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Assento , de 18 de Maio

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Sumário

Não é susceptível de beneficiar da redução do negócio jurídico previsto no artigo 292.º do Código Civil o pacto social de uma sociedade constituída entre advogados e não advogados cujo objecto inclua actividade própria de advogado

Texto do documento

Assento

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça em tribunal pleno:

Por escritura pública de 25 de Setembro de 1978, constituiu-se a sociedade por quotas ADJURIS - Associação de Juristas Reunidos, Lda., estatuindo-se no artigo 3.º do pacto social (fls. 81 e segs.):

Constitui seu objecto a prestação de serviços de carácter jurídico, nomeadamente de consultadoria jurídica e fiscal, podendo, por simples deliberação da assembleia geral, dedicar-se ao exercício de qualquer outra actividade não exceptuada por lei.

Em assembleia extraordinária geral de uns dias depois - 11 de Outubro de 1978 - deliberou-se que tal disposição do pacto social englobasse também a prestação de serviços administrativos e burocráticos de apoio a advogados.

A ADJURIS - Associação de Juristas Reunidos, Lda., interpôs recurso para o tribunal pleno (fl. 15), nos autos de revista n.º 71377/1.ª Secção, em que foi recorrente e recorrida a INTER-HOTEL - Sociedade Internacional de Hotéis, S. A. R. L., por não se ter conformado com o acórdão aí proferido, porquanto o mesmo, que tem a data de 19 de Junho de 1984, está em manifesta oposição, no domínio da mesma legislação sobre a mesma questão fundamental de direito, com um anterior acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido, em 19 de Janeiro de 1984, no processo 70980/2.ª Secção.

Admitido o recurso (em 6 de Dezembro de 1984), os autos correram os vistos para julgamento da questão preliminar, apresentada a alegação legal.

Por decisão unânime, foi decidido que o processo - ora com o n.º 72664 - prosseguisse seus termos, por se verificar a oposição a que se refere o artigo 763.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Aí se disse:

1 - Dúvida não há que os dois invocados acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça foram proferidos no domínio da mesma legislação e que tomaram, relativamente à mesma questão fundamental de direito, face às regras aplicáveis da lei das sociedades por quotas, Estatuto Judiciário e Códigos Civil e Comercial, soluções opostas.

2 - Assim:

A) No Acórdão de 19 de Janeiro de 1984, em que a ADJURIS demandou a EDEC - Edificações Económicas, S. A. R. L., pedindo a condenação desta a pagar-lhe serviços prestados, discutido e apreciado o pacto social da demandante, foi decidido ser «só parcialmente nula a cláusula 3.ª do pacto na parte especificada», consultadoria jurídica e fiscal, assegurando-lhe, consequentemente, personalidade jurídica e judiciária;

B) No Acórdão de 19 de Junho de 1984, em que a mesma ADJURIS demandou a INTER-HOTEL - Sociedade Internacional de Hotéis, S. A. R. L., para pagamento de serviços prestados, veio a julgar-se ser nulo o mesmo e referido pacto social da demandante, não gozando ela de personalidade jurídica, nem, consequentemente, dotada de personalidade judiciária.

O recorrente apresentou a sua alegação sobre o objecto do recurso, concluindo que deve lavrar-se assento em que se fixe:

a) O pacto social da requerente está ferido de mera nulidade parcial, pois o seu objecto social, aliás diversificado, é só parcialmente nulo;

b) Sendo assim, como é, a recorrente tem personalidade jurídica e judiciária pelos seguintes fundamentos:

1) A sociedade recorrente tem um objecto social vago, amplo e diversificado, que pode abarcar a prática de várias actividades e vários actos jurídicos;

2) No seu objecto social compreende-se, até pela sua amplitude, a realização de actividades legais, que não são reprovadas por normas imperativas;

3) É o que sucede, nomeadamente, com o objecto do contrato celebrado com a recorrida, não estando, nessa parte, o pacto social da recorrente ferido de nulidade, à luz do disposto nos artigos 280.º do Código Civil e 61.º da lei das sociedades por quotas;

4) O objecto social da recorrente só é nulo na parte que se refere à consultadoria jurídica e fiscal;

5) Tal nulidade, meramente parcial, não afecta todo o pacto social e a própria recorrente, nomeadamente por força do disposto no artigo 292.º do Código Civil;

6) Em face das anteriores conclusões e do disposto nos artigos 2.º, 44.º e 61.º, § 4.º, da lei das sociedades por quotas, 108.º e 193.º do Código Comercial, 2.º, alínea b), do Decreto-Lei 42644, de 14 de Novembro de 1959, 157.º e 158.º do Código Civil e 5.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, a sociedade recorrente tem personalidade jurídica e judiciária;

7) Se das diversas actividades previstas em objecto social múltiplo ou diversificado somente uma delas é ilegal, não lhe é aplicável o disposto no artigo 61.º da lei das sociedades por quotas em termos de implicação da nulidade total do contrato social;

8) O acórdão proferido violou não só as normas jurídicas na conclusão 6.ª, como também, e fundamentalmente, o disposto nos artigos 280.º e 292.º do Código Civil e 61.º da lei das sociedades por quotas.

O Sr. Procurador-Geral-Adjunto, no seu bem elaborado parecer a fls. 64 e seguintes, entende que deve confirmar-se a decisão recorrida, lavrando-se assento cujos termos podem ser, aproximadamente, os seguintes:

É nulo o pacto social de sociedade por quotas constituída antes da vigência do Decreto-Lei 513-Q/79, de 26 de Dezembro, cujo objectivo inclui, além do mais, actividade própria de advogado, nulidade que não pode beneficiar da redução prevista no artigo 292.º do Código Civil.

Os autos correram os vistos legais.

Nos termos do n.º 3 do artigo 766.º do Código de Processo Civil, o acórdão que reconheça a existência de oposição não impede que o tribunal pleno, ao apreciar o recurso, decida em sentido contrário.

Não é esse o caso. A oposição existe realmente, como se salientou.

Cumpre, pois, decidir.

Diz, em conformidade com o decidido, o douto parecer do ilustre magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal que o acórdão recorrido se estribou fundamentalmente nos artigos 280.º, 286.º e 289.º do Código Civil, 61.º, n.º 4, da lei das sociedades por quotas e 114.º, n.º 3, do Código Comercial. O acórdão fundamento teve por base primordial o artigo 292.º do Código Civil.

Não se deve também esquecer que aquando dos factos narrados nos dois acórdãos ainda não estava em vigor o Decreto-Lei 513-Q/79, de 26 de Dezembro, que institucionalizou as sociedades civis de advogados. Estavam, sim, em vigor ao tempo da constituição da ADJURIS o Estatuto Judiciário de 1962 e o Estatuto dos Solicitadores (Decreto-Lei 483/76, de 19 de Junho).

Afigura-se-nos importante iniciar a nossa «digressão» pelo artigo 280.º, n.º 2, do Código Civil (também aplicável aos actos jurídicos, ex vi do artigo 295.º do mesmo Código), o qual nos diz que «é nulo o negócio [jurídico] contrário à ordem pública ou ofensivo dos bons costumes».

Sendo certo que negócios jurídicos e actos jurídicos contrários aos bons costumes são também contrários à ordem pública (Vaz Serra, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 74, p. 198), vamos tentar definir a dita «ordem pública». Também o juiz não deve inspirar-se somente nas suas próprias ideias: deve antes pautar-se pelo que a generalidade das pessoas correctas, sãs e de boa fé entendem (loc. cit., p. 191) (v. ainda Manuel Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica - Lições ao 2.º Ano Jurídico, 1953, p. 98).

Muito se tem escrito sobre ordem pública. Seria fastidioso, por repetitivo, mencionarmos, um a um, os trabalhos consultados: J. A. Reis, Processos Especiais, II, pp. 174 e segs.; Cunha Gonçalves, Tratado, I, p. 410; RDES, n.º 27, p. 135; Revista da Ordem dos Advogados, n.º 43-1, p. 122; Mota Pinto, Teoria Geral da Relação Jurídica, Coimbra Editora, 1976, p. 434; Galvão Teles, Direito das Obrigações, 3.ª ed., p. 473; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 3.º, p. 473; P. Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, 1.º, p. 189; Revista de Legislação e de Jurisprudência, anos 99.º, p. 343, 103.º, p. 316, 104.º, p. 8, 108.º, p. 293, 108.º, p. 191, 111.º, p. 110, e 120.º, p. 62; Castro Mendes Teoria Geral, 1967, 3.º, p. 106; Vaz Serra, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 74 (estudo sobre o objecto das obrigações, prestações, suas espécies, conteúdo e requisitos), pp. 15-284, e Cabral Moncada, Lições de Direito Civil, II, 1932, p. 352.

Limitar-nos-emos a ligeiras transcrições daqueles que nos parecem mais clarificadores.

Mota Pinto diz-nos que a ordem pública é o conjunto de princípios fundamentais, subjacentes ao sistema jurídico que o Estado e a sociedade estão substancialmente interessados que prevaleçam e que têm uma acuidade tão forte que devem valer sobre as convenções privadas. Tais princípios não são susceptíveis de uma catalogação exaustiva, até porque a noção de ordem pública é variável com os tempos.

À mesma conclusão chegam Galvão Teles e Almeida Costa nos trabalhos acima mencionados.

Vaz Serra, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 74 (Março de 1958), no qual faz três exaustivos e extraordinários estudos, no primeiro dos quais (pp. 15-284) versa o objecto das obrigações, prestações, suas espécies, conteúdo e requisitos, fala-nos da ordem pública, como acima já referimos.

A fl. 137 diz-nos que é difícil dizer o que é ordem pública, quais são, em concreto, as suas regras, a que, por isso, não podem os particulares subtrair-se pelas suas convenções. Ela varia com os tempos.

Mas adianta que a distinção repousa na existência ou não de um interesse tão forte que deva prevalecer sobre as convenções privadas.

Quando o legislador - como dizem Planiol e Ripert - não teve o cuidado de proibir as derrogações a certas regras, há que determinar, para cada lei ou regra particular, se ela salvaguarda um interesse geral bastante poderoso para prevalecer sobre a liberdade das convenções (loc. cit., p. 137).

A certo passo da exemplificação que faz, Vaz Serra refere as leis que regulam o exercício de certas profissões com o fim de garantir o público contra a idoneidade de quem as exerce [alínea g), a p. 142]. São nulos os contratos que proporcionam ou favorecem o exercício delas com violação dessas leis (no mesmo sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Novembro de 1974, no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 241, p. 265).

Dissertando sobre a jurisprudência francesa, Vaz Serra acha justificada a associção de dois profissionais qualificados «que entra nos usos sem grande inconveniente» (profissionais do mesmo métier).

Entende, porém, que «uma sociedade para o exercício da profissão entre um diplomado e não diplomados deve ter-se como proibida».

O mesmo se dirá de uma sociedade entre duas pessoas que exercem profissões regulamentadas diferentemente, quando a prática de uma permite procurar clientes à outra (por exemplo, um advogado e um agente de negócios).

Reafirma Vaz Serra (p. 145) que as soluções parecem aceitáveis por inspiradas no cuidado de defender o público e no bem entendido interesse das profissões.

Diz ainda que, achando-se entre nós as profissões largamente regulamentadas, cabe, em grande parte, à legislação respectiva dizer se é permitida a associação entre profissionais qualificados.

Batista Machado (na citada Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 120.º, p. 62) diz -nos que por ordem pública deve entender-se o conjunto de princípios fundamentais imanentes ao ordenamento jurídico e formando as traves mestras em que se alicerça a ordem económica e social.

Como tais, estes princípios são inderrogáveis pela vontade contratual. A ordem pública representa, assim, o próprio quadro do funcionamento normal das instituições e rege tudo o que o direito entende não dever abandonar à vontade dos indivíduos. A sua função caracteriza-se como limitadora da vontade contratual.

Entendida a ordem pública nos termos acabados de expor, vejamos o que nos diz a sociedade por quotas constituída no 12.º Cartório Notarial de Lisboa em 25 de Setembro de 1978 (fls. 81 e segs.), devidamente registada:

a) Foi ela constituída por quatro identificados advogados e por um quinto outorgante, de nome António Jorge Nobre, sem qualquer profissão declarada;

b) Adoptou a denominação ADJURIS - Associação de Juristas, Lda.;

c) Constitui seu objecto a prestação de serviços jurídicos, nomeadamente de consultadoria jurídica e fiscal. Em aditamento - por assembleia geral extraordinária de 11 de Outubro de 1978 - foi deliberado que esta disposição do pacto social englobasse também a prestação de serviços administrativos e burocráticos de apoio a advogados.

Na época a que se reporta a constituição da sociedade e da alteração do pacto social, do contrato com a INTER-HOTEL e do que teve lugar com a EDEC, estavam em vigor o Estatuto Judiciário de 1962, a lei das sociedades por quotas, o Código Civil hoje vigente e o Estatuto dos Solicitadores, aprovado pelo Decreto-Lei 483/76, de 19 de Junho. [Ainda não tinha sido aprovado o Decreto-Lei 513-Q/79, de 26 de Dezembro, que estruturou o regime jurídico das sociedades de advogados, nem o Estatuto da Ordem dos Advogados (Decreto-Lei 84/84, de 16 de Março).]

Há que analisar, para já, o Estatuto Judiciário de 1962.

Este diploma, no seu título V (artigo 535.º), dizia que o mandato judicial estava restrito a advogados, candidatos à advocacia, inscritos na Ordem e solicitadores. Na sequência, o artigo 536.º limitava, com clareza, as procurações e substabelecimentos.

A disposição que se lhe seguia (artigo 537.º) imperativamente proibia o funcionamento de escritórios de procuradoria judicial ou similares (note-se bem: ou similares), ainda que sob a direcção de advogados ou solicitadores.

É evidente que não se quis proibir a advogados e solicitadores que estes montassem os seus escritórios: teve-se apenas em vista escritórios de procuradoria que, mesmo no caso de serem dirigidos por aqueles profissionais do foro, a eles não pertencessem (parecer aprovado pelo Conselho da Ordem de 27 de Maio de 1946, Revista da Ordem dos Advogados, VI, p. 451, salientado no acórdão recorrido).

De tudo isto se infere a inequívoca determinação do legislador em não autorizar a intervenção nos mesmos de indivíduos sem qualificação, para defender, obviamente, a nobreza das profissões de advogado e solicitador.

Conclusivamente se dirá que, existindo a norma proibitiva dos escritórios (artigo 537.º), nos termos acima explicitados, também estavam proibidos os demais actos, fossem ou não praticados no escritório, ex vi dos artigos 549.º e 700.º do Estatuto Judiciário, fortemente penalizadores, como se salienta também no acórdão recorrido.

Que dizer do Estatuto dos Solicitadores?

Nasceu em 1976 e com regras claras e rigorosas.

O diploma que o institucionalizou (artigo 25.º) admitiu a possibilidade de constituição entre solicitadores, e (ou) com outros mandatários judiciais, de sociedades perfeitamente delimitadas no artigo 61.º

Posteriormente, as sociedades civis de advogados (Decreto-Lei 513-Q/79, já mencionado) são constituídas só por advogados (como decorre do preâmbulo e do texto do diploma), os quais participam da indústria e poderão, no todo ou em parte, participar no capital (artigo 8.º).

Assim, também, regras claras e rigorosas.

Num e noutro caso, as sociedades a constituir são pautadas por regras bem claras, na sequência da legislação anterior.

Que dizer do acórdão fundamento?

É evidente que nos merece o mesmo respeito que o acórdão recorrido, dado o brilho emprestado à sua fundamentação. Escusado seria enaltecê-lo.

Certo que no objecto social se compreende, atenta a sua amplitude, a realização de actos que não poderão integar-se na esfera da advocacia e solicitadoria, sendo evidente que a prestação de serviços administrativos e burocráticos e de apoio a advogados não pode enquadrar-se nas funções próprias de advogado e solicitador e muito menos actos de índole mercantil permitidos pela já mencionada deliberação da assembleia geral de 11 de Outubro de 1978.

Quanto a esta primeira parte, não esquecer que o douto acórdão fundamento refere que a sociedade «pode execer qualquer outra actividade não exceptuada por lei», o que é assaz vago.

O mesmo acórdão fundamento refere que o ter-se mencionado «a prestação de serviços de carácter jurídico, nomeadamente os de consultadoria jurídica e fiscal», se reveste de certa delicadeza.

Mas ultrapassa-se o problema, já que no contrato com a EDEC (em causa nesses autos) se diz que, «sempre que nos referidos serviços se incluam os de procuradoria forense ou solicitadoria, os mesmos serão exclusivamente prestados individual ou conjuntamente pelos advogados sócios da ADJURIS. Não houve, assim, intenção de compreender o mandato ou procuradoria judicial, já que a clásula 3.ª termina por excluir qualquer outra actividade que a lei afaste ou vede e o mandato ou procuradoria judicial só pode ser exercido por advogado, candidato à advocacia ou solicitador (artigo 536.º do Estatuto Judiciário então em vigor e acima referenciado).

Pelo que se refere aos serviços de carácter jurídico extrajudicial, argumenta-se com o preceituado nos artigos 542.º, n.os 4 e 3, do Estatuto (consultores ou equivalentes e professores de Direito), 574.º, n.º 2, alíneas d) e o), 580.º, alínea d), e 537.º, n.º 5, todos do mesmo Estatuto, nos quais existem referências a actividades que se inserem no exercício do mandato judicial, de agir relacionado com causa ou demanda pendente.

Intereressando, nesta parte, aquilo que não ocorre no exercício do patrocínio judicial, chama-se a atenção para a circunstância (vindo à liça o Acórdão de 21 de Abril de 1960 do Conselho Superior da Ordem dos Advogados e o Prof. Palma Carlos, em parecer aprovado em 29 de Maio de 1947 pelo Conselho Geral da Ordem) de que extrajudicialmente as funções de advocacia se consubstanciam no campo jurídico em dar consultas e pareceres, exercer mandato ou procuradoria, aconselhar, elaborar minutas de convenções, a estabelecer por título particular ou notarialmente, e praticar actos necessários à defesa dos direitos dos constituintes.

Chama-se também a atenção para o parecer da Procuradoria-Geral da República de 30 de Junho de 1947 (Boletim, n.º 4, pp. 66-69), em que se emite a opinião de que o artigo 515.º do Estatuto Judiciário não proíbe o funcionamento em associação de classe e semelhantes, de secções de contencioso dirigidas por advogados e destinadas a facilitar a defesa, mesmo judicial, dos interesses legítimos dos associados.

Diz-se ainda que a largueza que foi dada ao artigo 3.º do pacto social pode abranger actos ou actividades que nada se relacionam com os «actos próprios» de advocacia e solicitadoria, pelo que em relação a eles não se pode colocar a questão de nulidade da cláusula 3.ª referida e de todo o pacto.

Conclui o acórdão fundamento, dada a filosofia subjacente à sua construção, que só está ferida de nulidade a cláusula 3.ª do pacto no referente «à consultadoria jurídica e fiscal», por se tratar de actos próprios de advocacia, não se atingindo, pois, toda a cláusula nem o objecto social, globalmente considerado. Deve assim, em seu entender, atender-se ao preceituado no artigo 292.º do Código Civil, pese embora, na sua óptica, a lei não ter balizado com clareza a esfera da profissão de advogado e de solicitador e também achar necessário que a pessoa que exerce a procuradoria judicial inspire confiança nas pessoas que dela careçam, mercê da dignidade e competência profissional ou técnico-jurídica que o mandato impõe.

Que dizer de tudo isto?

Explicitadas as disposições do artigo 280.º, n.º 2, do Código Civil e as do Estatuto Judiciário de 1962, vigentes na época, falta-nos referir o artigo 61.º da lei das sociedades por quotas, que, no seu n.º 4, diz que é nulo o contrato social quando for nula, nos termos gerais, qualquer das estipulações a que se referem os n.os 2 e 3 desse artigo, entre os quais se conta, dada a remissão feita pelo artigo 114.º, n.º 3, do Código Comercial, a relativa ao objecto da sociedade.

Inclinou-se o acórdão fundamento para a nulidade parcial da cláusula, pelo que, nos termos do artigo 292.º do Código Civil, essa nulidade não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada.

Assim seria, vingando a sua tese, já que, como dizem Mota Pinto, Teoria Geral, 1967, p. 370, e Castro Mendes, Teoria Geral, 1967, 3.º, p. 106, «o contraente que pretender a declaração de invalidado total tem o ónus de provar que a vontade hipotética das partes, no momento do negócio, era neste sentido, isto é, que as partes teriam preferido não realizar negócio algum se soubessem que ele não poderia valer na sua integridade. Não se fazendo essa prova, ou em caso de dúvida, a invalidado parcial não determina a total».

Cremos, porém, e salvo o devido respeito pelo acórdão fundamento, que a sua solução não pode vingar, face aos argumentos contra ela expendidos e também aos decorrentes do acórdão recorrido.

Esqueceu-se fundamentalmente a ordem pública, contra cujos princípios vai o pacto, na sua globalidade, todo ele inquinado, enganoso do público, a começar na própria designação, Associação de Juristas Reunidos, misturado nos quais aparece um indivíduo com profissão totalmente desconhecida, e a acabar no seu objecto vago e impreciso, a coberto dos ditos juristas reunidos. Estranha simbiose em que cinco sócios, dos quais quatro são advogados, fazem contratos de prestação (com carácter de permanência e regularidade) de serviços administrativos e burocráticos, do âmbito da sua secção de contencioso e de apoio aos seus advogados.

Onde «a bondade» do exercício de uma actividade (tão imprecisa), a respeitar os princípios fundamentais imanentes ao ordenamento jurídico, de forte acuidade e esclarecendo sobre a idoneidade de quem a exerce?

Temos assim, para nós, que a constituição da sociedade por quotas ADJURIS - Associação de Juristas Reunidos, Lda., se baseia num pacto nulo, por contrário à ordem pública, não gozando, consequentemente, a dita sociedade nem de personalidade júridica nem judiciária (artigo 5.º do Código de Processo Civil.)

Os casos (ou situações) referidos nos serviços de carácter jurídico extrajudicial pelo acórdão fundamento não invalidam o que vem de dizer-se, já que, em nosso entender, não colidem com a ordem pública.

Pelo exposto, negamos provimento ao recurso e formulamos o seguinte assento:

Não é susceptível de beneficiar da redução do negócio jurídico previsto no artigo 292.º do Código Civil o pacto social de uma sociedade constituída entre advogados e não advogados cujo objecto inclua actividade própria de advogado.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 9 de Março de 1989. - José Calejo - José Domingues - Brochado Brandão - Eliseu Figueira - Barbosa de Almeida - Abel Delgado - Mendes Pinto - Vasco Tinoco - Castro Mendes - Mário Afonso - Baltazar Coelho - Sousa Macedo - Pinto Ferreira - Ferreira da Silva - Barros de Sequeiros - Jorge Vasconcelos - Lopes de Melo - Ferreira Vidigal - Solano Viana - Villa Nova - Licínio Caseiro - Júlio Santos - Manso Preto - Gama Prazeres - Gama Vieira - Alcides de Almeida - Meneres Pimentel - Soares Tomé - Salviano de Sousa - Joaquim Gonçalves - Cura Mariano - Fernandes Fugas - José Saraiva - Tinoco de Almeida (com a declaração de que da redacção do assento devia constar a sua aplicabilidade somente às sociedades constituídas antes da vigência do Decreto-Lei 513-Q/79, de 26 de Dezembro, uma vez que só essas sociedades estavam em causa nos acórdãos em conflito) - Lima Cluny (vencido. Com o devido respeito, não encontro na fundamentação do presente acórdão qualquer argumento que me convença da impossibilidade de aplicar à situação discutida a redução prevista no artigo 292.º do Código Civil. Pelo contrário, abrangida, em sede de nulidade parcial, a parte do pacto social relacionada com actividades próprias da profissão de advogado, a parte que subsistiria do mesmo não seria, de qualquer modo, ofensiva dos princípios de ordem pública. Por tal motivo, teria preferido a doutrina do acórdão fundamento, que, aliás, subscrevi).

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2486431.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1959-11-14 - Decreto-Lei 42644 - Ministério da Justiça - Direcção-Geral dos Registos e do Notariado

    Actualiza disposições privativas do registo comercial e publica, am anexo, a tabela de emolumentos do registo comercial.

  • Tem documento Em vigor 1976-06-19 - Decreto-Lei 483/76 - Ministério da Justiça - Gabinete do Ministro

    Aprova o Estatuto dos Solicitadores.

  • Tem documento Em vigor 1979-12-26 - Decreto-Lei 513-Q/79 - Ministério da Justiça

    Estrutura o regime jurídico dos Advogados.

  • Tem documento Em vigor 1984-03-16 - Decreto-Lei 84/84 - Ministério da Justiça

    Aprova o novo Estatuto da Ordem dos Advogados, procedendo à revisão da matéria constante do capítulo V "do mandato judicial" do Estatuto Judiciário.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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