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Acórdão 602/2005/T, de 21 de Dezembro

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Texto do documento

Acórdão 602/2005/T. Const. - Processo 514/2005. - Acordam no Supremo Tribunal Constitucional:

1 - A 1.ª Direcção de Finanças de Lisboa da Direcção-Geral dos Impostos solicitou, em 19 de Março de 2002, pelo 1.º Juízo Cível de Lisboa, ao abrigo dos n.os 2 e 5 do artigo 63.º da lei geral tributária, aprovada pelo Decreto-Lei 398/98, de 17 de Dezembro, e do n.º 3 do artigo 34.º do Decreto-Lei 262/78, de 28 de Novembro, autorização judicial para derrogação do sigilo bancário relativamente à EUROBRASIL - Administração de Propriedades, S. A., Sociedade de Construções Atlântico, S. A., e Vítor Manuel Soares dos Santos, relativamente aos quais se encontravam a decorrer acções de fiscalização.

Tendo-se, por decisão de 8 de Abril de 2002, declarado incompetente aquele Juízo, agravou o representante do Ministério Público para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 23 de Janeiro de 2003, concedeu provimento ao recurso.

Desse aresto agravaram os requeridos para o Supremo Tribunal de Justiça, que, por acórdão de 3 de Julho de 2003, negou provimento aos agravos.

Do acórdão de 3 de Julho de 2003 arguiram a respectiva nulidade a EUROBRASIL e a Sociedade de Construções Atlântico, pretensão que foi indeferida por acórdão de 13 de Novembro de 2003.

Remetidos os autos à 1.ª instância, foi, em 27 de Janeiro de 2004, proferida sentença que, em suprimento do consentimento dos requeridos, autorizou o acesso e obtenção de elementos referentes às contas bancárias de que eram titulares.

Dessa sentença apelaram os requeridos para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 2 de Novembro de 2004, negou provimento à apelação.

De tal aresto pediram revista os requeridos.

Na alegação adrede produzida, o requerido Vítor Manuel Soares dos Santos formulou, por entre outras, a seguinte "conclusão":

"1.ª O artigo 63.º, n.º 5, da LGT, ao abrigo do qual foi proferida a decisão recorrida, integra uma norma claramente inconstitucional [v. artigos 26.º, 103.º, n.º 2, 112.º e 168, n.º 1, alínea i), da CRP], sendo manifestamente inaplicável in casu (v. artigo 204.º da CRP) - cf. texto, n.os 1 a 3;

[...]"

O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 3 de Maio de 2005, negou a revista.

Pode ler-se nesse aresto, para o que ora releva:

"[...]

1.ª questão - Inconstitucionalidade do artigo 63.º n.º 5, da LGT. - Na sua revista, alega o requerido Vítor Santos que o artigo 63.º, n.º 5, da LGT, ao abrigo da qual autorizou a requerente a consultar as suas contas bancárias (e as dos restantes requeridos), suprindo a sua autorização (que foi negada), sofre de inconstitucionalidade orgânica, porquanto terá desrespeitado a autorização legislativa da Assembleia da República concedida pelo artigo 1.º da Lei 41/98, de 14 de Agosto, com base na qual foi elaborado pelo Governo o Decreto-Lei 398/98, de 17 de Dezembro, no qual se integra.

Vejamos melhor.

Nos termos do citado artigo 63.º, os órgãos da inspecção tributária podem desenvolver todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária do contribuinte. Porém, o acesso à informação protegida pelo sigilo profissional, bancário ou qualquer outro legalmente regulado, depende de autorização judicial, nos termos da legislação aplicável [...] sendo certo que, estando em causa a consulta de elementos abrangidos pelos ditos segredos, é legítima a falta de cooperação na realização da diligência que se mostra necessária à inspecção.

Mas, como se refere no n.º 5, em caso de oposição do contribuinte com fundamento no segredo bancário, a diligência só poderá ser realizada mediante autorização concedida pelo tribunal da comarca competente, com base em pedido fundamentado da administração tributária.

Mas será tal preceito (artigo 63.º, n.º 5) inconstitucional organicamente, como quer o requerido?

É verdade que a matéria de sigilo bancário e seu levantamento se relaciona directamente com as garantias dos contribuintes e, por isso mesmo, se integra na reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República, como resulta do disposto nos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP.

Certo é, porém, que a Assembleia da República, nestes casos (de reserva relativa de competência) pode autorizar o Governo a legislar sobre essa matéria através de lei de autorização legislativa, que deve definir o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização (artigo 165.º, n.os 1 e 2, da CRP).

Ora, foi exactamente isso que fez a Assembleia da República no caso concreto através da Lei de autorização legislativa n.º 41/98, de 4 de Agosto.

Nos termos do artigo 1.º dessa lei, determina-se:

'1 - Fica o Governo autorizado a publicar uma lei geral tributária donde constem os grandes princípios substantivos que regem o direito fiscal português e a articulação dos poderes da Administração e das garantias dos contribuinte.

2 - A lei geral tributária visará aprofundar as normas constitucionais tributárias e com relevância em direito tributário, nomeadamente no que se refere à relação tributária, ao procedimento e ao processo, com reforço das garantias dos contribuintes, da participação destes no procedimento, da igualdade das partes no processo e da luta contra a evasão fiscal, definindo os princípios fundamentais em sede de crimes e de contra-ordenações tributárias.'

E o artigo 2.º (onde se estabelece o sentido e a extensão da autorização) refere no seu n.º 22:

'Para a prossecução dos fins indicados nos artigos anteriores, o Governo fica autorizado a consagrar expressamente e a aprofundar em sede de procedimento os princípios de prossecução do interesse público e da protecção do direitos e interesses dos cidadãos, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade, da decisão e do inquisitório, da colaboração da boa fé e da tutela da confiança, da eficácia dos actos, da audiência dos cidadãos, do dever de fundamentação, da confidencialidade, da iniciativa da Administração e da cooperação dos particulares.'

Ora, na nossa opinião, o objectivos de luta contra a evasão fiscal e a prossecução do interesse público, o desenvolvimento dos princípios da igualdade, da imparcialidade, da eficácia dos actos, da iniciativa da Administração e da cooperação dos contribuintes implica necessariamente a eventual quebra do segredo bancário (nomeadamente para a averiguação dos crimes tributários), quando a descoberta da verdade material das situações tributárias dos contribuintes inspeccionados imponha a consulta de elementos bancários e essas consultas não são autorizadas pelos contribuintes.

Só assim é possível começar a controlar (e consequentemente evitar na medida do possível) a evasão fiscal, que, como é sabido, é realidade bem conhecida, que em muito prejudica o interesse da comunidade, e, portanto, da generalidade dos cidadãos contribuintes em proveito de alguns.

Só assim se dará eficácia à almejada justiça e igualdade dos cidadãos perante a administração fiscal.

Trata-se, de resto, de uma questão processual cuja solução garante o equilíbrio entre os poderes da Administração (que têm de ser eficazes) e as garantias dos contribuintes (que em casos como o sigilo bancário estão longe de ser absolutas, antes se têm de subordinar ao interesse geral), na medida em que faz intervir o tribunal comum na resolução do diferendo.

Cremos, por isso, que a lei de autorização legislativa contempla no âmbito do seu sentido e extensão a medida processual prevista no n.º 5 do artigo 63.º da LGT, aprovada pelo Decreto-Lei 398/98, de 17 de Dezembro, não se verificando a alegada inconstitucionalidade orgânica.

Mas, por outro caminho se chegará à mesma conclusão.

A lei geral tributária aprovada pelo Decreto-Lei 398/98, ao abrigo da Lei de autorização legislativa n.º 41/98, veio a ser revista pela Lei 15/2001, de 5 de Junho, esta, evidentemente, da autoria da Assembleia da República, no uso da sua competência própria [artigo 161.º, alínea c), da CRP].

Ora, a referida lei (15/2001), além de aprovar o Regime Geral das Infracções Tributárias e de alterar diversas disposições de outros diplomas, revogou todo o título V da LGT e alterou os seus artigos 45.º, 46.º e 53.º, republicando-o em anexo.

De facto, dispõe no seu artigo 13.º: 'São republicados em anexo à presente lei, dela fazendo parte integrante, a lei geral tributária aprovada pelo Decreto-Lei 398/98, de 17 de Dezembro [...]'.

Por conseguinte, na medida em que a LGT passou a fazer parte integrante da Lei 15/2001, depois de revista e alterada pela Assembleia da República, é óbvio que, na parte não alterada (cujo conteúdo o legislador não podia ignorar), foi adoptada por aquele órgão de soberania, de modo que, se alguma inconstitucionalidade orgânica existia em relação a qualquer dos seus preceitos, designadamente em relação ao artigo 63.º, n.º 5, tal inconstitucionalidade desapareceu com a confirmação do texto legal pelo órgão constitucionalmente competente para a elaboração de leis que digam respeito às garantias dos cidadãos contribuintes.

De contrário, podia chegar-se à situação absurda de se ter por inconstitucional, por falta de autorização legislativa da Assembleia da República, determinado preceito de um diploma que faz parte integrante de uma lei emanada da mesma Assembleia da República

Não se verifica, pois, a alegada inconstitucionalidade.

[...]"

É do acórdão de que parte se encontra extractada que, pelo requerido Vítor Manuel Soares Santos, vem, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, interposto recurso para o Tribunal Constitucional, por seu intermédio visando a apreciação da "inconstitucionalidade do artigo 63.º, n.º 5, da lei geral tributária, aprovada pelo Decreto-Lei 398/97, de 17 de Dezembro, face às normas e princípios constitucionais consagrados nos artigos 26.º, 103.º, n.º 2, 112.º, 168.º, n.º 1, alíneas b), i), p) e s), e 212.º da CRP".

No requerimento de interposição de recurso, o requerido sustentou que o mesmo tinha "subida imediata nos próprios autos e com efeito suspensivo".

Por despacho proferido em 19 de Maio de 2005 pelo conselheiro relator do Supremo Tribunal de Justiça, foi admitido o recurso, sendo tal despacho silente quanto aos respectivos efeitos.

No Tribunal Constitucional, o relator, no uso do poder conferido pelo n.º 1 do artigo 78.º-B da Lei 28/82, ponderando que o recurso de revista foi admitido "com efeito meramente devolutivo", nos termos do artigo 723.º do Código de Processo Civil, determinou, de harmonia com o que se dispõe naquele preceito, em conjugação com o prescrito no n.º 3 do artigo 78.º da aludida lei, que à vertente impugnação fosse conferido efeito não suspensivo.

2 - Determinada a feitura de alegações, rematou o recorrente a por si produzida com as seguintes "conclusões":

"1.ª A lei geral tributária - em que se insere o normativo em análise - foi aprovada pelo Decreto-Lei 398/98, de 17 de Dezembro, ao abrigo de autorização legislativa concedida pela Lei 41/98, de 4 de Agosto, que não satisfaz, neste particular, as exigências constitucionalmente fixadas, pois não define claramente o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização [v. artigo 165.º, n.º 2, da CRP; cf. artigos 103.º, n.º 2, 112.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alíneas b), i), p) e s) da CRP] - cf. texto, n.os 1 a 3;

2.ª A Lei 41/98, de 4 de Agosto, não conferiu poderes ao Governo para regular a organização e competências dos tribunais, nos termos estabelecidos pelos artigos 165.º, n.º 1, alínea p), e 166.º, n.º 2, daCRP - cf. texto, n.º 3;

3.ª A referida lei de autorização legislativa da Assembleia da República também não conferiu poderes ao Governo para regulamentar os termos em que o levantamento do sigilo bancário dos contribuintes podia ser autorizado para efeitos de permitir à administração fiscal a devassa das suas contas bancárias, para apurar a sua real situação contributiva (v. artigos 26.º, 103.º, n.º 2, e 212.º da CRP), conforme é imposto pelo artigo 165.º, n.º 1, alíneas b), i) e s) da CRP - cf. texto, n.os 4 e 5;

4.ª No caso em análise estão em causa matérias intrinsecamente relacionadas com a relação jurídico-fiscal do contribuinte com a administração tributária (v. artigo 103.º, n.º 2, da CRP; cf. fl. 3 dos autos), pelo que a competência para a sua apreciação e decisão pertencia exclusivamente aos tribunais administrativos e fiscais, conforme resulta directamente do artigo 212.º da CRP - cf. texto, n.º 6;

5.ª A simples republicação da lei geral tributária, operada pela Lei 15/2001, de 5 de Junho, sem manifestação pela Assembleia da República de vontade política ou intenção legislativa de novação de todo aquele diploma nunca determinaria a ratificação implícita ou sanação da inconstitucionalidade orgânica de que enferma o artigo 63.º, n.º 5, da LGT, unicamente aprovado pelo Governo, através do Decreto-Lei 398/98 (cf. artigo 169.º da CRP) - cf. texto, n.os 7 e 8;

6.ª O artigo 63.º, n.º 5, da LGT integra assim uma norma claramente inconstitucional [v. artigos 26.º, 103.º, n.º 2, 112.º, 165.º, n.º 1, alíneas b), i), p) e s), e 212.º da CRP] - cf. texto, n.os 1 a 8."

Por seu lado, o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto em funções junto deste Tribunal, como representante da Direcção-Geral de Finanças, concluiu a sua alegação dizendo:

"1 - A possibilidade de a administração fiscal aceder a informação protegida pelo sigilo bancário, mediante autorização judicial, nos casos em que o contribuinte se oponha a tal acesso, denegando o necessário consentimento (fora dos casos em que é possível a derrogação pela própria administração tributária do sigilo bancário) decorre inteiramente do preceituado nos n.os 2 e 4, alínea b), do artigo 63.º da lei geral tributária, na versão resultante da Lei 30-G/2000, de 29 de Dezembro, sendo pois impossível questionar tal regime legal na óptica da respectiva inconstitucionalidade 'orgânica'.

2 - O regime constante do n.º 5 do artigo 63.º da lei geral tributária, visando regular a forma processual idónea para a administração fiscal obter o acesso aos dados cobertos pelo sigilo, nos casos de recusa de consentimento do contribuinte, tem uma dimensão exclusivamente procedimental e adjectiva, em nada inovando, aliás, relativamente às possibilidades já contidas no processo de suprimento do consentimento, no caso de recusa, e da admissibilidade de compressão, mediante decisão judicial, do princípio da reserva da vida privada, nela se incluindo o segredo bancário, já decorrentes da lei de processo civil.

3 - O mecanismo de tal quebra ou compressão do segredo bancário não se situa no âmbito da relação jurídico-fiscal, respeitando antes aos direitos de personalidade do visado, pelo que não ofende o princípio da reserva material de competência dos tribunais administrativos e fiscais a atribuição - em termos manifestamente não inovatórios - da competência decisória aos tribunais judiciais."

Cumpre decidir.

3 - Em 4 de Agosto foi publicada a Lei 41/98, que autorizou o Governo a aprovar uma lei geral tributária de onde constassem os grandes princípios substantivos que regem o direito fiscal português, a articulação dos poderes da Administração e das garantias dos contribuintes, o aprofundamento das normas constitucionais com relevância no direito tributário, nomeadamente no que se refere à relação tributária, ao procedimento e ao processo tributário, com reforço das garantias dos contribuintes, da participação destes no procedimento, da igualdade das partes no processo e da luta contra a evasão fiscal, definindo os princípios fundamentais em sede de crime e de contra-ordenações tributárias (cf. seu artigo 1.º).

Por entre o mais e para o que agora releva, estatuiu-se no seu artigo 2.º, ao se indicar o sentido e extensão da autorização concedida, que o Governo ficava autorizado a regular a simulação tributária, consagrando a norma de que o facto tributário era aquele que foi efectivamente realizado pelas partes (cf. n.º 11), a consagrar expressamente e aprofundar, em sede de procedimento, os princípios da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade, da celeridade, da decisão e do inquisitório, da colaboração, da boa fé e da tutela da confiança, da eficácia dos actos, da audiência dos cidadãos, do dever de fundamentação, da confidencialidade, da iniciativa da Administração e da cooperação dos particulares (cf. n.º 22), a estabelecer normas, de acordo com a Constituição e em atenção ao disposto no Código do Procedimento Administrativo, sobre instrução do procedimento, meios de prova e seu valor e fiscalização (cf. n.º 23), a regular o procedimento da determinação da matéria colectável em vista ao apuramento da matéria colectável real e do combate à evasão fiscal, com possibilidade de recurso a métodos indirectos de avaliação quando se verifiquem os pressupostos de impossibilidade de determinação do valor real, e com respeito do princípio da audiência do contribuinte (cf. n.º 24) e a regular o processo tributário, com vista não só a uma maior igualdade entre as partes mas também, e nomeadamente, à consagração do princípio do inquisitório (cf. n.º 28).

Por intermédio do Decreto-Lei 398/98, de 17 de Dezembro, foi aprovada a lei geral tributária, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1999 (cf. artigo 6.º daquele diploma).

Na lei geral aprovada pelo dito Decreto-Lei 398/98 ficou consagrado, no seu artigo 63.º:

"Artigo 63.º

Inspecção

1 - Os órgãos competentes podem, nos termos da lei, desenvolver todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes, nomeadamente:

a) Aceder livremente às instalações ou locais onde possam existir elementos relacionados com a sua actividade ou com as dos demais obrigados fiscais;

b) Examinar e visar os seus livros e registos de contabilidade ou escrituração, bem como todos os elementos susceptíveis de esclarecer a sua situação tributária;

c) Aceder, consultar e testar o seu sistema informático, incluindo a documentação sobre a sua análise, programação e execução;

d) Solicitar a colaboração de quaisquer entidades públicas necessária ao apuramento da sua situação tributária ou de terceiros com quem mantenham relações económicas;

e) Requisitar documentos dos notários, conservadores e outras entidades oficiais;

f) Utilizar as suas instalações quando a utilização for necessária ao exercício da acção inspectiva.

2 - O acesso à informação protegida pelo sigilo profissional, bancário ou qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado depende de autorização judicial, nos termos da legislação aplicável.

3 - O procedimento da inspecção e os deveres de cooperação são os adequados e proporcionais aos objectivos a prosseguir, só podendo haver mais de um procedimento externo de fiscalização respeitante ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação mediante decisão, fundamentada com base em factos novos, do dirigente máximo do serviço, salvo se a fiscalização visar apenas a confirmação dos pressupostos de direitos que o contribuinte invoque perante a administração tributária e sem prejuízo do apuramento da situação tributária do sujeito passivo por meio de inspecção ou inspecções dirigidas a terceiros com quem mantenha relações económicas.

4 - A falta de cooperação na realização das diligências previstas no n.º 1 só será legítima quando as mesmas impliquem:

a) O acesso à habitação do contribuinte;

b) A consulta de elementos abrangidos pelo segredo profissional, bancário ou qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado, salvo consentimento do titular;

c) O acesso a factos da vida íntima dos cidadãos;

d) A violação dos direitos de personalidade e outros direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, nos termos e limites previstos na Constituição e na lei.

5 - Em caso de oposição do contribuinte com fundamento nalgumas circunstâncias referidas no número anterior, a diligência só poderá ser realizada mediante autorização concedida pelo tribunal de comarca competente com base em pedido fundamentado da administração tributária."

O artigo em causa veio a sofrer, por intermédio da Lei 30-G/2000, de 29 de Dezembro, alteração de redacção dos seus n.os 2 e 4, alínea b), vindo a ser aditados os n.os 6 e 7, passando eles a rezar assim:

"2 - O acesso à informação protegida pelo sigilo profissional, bancário ou qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado depende de autorização judicial, nos termos da legislação aplicável, excepto nos casos em que a lei admite a derrogação do dever de sigilo bancário pela administração tributária sem dependência daquela autorização.

3 -

4 - A falta de cooperação na realização das diligências previstas no n.º 1 só será legítima quando as mesmas impliquem:

a) ...

b) A consulta de elementos abrangidos pelo segredo profissional, bancário ou qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado, salvos os casos de consentimento do titular ou de derrogação do dever de sigilo bancário pela administração tributária legalmente admitidos;

[...]

5 - ...

6 - A notificação das instituições de crédito e sociedades financeiras, para efeitos de permitirem o acesso elementos cobertos pelo sigilo bancário, nos casos em que exista a possibilidade legal de a administração tributária exigir a sua derrogação, deve ser instruída com os seguintes elementos:

a) Nos casos de acesso directo em que não é facultado ao contribuinte o direito a recurso com efeito suspensivo, cópia da notificação que lhe foi dirigida para o efeito de assegurar a sua audição prévia;

b) Nos casos de acesso directo em que o contribuinte disponha do direito a recurso com efeito suspensivo, cópia da notificação referida na alínea anterior e certidão emitida pelo director-geral dos Impostos ou pelo director-geral das Alfândegas e Impostos Especiais sobre o Consumo que ateste que o contribuinte não interpôs recurso no prazo legal;

c) Nos casos em que o contribuinte tenha recorrido ao tribunal com efeito suspensivo a ainda nos casos de acesso aos documentos relativos a familiares ou a terceiros, certidão da decisão judicial transitada em julgado ou pendente de recurso com efeito devolutivo.

7 - As instituições de crédito e sociedades financeiras devem cumprir as obrigações relativas ao acesso a elementos cobertos pelo sigilo bancário nos termos e prazos previstos na legislação que regula o procedimento de inspecção tributária."

Note-se, a título de mera informação, que aqueles n.os 6 e 7 viram a sua redacção alterada por intermédio da Lei 55-B/2004, de 30 de Dezembro.

Ainda a Lei 30-G/2000 introduziu na lei geral tributária um artigo 63.º-B, (que também veio a sofrer alteração de redacção por via da mencionada Lei 55-B/2004), que comportava, nos seus n.os 1, 2 e 10, o seguinte teor:

"Artigo 63.º-B

Acesso a informações e documentos bancários

1 - A administração tributária tem o poder de aceder directamente aos documentos bancários, nas situações de recusa da sua exibição ou de autorização para a sua consulta:

a) Quando se trate de documentos de suporte de registos contabilísticos dos sujeitos passivos de IRS e IRC que se encontrem sujeitos a contabilidade organizada;

b) Quando o contribuinte usufrua de benefícios fiscais ou de regimes fiscais privilegiados, havendo necessidade de controlar os respectivos pressupostos e apenas para esse efeito.

2 - A administração tributária tem o poder de aceder a todos os documentos bancários, excepto as informações prestadas para justificar o recurso ao crédito, nas situações de recusa de exibição daqueles documentos ou de autorização para a sua consulta:

a) Quando se verificar a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, nos termos do artigo 88.º, e, em geral, quando estejam verificados os pressupostos para o recurso a uma avaliação indirecta;

b) Quando os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente, para menos, sem razão justificada, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de riqueza evidenciadas pelo sujeito passivo, nos termos do artigo 89.º-A;

c) Quando existam indícios da prática de crime doloso em matéria tributária, designadamente nos casos de utilização de facturas falsas, e, em geral, nas situações em que existam factos concretamente identificados gravemente indiciadores de falta de veracidade do declarado;

d) Quando seja necessário, para fins fiscais, comprovar a aplicação de subsídios públicos de qualquer natureza.

[...]

10 - para os efeitos desta lei, considera-se documento bancário qualquer documento ou registo, independentemente do respectivo suporte, em que se titulem, comprovem ou registem operações praticadas por instituições de crédito ou sociedades financeiras no âmbito da respectiva actividade, incluindo os referentes a operações realizadas mediante utilização de cartões de crédito."

3.1 - Como se extrai da alegação produzida pelo recorrente, começa ele por impostar a questão da inconstitucionalidade, que, na sua perspectiva, parece apontar como sendo caracterizada no sentido de uma inconstitucionalidade orgânica [pois só assim se compreendem as asserções, constantes daquela alegação, segundo as quais "a exigência constitucional de autorização legislativa específica (v. artigo 165.º, n.º 2, da CRP) surge reforçada no presente caso", "Dado que a norma do artigo 63.º, n.º 5, da LGT veio atribuir ex novo competência aos tribunais de comarca para suprir eventual oposição do contribuinte ao levantamento do sigilo bancário (cf. artigo 212.º da CRP), é manifesto que tal dispositivo legal só podia ser editado mediante prévia autorização legislativa específica [(v. artigo 165.º, n.º 1, alínea p), da CRP, o que não aconteceu in casu (v. Lei 41/98, de 4 de Agosto), e "Na verdade, tratava-se de uma distribuição de competências ratione materiae, que tinha de ser precedida de autorização legislativa específica"], da norma ínsita no n.º 5 do artigo 63.º da lei geral tributária, sustentando, em síntese, que, não tendo a Lei 41/98 conferido ao Governo poderes para regular a competência dos tribunais, não poderia o Governo, em tal norma, atribuir ao "tribunal de comarca competente" os poderes para autorizar, no caso de oposição do contribuinte, a consulta de elementos abrangidos pelo segredo bancário.

Em primeiro lugar, há que anotar que, se, na tese do recorrente, decorria do artigo 212.º (recte, do n.º 3 deste artigo) da Constituição (versão decorrente a Lei Constitucional 1/97, de 20 de Setembro) que esta é uma matéria que tinha por objecto a dirimição dos litígios emergentes das relações jurídico-fiscais, obviamente que a atribuição, levada a efeito pela norma em análise, de competência aos tribunais de comarca, sem que existisse credencial parlamentar para tanto, não seria configurável como algo subsumível a um vício de inconstitucionalidade orgânica, mas sim a um vício de inconstitucionalidade material.

Neste particular, sublinhe-se, desde logo, que uma tal questão não foi colocada no recurso de revista.

Na verdade, naquele recurso, tão-só foi brandido - no que se conexionava com o vício de desconformidade com a lei fundamental o argumento segundo o qual, estando em causa matéria (o levantamento do sigilo bancário) que se relacionava directamente com as garantias dos contribuintes e com a reserva da intimidade da vida privada, e porque da Lei 41/98 não constaria qualquer referência a suprimento judicial de autorização por parte do contribuinte, a norma em causa teria desbordado o objecto, sentido e extensão da autorização parlamentarmente conferida, assim violando as normas dos artigos "26.º, 103.º, n.º 2, 112.º e 165.º, n.º 1, alínea i)" da Constituição.

Perante um tal contexto, seria sustentável dizer-se que, com referência à aludida questão de inconstitucionalidade decorrente da atribuição de competência aos tribunais de comarca, faltaria um dos pressupostos do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82.

Efectivamente, como se disse no Acórdão deste Tribunal n.º 139/2003 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 55.º vol., pp. 669-682):

"Não pode, com efeito, conhecer-se do objecto do recurso na parte em que sustenta a inconstitucionalidade daquela norma por violação do artigo 30.º, n.º 4, da Constituição.

É que em parte alguma das alegações que produziu perante o tribunal recorrido o recorrente suscita esta questão de constitucionalidade (só o fez no requerimento de interposição do presente recurso), razão até por que o STJ se não pronuncia sobre ela - em sede de inconstitucionalidade material, o recorrente limita-se a suscitar a aludida questão da determinabilidade da norma, questão que nada tem a ver com a primeira.

Dir-se-á, em contrário, que em termos de ónus de suscitação da questão, este se deve ter por cumprido com a alegação de inconstitucionalidade da norma, ainda que com outro fundamento, e isto até pelo poder que o artigo da LTC confere ao Tribunal Constitucional - o de julgar inconstitucional a norma por fundamentos diferentes dos que vêm alegados.

Mas a objecção não colhe.

Com efeito, tal construção anularia por completo o fim que se visa com o ónus de suscitação da questão de constitucionalidade perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida - o de permitir que este tribunal se aperceba da questão de constitucionalidade e a aprecie e resolva - devendo ainda ter-se em conta o rigor com que a lei define aquele ónus no artigo 72.º, n.º 2, da LTC (suscitação 'de modo processualmente adequado').

Por outro lado, o aludido poder do Tribunal Constitucional previsto no artigo 79.º-C da LTC apenas deve ser exercido - e aqui oficiosamente - quando o Tribunal entender que se verifica inconstitucionalidade, embora por outro fundamento, não tendo que hipotizar (ele próprio ou por 'sugestão' do recorrente) todas as possíveis questões de inconstitucionalidade da norma em causa, para lhe dar resposta negativa.

[...]"

3.1.1 - Mas, mesmo para quem não adopte um tal entendimento e, consequentemente, perfilhasse a óptica de que caberia a este Tribunal analisar esta concreta questão de inconstitucionalidade de que agora tratamos, a resposta a ela teria de ser negativa.

De facto, não nos situamos ainda numa situação em que se depara a existência de um litígio emergente de uma relação jurídico-fiscal.

A norma em apreço cura de um dos princípios do procedimento tributário - o da inspecção - com vista, como no caso sucedeu, a apurar a situação tributária do contribuinte (uma dada empresa e o seu representante). Nessa fase, ainda não está, sequer, determinada qual seja essa situação e qual a projecção que poderá ter na determinação da matéria sobre a qual virá a incidir a relação jurídico-tributária.

Pode, pois, dizer-se que o suprimento de autorização previsto ainda se situa a montante do estabelecimento daquela relação e, por isso, não será convocável o artigo 212.º da Constituição (indicada versão), já que a referida relação ainda se não encontra desenhada e, consequente e logicamente, ainda não surgiu qualquer litígio que eventualmente reclame, por via daquele artigo, a intervenção dos tribunais fiscais.

Se conflito existe na fase em presença, tem ele a ver com possíveis direitos, liberdades ou garantias pessoais, conflito esse para cuja resolução são competentes, em regra, os tribunais judiciais.

Não procede, pois, o vício que, repete-se, parece ser caracterizado pelo recorrente como de inconstitucionalidade orgânica, por falta de autorização legislativa para cometer aos tribunais judiciais a competência para suprimento da autorização para consulta de elementos abrangidos pelo sigilo bancário.

3.2 - É momento de equacionar a questão, suscitada pelo impugnante, ligada à circunstância de, na sua tese, a Lei 41/98 não ter conferido autorização para serem regulamentados os termos em que o levantamento do segredo bancário dos contribuintes podia ser levantado.

Deverá, neste ponto, anotar-se que o que está em causa é, tão-só, a norma do n.º 5 do artigo 63.º da lei geral tributária, que se limita a regular o suprimento de autorização do contribuinte quanto à consulta de elementos abrangidos pelo segredo bancário, e não quer o n.º 2 desse artigo, que, esse sim, prevê o acesso à informação pelos órgãos competentes da administração fiscal, para efeitos de apuramento da situação tributária dos contribuintes, à informação protegida pelo sigilo bancário, acesso esse para o qual é exigida a autorização judicial, quer o n.º 4, que só considera legítima a falta de cooperação do contribuinte se a mesma implicar a consulta daqueles elementos, quer o artigo 63.º-B da mesma lei geral, que confere à administração tributária o poder de aceder directamente aos documentos bancários nas situações de recusa da sua exibição ou de autorização para a sua consulta.

Concedendo-se, todavia, que o normativo sub judicio não deixa de estar relacionado com a derrogação do sigilo bancário, e atendendo às circunstâncias de o impugnante ter efectivamente sustentado ser desarmónica com a Constituição a norma do n.º 5 do artigo 63.º da lei geral tributária, norma essa que veio a ser objecto de aplicação no acórdão recorrido, não deixará o Tribunal de enfrentar a questão de saber se o indicado normativo padece de inconstitucionalidade orgânica.

E, no tocante a este problema, de um primeiro passo, hipotiza-se que a matéria de sigilo bancário, no seu reflexo de apuramento da realidade tributária dos contribuintes (e não olvidando que a obtenção de dados por parte da administração fiscal também está coberta pelo dever de reserva), possa ser perspectivada como sendo respeitante a direitos, liberdades ou garantias, na medida em que, como tem sido sustentado por alguma doutrina, a situação económica dos cidadãos espelhada nas respectivas contas bancárias, fará parte do âmbito de protecção do direito à reserva da intimidade da vida privada, constituindo o segredo bancário um corolário dessa reserva, por constituir uma súmula do relacionamento entre o banqueiro e o seu cliente e respectiva conta, através da qual, em geral, são processados dados de onde se pode retirar boa parte do giro económico do particular, que, muitas vezes, reflecte dados relacionados com a sua vida privada [cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., pp. 181 e 182, ao analisarem em que consiste e como se deve analisar o direito à intimidade da vida privada; J. M. Serrano Alberca, Comentários a la Constituicion, Madrid, Civitas, 1985, p. 353; Parecer 138/83 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 342, p. 161; Alberto Luís, Direito Bancário, Coimbra, 1985; e, porventura com uma posição um tanto divergente, Saldanha Sanches, "Segredo bancário, segredo fiscal: uma perspectiva funcional", in Medidas de Combate à Criminalidade Organizada e Económico-Financeira, Centro de Estudos Judiciários, 25 anos, 2004, pp. 57 e segs., para quem, porque existe uma "proibição que incide sobre os membros da administração fiscal de dar conhecimento a terceiros da situação fiscal (e por isso patrimonial)", o fundamento do segredo bancário, para os efeitos em causa, residiria na esfera da privacidade e não da intimidade da vida privada, pelo que não estaríamos "e isto deve ser afirmado com muita clareza, perante uma norma destinada a tutelar a nossa intimidade: pela razão pura e simples que num Estado de direito a devassa da intimidade (buscas domiciliárias, escutas telefónicas, filmagens ou gravações que registem todos os movimentos de uma certa pessoa) só pode ter lugar para investigação de crimes graves e mediante a devida decisão judicial [...]. Se o segredo fiscal tutela a intimidade, então parece que os cidadãos se encontram obrigados a entregar periodicamente à administração fiscal e sempre que esta o exija - mediante qualquer acto administrativo tributário que pode ser produzido por qualquer funcionário - dados referentes à sua intimidade. Dados referentes à intimidade dos cidadãos que estes estariam obrigados a facultar à administração fiscal e cujo conhecimento deveria ser confinado aos serviços de finanças e aos inúmeros funcionários da administração fiscal, mas que estes não poderiam - fraco consolo - partilhar com mais ninguém", e que o "controlo da conta bancária como poder administrativo que constitui uma restrição ao direito do cidadão de manter longe de vistas e curiosidades externas toda a sua situação pessoal (e qualquer restrição a este direito exige uma específica legitimação) é uma decisão secundária. Decisão secundária no preciso sentido de ser resultado de uma outra: o dever das pessoas singulares de declarar anualmente os seus rendimentos e a obrigação das pessoas colectivas de franquear permanentemente os seus registos comerciais ao controlo da administração fiscal".]

De todo o modo, como este Tribunal já teve ocasião de discretear, tal como o sigilo profissional, a reserva do sigilo bancário não tem carácter absoluto, antes se admitindo excepções em situações em que avultam valores e interesses que devem ser reputados como relevantes, como, verbi gratia, a salvaguarda dos interesses públicos ou colectivos (cf. Acórdão 278/95, publicado na 2.ª série do Diário da República, de 28 de Julho de 1995, onde se disse que "o segredo bancário não é um direito absoluto, antes pode sofrer restrições impostas pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Na verdade, a tutela de certos valores constitucionalmente protegidos pode tornar necessário, em certos casos, o acesso aos dados e informações que os bancos possuem relativamente às suas relações com os clientes. Assim sucede com os artigos 135.º, 181.º e 182.º do actual Código de Processo Penal, os quais procuram consagrar uma articulação ponderada e harmoniosa do sigilo bancário com o interesse constitucionalmente protegido da investigação criminal, reservando ao juiz a competência para ordenar apreensões e exames em estabelecimentos bancários".

Sendo o controlo administrativo das movimentações bancárias dos contribuintes, como método de avaliação da sua situação fiscal, uma realidade recente [ou, como diz Saldanha Sanches, ob. cit., que "são esses dados contidos nas contas bancárias e nos seus movimentos (ou na aquisição de um bem sujeito a registo como um prédio ou um automóvel) que permitem o controlo da declaração tributária do sujeito passivo e que constituem a condição sine qua non de um controlo eficaz, na fase actual da evolução da relação jurídico-tributária"], e postando-se como necessário - e, quantas vezes para tanto como imprescindível - o conhecimento das respectivas operações, não se poderá deixar de concluir que se torna justificada, para proteger o bem constitucionalmente protegido da distribuição equitativa da contribuição para os gastos públicos e do dever fundamental de pagar os impostos, a procura da consagração de uma articulação ponderada e harmoniosa da reserva (se não da intimidade da vida provada, ao menos da reserva de uma parte do acervo patrimonial) acarretada pelo sigilo bancário e dos interesses decorrentes dos citados dever e direito.

3.2.1 - Ora, mesmo numa parametrização assim delineada do sigilo bancário, poderia sustentar-se que dos acima transcritos números do artigo 2.º da Lei 41/98 sempre resultaria que o legislador parlamentar previu que na lei geral tributária editada pelo Governo se haveriam de gizar procedimentos de onde resultasse o apuramento da real situação tributária do contribuinte, o combate à simulação tributária e à evasão fiscal, a prossecução do interesse público e da igualdade equitativa nos encargos tributários e ao estabelecimento do princípio do inquisitório; e, desta sorte, não poderia deixar de ser cogitada por aquele legislador, em face da indesmentível dificuldade de se obter uma visão da realidade tributária sem o conhecimento dos dados resultantes das operações bancárias dos contribuintes, a possibilidade de, no diploma credenciado, entre os vários procedimentos a adoptar, se contarem os adequados à aquisição daquele conhecimento que, em caso de recusa do visado, só seriam cognoscíveis por determinação judicial.

Mas, mesmo para quem não perfilhe um tal entendimento da Lei 41/98, uma circunstância se depara e da qual resulta que, tendo em atenção os momentos em que foi aplicada a norma sub specie - depois da entrada em vigor da Lei 30-G/2000 -, o eventual vício de inconstitucionalidade orgânica de que padeceria se terá de ter como ultrapassado.

Na verdade, a Assembleia da República, ao editar aquela lei, não só alterou a redacção dos próprios n.os 2 e 4, alínea b), do artigo 63.º da lei geral tributária como lhe aditou os n.os 6 e 7, indubitavelmente ligados ao procedimento de suprimento judicial de autorização do contribuinte, como ainda introduziu o artigo 63.º-B.

Isto vale por dizer, sem que dúvidas a esse respeito se suscitem, que assumiu o competente órgão legislativo - o Parlamento - como válido aquele procedimento, pois manteve inalterado o n.º 5 do aludido artigo 63.º (quando, com as alterações que em tal artigo introduziu, se entendesse que esse preceito se não justificava, bem o poderia alterar), o que revela, de forma inequívoca, uma intenção de novar a fonte legislativa que o consagrou.

Como se referiu no Acórdão deste Tribunal n.º 321/2004 (in Diário da República, 2.ª série, de 20 de Julho de 2004), se a lei de alteração e um decreto-lei vier a reproduzir normas organicamente inconstitucionais, "é inegável que a Assembleia da República assume ou adopta tais normas como suas ao mantê-las inalteradas de forma expressa e inequívoca. E, assim sendo, tais normas não podem mais ser arguidas de organicamente inconstitucionais, até porque se verifica, quanto a elas, uma novação da respectiva fonte".

A doutrina extraível daquele aresto é aplicável ao caso agora em apreço, pois que, como resulta do seu próprio texto, no artigo 13.º da Lei 30-G/2000, que determinou, por entre outras, alteração ao artigo 63.º da lei geral tributária, consignou que este passaria a ter a seguinte redacção:

"Artigo 63.º

Inspecção

1 - ...

2 - O acesso à informação protegida pelo sigilo profissional, bancário ou qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado depende de autorização judicial, nos termos da legislação aplicável, excepto nos casos em que a lei admite a derrogação do dever de sigilo bancário pela administração tributária sem dependência daquela autorização.

3 - ...

4 - ...

a) ...

b) A consulta de elementos abrangidos pelo segredo profissional, bancário ou qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado, salvos os casos de consentimento do titular ou de derrogação do dever de sigilo bancário pela administração tributária legalmente admitidos;

c) ...

d) ...

5 - ...

6 - A notificação das instituições de crédito e sociedades financeiras, para efeitos de permitirem o acesso elementos cobertos pelo sigilo bancário, nos casos em que exista a possibilidade legal de a administração tributária exigir a sua derrogação, deve ser instruída com os seguintes elementos:

a) Nos casos de acesso directo em que não é facultado ao contribuinte o direito a recurso com efeito suspensivo, cópia da notificação que lhe foi dirigida para o efeito de assegurar a sua audição prévia;

b) Nos casos de acesso directo em que o contribuinte disponha do direito a recurso com efeito suspensivo, cópia da notificação referida na alínea anterior e certidão emitida pelo director-geral dos Impostos ou pelo director-geral das Alfândegas e Impostos Especiais sobre o Consumo que ateste que o contribuinte não interpôs recurso no prazo legal;

c) Nos casos em que o contribuinte tenha recorrido ao tribunal com efeito suspensivo e ainda nos casos de acesso aos documentos relativos a familiares ou a terceiros, certidão da decisão judicial transitada em julgado ou pendente de recurso com efeito devolutivo.

7 - As instituições de crédito e sociedades financeiras devem cumprir as obrigações relativas ao acesso a elementos cobertos pelo sigilo bancário nos termos e prazos previstos na legislação que regula o procedimento de inspecção tributária."

Vale isto por dizer que o órgão parlamentar, em face da forma como deu a nova redacção ao artigo 63.º, de forma inequívoca, "fez seu" (ou seja, assumiu como manutenção inalterada), no que agora importa, o n.º 5, que, por isso, novou como vontade legislativa.

O raciocínio agora efectuado não se ancora, pois, na mera republicação da lei geral tributária (a que o recorrente alude, mas visando a Lei 15/2005).

4 - Em face do que se deixa dito, nega-se provimento ao recurso, condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.

Lisboa, 2 de Novembro de 2005. - Bravo Serra - Maria dos Prazeres Pizarro Beleza - Vítor Gomes - Gil Galvão - Artur Maurício.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2362427.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1978-08-29 - Decreto-Lei 262/78 - Ministério da Habitação e Obras Públicas - Gabinete do Ministro

    Estabelece normas com vista à regularização administrativa dos profissionais da construção oriundos das antigas colónias portuguesas.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1997-09-20 - Lei Constitucional 1/97 - Assembleia da República

    Aprova a quarta revisão da Constituição da República Portuguesa, de 2 de Abril de 1976, e fixa normas para aplicação no tempo de alguns dos preceitos revistos. Publica, em anexo, o novo texto constitucional.

  • Tem documento Em vigor 1998-08-04 - Lei 41/98 - Assembleia da República

    Autoriza o Governo a publicar uma lei geral tributátia donde constem os grandes princípios substantivos que regem o direito fiscal português e uma definição mais precisa dos poderes da Administração e das garantias dos contribuintes.

  • Tem documento Em vigor 1998-12-17 - Decreto-Lei 398/98 - Ministério das Finanças

    Aprova a lei geral tributária em anexo ao presente diploma e que dele faz parte integrante. Enuncia e define os princípios gerais que regem o direito fiscal português e os poderes da administração tributária e garantias dos contribuintes.

  • Tem documento Em vigor 2000-12-29 - Lei 30-G/2000 - Assembleia da República

    Reforma a tributação do rendimento e adopta medidas destinadas a combater a evasão e fraude fiscais, alterando o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, o Estatuto dos Benefícios Fiscais, a Lei Geral Tributária, o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, o Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e legislação avulsa.

  • Tem documento Em vigor 2001-06-05 - Lei 15/2001 - Assembleia da República

    Reforça as garantias do contribuinte e a simplificação processual, reformula a organização judiciária tributária e estabelece um novo Regime Geral para as Infracções Tributárias (RGIT), publicado em anexo. Republicados em anexo a Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei nº 398/98 de 17 de Dezembro, e o Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aprovado pelo Decreto-Lei nº 433/99 de 26 de Outubro.

  • Tem documento Em vigor 2004-12-30 - Lei 55-B/2004 - Assembleia da República

    Aprova o Orçamento do Estado para 2005.

  • Tem documento Em vigor 2005-01-26 - Lei 15/2005 - Assembleia da República

    Aprova o Estatuto da Ordem dos Advogados.

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