Decreto Legislativo Regional 35/2008/A
Regime jurídico do ordenamento agrário
Considerando a necessidade de se continuar a aposta no reforço do ordenamento agrário, promovendo a reorganização predial e acentuando o investimento em infra-estruturas fundiárias;
Considerando que o emparcelamento rural e as demais acções de ordenamento agrário são instrumentos privilegiados na correcção da dispersão e da fragmentação da propriedade rústica, na configuração e no dimensionamento dos prédios e das explorações agrícolas;
Considerando que o processo de emparcelamento deve estar associado a um ordenamento criterioso, de modo a permitir a melhoria das condições dos sistemas de produção agrícolas, aumentando a viabilidade técnica e económica das explorações, garantindo ao mesmo tempo a manutenção da paisagem rural, do meio ambiente e do uso racional do solo:
Assim, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º da Constituição da República e da alínea c) do n.º 1 do artigo 31.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores decreta o seguinte:
CAPÍTULO I
Do ordenamento agrário
SECÇÃO I
Disposições gerais
Artigo 1.º
Objecto e âmbito
O presente diploma define o regime jurídico a que devem obedecer todas as acções no âmbito do ordenamento agrário na Região Autónoma dos Açores.
Artigo 2.º
Ordenamento agrário
1 - Ao Instituto Regional de Ordenamento Agrário, S. A. (IROA, S. A.), compete promover todas as acções relativas ao emparcelamento, bem como todas as acções no âmbito do ordenamento agrário, no que diz respeito às acessibilidades, electrificação e abastecimento de água às explorações, sem prejuízo do disposto no artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional 3/2007/A, de 24 de Janeiro.2 - Constituem acções de ordenamento agrário:
a) As acções de emparcelamento;
b) A infra-estruturação ao nível das acessibilidades, electrificação e abastecimento de água;
c) As medidas de incentivo à aquisição de terras e de fomento do rejuvenescimento de tecido empresarial agrícola;
d) A existência de reservas de terras;
e) A existência de um regime jurídico dissuasor do fraccionamento de prédios rústicos, quando dele resultarem unidades de área inferior à unidade de cultura mínima.
3 - As medidas de incentivo à aquisição de terras e de fomento do rejuvenescimento de tecido empresarial agrícola, enquanto acções de ordenamento agrário, são objecto de diploma específico.
4 - O Governo Regional poderá, ainda, criar incentivos ao emparcelamento através de mecanismos de apoio específicos à aquisição e ou arrendamento de terrenos rústicos, desde que daí resultem vantagens técnicas e económicas de exploração.
SECÇÃO II
Do emparcelamento
Enquadramento
Artigo 3.º
Definição
O emparcelamento é o conjunto de acções tendentes a corrigir a dispersão, a fragmentação, a configuração e a dimensão dos prédios ou das explorações agrícolas articulando-as com a promoção do aproveitamento racional dos recursos naturais, a salvaguarda da sua capacidade de renovação e a manutenção da estabilidade ecológica.
Artigo 4.º
Âmbito
1 - Quando a fragmentação, a dispersão ou o dimensionamento da propriedade rústica ou das parcelas de exploração determinem inconvenientes de ordem técnica, económica e social, poderão realizar-se operações de emparcelamento.2 - As acções de emparcelamento podem ser da iniciativa dos particulares, das organizações de produtores, das autarquias locais ou do IROA, S. A., nos termos do presente diploma.
Artigo 5.º
Operações de emparcelamento
Considera-se emparcelamento as seguintes operações de redimensionamento e reestruturação de terrenos, de aptidão agrícola ou florestal:a) O emparcelamento integral, que visa a recomposição predial de todos os terrenos situados no interior de perímetros previamente demarcados;
b) O emparcelamento simples, que visa o reagrupamento predial de terrenos pertencentes a diferentes proprietários, com a finalidade de melhorar as condições técnicas e económicas da exploração;
c) O emparcelamento de exploração, que visa a concentração de parcelas e ou prédios rústicos pertencentes ou não a diferentes proprietários mas explorados pelo mesmo rendeiro.
Artigo 6.º
Emparcelamento integral
O emparcelamento integral consiste na substituição de uma estrutura predial defeituosa da propriedade rústica por outra que, associada à realização de melhoramentos fundiários, permite:a) Concentrar a área de prédios ou suas parcelas pertencentes a cada proprietário no menor número possível de prédios, com transferência de direitos, ónus e encargos;
b) Aumentar a superfície dos novos prédios mediante a incorporação de terrenos da reserva de terras.
Artigo 7.º
Emparcelamento simples
O emparcelamento simples consiste na correcção da divisão parcelar de terrenos contíguos pertencentes, pelo menos, a dois proprietários, com a finalidade principal de melhorar as condições técnicas e económicas da exploração através da concentração, do redimensionamento, da rectificação de estremas dos prédios e da extinção de encraves e servidões.
Artigo 8.º
Emparcelamento de exploração
1 - O emparcelamento de exploração tem em vista reunir parcelas e ou prédios dispersos que possam ser explorados pelo mesmo empresário agrícola, podendo ou não ser executado em simultâneo com as demais operações de remodelação predial.2 - A execução isolada do emparcelamento de exploração deverá subordinar-se às condições seguintes:
a) Não agravar a fragmentação da propriedade;
b) Conjugar a livre vontade de senhorios e rendeiros no sentido de se operarem as alterações necessárias face aos contratos existentes;
c) Ser possível assegurar a duração igual dos contratos de arrendamento que incidam ou venham a incidir sobre os terrenos abrangidos, nos termos do disposto no regime jurídico do arrendamento rural.
Artigo 9.º
Órgãos de emparcelamento
1 - As operações de emparcelamento integral serão decididas por resolução do Conselho do Governo e executadas pelo IROA, S. A., e poderão ser acompanhadas por uma comissão de emparcelamento.2 - As comissões de emparcelamento serão propostas pelo IROA, S. A., e aprovadas pelo membro do Governo Regional com competência na área da agricultura, incumbindo ao IROA, S. A., definir a sua composição, competência e funcionamento.
3 - As operações relativas ao emparcelamento simples e ao emparcelamento de exploração serão submetidas a parecer prévio do IROA, S. A.
Artigo 10.º
Transferência de direitos, ónus ou encargos
1 - Consideram-se transferidos para os prédios resultantes do emparcelamento todos os direitos, ónus e encargos de natureza real, bem como as situações jurídicas de arrendamento que incidam sobre os prédios anteriormente pertencentes ao mesmo titular, tendo, no entanto, os rendeiros a faculdade de resolver os respectivos contratos.
2 - Quando os direitos, ónus, encargos ou contratos referidos no número anterior não respeitem a todos os prédios do mesmo proprietário, delimitar-se-á a parte equivalente sobre que ficam a incidir.
SUBSECÇÃO II
Execução do emparcelamento integral
Artigo 11.º
Iniciativa das operações
As operações de emparcelamento integral poderão ser da iniciativa do IROA, S. A., dos próprios interessados, organizações de produtores e autarquias locais.
Artigo 12.º
Reconhecimento
1 - Apresentado o pedido pelos interessados, ao IROA, S. A., compete proceder ao estudo da viabilidade das acções de emparcelamento a desenvolver.2 - O membro do Governo Regional com competência na área da agricultura, perante as conclusões do estudo e por proposta do IROA, S. A., poderá ordenar, por portaria, a elaboração do projecto de emparcelamento da zona estudada.
Artigo 13.º
Aprovação
Concluído o projecto de emparcelamento integral, deverá o mesmo ser submetido à apreciação do Conselho do Governo que ordenará a sua execução, podendo determinar a expropriação por utilidade pública urgente dos terrenos necessários à execução dos melhoramentos e obras previstos no projecto, determinando ainda a afectação à remodelação projectada dos terrenos do património regional que para o efeito foram destinados.
Artigo 14.º
Titulação, registos e certidões
1 - Concluídos os trabalhos de execução do projecto, será lavrado pelo IROA, S. A., e assinado pelo respectivo presidente um auto relativo a cada proprietário, que serve de justificação administrativa para efeitos de inscrição matricial e de registo predial do prédio ou prédios que lhe couberem e dos termos de transferência dos direitos e encargos que sobre as suas parcelas primitivas incidiam e devam subsistir.2 - No acto de registo e na descrição de cada prédio mencionar-se-ão a unidade de cultura fixada para a zona submetida a emparcelamento e a característica de indivisibilidade dos prédios situados no interior da mesma zona.
3 - O auto e as suas certidões ou fotocópias autenticadas constituem documento bastante para a realização dos necessários registos, dos quais deverá ser dado conhecimento ao IROA, S. A.
Artigo 15.º
Ineficácia das transmissões e dos melhoramentos
1 - São ineficazes, para efeitos de emparcelamento, as transmissões entre vivos de terrenos situados na área a emparcelar definida para o emparcelamento integral, e irrelevantes, para efeitos de avaliação, os melhoramentos fundiários realizados sem o parecer, emitido pelo IROA, S. A., de que não prejudicam as operações de remodelação predial.
2 - Incumbe aos sujeitos das transmissões comunicar ao IROA, S. A., os actos e contratos pelos quais se transfira a propriedade de terrenos sujeitos a remodelação predial.
SECÇÃO III
Da infra-estruturação
Artigo 16.º
Infra-estruturação fundiária
Consideram-se acções de infra-estruturação de ordenamento agrário:a) As acções relativas à melhoria das acessibilidades;
b) As acções relativas à electrificação;
c) As acções tendentes à melhoria do abastecimento de água às explorações.
SECÇÃO IV
Da reserva de terras
Artigo 17.º
Objectivos da reserva de terras
Para a realização das operações de emparcelamento, poderá o Governo Regional, através do IROA, S. A., promover a constituição de uma reserva de terras com as seguintes finalidades:a) Anexar aos prédios resultantes de operações de emparcelamento;
b) Redimensionar as explorações agro-florestais de forma a melhorar as condições técnicas e económicas;
c) Promover a criação de novas unidades de exploração;
d) Afectação a obras de valorização económica e social de carácter colectivo das zonas em que sejam realizadas operações de emparcelamento.
Artigo 18.º
Constituição de reserva de terras
1 - A reserva de terras será constituída por:a) Terrenos adquiridos pelo IROA, S. A., na zona a emparcelar;
b) Outros terrenos já incluídos no património da Região que possam ser afectados a esse fim.
2 - Para a constituição da reserva de terras, o IROA, S. A., goza do direito de preferência, em primeiro lugar, na transmissão por venda de terrenos situados na zona a emparcelar, a partir da publicação da portaria que determina o início das operações de emparcelamento e até à conclusão das mesmas.
3 - Ao direito de preferência referido no número anterior aplica-se, com as devidas adaptações, o disposto nos artigos 1410.º, 416.º e seguintes do Código Civil.
Artigo 19.º
Venda dos terrenos da reserva
1 - A venda dos terrenos da reserva será feita nas condições mais favoráveis, a definir pelo IROA, S. A., relativamente ao prazo de amortização e taxas de juro das linhas de crédito para as operações de emparcelamento.
2 - Para efeitos de determinação do preço de venda das terras da reserva será feita uma reavaliação sempre que tenham decorrido mais de três anos entre a data de aquisição e a da aprovação dos projectos de emparcelamento.
3 - A reavaliação referida no número anterior será também efectuada, qualquer que seja o tempo decorrido entre as datas citadas, quanto a terrenos nos quais se verifique mais-valia devida a benfeitorias neles expressamente realizadas pelo IROA, S. A.
Artigo 20.º
Gestão provisória da reserva
Enquanto lhes não for dado destino definitivo, os terrenos incluídos na reserva poderão ser objecto de contratos de arrendamento, os quais se consideram, para todos os efeitos, celebrados para fins de interesse público.
Artigo 21.º
Aquisição de terras
Nas zonas submetidas a acções de emparcelamento o IROA, S. A., pode adquirir pelas formas legalmente previstas terrenos destinados à constituição de reservas de terras para utilização nas referidas acções.
CAPÍTULO II
Limitações ao fraccionamento
Artigo 22.º
Unidades de cultura
1 - Na Região a área da unidade de cultura, para efeitos de fraccionamento, é fixada nos termos seguintes:a) Para prédios com área inferior ou igual a 5 ha a unidade mínima de cultura é de 1 ha;
b) Para prédios com área superior a 5 ha e inferior ou igual a 10 ha a unidade mínima de cultura é de 2 ha;
c) Para prédios com áreas superiores a 10 ha a unidade mínima de cultura é de 3 ha;
d) A unidade mínima de cultura para efeitos de emparcelamento é de 2,50 ha.
2 - Os prédios resultantes de divisão que respeite as unidades fixadas não poderão voltar a ser divididos num período mínimo de 10 anos.
Artigo 23.º
Arrendamento a comproprietário
1 - Quando, por força do disposto no artigo anterior, um prédio rústico deva permanecer indiviso, e os comproprietários não pretenderem associar-se pelas formas legalmente admitidas, qualquer deles terá a faculdade de exigir aos restantes que o prédio lhe seja arrendado na parte que exceder o seu quinhão ideal.2 - No caso de serem vários a pretender exercer esse direito, terão preferência, por ordem decrescente, os seguintes interessados:
a) O que, sendo agricultor, não possuir nenhuma exploração que constitua uma unidade de cultura;
b) O que tiver experiência e ou formação profissional na área agrícola;
c) O que dispuser de quinhão maior;
d) O que primeiro der conhecimento da sua pretensão aos restantes, através de notificação escrita devidamente registada.
CAPÍTULO III
Disposições finais e transitórias
Artigo 24.º
Isenções
1 - Ficam isentas de IMT as transmissões de terrenos rústicos confinantes com prédio ou prédios rústicos do adquirente, desde que da junção resulte uma parcela de terreno apta para a actividade agrícola, nos termos do disposto no artigo 51.º do Decreto-Lei 103/90, de 22 de Março, alterado pelo Decreto-Lei 59/91, de 30 de Janeiro.2 - Os actos e contratos necessários à realização das operações previstas no número anterior gozam de isenção de quaisquer emolumentos.
Artigo 25.º
Regulamentação
As normas necessárias à execução do presente diploma serão objecto de decreto regulamentar regional, a publicar no prazo de 180 dias a contar da sua entrada em vigor.
Artigo 26.º
Entrada em vigor
O presente diploma produz efeitos à data da entrada em vigor do decreto regulamentar regional a que se refere o artigo anterior.Aprovado pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, na Horta, em 19 de Junho de 2008.
O Presidente da Assembleia Legislativa, Fernando Manuel Machado Menezes.
Assinado em Angra do Heroísmo em 16 de Julho de 2008.
Publique-se.
O Representante da República para a Região Autónoma dos Açores, José António Mesquita.