de 18 de Novembro
A Constituição da República Portuguesa reconhece e garante, no seu artigo 13.º, a igualdade de todos os cidadãos, com a consequente recusa de privilégios ou discriminações, nomeadamente fundadas no sexo.Ciente, porém, de que na prática várias formas de discriminação continuavam a existir, reflectindo-se, entre outros, no domínio laboral, o Governo definiu pelo Decreto-Lei 392/79, de 20 de Setembro, o enquadramento legal daquele princípio constitucional, bem como os mecanismos de actuação que viabilizam a sua execução.
O referido decreto-lei prevê, no n.º 2 do respectivo artigo 20.º, o alargamento daquele regime à Administração Pública e aos trabalhadores ao seu serviço, objectivo que se procura alcançar mediante o presente diploma.
O regime legal agora estabelecido encontra-se, tal como o próprio Decreto-Lei 392/79, de 20 de Setembro, na linha das orientações das organizações internacionais a que Portugal pertence, designadamente das Comunidades Europeias.
A Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, criada pelo mencionado Decreto-Lei 392/79, vê desta forma alargada a sua competência, o que justifica se proceda a ajustamentos na sua composição. O alargamento do âmbito de aplicação daquele decreto-lei aliado à natural complexidade e vastidão da matéria e ainda às acrescidas responsabilidades de Portugal decorrentes da sua integração nas Comunidades Europeias obrigam, por outro lado, a repensar o funcionamento da Comissão, dotando-a de estruturas e meios adequados à eficaz prossecução dos seus objectivos.
Assim:
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
Artigo 1.º O presente diploma tem por objectivo garantir a igualdade de oportunidade e tratamento na admissão e no exercício de funções públicas, como consequência do princípio da igualdade e do direito ao trabalho consagrado na Constituição.
Art. 2.º O disposto no presente diploma é aplicável aos funcionários e agentes da administração directa e indirecta do Estado, à administração autónoma regional ou local e às instituições de previdência social.
Art. 3.º Para efeitos de aplicação do presente diploma, entende-se por:
a) Exercício de funções públicas: o exercício de funções nas entidades referidas no artigo 2.º, sob a orientação e direcção dos órgãos respectivos;
b) Discriminação: toda a distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada no sexo que tenha como finalidade ou consequência comprometer ou recusar o reconhecimento, o gozo ou o exercício dos direitos assegurados;
c) Remuneração: toda e qualquer prestação patrimonial a que o trabalhador tenha direito pelo exercício das funções ou do cargo para que foi nomeado ou contratado, com ou sem natureza retributiva, feitas em dinheiro ou em espécie, designadamente vencimento ou remuneração principal, gratificações suplementares ou remunerações complementares devidas pela prestação de trabalho em regime de horário prolongado ou de exclusividade, remunerações acessórias, diuturnidades, subsídios de férias e de Natal, prémios de produtividade, ajudas de custo, subsídios de viagem e de marcha, despesas de representação, senhas de presença, abono para falhas, remunerações por trabalho nocturno, trabalho extraordinário, trabalho em dia de descanso semanal e trabalho em dia de feriado, subsídio de turno, subsídio de refeição, subsídio de renda de casa, fornecimento de alojamento, habitação ou géneros;
d) Trabalho igual: trabalho em que são iguais ou de natureza objectivamente semelhante os cargos ou funções exercidos, ou aqueles que possuam igual conteúdo funcional;
e) Trabalho de valor igual: trabalho em que as funções ou os cargos exercidos, embora de forma diversa, são considerados equivalentes em resultado da aplicação de critérios objectivos de avaliação de funções.
Art. 4.º - 1 - O direito ao trabalho implica a ausência de qualquer discriminação baseada no sexo, quer directa, quer indirecta, nomeadamente pela referência ao estado civil ou à situação familiar.
2 - Não são consideradas discriminatórias as disposições de carácter temporário que estabeleçam uma preferência em razão do sexo, imposta pela necessidade de corrigir uma desigualdade do facto, bem como as medidas que visem proteger a maternidade enquanto valor social.
3 - Os serviços, organismos e entidades referidos no artigo 2.º devem assegurar aos trabalhadores do sexo feminino as mesmas oportunidades e o mesmo tratamento concedidos aos trabalhadores do sexo masculino, no que se refere às condições de trabalho, orientação e formação profissional.
Art. 5.º Com excepção do disposto no artigo 8.º e no n.º 3 do artigo 9.º, são nulas as disposições regulamentares e os actos administrativos que limitem por qualquer forma o acesso das mulheres ao exercício de quaisquer funções ou cargos públicos.
Art. 6.º - 1 - É assegurada igualdade de remuneração entre os trabalhadores do sexo masculino e do sexo feminino por um trabalho igual ou de valor igual.
2 - As variações de remuneração efectiva não constituem discriminação se assentes em critérios objectivos de atribuição, comuns a homens e a mulheres.
3 - Os sistemas de descrições de tarefas e de avaliação de funções devem assentar em critérios objectivos comuns a homens e a mulheres, de forma a excluir qualquer discriminação baseada no sexo.
Art. 7.º - 1 - É garantido aos trabalhadores do sexo feminino, nas mesmas condições que aos do sexo masculino, o desenvolvimento de uma carreira profissional que lhes permita atingir o mais elevado nível hierárquico.
2 - O direito reconhecido no número anterior estende-se ao preenchimento de lugares de direcção e chefia e a mudança de carreira profissional.
Art. 8.º - 1 - São proibidos ou condicionados os trabalhos que, por diploma legal, sejam considerados como implicando riscos efectivos ou potenciais para a função genética.
2 - As disposições legais, regulamentares ou administrativas previstas no número anterior devem ser revistas periodicamente em função do progresso dos conhecimentos científicos e técnicos, a fim de serem actualizadas.
Art. 9.º - 1 - Os avisos dos concursos de ingresso e de acesso e os anúncios de ofertas de emprego e outras formas de publicidade ligada à pré-selecção e ao recrutamento não podem conter, directa ou indirectamente, qualquer restrição, especificação ou preferência baseada no sexo.
2 - O recrutamento far-se-á exclusivamente com base em critérios objectivos, não sendo permitida a formulação de exigências físicas que não tenham relação com as funções a exercer ou com as condições do seu exercício.
3 - Não constitui discriminação o facto de se condicionar o recrutamento a um ou outro sexo quando tal seja essencial à natureza das funções ou cargos a exercer, tornando-os qualitativamente diferentes quando prestados por um homem ou por uma mulher.
Art. 10.º Compete ao trabalhador ou trabalhadora que alegue a discriminação fundamentar tal alegação por referência ao trabalhador ou trabalhadora em relação ao qual se considera discriminado, incumbindo à entidade a quem presta serviço provar que as diferenças de estatuto efectivo assentam em factos diversos do sexo.
Art. 11.º - 1 - Compete aos trabalhadores objecto de discriminação interpor as acções necessárias para assegurar os respectivos direitos.
2 - Os trabalhadores e candidatos ao ingresso na função pública podem reclamar ou recorrer, nos termos da lei, dos actos dos órgãos das entidades referidas no artigo 2.º que considerem discriminatórios em face das garantias concedidas pelo presente diploma.
3 - Os direitos de acção, reclamação e recurso a que se referem os números anteriores podem ser exercidos pelo trabalhador que se considere discriminado ou, se este assim o entender, pela associação sindical que o representante, nos termos da lei processual aplicável.
Art. 12.º - 1 - É vedado a qualquer entidade proceder disciplinarmente, aplicar sanções ou por qualquer outra forma prejudicar um trabalhador por motivo de este haver reclamado, recorrido ou intentado acção alegando discriminação.
2 - Serão sujeitos a procedimento disciplinar os dirigentes e trabalhadores cuja actuação tiver sido julgada discriminatória nos termos do presente diploma.
Art. 13.º - 1 - Compete à Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego promover a execução das disponibilidades constantes do presente diploma, bem como recomendar ao membro do Governo que tiver a sua cargo a função pública a adopção de medidas legislativas, regulamentares e administrativas, tendentes a aperfeiçoar a aplicação das normas consignadas no presente diploma.
2 - À Comissão competirá, ainda, emitir parecer, em matérias de igualdade no trabalho e no emprego na função pública, sempre que solicitada pelo departamento governamental que tiver a seu cargo a função pública ou por qualquer outro departamento de Estado, ou ainda pelas associações sindicais representativas dos trabalhadores.
3 - No exercício da sua competência a Comissão poderá solicitar informações e esclarecimentos a qualquer das entidades referidas no artigo 2.º, que lhos deverão fornecer com a maior brevidade e de forma tão completa quanto possível.
4 - Quando as entidades referidas no artigo 2.º tiverem fundadas dúvidas quanto à eventual existência de uma situação ou prática discriminatória, bem como em todos os casos de reclamação, recurso ou acção previstos no artigo 12.º, será obrigatoriamente ouvida a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, que sobre a matéria emitirá parecer.
Art. 14.º - 1 - A Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego passa a ter a seguinte constituição:
a) Dois representantes do Ministério do Emprego e da Segurança Social, um dos quais presidirá;
b) Um representante do Ministério do Planeamento e da Administração do Território;
c) Um representante do membro do Governo que tiver a seu cargo a função pública;
d) Um representante da Comissão da Condição Feminina;
e) Dois representantes das associações sindicais;
f) Dois representantes das associações patronais.
2 - A Comissão delibera validamente com a presença da maioria dos seus membros, cabendo ao presidente, em caso de empate, voto de qualidade.
3 - O apoio administrativo é facultado à Comissão pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional.
4 - Os encargos com o pessoal e o funcionamento da Comissão são suportados pelo orçamento do Instituto do Emprego e Formação Profissional.
5 - O regulamento de funcionamento da Comissão será aprovado por despacho conjunto do Ministro do Emprego e da Segurança Social e do membro do Governo que tiver a seu cargo a função pública.
Art. 15.º O artigo 15.º do Decreto-Lei 392/79, de 20 de Setembro, passa a ter a seguinte redacção:
Art. 15.º - 1 - Compete à comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego:
a) Recomendar ao ministro responsável pelo sector do trabalho a adopção de providências legislativas, regulamentares e administrativas tendentes a aperfeiçoar a aplicação das normas consignadas no presente diploma;
b) Promover a realização de estudos e investigações, com o objectivo de eliminar a discriminação das mulheres no trabalho e no emprego;
c) Incentivar e dinamizar acções tendentes a divulgar os objectivos do presente diploma;
d) Tornar públicos, por todos os meios ao seu alcance, casos de comprovada violação das normas do presente diploma, desde que a decisão seja tomada por unanimidade dos seus membros ou mereça a concordância do ministro responsável pelo sector do trabalho;
e) Promover a assessoria a entidades responsáveis pela elaboração dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, com vista a serem correctamente estabelecidas as correlações entre as várias categorias profissionais e as remunerações que lhe correspondem;
f) Emitir e aprovar pareceres, em matéria de igualdade no trabalho e no emprego, sempre que solicitados pela Inspecção do Trabalho, pelo juiz da causa, pelas associações sindicais e patronais, pela entidade encarregada de proceder à tentativa de conciliação em conflitos individuais de trabalho ou por qualquer interessado;
g) Determinar a realização de visitas aos locais de trabalho ou solicitá-las à Inspecção do Trabalho, com a finalidade de comprovar quaisquer práticas discriminatórias;
h) Assegurar o expediente, superintender nos respectivos serviços e, em geral, garantir as condições necessárias ao desenvolvimento da sua actividade.
2 - A competência conferida pela alínea a) do número anterior será obrigatoriamente exercida relativamente às comissões encarregadas de elaborar portarias de regulamentação de trabalho.
3 - No exercício da sua competência a Comissão poderá solicitar informações e pareceres a qualquer entidade pública ou privada, bem como a colaboração de assessores de que careça.
4 - Em matéria de emprego, a Comissão deverá articular as suas acções com o Conselho Nacional do Plano.
Art. 16.º São revogados os n.os 2 a 5 do artigo 14.º do Decreto-Lei 392/79, de 20 de Setembro.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 4 de Agosto de 1988. - Aníbal António Cavaco Silva - Miguel José Ribeiro Cadilhe - Luís Francisco Valente de Oliveira - José Albino da Silva Peneda.
Promulgado em 5 de Novembro de 1988.
Publique-se.O Presidente da República, MÁRIO SOARES.
Referendado em 9 de Novembro de 1988.
O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.