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Assento , de 27 de Outubro

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Sumário

O exercício da faculdade conferida pelo artigo 84.º, n.º 2, do Código das Expropriações (Decreto-Lei n.º 845/76, de 11 de Dezembro) não depende da alegação e prova da insuficiência de meios financeiros para a entidade expropriante efectuar de imediato o pagamento da totalidade da indemnização

Texto do documento

Assento

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, funcionando em plenário:

O Acórdão deste Supremo Tribunal de 17 de Maio de 1984, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 337, a pp. 252 e seguintes, decidiu que o exercício da faculdade, conferida pelo artigo 84.º, n.º 2, do Código das Expropriações, de certas entidades efectuarem em prestações o pagamento das indemnizações devidas por expropriação por utilidade pública não depende da alegação e prova da sua insuficiência financeira.

Em Acórdão de 31 daquele mês, publicado no mesmo número do Boletim, a pp. 260 e seguintes, o Supremo julgou, diferentemente, que o exercício de tal faculdade depende da alegação e prova da insuficiência de meios financeiros para a expropriante pagar imediatamente a totalidade da indemnização.

Alegando que, em relação à mesma questão fundamental de direito, os dois acórdãos assentam sobre soluções apostas, a Câmara Municipal da Amadora recorre para o tribunal pleno do de 31 de Maio, proferido nos autos de expropriação por utilidade pública em que são expropriante a ora recorrente e expropriada Maria Efigénia Cardoso da Silva Sotto Mayor.

A 1.ª Secção declarou existir a oposição que serve de fundamento ao recurso (acórdão a fls. 31-32).

A recorrente remata a sua alegação sobre o objecto do recurso afirmando dever «extrair-se assento que, de harmonia com o douto Acórdão de 17 de Maio de 1984, declare que os expropriantes pessoas colectivas de direito público têm, em regra, o direito de pagar em prestações a indemnização devida pelas expropriações, não carecendo de alegar e provar, para esse efeito, a sua insuficiência financeira».

Por sua vez, a recorrida, a encerrar a alegação que produziu, formula as conclusões que passam a transcrever-se:

1 - Verifica-se que em ambos os casos dos acórdãos em apreço as entidades expropriantes violaram o disposto nos artigos 91.º, n.º 2, e 87.º do Código das Expropriações, pelo que só com este fundamento deverá ser mantida a negação da revista no acórdão recorrido.

2 - Caso se entenda que existe conflito de jurisprudência em parte da fundamentação do acórdão recorrido, deverá então lavrar-se assento, ainda que esta resolução do conflito não tenha utilidade alguma para o caso concreto em litígio, por ter de subsistir a decisão do acórdão recorrido por via do fundamento indicado supra (artigo 768.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).

3 - A melhor doutrina deve extrair-se do acórdão recorrido e na matéria controvertida, sendo inequívoco que o pressuposto da capacidade financeira vertido no artigo 16.º do Código das Expropriações não é contraditório com a verificação da momentânea insuficiência financeira ou estrangulamento de tesouraria, situação que faculta à expropriante requerer o pagamento da quantia indemnizatória a prestações.

4 - O princípio geral de direito constante no artigo 763.º do Código Civil de que a prestação deve ser realizada integralmente, e não por partes, só sofre a derrogação do artigo 84.º do Código das Expropriações, verificados que sejam jurisdicionalmente os pressupostos da sua aplicabilidade.

5 - Da análise conjunta nos artigos 84.º e 85.º do Código das Expropriações emerge que compete à ponderação jurisdicional a apreciação da suficiência ou insuficiência financeira por parte da expropriante para pagar a quantia indemnizatória a pronto ou numa só prestação, a fixação do quantum de cada prestação e o seu número, em função das circunstâncias expostas às instâncias.

6 - Não só cumpre à entidade expropriante a evidenciação às instâncias administrativas e judiciais da efectiva existência da garantia da prestação (artigos 16.º, n.º 2, 91.º, n.º 2, e 87.º do Código das Expropriações), assim como a prova documental da orçamentação das verbas respectivas em cumprimento dos Decretos-Leis n.º 79/77 e 243/79.

7 - Em função dessa prova cumpre à entidade expropriante demonstrar que não lhe é possível, em face do seu orçamento, realizar integralmente a prestação, mas que garante o efectivo pagamento da prestação indemnizatória e respectivos juros compensatórios em prestações (artigos 84.º, 85.º, 86.º, 87.º e 91.º, n.º 2, do Código das Expropriações).

8 - Só nestes termos será cabalmente garantido o cumprimento do preceito constitucional do artigo 62.º, n.º 2.

E o Exmo. Magistrado do Ministério Público é de parecer que deve ser revogado o acórdão recorrido e solucionar-se o conflito de jurisprudência, lavrando-se assento, para que propõe a seguinte formulação:

A faculdade de requerer o pagamento da indemnização em prestações, prevista no artigo 84.º, n.º 2, do Código das Expropriações, não é dependente da prova da impossibilidade de pagamento imediato por parte daquelas entidades expropriantes.

Foram colhidos os vistos de todos os juízes do Tribunal.

Há agora que apreciar o recurso.

A primeira das conclusões formuladas pela recorrida relaciona-se com esta passagem da sua alegação (fl. 40 v.º):

Foi neste sentido que a ora recorrida considerou inexistir contradição de julgados [...], porquanto, tendo o Acórdão de 17 de Maio de 1984 decidido negar revista ao recurso da Câmara Municipal de Oeiras, considerando que esta, ao requerer o pagamento em prestações da indemnização arbitrada, não dera cumprimento ao preceituado no n.º 2 do artigo 91.º do Código das Expropriações, não está tal acórdão em contradição com o acórdão recorrido. Verifica-se igualmente que também e só com este último fundamento será de manter a negação da revista ao acórdão ora recorrido, sob pena, de, a não ser assim, existir então sim efectiva contradição de julgados.

Esta a razão pela qual se considera que deve este [...] Tribunal apreciar novamente a questão da existência da contradição de julgados, decidida pela Secção - e pode fazê-lo sem dúvida alguma [...]

Realmente, o artigo 766.º, n.º 3, do Código de Processo Civil declara que o acórdão que reconheça a existência da oposição não impede que o tribunal pleno, ao apreciar o recurso, decida em sentido contrário.

Mas a recorrida não tem, quanto a este ponto, razão, como de seguida se vai demonstrar.

O Acórdão de 17 de Maio ocupou-se de duas questões: aquela a que temos estado a fazer referência e, como nele se escreve, «a de saber se, face ao preceituado no n.º 1 do artigo 87.º do mesmo diploma [o Código das Expropriações], a proposta de garantir o pagamento das prestações através de consignação de receitas do expropriante terá de especificar em concreto qual a receita, ou receitas, a consignar, ou se, ao contrário, bastará propor a consignação genérica de todas as receitas da expropriante» (fl. 6 v.º). O Supremo teve então «como vazia» de sentido a pretensa consignação genérica de todas as receitas da Câmara ao pagamento das indemnizações, concluindo que «ao requerer nos presentes autos o pagamento em prestações, a ora recorrente Câmara Municipal de Oeiras não deu o devido cumprimento ao preceituado no n.º 2 do artigo 91.º do Código das Expropriações».

O Acórdão de 31 de Maio não tratou desta segunda questão, que não fora suscitada na revista. De modo que, relativamente a ela, não há, na verdade, nem podia haver, sombra de oposição entre os dois acórdãos.

Só que é outra a questão fundamental de direito acerca da qual se alega no presente recurso assentarem os Acórdãos de 17 e 31 de Maio de 1984 sobre soluções opostas. É, como se diz no acórdão a fls. 31-32, a de apurar se, para exercerem a faculdade conferida pelo artigo 84.º, n.º 2, do mesmo Código, têm as entidades aí referidas de provar que a sua situação económica e financeira lhes não permite o pagamento a pronto da importância da indemnização. Ora, quanto a estoutra questão, a recorrida nem sequer tenta mostrar que não se verifica a oposição que serve de fundamento ao recurso.

A oposição existe, sem dúvida, como a 1.ª Secção resolveu naquele acórdão a fls. 31-32.

Parece ter sido o Decreto-Lei 576/70, de 24 de Novembro, que pela primeira vez entre nós admitiu o pagamento em prestações (e em espécie) das indemnizações devidas pela expropriação por utilidade pública. «Como meio de facilitar o recurso à expropriação», lê-se no n.º 4 do preâmbulo do diploma. «Todavia», observa-se em seguida, «estas formas de pagamento são estabelecidas em termos equilibrados e prudentes, de modo que os expropriados não sejam prejudicados e o benefício social não seja obtido exclusivamente à sua custa ou com o seu especial sacrifício. Daí, designadamente, o quadro dos casos em que não pode ser imposto o pagamento em prestações e a necessidade de acordo para o pagamento em espécie». Quadro que aparece traçado no artigo 13.º, n.º 2, daquele decreto-lei.

O pagamento em prestações ou em espécie foi regulado pelo Decreto 332/72, de 23 de Agosto, cujos artigos 1.º, alínea c), e 2.º, n.º 1, falam do direito de o expropriante impor o pagamento da indemnização por aquela forma.

O Decreto 385/73, de 28 de Julho, que fixou as normas a observar nos casos de expropriação urgente requerida pelo Estado, autarquias locais ou serviços autónomos, determinou no seu artigo 1.º, n.º 1, que, nesses casos, o expropriante fosse investido na posse dos bens expropriados imediatamente após ter deduzido o seu direito ao pagamento em prestações e haver prestado a garantia de tal pagamento.

A esse direito se refere também o artigo 6.º do Decreto-Lei 56/75, de 13 de Fevereiro.

O artigo 13.º do Decreto-Lei 576/70 foi revogado pelo artigo 107.º, n.º 1, do Decreto-Lei 71/76, de 27 de Janeiro, que, no entanto, reproduz no seu artigo 81.º, embora com certas modificações, as normas daquele artigo 13.º

O Decreto-Lei 71/76 foi, por sua vez, revogado pelo artigo 128.º, n.º 1, do Código das Expropriações (Decreto-Lei 845/76, de 11 de Dezembro), que reuniu, «num diploma único devidamente sistematizado, toda a matéria relativa a expropriações». Nos termos do artigo 84.º, n.º 2, do Código, as pessoas colectivas de direito público, empresas públicas, nacionalizadas ou concessionárias de serviços públicos poderão efectuar em prestações o pagamento das indemnizações devidas por expropriação por utilidade pública, salvo nos casos indicados nas alíneas a) a e) desse n.º 2. O pagamento em prestações pode abranger a totalidade ou apenas uma parte dos quantitativos das indemnizações e será efectuado no prazo máximo de dez anos, podendo o montante das prestações variar de acordo com as circunstâncias, tendo especialmente em conta os encargos e as disponibilidades do expropriante e o montante das indemnizações (artigo 85.º). As quantias em dívida vencem juros, pagáveis anual ou semestralmente, sendo a taxa de juro a praticada pela Caixa Geral de Depósitos relativamente aos depósitos a prazo por períodos correspondentes (artigo 86.º). Os créditos respeitantes ao pagamento em prestações a realizar por autarquias locais, serviços autónomos, empresas públicas, nacionalizadas ou concessionárias de serviços públicos serão garantidos por qualquer dos seguintes meios (artigo 87.º, n.º 1):

a) Consignação de receitas do expropriante;

b) Aval do Estado;

c) Aval de outra entidade.

É facultado ao expropriante deduzir no processo o seu direito ao pagamento em prestações desde o momento em que se efectuar a remessa a juízo do processo de expropriação e até ao termo do prazo legal para depósito da indemnização, mas, no caso em que se verifique posse administrativa dos prédios expropriados, o exercício do direito terá de ser feito aquando da remessa a juízo do processo de arbitragem (artigos 91.º, n.º 1, e 92.º, n.º 1). No requerimento respectivo deve a expropriante indicar o modo de satisfazer as prestações e oferecer prova dos requisitos exigidos por lei, seguindo-se, no processo de expropriação ou por apenso a ele, conforme os casos, os trâmites do processo sumário, com algumas especialidades (artigos 91.º, n.º 2, e 93.º, n.os 1 e 4).

Em nenhum dos diplomas que acabam de ser mencionados se faz depender o exercício do direito ao pagamento em prestações da indemnização da incapacidade financeira da entidade expropriante para efectuar o pagamento da totalidade dela. Desde o Decreto-Lei 576/70 até ao Código das Expropriações em vigor, passando pelo Decreto-Lei 71/76, sempre se definiram em disposições muito precisas os casos em que o pagamento em prestações não é admissível e nunca entre esses casos se contou o de o expropriante poder pagar imediatamente a indemnização. O artigo 84.º, n.º 2, daquele Código diz, sem estabelecer qualquer restrição, que as entidades aí indicadas podem efectuar em prestações o pagamento da indemnização; não diz, por exemplo, que lhes é lícito fazê-lo quando provem não dispor de capacidade financeira para a pagarem na totalidade.

A capacidade financeira do expropriante só é referida a propósito da declaração de utilidade pública da expropriação (n.º 1 do artigo 16.º do mesmo diploma, que o Decreto-Lei 154/83, de 12 de Abril, deixou inalterado). E se o artigo 85.º fala dos encargos e disponibilidades do expropriante, em confronto com os quantitativos das indemnizações, não é para condicionar a faculdade de o pagamento ser efectuado em prestações, mas, diversamente, para estabelecer que o seu montante pode variar de acordo com as circunstâncias.

A expropriação por entidade pública só pode realizar-se, fora dos casos previstos na Constituição, mediante pagamento de justa indemnização (artigo 62.º, n.º 2, da Constituição da República). Que a expropriação confere ao expropriado o direito a receber uma justa indemnização também o declaram os artigos 1.º e 27.º, n.º 1, do Decreto-Lei 845/76. A indemnização é, pois, elemento essencial, pressuposto constitucional da expropriação por utilidade pública.

Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.ª ed., 1.º vol., p. 337), «a Constituição, embora não exija expressamente que a indemnização seja prévia à expropriação, parece exigir que ela seja um elemento integrante do próprio acto de expropriação ('mediante pagamento de justa indemnização')». Afirma, pelo seu lado, Oliveira Ascensão (Direito Civil - Reais, 4.ª ed., p. 222) que «a constitucionalidade das regras que permitem o parcelamento do preço é contestável. A Constituição só permite a expropriação mediante o pagamento da indemnização, não parecendo bastar a atribuição de um direito à indemnização». Já Fernando Alves Correia mostra não ter dúvidas acerca da constitucionalidade de tais regras, pois escreve (As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública, p. 159):

[...] o carácter prévio da indemnização em relação à entrada na posse dos bens por parte do beneficiário da expropriação nem sempre se verifica. De facto, algumas constituições actuais, entendendo embora a indemnização como requisito essencial da expropriação, deixaram de falar em indemnização prévia (v. g. Constituição Portuguesa de 1976, artigo 62.º, n.º 2; Constituição de Bonn, artigo 14.º, n.º 3).

O contrário acontece, por exemplo, em França, onde a indemnização, além de justa, tem de ser prévia.

Seja como for, não é da constitucionalidade da norma do artigo 84.º, n.º 2, do Código das Expropriações que nos cumpre conhecer aqui. A questão a resolver é antes, como já dissemos, a de saber se as entidades a quem se permite efectuarem em prestações o pagamento das indemnizações têm de provar que, dada a sua situação económica e financeira, estão impossibilitadas de pagar a pronto e de imediato ou se essa faculdade pode ser exercida sem qualquer limitação do género.

A função social atribuída à propriedade implica que ela sofra certas restrições. Uma delas é, exactamente, a expropriação por utilidade pública. Através da expropriação, um interesse particular é sacrificado ao interesse público. A expropriação tem como contrapartida o pagamento de uma indemnização, a qual, visando compensar o sacrifício suportado, em proveito da comunidade, pelo titular do direito, nada, no entanto, tem a ver com o instituto da responsabilidade civil; constitui, isso sim, um preço.

Dispõe o artigo 28.º, n.º 1, do Código das Expropriações que a justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pelo expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação. Prejuízo que se mede pelo valor real e corrente dos bens expropriados, e não pelas despesas que o expropriado haja de suportar para obter a substituição da coisa expropriada por outra equivalente.

Como observa Alves Correia (ob. cit., p. 161), «a Constituição e a lei garantem antecipadamente ao particular que não sofrerá qualquer dano patrimonial por efeito da expropriação sem a correspondente indemnização, independentemente do momento em que esta é paga» (itálico nosso). Necessário é, portanto, que a dilação no pagamento (mediante, nomeadamente, o parcelamento da indemnização) não se traduza num dano acrescido para o expropriado, que não vá prejudicar a justeza da indemnização. Oliveira Ascensão tem razão quando pondera (ob. e loc. cits.):

Esta matéria exige um equilíbrio sempre muito delicado. Não se pode avançar muito pelo caminho da restrição da indemnização, pois de outra maneira se atinge o princípio constitucional da isonomia, que excluiria que houvesse o sacrifício de um só para vantagem de todos. É ele que dá o fundamento último da exigência de indemnização.

Mas o pagamento da indemnização em prestações, nos termos em que a nossa lei o autoriza e regulamenta o seu uso, não vai lesar especialmente o expropriado nem atenta contra o princípio da igualdade perante a lei, consagrado no artigo 13.º, n.º 1, da Constituição. Com efeito, e como já vimos, as quantias que ficarem em dívida vencem juros, pagáveis anual ou semestralmente, sendo a taxa de juro a praticada pela Caixa Geral de Depósitos, relativamente aos depósitos a prazo por períodos correspondentes. E o exercício do direito de pagamento em prestações está sujeito ao apertado controle judicial que os artigos 85.º, 87.º, 91.º e seguintes do Código das Expropriações estabelecem.

Ao critério das entidades mencionadas no artigo 84.º, n.º 2, do mesmo Código fica apenas a opção pelo pagamento em prestações, e não também a determinação das condições concretas em que ele será realizado. Tal pagamento pode, sem dúvida, não ser admitido, designadamente, por se tratar de caso previsto nas alíneas daquele n.º 2 ou por o expropriante não fazer prova dos requisitos exigidos por lei (artigo 91.º, n.º 2). Não pode é ser negado por o expropriante dispor de capacidade financeira bastante para o efectuar de uma só vez, porquanto a lei em parte alguma exige semelhante requisito.

A regra do artigo 763.º, n.º 1, do Código Civil não tem aplicação ao caso.

Só que (voltamos a citar a dissertação de Alves Correia, a pp. 157 e 158-159) «a doutrina recente sustenta que as relações jurídicas que surgem do acto administrativo expropriatório e as suas consequências directas - incluindo a pretensão pecuniária - estão sujeitas às normas de direito público» e «a ideia de que entre o expropriante e o expropriado existe uma relação de débito-crédito não parece ser totalmente correcta». De modo que - acrescentamos nós - não deve equiparar-se a indemnização por expropriação a um vulgar direito de crédito.

De qualquer maneira, aquela regra, comporta excepções que o próprio artigo 763.º, n.º 1, prevê: a prestação deve ser realizada integralmente, e não por partes, excepto se outro for o regime convencionado ou imposto por lei ou pelos usos. O direito de certas entidades efectuarem em prestações o pagamento das indemnizações devidas por expropriação por utilidade pública constituiria uma dessas excepções.

A Câmara expropriante (era então a de Oeiras), ao requerer o pagamento da indemnização em prestações, alegando ser pública e notória a insuficiência dos meios financeiros das autarquias locais, disse que as prestações seriam garantidas, nos termos do artigo 87.º do Decreto-Lei 845/76, «por consignação de receitas da expropriante, conforme declaração junta». De tal declaração, emitida pela mesma Câmara, consta que o pagamento do montante da indemnização «será garantido pela consignação das suas receitas».

Por sentença que a Relação de Lisboa confirmou, o pedido de pagamento da indemnização em prestações foi indeferido. No acórdão da Relação, depois de se considerar que «competia à apelante [a Câmara] alegar e provar os encargos e as suas disponibilidades no sentido de se poder concluir que existia o direito de pagar a totalidade da indemnização apurada em prestações ou se apenas o poderia fazer em relação a uma parte dessa indemnização» e que ela (apelante) se limitou a alegar ser «pública e notória a insuficiência dos meios financeiros das autarquias», acrescenta-se:

Em primeiro lugar o que interessava não era que era público e notório que as autarquias locais padecem actualmente de insuficiência económica mas se ela existe. Em segundo lugar, o alegar-se «a insuficiência dos meios financeiros das autarquias locais» não é mais do que uma conclusão insusceptível de ser levado ao questionário e sujeita a qualquer meio de prova. Tornava-se indispensável que tivessem sido especificados factos concretos que nos permitissem chegar à conclusão de que a situação da autarquia local em causa quer no que respeita a encargos quer às disponibilidades era de tal natureza que impunha que fosse autorizado o pagamento total da indemnização em prestações.

Para além disso, não podemos deixar de reconhecer que é regra geral o pagamento das indemnizações a pronto e a dinheiro como alega a expropriada, e daí que tudo o que vá contra esta regra tenha carácter excepcional, competindo a quem aproveita a alegação dos factos fazer a prova da sua existência.

O que acaba de referir-se consta dos documentos ultimamente juntos aos autos (fls. 93 e seguintes e 105 e seguintes).

Daquele acórdão da Relação é que foi interposto o recurso de revista julgado pelo acórdão ora recorrido. A recorrente, ao alegar na revista, indicou como violadas as disposições dos artigos 84.º e 85.º do Código das Expropriações e do artigo 342.º do Código Civil. E foi apenas por entender que, efectivamente, cabia à expropriante «o ónus de prova sobre as circunstâncias que a impediam de pagar imediatamente a totalidade da indemnização» que o Supremo negou a revista. Na declaração de voto do juiz vencido é que se afirma não corresponder «à exigência de prova a que se refere o n.º 2 do artigo 91.º [do Código das Expropriações], quanto à garantia a que alude a alínea a) do n.º 1 do artigo 87.º, a simples declaração no sentido de que a Câmara consignou receitas - sem indicar quais - ao respectivo pagamento», só por isso se tendo votado a negação da revista.

Sendo assim, isto é, não tendo a Relação (como, aliás, a 1.ª instância) indicado (também) como razão de decidir a falta de oferecimento de prova dos requisitos exigidos por lei (citado artigo 91.º, n.º 2), o acórdão recorrido, que julgou nos termos indicados, não pode manter-se, uma vez que o conflito de jurisprudência vai ser resolvido em sentido oposto ao da doutrina que nele fez vencimento. O acórdão, como a recorrente diz na sua alegação, «poderia ser fundamentado unicamente na violação do disposto no artigo 91.º, n.º 2, do Código das Expropriações». Certo é, porém, que a sua fundamentação é outra. E não corresponde à verdade dizer-se que o acórdão recorrido «igualmente analisou» aquela violação, pois não o fez, limitando-se a consignar que «o expropriante, nos termos do artigo 91.º, n.º 2, do Decreto-Lei 845/76, deve referir o modo de satisfazer as prestações e oferecer prova dos requisitos exigidos pela lei» (fls. 16 e 25).

É claro que o tribunal pleno tem de restringir a sua actividade à apreciação do conflito cuja resolução lhe é pedida, não lhe sendo lícito decidir questões que poderiam ter sido, mas realmente não foram, levantadas em sede de recurso de revista.

Em conclusão: ao contrário do que a recorrida pretende, não se verifica a hipótese prevista no artigo 768.º, n.º 3, do Código de Processo Civil - não ter a resolução do conflito utilidade alguma para o caso concreto em litígio, por ter de subsistir a decisão do acórdão recorrido, qualquer que seja a doutrina do assento.

Nestes termos, dando-se provimento ao recurso e revogando-se, por consequência, o acórdão recorrido e, com ele, as decisões das instâncias, admite-se o pagamento em prestações da indemnização devida pela Câmara Municipal da Amadora a Maria Efigénia Cardoso da Silva Sotto Mayor e lavra-se o seguinte assento:

O exercício da faculdade conferida pelo artigo 84.º, n.º 2, do Código das Expropriações (Decreto-Lei 845/76, de 11 de Dezembro) não depende da alegação e prova da insuficiência de meios financeiros para a entidade expropriante efectuar de imediato o pagamento da totalidade da indemnização.

Custas, tanto nas instâncias como no Supremo (revista e recurso para o pleno), pela recorrida, a liquidar nos termos do artigo 126.º do Código das Custas Judiciais.

Lisboa, 13 de Julho de 1988. - Joaquim Augusto Roseira de Figueiredo - Pedro Augusto Lisboa de Lima Cluny - Silvino Villa-Nova - António Carlos Vidal de Almeida Ribeiro - Licínio Adalberto Vieira de Castro Caseiro - Augusto Tinoco de Almeida - Júlio Carlos Gomes dos Santos - José Alfredo Soares Manso Preto - Manuel Augusto Gama Prazeres - Cláudio César Veiga da Gama Vieira - António de Almeida Simões - João Alcides de Almeida - Manuel Alves Peixoto - João de Deus Pinheiro Farinha - João Augusto Pacheco e Melo Franco - João Solano Viana - José Manuel Meneres Sampaio Pimentel - Mário Sereno Cura Mariano - Joaquim José Rodrigues Gonçalves - Cesário Dias Alves - Jorge de Araújo Fernandes Fugas - António Alexandre Soares Tomé - Salviano Francisco de Sousa - Abel Pereira Delgado - José Saraiva - José Isolino Enes Calejo - António Poças - José Manuel de Oliveira Domingues - Eliseu Rodrigues Figueira Júnior - Adelino Barbosa de Almeida - José Alexandre Paiva Mendes Pinto - Vasco Eduardo Crispiano Correia de Lacerda Abrantes Tinoco - Mário Afonso - Afonso de Castro Mendes - Baltazar Coelho - Brochado Brandão (vencido quanto à oposição relevante de julgados, conforme declaração anexa).

Declaração de voto

Em ambos os acórdãos confrontados se requer o pagamento prestacional. Em ambos foi invocada a insuficiência económica para basear em prestações. Em ambos, finalmente, indeferiu-se esse modo de pagamento.

No primeiro - acórdão fundamento - a rejeição foi por violação do artigo 91.º, n.º 2, do Código das Expropriações (vazia de sentido a consignação genérica de receitas), sendo precisa a sua individualização (sentido restritivo). No segundo - o vencido - por a expropriante dever provar as circunstâncias que a impediam de pagar imediatamente (idem, 84.º, n.º 2, e LLV, 342.º, n.º 1).

Logo, a mesma solução com apoios distintos. Num caso, decidiu-se o sentido de possibilidade - «poderão efectuar» (cit. 84.º, n.º 2) -; no outro, o modo de garantia de prestações possíveis (Código das Expropriações, artigos 87.º, n.º 1, e 91.º, n.º 2).

É certo que no primeiro - o fundamento - discorre contrariamente à solução de vencido. Mas esse é um entendimento não decisório, por indiferente à solução dada. Já no segundo esse entendimento (diverso) fundamenta a decisão. E os tribunais comuns decidem causas (Constituição, artigos 205.º, 206.º e 210.º, e Código de Processo Civil, artigos 156.º, n.º 2, e 263.º, n.º 1) e só reflexamente doutrinam.

Mais concretamente, a oposição da mesma questão fundamental (763.º, n.º 1, cit.) respeita a soluções (decisões) e seus fundamentos. E não a considerações sem alcance decisório na hipótese onde foram produzidas.

Elucidativamente, bastava que o primeiro acórdão invertesse a ordem de apreciação das duas questões sobre que se debruçou para ficar prejudicada a da prova das circunstâncias impeditivas de pagamento imediato. E tanto assim é que o Exmo. Relator desse primeiro acórdão, dito em oposição, votou a decisão do segundo, demarcando-se naturalmente das razões deste, mas com apoio nos mesmos que o levaram a decidir no primeiro. Em abstracto a solução decisória do primeiro acórdão (se posterior) deixaria intocada a do segundo; só a consolidaria.

Para assim não ser, e salvo o devido respeito, foi-se buscar um «considerando» do acórdão fundamento - agora erigido em «solução» para assento - não só para o emitir como para revogar.

No mais, estou de acordo com o assento em si.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2486266.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1970-11-24 - Decreto-Lei 576/70 - Presidência do Conselho

    Define a política dos solos tendente a diminuir o custo dos terrenos para construção.

  • Tem documento Em vigor 1972-08-23 - Decreto 332/72 - Ministérios da Justiça e das Obras Públicas

    Regula o pagamento, em prestações ou em espécie, de indemnizações por expropriação.

  • Tem documento Em vigor 1973-07-28 - Decreto 385/73 - Presidência do Conselho

    Fixa normas a observar nos casos de expropriação urgente requerida pelo Estado, autarquias locais ou serviços autónomos.

  • Tem documento Em vigor 1975-02-13 - Decreto-Lei 56/75 - Ministérios da Justiça e do Equipamento Social e do Ambiente

    Adopta providências destinadas a acelerar os processos de expropriação dos solos para a instalação de novas áreas habitacionais e renovação de outras.

  • Tem documento Em vigor 1976-01-27 - Decreto-Lei 71/76 - Ministério da Justiça

    Procede à revisão da legislação sobre expropriações de utilidade pública.

  • Tem documento Em vigor 1976-12-11 - Decreto-Lei 845/76 - Ministérios da Justiça e da Habitação, Urbanismo e Construção

    Aprova o Código das Expropriações.

  • Tem documento Em vigor 1983-04-12 - Decreto-Lei 154/83 - Ministérios da Justiça e da Habitação, Obras Públicas e Transportes

    Altera vários artigos do Código das Expropriações.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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