a Administração e para os tribunais.
Não são, por conseguinte, todos os actos do poder público os abrangidos pelo sistema de fiscalização da constitucionalidade previsto na Constituição. A ele escapam, por um lado (e como já a Comissão Constitucional salientara), as decisões judiciais e os actos da Administração sem carácter normativo, ou actos administrativos propriamente ditos; e, por outro lado, os «actos políticos» ou «actos de governo», em sentido estrito [...]
Onde, porém, um acto do poder público for mais do que isso e contiver uma regra de conduta para os particulares ou para a Administração, ou um critério de decisão para esta última ou para o juiz, aí estaremos perante um acto 'normativo', cujas injunções ficam sujeitas ao controlo da constitucionalidade».
Ora, a este enunciado, em que o Tribunal desenvolveu o critério «funcional» (o critério derivado da «função» que se entende estar-lhe cometida) de «norma», determinante do âmbito da sua intervenção, ainda corresponderão as proposições em que se consubstanciam as Grandes Opções do Plano?
A questão poderá ter cabimento, face à circunstância de, no enunciado transcrito, acabar por fazer-se apelo a notas caracterizadoras da categoria «norma», que - como as de «regra de conduta» e «critério de decisão» - assumem já uma índole «material»: convirão ainda estas características (em particular, se tomadas literal ou, em todo o caso, estritamente), na verdade, àquelas proposições?
6.2 - Desde logo, porém, importa «relativizar» o apelo a tais notas «materiais», na caracterização do que sejam «normas» sujeitas ao controlo do Tribunal Constitucional, e advertir para que, para além e antes mesmo dessas notas (as quais se revestem, essencialmente, de um alcance expletivo), o critério «funcional» de norma, a que o Tribunal se atém para aquele efeito, fica logo preenchido desde que verificada uma característica puramente «formal» num certo enunciado jurídico-dispositivo: o de integrar ele um acto de um poder público vocacionado para a conformação da ordem jurídica objectiva, e revestir-se da correspondente forma. Neste caso, na verdade, estar-se-á perante uma «norma», susceptível de controlo pelo Tribunal, qualquer que seja a sua extensão e conteúdo (paradigmática, justamente, a hipótese versada no Acórdão 26/85).
Posto isto, uma vez que as Grandes Opções do Plano constam do «Anexo» a uma «lei» da Assembleia da República, anexo que faz parte integrante desse diploma [cf., no caso, o artigo 7.º da Lei 30-B/2000, e, em geral, o artigo 91.º, n.º 1, o artigo 161.º, alínea g), e o artigo 166.º, n.º 3, da Constituição da República], eis quanto basta para, por este lado, não deverem excluir-se as correspondentes proposições do âmbito das «normas» passíveis do controlo do Tribunal. E isso - pode acrescentar-se - qualquer que seja a qualificação «dogmática» que deva conferir-se, em último termo, a essa lei: nomeadamente, se se trata de uma simples lei de indirizzo político ou de uma lei «objectiva» (para usar a terminologia dicotómica de L. Cabral de Moncada, A Problemática Jurídica do Planeamento Económico, Coimbra, 1985, pp. 193 e segs.), ou então uma lei «de conteúdo misto» (como qualificou, em geral, as «leis do plano» - tendo-as como leis com um conteúdo simultaneamente «normativo» e «administrativo» - A. Rodrigues Queiró, Lições de Direito Administrativo, Coimbra, 1976, p. 343). A este respeito - é um símile que inevitavelmente ocorre - passar-se-á com a lei das Grandes Opções do Plano o mesmo que com a lei do Orçamento: qualquer que seja a qualificação dogmática que em definitivo lhe caiba (v., sobre o ponto, o lugar por último citado, ou ainda J. M. Cardoso da Costa, «Sobre as autorizações legislativas da lei do Orçamento», in Estudos em Homenagem ao Prof. Teixeira Ribeiro, 1981, notas 8 e 22 e no texto), é indiscutível que também as disposições, mesmo de puro conteúdo orçamental, que integram esta última são «normas», para efeitos do controlo por este Tribunal (e assim, de resto, este o tem «praticado», sem discrepância ou hesitação).
6.3 - A dúvida ou o problema aventado só pode residir assim numa outra ordem de considerações, para que se poderá encontrar expressão ainda no enunciado acima transcrito, mas que, em boa verdade, até ao presente o Tribunal não considerou. Tratar-se-á de saber se não deverá, de todo o modo, reconhecer-se a possibilidade de vir a deparar-se, num acto formal do poder normativo (v. g., uma lei da Assembleia da República), com proposições que não chegam afinal a possuir alcance preceptivo ou vinculativo, assumindo antes um carácter, seja meramente «descritivo», seja simplesmente «indicativo», seja «proclamatório» ou «prospectivo» - isto é (e utilizando o dito enunciado) que não chegam a perfilar-se como uma «regra de conduta» (ou um «critério de decisão»). Se o caso se der, hão-se considerar-se tais proposições ainda como «normas», ao menos para efeito de controlo pelo Tribunal Constitucional? E não é esse o caso que se dá com as Grandes Opções do Plano, ou, ao menos, com parte das proposições que integram o anexo à correspondente lei. em que aquelas se acham contidas - e, entre estas, com alguma ou algumas das agora questionadas?
É de liminar evidência que o documento anexo à Lei sobre as Grandes Opções do Plano se apresenta como um «texto» de estrutura e formulação muito diversas e claramente contrastantes com aquelas de que se reveste tipicamente um diploma legislativo ou regulamentar. Mas não só isso: pode ainda dizer-se que os seus mesmos propósito ou intenção e alcance se diferenciam dos daqueles diplomas (e o contraste «externo» referido não será, afinal, senão o reflexo de tal diferenciação «intrínseca»), já que tais propósito e alcance se cifram, não propriamente no estabelecimento de determinações estritamente vinculativas, mas antes na fixação de objectivos e no delineamento de programas e projectos de actuação estadual que, em boa verdade, podem vir a ser cumpridos e executados, ou não (e, no primeiro caso, em maior ou menor medida) - mas sempre sem que possa vir a tirar-se daí qualquer consequência «jurídica». Por outro lado, o delineamento de tais programas e projectos tão-pouco impede que, no decurso do período em causa, outros ainda possam vir a ser adoptados e postos em execução pelo Governo.
Simplesmente, há uma outra e específica dimensão do alcance das Grandes Opções do Plano - e, consequentemente, do «documento» que as contém - que não pode olvidar-se: e essa é a de que, seja como for, elas condicionam, e condicionam directamente, nos termos da Constituição, a elaboração e o conteúdo de outros actos estaduais, a saber, os planos nacionais e o Orçamento: com efeito, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 91.º da Constituição da República, os «planos nacionais são elaborados de harmonia com as respectivas leis das grandes opções»; e, de acordo, por sua vez, com o preceituado no n.º 2 do artigo 105.º da Constituição da República, também o Orçamento do Estado deve ser elaborado «de harmonia com as grandes opções em matéria de planeamento».
Não importa esclarecer em definitivo se, assim sendo, a lei que aprova as Grandes Opções do Plano há-de considerar-se uma «lei de valor reforçado», por se dever incluí-la entre as que são «pressuposto normativo necessário de outras leis ou [as] que por outras devem ser respeitadas», como se dispõe no artigo 112.º, n.º 3, da Constituição da República, (cf. L. Cabral de Moncada, ob. cit., pp. 188 e segs.; M. Rebelo de Sousa, A Constituição de 1976, o Orçamento e o Plano, Lisboa, 1986, pp. e 23 segs.; C. Blanco de Morais, As Leis Reforçadas, Coimbra, 1998, pp. 785 e segs.; J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 4.ª ed., Coimbra, 2000, p. 762 - os dois primeiros escrevendo antes mesmo da revisão constitucional de 1989; colocando em dúvida tal qualificação, J. Miranda, Manual de Direito Constitucional, tomo V, 2.ª ed., Coimbra, 2000, pp. 356-357). E também não importará concluir, porventura, que o «condicionamento» a que as leis das Grandes Opções do Plano sujeitam outros actos estaduais possui uma «intensidade mínima» ou «fraca» [assim, C. Blanco de Morais, ob. cit., p. 794, tendo em conta a terminologia da Constituição («de harmonia»); ao que poderá acrescentar-se que no mesmo sentido converge o progressivo e patente decréscimo da relevância constitucional e da «normatividade» (em sentido material) do plano, que se foi operando na Constituição da República, ao ritmo das suas sucessivas revisões].
Seja como for, facto é que as Grandes Opções do Plano, pese a sua dimensão marcadamente «prospectiva», não deixam de revestir-se de uma certa, ainda que bastante limitada, «vinculatividade» jurídica imediata, enquanto condicionantes de outros actos do poder público (face a cujos autores - poderá pois dizer-se se perfilam, assim, como uma «regra de conduta»). Eis quanto basta para que inscrevendo-se elas, ou o «documento» que as contém, por outro lado, num acto que assume a «forma» de lei - as mesmas Opções não devam excluir-se do âmbito do conceito de «norma», relevante para efeitos de controlo do Tribunal Constitucional.
Só que, quanto vem de referir-se aplica-se apenas, e justamente, às Grandes Opções do Plano: essas «opções», uma vez aprovadas pela Assembleia da República, é que passam a condicionar a elaboração de planos e - sobretudo - a elaboração do Orçamento.
Ora, acontece que o conteúdo do documento de que constam as Grandes Opções do Plano não se esgota no enunciado destas, mas inclui, além dele, o respectivo enquadramento e justificação - em correspondência, de resto, com o que se exige no artigo 91.º, n.º 2, da Constituição da República, o qual dispõe que «as propostas de lei das grandes opções são acompanhadas de relatórios que as fundamentem». Assim - e tomando como exemplo justamente a Lei 30-B/2000 e o respectivo «documento anexo» - pode verificar-se que é no capítulo IV deste último, subordinado justamente à epígrafe «Grandes Opções do Plano e principais linhas da acção governativa», que se depara com o enunciado e a detalhada concretização de tais «opções»; a ele se segue ainda um outro, em que se descreve, genericamente, a Política de investimentos do Estado; e nos três que o antecedem (ao dito capítulo IV), começa por versar-se (assim rezam as correspondentes epígrafes) «A situação económica em Portugal, depois a presidência portuguesa da UE - uma nova estratégia para a Europa e, por fim, as Transformações estruturais em foco».
Pois bem: afigura-se que o conteúdo de todos estes outros capítulos, assim exemplificados, do «documento anexo» à Lei das Grandes Opções do Plano não chega verdadeiramente a assumir densidade ou dimensão «normativa» (em sentido material), ainda que mínima: do que aí se trata (nomeadamente nos três primeiros capítulos) é antes da indicação, relato, análise e valoração dos dados e projecções, de natureza macroeconómica, social e política, que são a envolvente da decisão sobre as «opções» a tomar, e as condicionam e justificam, bem como dos objectivos políticos estratégicos (a mais longo prazo) que tais opções traduzem ou em que se inserem. Assim, não se vê que, nessa parte, o «documento anexo» em causa se revista de mais do que um alcance «descritivo» e, em algum ponto, «proclamatório» ou «prospectivo» - um alcance, em suma, que (salvas as devidas proporções) se dirá aproximar-se do dos relatórios ou preâmbulos justificativos dos diplomas legais.
Mas, assim sendo, então parece falecer justificação para que, nessa mesma parte, o conteúdo do «documento anexo» à Lei das Grandes Opções do Plano seja havido como um complexo de «normas» (apesar de integrar «formalmente» um diploma legal) passíveis ainda de controlo de constitucionalidade pelo Tribunal Constitucional: e a razão decisiva para tanto estará em que este último é um controlo de «validade» (implicando necessariamente um juízo «jurídico-normativo»), enquanto que aquele conteúdo propositivo do «documento» em apreço só é verdadeiramente susceptível, ou de um controlo de «veracidade» (actual ou futuro), ou então de um juízo puramente «político» (isto será assim, desde logo, quanto ao «fundo»; mas parece que daí haverá de retirar-se conclusão paralela quanto à «forma» ou ao «procedimento»).
6.4 - Posto isto - ou seja, a acolher-se a orientação que acaba de adiantar-se conclui-se, então, que, relativamente aos trechos do «documento anexo» à Lei 30-B/2000 impugnados pelo requerente, só haverá que apreciar o indicado em segundo lugar, constante justamente do capítulo IV do mesmo documento, e respeitante ao que, no âmbito da 2.ª opção do Plano, ficou assinado ao Governo que promovesse nas Regiões Autónomas (cf. supra, n.º 1.).
Quanto ao primeiro indicado desses trechos - o respeitante ao «Programa Operacional Plurifundos da Região Autónoma da Madeira» -, já não deverá ele ser analisado pelo Tribunal, por carecer (num mínimo que seja) de alcance «normativo»: com efeito, tal trecho inscreve-se no capítulo do «Documento anexo», em que simplesmente se procede à descrição, valoração e projecção dos dados (dados de facto) da situação económica (envolventes e condicionantes da decisão sobre as opções a tomar) e limita-se a dar conta de um desses dados. Concretamente: o que sucede é que, na descrição e valoração dos dados da situação económica portuguesa, em que tinham de fazer-se as opções do plano para 2001, se inclui (necessária e naturalmente) uma especial e desenvolvida referência ao «Quadro comunitário de apoio para 2000-2001», negociado com a União Europeia, e em vigor no período a que aquelas se reportam (é a matéria do subcapítulo 3 do dito capítulo ), com a detalhada indicação dos seus «eixos estratégicos» e «programas operacionais»; ora, contando-se entre estes últimos o assinalado e questionado «programa operacional plurifundos» da Madeira, é ele incluído (também necessariamente) em tal indicação.
III - A primeira questão de constitucionalidade
7 - O direito e o dever de audição das Regiões Autónomas
7.1 - No artigo 227.º, n.º 1, alínea v), da Constituição da República inclui-se, entre os poderes das Regiões Autónomas, o de «pronunciar-se, por sua iniciativa ou sob consulta dos órgãos de soberania, sobre as questões da competência destes que lhes digam respeito, bem como, em matérias do seu interesse específico, na definição das posições do Estado Português no âmbito do processo de construção europeia». Por sua vez, e mais precisamente, o artigo 229.º, n.º 2, da Constituição da República (antes da revisão de 1997, artigo 231.º, n.º 2) determina que «os órgãos de soberania ouvirão sempre, relativamente a questões da sua competência respeitantes às regiões autónomas, os órgãos de governo regional».
Pode dizer-se que a extensão deste direito dos órgãos regionais, assim consignado na Constituição, a serem ouvidos pelos órgãos de soberania (ou do correlativo dever destes últimos de promoverem tal audição), há muito se encontra definida, nos seus termos gerais, na jurisprudência constitucional.
O leading case na matéria é o do parecer 20/77, da Comissão Constitucional (em Pareceres da Comissão Constitucional, 2.º vol., pp. 159 e segs.), onde se enunciou o seguinte critério básico: «são questões da competência dos órgãos de soberania, mas respeitantes às Regiões Autónomas, aquelas que, excedendo a competência dos órgãos de governo regional, respeitem a interesses predominantemente regionais ou, pelo menos, mereçam, no plano nacional, um tratamento específico no que toca à sua incidência nas regiões, em função das particularidades destas e tendo em vista a relevância de que se revestem para esses territórios».
Entretanto, indícios «capazes de revelarem, no caso concreto, a existência de uma questão respeitante às Regiões Autónomas», no sentido indicado, serão, por exemplo, «a circunstância de o órgão de soberania, na disciplina que se propõe editar para determinada questão, circunscrever tal disciplina no âmbito regional» ou a de, «na regulamentação de determinada questão, se propor adoptar uma solução especial no que toca às Regiões Autónomas, por referência à regulamentação geral que nessa matéria prevê para o restante território nacional».
Este critério foi reiterado em numerosos outros pareceres da Comissão (cf. pareceres n.os 21/77, 33/77, 16/78, 21/78, 23/78, 26/78, 28/78, 14/79, 18/79, 24/79, 27/79, 38/79, 12/80, 25/80 e 15/81, e ainda n.º 19/79) sendo de destacar, entre eles, pelos esclarecimentos com que complementaram o critério enunciado, os pareceres n.os 18/78 e 2/82 (cuja formulação foi retomada nos pareceres n.os 4/82 e 24/82).
No primeiro (Pareceres da Comissão Constitucional, 5.º vol., pp. 179 segs.), observou-se o seguinte «É evidente que o dever de audiência [...] não existe naqueles casos em que as Regiões Autónomas são interessadas apenas na medida em que o é o restante território nacional. Do mesmo modo, é evidente existir tal dever quanto àqueles casos de medidas, designadamente legislativas, que respeitem em exclusivo às Regiões Autónomas ou a uma delas». E, depois, reconhecendo que «há, naturalmente, outras situações que não são fáceis de qualificar», considera-se que será «decisivo o caso concreto e a sua análise» e que daí «se terá de partir para a solução a dar».
No parecer 2/82 (em Pareceres da Comissão Constitucional, 18.º vol., pp. 103 segs.), por sua vez, a Comissão sublinhou: «[...] a obrigatoriedade da audiência das Regiões Autónomas - rectius, dos seus órgãos - não surge logo que uma questão da competência dos órgãos de soberania 'também' lhes interesse, ou seja, logo que tal questão tenha um relevo ou uma amplitude 'nacional', e não meramente 'continental': é antes necessário e imprescindível que tal questão se apresente pelo menos com alguma especificidade ou peculiaridade relevante no que concerne a essas Regiões. E, de facto, não só as exigências da autonomia não pedem mais, como ir além disso envolveria, por assim dizer, o reconhecimento de um injustificável privilégio das Regiões Autónomas relativamente ao conjunto do País.»
O Tribunal Constitucional não se desviou da orientação e critério assim definidos logo pela Comissão Constitucional, havendo-os acolhido continuadamente em numerosos arestos, de que podem destacar-se os seguintes (uma indicação mais completa pode encontrar-se no Acórdão 670/99, a seguir mencionado): Acórdãos n.os 42/85, 284/86 e 403/89 (em Acórdãos, 5.º vol., pp. 181 e segs., 8.º vol., pp. 169 e segs. e 13.º vol., I, p. 465 segs., respectivamente), e, mais recentemente, os Acórdãos n.os 670/99, 679/99 e 684/99 (Diário da República, 2.ª série, de 30 de Dezembro de 1999, o primeiro, e de 28 de Novembro de 2000, os demais). Assim, e como disse, em síntese, neste último aresto: «O direito de audição constitucionalmente garantido às Regiões Autónomas [...] [refere-se] a actos que, sendo da competência dos órgãos de soberania, incidam de forma particular - diferente daquela em que afectam o resto do País - sobre uma ou ambas as Regiões ou versem sobre interesses predominantemente regionais.»
Este critério, assim jurisprudencialmente estabelecido, veio entretanto a ser corroborado pela doutrina: os lugares pertinentes podem ver-se nos acórdãos por último citados.
7.2 - Sendo este o critério geral, quid inde quanto à Lei do Orçamento do Estado e à Lei das Grandes Opções do Plano?
Tanto a Comissão Constitucional (no citado parecer 26/78) como este Tribunal (no citado Acórdão 670/99) tiveram já ocasião de examinar ex professo a questão quanto à primeira dessas leis, e o entendimento que em ambos os casos se firmou foi o de que (para dizê-lo com as palavras do referido aresto) «a Lei do Orçamento do Estado, globalmente considerada, não é, manifestamente, uma 'questão' respeitante às Regiões Autónomas», pelo que «o direito de audição não existe [...] em relação [a ela] na sua totalidade». A razão deste entendimento deu-a logo o parecer 26/78 e retomou-a o Acórdão 679/99, essencialmente nos mesmos termos: é que se trata de «uma lei que, pela sua natureza e pelo seu objecto, se destina a todo o País, sem excepção de regiões ou parcelas».
Com isto, porém, nem a Comissão nem o Tribunal excluíram a possibilidade de na Lei do Orçamento se vir a deparar com normas específicas que devam ser havidas como «respeitantes às Regiões Autónomas», no sentido do artigo 229.º, n.º 2, da Constituição da República, e, portanto, devendo ser objecto de audição por parte dos órgãos regionais. Ao contrário: deve mesmo dizer-se que tal possibilidade é reconhecida (implícita, mas até explicitamente) quer no parecer 26/78, quer no Acórdão 670/99, sobretudo neste último. Ponto é - para que tal possibilidade se tenha por verificada - que nas normas em presença ocorra uma qualquer das circunstâncias a que se faz apelo no critério geral atrás enunciado.
É esta doutrina que deve manter-se; e que - face ao inteiro paralelismo das duas situações - deve ser estendida, mutatis mutandis, à Lei das Grandes Opções do Plano.
7.3 - Assim sendo, importa então indagar se as normas questionadas pelo requerente e que ficaram a integrar o objecto do processo (afastada que foi a inclusão, nesse objecto, do trecho do capítulo I.3 do «documento anexo» à Lei das Grandes Opções do Plano, atrás considerado: supra, n.º 6) preenchem ou não a condição referida, necessária para serem havidas como versando «questões respeitantes às Regiões Autónomas». (Refira-se, a propósito, que, no caso, tal indagação se impõe, porque nele vem cumprida a exigência processual - que no Acórdão 670/99 se consignou - de que, nas situações em que o direito de audição não abrange toda uma lei, mas tão-só, eventualmente, algum ou algum dos seus preceitos, os mesmos terão de ser especificamente identificados por quem venha impugnar a sua constitucionalidade com base justamente em falta de audição.)
Ora - e muito resumidamente - afigura-se que uma conclusão positiva nesse sentido não oferecerá dúvidas quanto à parte do capítulo IV, 2.ª opção, do «documento anexo» à Lei 30-B/2000, relativa às «Regiões Autónomas», nem quanto ao n.º 45 do artigo 5.º (autorização ao Governo para a transferência das verbas necessárias ao financiamento das infra-estruturas energéticas da Madeira) e ao artigo 78.º (necessidade de financiamento das Regiões Autónomas) da Lei 30-C/2000. Com efeito, em qualquer dos casos se está perante normas que interessam, não só predominante, mas exclusivamente, a uma ou a ambas as Regiões Autónomas, isto é, que versam, mais do que «sobre interesses predominantemente regionais», sobre interesses exclusivamente regionais.
Idêntica conclusão já será mais duvidosa, porém, no tocante à norma do artigo 9.º, n.º 1 (retenção dos montantes das transferências), da Lei 30-C/2000 - pois (dir-se-ia) se trata aí de uma questão que se põe em termos equivalentes para as Regiões Autónomas e para quaisquer organismos ou entes financeiramente autónomos beneficiando, por um lado, de «transferências» do Orçamento do Estado, e adstritos, por outro, ao cumprimento das obrigações e ao pagamento das dívidas em que se acham constituídos perante o Tesouro, ou perante os organismos públicos ou nos demais termos referidos nesse preceito. Trata-se da mesma questão, e acrescentar-se-ia justamente não recebendo uma resposta normativa diferenciada e específica no tocante às Regiões Autónomas.
Simplesmente, retira-se desse n.º 1 uma especial incidência quando aplicável às Regiões Autónomas, devendo ele em si mesmo considerar-se já como tratando dessas regiões, e não pode deixar de ligar-se em todo o caso incindivelmente ao n.º 2, integrando ambos o regime de retenção das transferências aplicável às Regiões Autónomas - pelo que, por aí, se poderá considerar que tal regime, no seu conjunto, responde ao modo «distinto» como a questão sobre que versa deve pôr-se (e, logo, se põe) no tocante às mesmas Regiões.
Assentar-se-á, por conseguinte, em que todas as normas objecto do processo haverão de ter-se como versando «questões respeitantes às regiões autónomas», para o efeito do artigo 229.º, n.º 2, CR, pelo que os órgãos regionais competentes deveriam ter sido ouvidos sobre elas, antes da respectiva aprovação.
8 - Termos e condições do cumprimento do dever de audição
8.1 - A Constituição não dispõe sobre a matéria agora em epígrafe. Dela veio tratar ex professo, porém, a Lei 40/96, de 31 de Agosto, que leva por título justamente o de «audição dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas». Aí, depois de se explicitar o âmbito do dever de audição (artigo 2.º), esclarece-se inter alia (limitando-nos ao que agora importa) quais os órgãos de governo regional que, em cada caso, devem ser ouvidos [no caso dos actos legislativos e regulamentares, as assembleias legislativas regionais: artigo 4.º, alínea a)] e define-se o prazo para a audição (artigo 6.º). No que toca a este último aspecto, é o seguinte o teor do preceito citado: «Os pareceres devem ser emitidos no prazo de 15 ou 10 dias, consoante a emissão do parecer seja da competência respectivamente da assembleia legislativa regional ou do governo regional, sem prejuízo do disposto nos estatutos político-administrativos das Regiões Autónomas ou de prazo mais dilatado previsto no pedido de audição ou mais reduzido, em caso de urgência.»
O Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, na versão em vigor, resultante da revisão global de que foi objecto pela Lei 130/99, de 21 de Agosto, transpôs (textualmente, ou tanto monta) para o seu articulado (em secção própria) parte do enunciado na Lei 40/96; não o havendo feito no tocante à norma sobre o prazo para a audição, tão-pouco se vê, porém, que haja estabelecido, quanto a esse ponto, qualquer regra especial.
Registe-se, por último, que também o Regimento da Assembleia da República contém uma disposição sobre a matéria da audição dos órgãos regionais: é o artigo 151.º, o qual determina que, «tratando-se de iniciativa que verse sobre matéria respeitante às Regiões Autónomas, o Presidente da Assembleia promove a sua apreciação pelos órgãos de governo regional [...]».
8.2 - As regras acabadas de referir não são, todavia, suficientes, nem só por si decisivas. Não são decisivas, só por si, porque do seu desrespeito não tem de extrair-se automaticamente uma conclusão de inconstitucionalidade (assim, sem dizê-lo, mas implicitamente, o Acórdão 670/99, e supra, n.º 7): decisivo para tal efeito, em último termo, é saber se, em cada caso, se observou, ou não, um procedimento capaz de corresponder ao sentido da exigência do artigo 229.º, n.º 2, da Constituição da República; e não são suficientes porque não consideram todas as questões que a respeito de tal procedimento podem colocar-se, como, v. g., a de saber em que, ou até que preciso momento do iter processual tendente à tomada de uma decisão por um órgão de soberania (do iter legislativo da Assembleia da República, por exemplo) a audição deve ocorrer.
Sem retirar às regras agora mencionadas, em especial, as da Lei 40/96, o relevo, que deve reconhecer-se-lhes, de concretizações qualificadas (para que o legislador está certamente legitimado) do princípio constitucional, importa, pois, cotejá-las com este princípio e completá-las com outras exigências dele decorrente. Para tanto, terá justificado e especial cabimento o recurso aos desenvolvimentos que, a tal respeito, já podem encontrar-se na jurisprudência anterior deste Tribunal.
8.3 - Posto isto, interessará, no caso em apreço, fixar doutrina (ou recordar a já fixada nessa jurisprudência) quanto a dois pontos, que são os relevantes para a questão de constitucionalidade posta nos autos: justamente o do prazo da audição e o do momento em que ela deve ter lugar, tratando-se de um diploma da Assembleia da República.
Ora, quanto ao primeiro, se já antes da Lei 40/96 o Tribunal reconhecia a necessidade da concessão de prazo razoável para a audição dos órgãos regionais (assim, o Acórdão 403/89, em Acórdãos, 13.º vol., I, pp. 465 e segs.), depois da emissão de tal lei veio expressamente a entender que «pode [...] tomar-se como medida razoável de prazo para a generalidade dos casos o que [ela] definiu como regra - 15 dias» (Acórdão 670/99, já citado).
Nada disse então o Tribunal, porém, no tocante à possibilidade, que a lei contempla, de o prazo de audição ser mais reduzido, em caso de urgência. Deve, pois, acrescentar-se agora que também tal possibilidade é de ter por aceitável, tão óbvio se mostra ser ela a única solução que permitirá, em situações especiais (cujo perfil e cuja ocorrência são insusceptíveis de antecipar-se) conciliar a «necessidade» (ou a «razão») do Estado com o princípio do artigo 229.º, n.º 2, da Constituição da República.
Assim, para apurar se o direito de audição das Regiões Autónomas foi respeitado numa determinada situação, será o prazo-regra da Lei 40/96 que deverá ser tido em conta, em princípio - ou seja, a menos que deva ter-se por justificada a concessão de um prazo mais reduzido (e, porventura, muito mais reduzido) dada a «urgência» da mesma situação (algo, decerto, que só casuisticamente poderá determinar-se, seja quanto à justificação da urgência, em si mesma, seja quanto à do prazo de audição de que, nesse contexto, os órgãos regionais dispuseram).
No tocante, por sua vez, ao momento em que a audição deve ocorrer (aspecto, como já se disse, não considerado na Lei 40/96), também este Tribunal já se pronunciou sobre ele, ainda no mencionado Acórdão 670/99, e com referência precisamente ao caso das leis da Assembleia da República (que é o que agora interessa).
Partiu então o Tribunal - para dar resposta à questão - de uma consideração fulcral, cuja é a da necessidade de poder «considerar-se alcançado o objectivo com que a Constituição consagra[o] dever [de audição]». O que significa: que «a Região Autónoma, através dos órgãos competentes, [tenha] disposto do tempo necessário para se pronunciar cabalmente» e - é o ponto agora decisivo - que «o parecer que eventualmente [haja sido emitido] ainda [possa] ser considerado na [...] aprovação final, por ser conhecido na Assembleia da República em tempo útil».
Ora, partindo daqui, e considerando de seguida as diferentes fases do procedimento legislativo da Assembleia e o respectivo objecto, tal como estabelecidas e descritas no Regimento (discussão e votação na generalidade, discussão e votação na especialidade e votação final global), veio o Tribunal a estabelecer implicitamente uma distinção básica, consoante o âmbito ou a extensão do direito de audição relativamente à lei (rectius, à proposta ou ao projecto de lei) em presença: se tal direito incidir «sobre a globalidade da proposta [ou projecto] de lei ou sobre os respectivos princípios», o pedido de audição há-de ser formulado «com a antecedência suficiente sobre a data do início da discussão na generalidade»; se não for esse o caso, e respeitar apenas a normas específicas da proposta ou projecto (como, eventualmente, aconteceria no caso então sub judice), a audição pode ser desencadeada (através do correspondente pedido, em prazo razoável) antes do «início da discussão da proposta [ou projecto] de lei na especialidade».
A distinção compreende-se - e, portanto, é de manter - atento o facto de a discussão (e subsequente) votação na generalidade versar sobre «os princípios e o sistema de cada projecto ou proposta de lei» (artigo 157.º, n.º 1, do Regimento da Assembleia da República), ou seja, sobre a «economia» geral do diploma: ora, se o direito de audição não abrange a globalidade de um texto normativo, é óbvio que não tem de ser garantida aos órgãos regionais a possibilidade de se pronunciarem-se sobre essa sua «economia» geral, em termos de poderem influenciar o juízo do órgão competente a tal respeito. A garantia que nessa hipótese lhes há-de ser dada é, sim, a de poderem «influenciar», com o seu parecer, a apreciação e a decisão parlamentar que vai recair sobre aquelas específicas normas do diploma que respeitam a questões regionais.
Entende-se, pois, que, contra o assim doutrinado no Acórdão 670/99, não vale quanto argumenta o requerente [cf. supra, n.º 2.1], com base em que a determinação do momento adequado para a audição não pode abstrair da configuração e modo de funcionamento do órgão decisor e da estrutura (simples ou complexa) do acto de tal modo que, atento o carácter não instantâneo da decisão parlamentar e a função essencial do «debate» no respectivo procedimento, o direito de audição, ao nível parlamentar, só se efectiva se puder ser exercido em tempo de abranger o essencial do processo de decisão, em todos os seus momentos relevantes, e não apenas o momento final (a votação final), ou um momento intermédio.
Assim - pretende o requerente uma audição que se suscita» para além de qualquer desses momentos relevantes» (debate e votação na generalidade, debate e votação na especialidade e votação final) corresponde «ao não exercício do direito de audição».
Ora, tem o requerente razão, quando salienta a função essencial do debate parlamentar e entende por isso (noutra das suas formulações) que uma audição dos órgãos regionais pelo Parlamento não tem efectividade «quando só vai a tempo da votação final e escapa à performance essencial da discussão». Só que, a doutrina que se extrai do Acórdão 670/99 não se atém a uma concepção diferente: também ela exige que a audição ocorra, e atempadamente, antes da discussão ou debate parlamentar (não bastando que tenha lugar antes da votação final); apenas, pelas razões antes explicitadas (e que a argumentação do requerente não logra infirmar) considera que, em situações como as ora em causa, a «performance essencial da discussão» se concretiza no debate na especialidade.
9 - Os factos
Apurado que os órgãos de governo próprio da Madeira ou, mais precisamente, a respectiva Assembleia Legislativa Regional tinha o direito ser previamente ouvida pela Assembleia da República, relativamente aos preceitos da Lei 30-B/2000 e da Lei 30-C/2000 atrás enumerados [cf. supra, n.º 7.3] e definidos os termos em que tal audição deveria ter tido lugar, importa agora, para verificar se esta exigência constitucional pode ter-se por cumprida ou não, estabelecer os dados de facto para tanto relevantes, que se extraem dos elementos trazidos aos autos. Assim, pode assentar-se o seguinte:
O Presidente da Assembleia da República, nos seus despachos de 16 de Outubro de 2000, relativos à admissão das propostas de lei n.os 47/VIII (Grandes Opções do Plano Nacional para 2001) e 48/VIII (Orçamento do Estado para 2001), que vieram a converter-se nas Leis n.os 30-B/2000 e 30-C/2000, respectivamente, promoveu de imediato, quanto a ambas, «a audição dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas» (v. «resposta» dessa entidade e fotocópia dos mesmos despachos, junta com o «esclarecimento» complementar);
Em execução desses despachos, foi elaborado o ofício n.º 1317/GAB/00, de 16 de Outubro de 2000, do chefe do Gabinete do Presidente da Assembleia da República, enviando à Assembleia Legislativa Regional da Madeira, «para os efeitos constitucionais e estatutários pertinentes [...], «as propostas de lei n.os 47/VIII e 48/VIII [...], parte em suporte magnético e parte em texto» (fotocópia junta com o mesmo «esclarecimento»);
A saída desse ofício do Gabinete do Presidente da Assembleia da República, na mesma data (16 de Outubro de 2000), e com tal destinatário, consta do registo informatizado, inviolável, de entradas e saídas de correspondência desse Gabinete, sob o n.º 01317/2000 (ainda fotocópia junta com o dito «esclarecimento»);
Tal ofício não foi recebido pela Assembleia Regional da Madeira, como ficou esclarecido pela informação do requerente, a solicitação deste Tribunal, em ofício datado de 7 de Novembro de 2001, acima transcrito:
No dia 31 de Outubro e no dia 3 de Novembro de 2000, respectivamente, foram aprovados o relatório e parecer da Comissão de Economia, Finanças e Plano relativo à Proposta de Lei 47/VIII (Grandes Opções do Plano para 2000) e o relatório e parecer da mesma Comissão relativo à proposta de lei 48/VIII (Orçamento do Estado para 2000) (cf. Diário da Assembleia da República, 2.ª série-A, n.º 13, de 9 de Novembro de 2000);
Na reunião plenária de 6 de Novembro de 2000, iniciou-se a discussão conjunta, na generalidade, das duas propostas de lei em causa, o que havia sido anunciado pelo Presidente da República no anterior dia 3, debate que prosseguiu nos imediatos dias 7 e 8, e encerrou, neste último dia, com a correspondente votação, em que ambas as propostas foram aprovadas (cf. Diário da Assembleia da República, 1.ª série, n.os 20, 21 e 22, de 7, 8 e 9 de Novembro de 2000);
Nos dias 9, 10, 13, 14, 15, 16, 17, 21 e 22 de Novembro de 2001, reuniu a Comissão de Economia. Finanças e Plano para discutir e votar na especialidade as propostas de lei n.os 47/VIII e 48/VIII (cf. Diário da Assembleia da República, 2.ª série-A, n.º 16, suplemento, de 30 de Novembro de 2000, contendo o respectivo «relatório»);
No dia 22 de Novembro de 2001, a Comissão votou e aprovou o artigo 7.º da proposta de lei 47/VIII, que veio a ser o artigo 7.º da Lei 30-B/2000, e o texto do «documento anexo», contendo as Grandes Opções do Plano para 2001 [cf. Diário da Assembleia da República, 2.ª série-A, cit., p. 318-(2), e Diário da Assembleia da República, 2.ª série-C-GOP-OE, n.º 9, de 23 de Novembro de 2000; para o texto inicial da proposta, v. Diário da Assembleia da República, 2.ª série, suplemento, de 17 de Outubro de 2000];
No dia 22 de Novembro de 2000, a Comissão votou e aprovou o artigo 8.º da proposta de lei 48/VIII (Orçamento do Estado para 2001), correspondente ao artigo 9.º da Lei 30-C/2000 [cf. cit. Diário da Assembleia da República, 2.ª série-A, n.º 16, suplemento, de 30 de Novembro de 2000, p. 318-(5) e Diário da Assembleia da República, 2.ª série-C-GOP-OE, n.º 9, de 23 de Novembro de 2000; para o texto inicial da proposta, v. Diário da Assembleia da República, 2.ª série, 2.º suplemento, de 17 de Outubro de 2000];
A Comissão, no cumprimento do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 14.º da Lei 6/91, de 20 de Fevereiro (enquadramento do Orçamento do Estado), deliberou remeter para discussão, apreciação e votação no plenário da Assembleia da República, inter alia, o artigo 5.º e o artigo 69.º da proposta de lei 48/VIII, preceitos que vieram a converter-se nos artigos 5.º e 78.º da Lei 30-C/2000 [cf. Cit. Diário da Assembleia da República, 2.ª série-A, n.º 16, suplemento, de 30 de Novembro de 2000, p. 318 (2)-(4)];
O Gabinete do Presidente da Assembleia da República «só teve a percepção da possibilidade de extravio ou qualquer outra razão impeditiva da normal recepção» dos ofícios dirigidos às Assembleias Legislativas Regionais dos e da Madeira, corporizando a audição destes sobre as propostas de lei n.os 47/VIII e 48/VIII, determinada pelo despacho de 16 de Outubro, quando para tal foi advertido («resposta» do Presidente da Assembleia da República);
Face a essa eventualidade, e de imediato, o mesmo Gabinete enviou, no dia 23 de Novembro de 2000, àquelas Assembleias Legislativas Regionais, por e-mail e telecópia, os ofícios n.os 1461/GAB/00 e 1462/GAB/00, respectivamente, corporizando novamente a audição desses órgãos sobre as propostas de lei em causa (cf. a mesma «resposta» e fotocópia do ofício dirigido, por telecópia, à Assembleia Legislativa Regional da Madeira, junto com o «requerimento inicial»);
Sobre este último ofício foi exarado, no dia imediato (24 de Novembro), um despacho do Presidente da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, remetendo-o «à 2.ª Comissão Especializada» dessa Assembleia (cf. fotocópia referida), o que foi feito em ofício datado de 27 de Novembro de 2000, do «chefe do Gabinete da Presidência da ALRM». No seguimento, porém, este órgão legislativo regional não chegou a emitir qualquer pronúncia sobre os diplomas em causa (no ofício n.º 09/7.3.2.2., de 28 do mesmo mês, dirigido ao chefe de Gabinete do requerente, o Presidente daquela Comissão dá conta de uma reunião no dia anterior, em que «foi aprovada por maioria» uma deliberação na qual se regista que «é extemporâneo o presente pedido de parecer» por «terem decorrido já todas as votações na especialidade em Comissão na Assembleia da República, tendo as propostas de lei subido já hoje para o Plenário da Assembleia da República para as votações finais», o que corresponde «em termos práticos, aos efeitos de não audição da Assembleia Legislativa Regional com as consequências e cominações previstas no artigo 9.º da Lei 40/96, de 31 de Agosto» e daí ter-se deliberado «não dar parecer»);
Em 26 de Novembro de 2000, a Comissão de Economia da Assembleia Legislativa Regional dos Açores emitiu parecer sobre as propostas de lei n.os 47/VIII e 48/VIII, que foi remetido à Assembleia da República (cf. Diário da Assembleia da República, 2.ª série-A, n.º 16, de 30 de Novembro de 2000, pp. 317-318);
Em 27 de Novembro de 2000, iniciou-se, no Plenário da Assembleia da República, a discussão e votação, na especialidade, da proposta de lei 48/VIII (Orçamento do Estado), a qual prosseguiu nos imediatos dias 28 e 29, finda a qual se procedeu, neste último dia, à votação final global, tanto dessa proposta de lei, como, e primeiro, da proposta de lei 47/VIII (cf. Diário da Assembleia da República, 1.ª série, n.os 23, 24 e 25, de 28, 29 e 30 de Novembro de 2000, respectivamente):
No tocante, em particular, às normas em apreço neste processo, e cuja apreciação a Comissão remetera para o Plenário (cf. supra), foram discutidos e votados: o n.º 44 do artigo 5.º da proposta de lei 47/VIII, que veio a ser o n.º 45 do artigo 5.º da Lei 30-C/2000, em 27 de Novembro (cf. cit. Diário da Assembleia da Repúblca, 1.ª série, de 28 de Novembro de 2000, pp. 814 e segs.), e o artigo 69.º da mesma proposta, que veio a ser o artigo 78.º da Lei, em 28 de Novembro (cit. Diário da Assembleia da República, 1.ª série, de 29 de Novembro de 2000, pp. 922 e segs.).
Registe-se ainda que o suplemento e o 2.º suplemento, do Diário da Assembleia da República, 2.ª série-A, n.º 5, contendo, respectivamente, as propostas de lei 47/VIII (Grandes Opções do Plano para 2001), e n.º 48/VIII (Orçamento do Estado para 2001), foram objecto de distribuição no dia 23 de Outubro de 2000.
10 - Conclusão
10.1 - Confrontados os factos que ficam descritos com as exigências, acima enunciadas (supra, n.º 8), que devem ser preenchidas para que, numa situação como a sub judicio, possa dizer-se cumprido o dever de audição dos órgãos regionais, logo se vê que a primeira questão que se coloca é a de saber qual o relevo que há-de atribuir-se ao facto de, no órgão de soberania sobre o qual tal dever recaía, quem de direito (no caso o Presidente da Assembleia da República) haver promovido essa audição, de, no seguimento de tal determinação, haverem sido praticados os actos ou diligências tendentes a executá-la e adequados a que a mesma audição se realizasse, e de isso ter ocorrido em tempo útil (ou seja, não para além do momento procedimental próprio e em termos de o órgão consultado ficar a dispor do prazo normal de 15 dias, legalmente fixado e tido como razoável por este Tribunal, para se pronunciar).
Será isso suficiente para se ter por «consumado» o dever a que se refere o artigo 229.º, n.º 2, da Constituição da República, e de tal modo que será indiferente, para esse efeito, a ocorrência de factos subsequentes, como o extravio ou a perda de correspondência, impeditivos do recebimento, pelo órgão consultando, da correspondente comunicação, e das indicações e elementos que devam acompanhá-la?
Se a resposta for afirmativa, então - face à inquestionável demonstração, primeiro, de que o Presidente da Assembleia da República promoveu a audição dos órgãos legislativos regionais logo que admitiu as propostas de lei e, em seguida, de que as correspondentes comunicações foram expedidas pelo seu Gabinete - não pode deixar de concluir-se que, no caso sub judicio, tal dever foi cumprido. E tê-lo-á sido até por excesso - já que, de acordo com a doutrina oportunamente reiterada, ocorrendo o dever de audição apenas quanto a algumas normas específicas dos diplomas em causa, bastava que aqueles órgãos legislativos fossem ouvidos antes da discussão e votação na especialidade dessas normas, não sendo necessário que o fossem antes da apreciação na generalidade dos diplomas.
10.2 - É muito duvidoso, porém, que as coisas devam entender-se assim.
A verdade é que a audição dos órgãos regionais, previamente à tomada de decisões, pelos órgãos de soberania, em questões que lhes digam respeito, consubstancia um direito constitucional dos mesmos órgãos; ora, um tal direito não pode considerar-se suficientemente assegurado, ou dotado de efectiva consistência, se se entender que fica logo realizado com o desencadeamento da consulta pelo órgão a ela adstrito e com a prática, no âmbito deste último, dos actos ou diligências correspondentes. Neste âmbito (no âmbito interno do órgão consulente), tudo, pois, pode haver decorrido conforme o princípio constitucional exige; mas, se a sua comunicação não chegou ao órgão consultando, como pode este exercer o direito de pronunciar-se? Ou, perspectivando a situação de um outro ângulo: o risco de essa comunicação não chegar àquele órgão, sem culpa sua, e por força de qualquer circunstância a que o mesmo é alheio, há-de recair sobre ele? Se o símile pode ter algum cabimento, dir-se-á, como diz o artigo 224.º do Código Civil, que a «declaração negocial que tem um destinatário tornase eficaz logo que chega ao seu poder ou dele é conhecida» (n.º 1), salvo se que «só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida» (n.º 2).
Nesta outra visão das coisas, se o órgão ou os órgãos regionais em causa, sem darem azo a isso, e pese toda a diligência do órgão consulente, não chegaram a receber a comunicação corporizando a audição prevista no artigo 229.º, n.º 2, da Constituição da República, só há que concluir, por conseguinte, que objectivamente a audição deles não se realizou.
Voltando à hipótese sub judicio, significará isso, pois, que o despacho do Presidente da Assembleia da República, de 16 de Outubro de 2000, a determinar a audição da Assembleia Regional da Madeira sobre as propostas de lei n.os 47/VIII e 48/VIII, e o mais que imediatamente se lhe seguiu, há-de considerar-se irrelevante para o efeito de ter-se como realizada essa audição (e isto independentemente de saber se por parte dos dois órgãos intervenientes no processo de audição foram ou não tomadas todas as iniciativas exigíveis ao cumprimento daqueles deveres).
10.3 - Colocar-se-á então - nesta outra visão das coisas - uma segunda questão, qual a de saber se, de todo o modo, não deve considerar-se cumprido o dever de audição, ocorrente no caso, dos órgãos legislativos regionais, e, em particular, da Assembleia Regional da Madeira, com a iniciativa que nesse sentido tomou o Presidente da Assembleia da República, através do seu Gabinete, em 23 de Novembro de 2000. Ora, afigura-se que sim - mas só na medida, evidentemente, em que tal iniciativa ainda foi a tempo de proporcionar àqueles órgãos regionais a possibilidade de se pronunciarem, embora em prazo muito curto, sobre normas ainda não discutidas e votadas.
Na verdade, à relevância de tal audição não obsta o facto de a mesma haver sido suscitada já depois de discutidas e aprovadas na generalidade as propostas de lei n.os 47/VIII e 48/VIII: como se viu [supra, n.º 8.3], sendo abrangidos pelo dever de audição apenas certos e determinados preceitos dessas propostas, havia tão-só que assegurar essa audição antes da discussão e votação na especialidade destes específicos preceitos. A dificuldade, portanto, só podia estar em que, quanto a alguns, inclusivamente esta outra discussão e votação já havia tido lugar, entretanto, em Comissão, e, quanto aos outros, mediava um curtíssimo prazo, até a mesma se iniciar no Plenário.
Pois bem: quanto aos primeiros que constituem objecto do pedido - concretamente (e como se vê da cronologia factual estabelecida supra, no n.º 9.): o trecho do capítulo IV (2.ª Opção) do documento anexo à Lei 30-B/2000 (Grandes Opções do Plano), relativo às «Regiões Autónomas»; e os n.os 1 e 2 do artigo 9.º da Lei 30-C/2000 - decerto que esta segunda audição não podia senão considerar-se extemporânea e irrelevante. E de tal modo que, no tocante a esses preceitos, não resta senão concluir que não foi cumprida a exigência do artigo 229.º, n.º 2, da Constituição da República.
Já quanto aos restantes desses preceitos - concretamente (e de acordo com a mesma cronologia factual): o n.º 45 do artigo 5.º e o artigo 78.º da Lei 30-C/2000 - não se vê que a curteza do prazo deva ter-se como obstáculo inultrapassável à relevância da audição. É certo que o tempo que mediava entre a nova comunicação do Gabinete do Presidente da Assembleia da República (de 23 de Novembro) e o início da discussão na especialidade, no Plenário da Assembleia (em 27 de Novembro), eram apenas quatro dias - muito menos, portanto, do que o prazo para a audição na normalidade dos casos; mas a verdade é também que a lei - e justificadamente, como oportunamente se reconheceu: supra, n.º 8.3 - não deixa de prever a possibilidade de o prazo vir a ser mais reduzido, quando haja uma razão de urgência ou situação similar. Ora, afigura-se que esta razão de urgência ou situação similar é de ter por verificada no caso, atentas, desde logo, duas circunstâncias: por um lado, o facto de estar em causa matéria orçamental, cuja definição anual é imprescindível para o funcionamento do Estado e deve, em princípio, estar concluída antes do início do novo ano económico; por outro lado, o facto de a audição em prazo tão curto ter ficado a dever-se unicamente às vicissitudes ocorridas com a primeira comunicação, dirigida aos órgãos legislativos regionais, para se pronunciarem sobre os diplomas, vicissitudes a que procurou de imediato atalhar-se, logo que conhecidas. E a isto acresce que, devendo a audição incidir, em rigor, apenas sobre um conjunto muito limitado de normas específicas (e, aliás, repetidas de anos anteriores), não era de todo inviável aos órgãos legislativos regionais (como o não foi, efectivamente, à Assembleia Legislativa Regional dos Açores) pronunciar-se sobre elas no curtíssimo prazo de que dispuseram para o efeito. De resto, sendo certo que a ampla divulgação pública das propostas de lei já datava de 23 de Outubro, quando foram objecto de distribuição os suplementos ao Diário da Assembleia da República e a sua disponibilidade estava também na Internet, não pode deixar de se registar o dever de cooperação e colaboração que impende sobre os órgãos de soberania e os órgãos de governo regional, expressamente decorrente do n.º 1 do artigo 229.º e reflectido nos artigos 6.º e 9.º, alínea g), todos da Constituição.
À luz desse dever, todos aqueles órgãos devem estar atentos aos assuntos que tocam o território nacional e as Regiões Autónomas.
Assim, quanto às normas por último referidas, haverá de considerar cumprida a exigência do artigo 229.º, n.º 2, da Constituição da República.
IV - A segunda questão de constitucionalidade
11 - Remissão
A questão em epígrafe foi exaustivamente tratada pelo Tribunal, em aresto recente, relativo a norma similar do Orçamento do Estado para 2000, a saber, no Acórdão 532/2000 (no Diário da República, 1.ª série, de 27 de Dezembro de 2000).
Aí, a propósito dessa norma - a do artigo 93.º da Lei 3-B/2000, na parte relativa à Região Autónoma da Madeira, pode ler-se:
«13 - É imputada pelo requerente a esta norma - em que (recorde-se) se fixa em 5 milhões de contos o máximo de aumento do endividamento líquido da Madeira no ano corrente - a violação do 'princípio da proporcionalidade'.
Deverá assim pôr-se em relevo, antes de mais, que uma tal imputação (e a sua eventual procedência) tem como pressuposto um entendimento (que seria constitucionalmente imposto pelo princípio da autonomia financeira regional) de que o legislador do Orçamento do Estado não goza de uma 'absoluta' liberdade na fixação anual do limite máximo de aumento do endividamento das regiões: tal limite não poderia ser fixado em zero, nem sequer abaixo de um certo mínimo, tido como razoável (ou em que a possibilidade de endividamento ficasse reduzida a um valor negligenciável).
Por outro lado, vai implícita, na arguição de semelhante vício, a convicção de que o conhecimento dele (ou seja, o controlo da observância, no caso, do princípio da proporcionalidade) não excede o poder de cognição do Tribunal Constitucional.
Ora, não pode deixar de registar-se, desde logo, o facto de encontrarmos logo um precedente (pelo menos) que, se bem que ocorrido ainda no quadro do Decreto-Lei 336/90, contraria, na prática, a primeira das premissas enunciadas: assim, o disposto no artigo 7.º da Lei do Orçamento para 1991, atrás citado (supra, n.º 7), que proibia o aumento do endividamento líquido da Região (como, aliás, em outro quadro legal, fizera o artigo 6.º da Lei 101/89, de 29 de Dezembro - Lei do Orçamento para 1990 -, no âmbito do Programa de Reequilíbrio Financeiro da Região Autónoma da Madeira, em que o Estado suportou uma comparticipação extraordinária nos juros de dívida daquela Região correspondente a 50% do seu valor anual). Note-se que o artigo 26.º, n.º 3 da Lei 13/98 implica que seja proibido qualquer aumento de endividamento se o serviço de dívida total for igual ou superior a 25% das receitas correntes no anterior, com excepção das transferências e comparticipações do Estado.
Seja como for, sempre a extensão do controlo jurisdicional de constitucionalidade, em situações ou relativamente a normas como as sub judicio, terá de confrontar-se com inevitáveis limitações: é que se está (ser-se-ia tentado a dizer assim) perante uma norma jurídica em mero sentido 'formal', e em que se verte, sim, uma decisão, não só de carácter radical e essencialmente técnico político (no sentido de que é e não pode deixar de ser confiada ao saber técnico, à opção e ao critério de escolha e à responsabilidade do órgão e da maioria legislativa), como de política conjuntural.
Dir-se-á, pois, que, sob pena de o Tribunal agir ultra vires, só lhe cabe, para julgar aqui do respeito pelo princípio da proporcionalidade, controlar se o legislador excedeu a margem de discricionariedade que lhe está, nesta matéria, reservada.
Ora, a hipótese em apreço está longe de evidenciar uma violação do princípio da proporcionalidade; está longe de permitir que se afirme que o máximo de aumento de endividamento líquido, consentido à Região Autónoma da Madeira no ano de 2000 - e tão-só de limite de aumento de endividamento se trata -, foi fixado num valor excessivamente baixo (e muito menos 'negligenciável'); e certamente que o legislador se manteve dentro da margem de discricionariedade que lhe está reservada.
É certo que o requerente argumenta, comparando esse valor com os fixados ao longo do quinquénio de 1994-1998 e o correspondente valor médio, que se baixou para um terço deste. Só que, cabe contra-argumentar, nesse mesmo plano, que o limite máximo de aumento de endividamento líquido da Madeira (como também dos Açores) no ano de 1999 fora já fixado igualmente em 5 milhões de contos (artigo 80.º da Lei 87-B/98, de 31 de Dezembro).»
Ora, nada há a acrescentar ou a modificar agora, relativamente à doutrina geral que aí se fixou; por outro lado, o limite de endividamento das Regiões, estabelecido na norma ora em apreço, também não se mostra susceptível de um juízo, sob o ponto de vista da sua «razoabilidade» ou «proporcionalidade», diverso daquele que recaiu sobre o limite paralelo daquele outro Orçamento. Assim, resta unicamente remeter para quanto se disse no mencionado aresto, aderindo aos seus fundamentos, e concluir, consequentemente, que não se verifica a imputada violação, pelo artigo 78.º da Lei 30-C/2000, do princípio da autonomia política e da autonomia financeira regional.
V - Decisão
Termos em que, decidindo:
a) Não se conhece do pedido, no tocante ao trecho do capítulo I.3 do documento anexo à Lei 30-B/2000, de 29 de Dezembro (Grandes Opções do Plano para 2001), relativo ao «Programa Operacional Plurifundos da Região Autónoma da Madeira»;
b) Não se declara a inconstitucionalidade das normas do n.º 45 do artigo 5.º, nem do artigo 78.º da Lei 30-C/2000, de 29 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2001), a última na medida da sua incidência na Região Autónoma da Madeira;
c) Declara-se a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do disposto nos artigos 227.º, n.º 1, alínea v), e 229.º, n.º 2, da Constituição da República, do trecho do capítulo IV (2.ª Opção) do documento anexo à Lei 30-B/2000, de 29 de Dezembro (Grandes Opções do Plano para 2001), relativo às «Regiões Autónomas», na medida da sua incidência na Região Autónoma da Madeira;
d) Declara-se a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do disposto nos artigos 227.º, n.º 1, alínea v), e 229.º, n.º 2, da Constituição da República, dos n.os 1 e 2 do artigo 9.º da Lei 30-C/2000, de 29 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2001), na medida da sua incidência na Região Autónoma da Madeira.
Lisboa, 14 de Dezembro de 2001. - Guilherme da Fonseca - Maria Fernanda Palma - Maria Helena Brito - Alberto Tavares da Costa - Luís Nunes de Almeida - Artur Maurício - Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (vencida quanto à alínea b), no essencial, pelas razões das declarações de voto dos Conselheiros Bravo Serra e Mota Pinto) - Bravo Serra (vencido, nos termos da declaração de voto junta) - Paulo Mota Pinto (vencido, nos termos da declaração de voto junta) - José de Sousa e Brito (vencido, quanto à alínea b), pelas razões das declarações de voto dos Conselheiros Bravo Serra e Mota Pinto, excepto, quanto à do primeiro, na parte em que retoma dos fundamentos da sua declaração de voto no Acórdão 532/2000) - José Manuel Cardoso da Costa.
Declaração de voto
Votei vencido quanto ao juízo de não desconformidade constitucional constante da alínea b) da decisão, impondo-se, brevitatis causa, que indique as razões da minha dissensão.
1 - Assim, e em primeiro lugar:
Entendo que o dever constitucional, que impende sobre os órgãos de soberania dotados de poder legislativo, no sentido de, antes de editarem legislação concernente a matérias respeitantes às Regiões Autónomas, terem de ouvir estas, faz com que sobre os mesmos recaia a «responsabilidade» de prosseguirem uma actuação gizada em moldes tais que apontem no sentido de se assegurarem que a audição terá lugar.
Porém, e mesmo que, em face de uma concreta actuação, se conclua que, por banda do órgão de soberania, houve o desencadear de uma actividade que, tendo por perspectiva uma situação de normalidade, conduziria a que fossem efectuadas as diligências que, naquela perspectiva, se revelassem adequadas ao desiderato da audição, ainda assim, se esta não ocorreu, o «risco» de preterição do correspondente direito a ser ouvido recairá sobre o órgão legiferante.
Daí que, no caso em apreço, mesmo que se siga a óptica de harmonia com a qual houve, por parte do Presidente da Assembleia da República, o desencadeamento ou a prossecução de toda uma actividade que, na normalidade das coisas, levaria a que a audição da Região Autónoma da Madeira tivesse tido atempadamente lugar antes do debate parlamentar no que tange ao que veio, posteriormente, a ser editado como a normação ínsita no n.º 45.º do artigo 5.º e no artigo 78.º, ambos da Lei 30-C/2000, de 29 de Dezembro, tendo em conta que aquela audição, efectivamente, não ocorreu, opinei no sentido de dever considerar-se que o «risco» decorrente dessa não audição recaía sobre o Parlamento.
Por outro lado, não colhem, a meu ver, as razões, carreadas ao aresto de que esta declaração faz parte integrante e que conduziram a que, no mesmo, se concluísse que a iniciativa tomada pelo Presidente da Assembleia da República em 23 de Novembro de 2000 (aditada, aliás, à que tomou em 16 de Outubro do mesmo ano), ou seja, quatro dias antes de se iniciar o debate parlamentar na especialidade, tinha a virtualidade de ultrapassar a relevância da audição, atenta a circunstância de a Lei 40/96, de 31 de Agosto, não deixar de prever a possibilidade de o prazo de audição poder vir a ser mais reduzido quando haja uma razão de urgência.
E não colhem, a meu ver, pois que, de um lado, um tal raciocínio vem, ao fim e ao resto, a fazer com que aquilo que, primeiramente, não se tratava de uma matéria onde se não colocavam razões de urgência, seja «transmutado» em matéria que já impõe essas razões, «transmutação» essa que unicamente foi devida a eventos ou vicissitudes de todo em todo não conexionados com a matéria em causa.
De outro, uma proposta de lei de orçamento, como é facto notório, contém inúmeros, díspares e, as mais das vezes, complexos normativos, cuja análise se não compadece com um período de apenas quatro dias (de entre os quais se interpôs um «fim-de-semana»).
De outro, ainda, que, de todo o modo, na iniciativa tomada pelo Presidente da Assembleia da República, não foi minimamente indicado, quer que se impunha a urgência da audição, fazendo apelo, designadamente, ao disposto na parte final do artigo 6.º da mencionada Lei 40/96, quer que o início do debate parlamentar iria ter lugar no dia 27 de Novembro de 2000.
O prazo de quatro dias que mediou entre a falada iniciativa tomada em 23 de Novembro de 2000 e o início do debate parlamentar foi, destarte, a meu ver, manifestamente irrazoável, não permitindo à Assembleia Legislativa Regional da Madeira dispor do tempo necessário para, cabalmente, se pronunciar em tempo útil de forma a poder ser conhecida por parte do órgão parlamentar nacional a posição que, sobre as normas do que veio a ficar consagrado como o n.º 45 do artigo 5.º e do artigo 78.º da Lei 30-C/2000, tinha aquela Assembleia Legislativa Regional.
Neste contexto, aquelas duas normas deveriam ser julgadas inconstitucionais por violação do disposto nos artigos 227.º, n.º 1, alínea v), e 229.º, n.º 2, da lei fundamental.
Em segundo lugar, e pelo que respeita à questão da eventual inconstitucionalidade da norma vertida no já aludido artigo 78.º, que o presente acórdão considerou como não padecendo de um tal vício, continuo a sustentar a posição de que a mesma é desconforme ao diploma básico, utilizando, mutatis mutandis, os fundamentos que aduzi na declaração de voto aposta ao Acórdão 532/2000, na parte em que incidiu sobre normas de conteúdo similar à da ora em causa. - Bravo Serra.
Declaração de voto
Votei vencido, quanto à alínea b), por entender que também em relação aos preceitos contidos no n.º 45 do artigo 5.º e no artigo 78.º da Lei 30-B/2000 não se procedeu tempestivamente à audição da Assembleia Legislativa Regional da Região Autónoma da Madeira.
Tal conclusão dispensa, aliás, a apreciação da diligência exigível, não apenas a um bonus paterfamilias, mas a um órgão de soberania como a Assembleia da República na realização das comunicações destinadas a promover a audição dos órgãos das Regiões Autónomas - abordando, designadamente, a questão de saber se era de exigir que o envio não fosse efectuado por um meio que não deixa qualquer rasto comprovativo (correio simples), mas, pelo menos, por correio registado.
É que o prazo de quatro dias, de 23 a 27 de Novembro, para a Assembleia Legislativa Regional se pronunciar, é, sem dúvida, inaceitavelmente curto para poder considerar que a audição foi promovida tempestivamente. Basta, para o concluir, considerar que a comunicação para promoção da audição teve lugar naquele dia 23 que foi uma quinta-feira, e que não continha qualquer menção que fosse, nem à natureza urgente da audição. nem à existência de uma anterior (primeira) comunicação a promover a audição dos órgãos regionais - não recebida, não só na Região Autónoma da Madeira, mas também na Região Autónoma dos Açores, nem, sequer, qualquer indicação sobre a data da votação na especialidade daqueles preceitos, em relação aos quais se promovia a audição do órgão regional, data, essa, que, como se sabe, era a data limite para se poder considerar a audição ainda útil.
Julgar, nestas circunstâncias, que o prazo deixado para a audição - de quinta-feira para segunda-feira, com o fim-de-semana pelo meio - permite considerar que esta foi promovida ainda em tempo útil, não é apenas aceitar que a Assembleia Legislativa Regional da Madeira podia reunir os seus membros, discutir o teor dos preceitos e aprovar um parecer sobre eles nesse lapso de tempo, e que este podia ser remetido, recebido na Assembleia da República, discutido e considerado na votação na especialidade - tudo isto, de quinta-feira, 23 de Novembro, para segunda-feira, 27 de Novembro. Pressupõe, também, ou que aquele órgão regional tem sempre o ónus de responder com esta rapidez, ou que, ao receber na quinta-feira a comunicação a promover a sua audição, tinha o ónus de adivinhar a data limite (votação na especialidade das normas em causa) e a consequente urgência da audição - sendo certo que alguns dos preceitos que interessavam à Região Autónoma haviam até já sido votados na especialidade (aqueles a que se reportam as alínea c) e d) da presente decisão) -, uma vez que nada disto lhe foi comunicado, e que tal omissão não é susceptível de ser colmatada apenas pela alusão a um geral «dever de cooperação e colaboração», ou de «estar atentos» aos assuntos que tocam o território nacional e as Regiões Autónomas, que impende sobre os órgãos de soberania e os órgãos de governo regional.
É evidente que nenhum dos pressupostos referidos é aceitável. Pelo que fui forçado a concluir que, neste ponto, a orientação reflectida na presente decisão tem aluda como resultado prático permitira postergação do direito de audição das Regiões Autónomas, garantido na Constituição da República.
Não podia acompanhar uma tal decisão. - Paulo Mota Pinto.