Acórdão 385/2005/T. Const. - Processo 1109/2004. - Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A) Relatório. - 1 - Construções S. Jorge, S. A., recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) de 24 de Junho de 2004, que negou provimento ao recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra, sentença esta que julgou improcedente a acção com processo comum ordinário instaurada pela recorrente contra o IEP - Instituto de Estradas de Portugal, emergente de contrato de empreitada para execução de obras públicas de "reabilitação entre Arouca e Alvarenga da EN 26-1", na qual pedia a condenação do réu no pagamento dos danos sofridos.
2 - A recorrente pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a constitucionalidade da norma extraída do n.º 3 do artigo 166.º do Decreto-Lei 405/93, de 10 de Dezembro, na interpretação segundo a qual "a suspensão dos trabalhos decidida pelo empreiteiro sem prévia comunicação ao dono da obra, nos termos aí estabelecidos, não constitui na esfera jurídica do empreiteiro o direito de ser indemnizado pelos prejuízos decorrentes dessa mesma suspensão".
3 - O acórdão recorrido, na esteira do já sustentado na sentença por ele sindicada, considerou que, não obstante "durante o período que mediou entre 27 de Julho de 1997 [período compreendido pelo prazo de execução da empreitada] e a data da conclusão das obras - Junho de 1998 - a A. esteve parada com o seu pessoal e equipamento totalmente imobilizado na obra adjudicada por motivo imputável ao R.", a circunstância de a recorrente não ter procedido à comunicação prevista no n.º 3 do artigo 166.º com relação à situação descrita na alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo do Decreto-Lei 405/93, de 10 de Dezembro, determinou que "não chegou a constituir-se na esfera jurídica da recorrente o invocado direito a ser indemnizada por tais prejuízos" e que não se mostravam violados os princípios antiformalista e pro actione e o direito constitucional a uma tutela efectiva.
No seu essencial é a seguinte a fundamentação do acórdão recorrido:
"Sob a epígrafe 'Suspensão dos trabalhos pelo empreiteiro', estabelece o referenciado artigo 166.º, que "2 - O empreiteiro poderá suspender, no todo ou em parte, a execução dos trabalhos por mais de 8 dias seguidos ou 15 dias 'interpolados'"", verificada que seja alguma das circunstâncias contempladas na previsão das diferentes alíneas desse mesmo n.º 2, designadamente a ocorrência de facto que seja imputável ao dono da obra ou seus agentes.
Mas, conforme o n.º 3 desse mesmo artigo 166.º, 'O exercício da faculdade prevista no número anterior deverá ser antecedido de comunicação ao dono da obra, mediante notificação judicial ou carta registada, com menção expressa da alínea indicada'.
Trata-se, pois, de uma comunicação prévia e formal, a que, por isso, não poderá fazer-se equivaler uma mera tomada de conhecimento ocasional. Sendo que, para além disso, a lei exige também que, nessa comunicação prévia, se faça menção expressa da alínea do referido n.º 2 cuja previsão é invocada, de modo que o dono da obra fique a saber, inequivocamente, que os trabalhos foram suspensos e quais as concretas razões que motivaram essa suspensão. É que tal comunicação visa, justamente, conceder ao dono da obra a possibilidade de optar pela rescisão do contrato, nos termos do artigo 170.º, n.º 1 (ver nota 1), do Decreto-Lei 405/93. Neste sentido, decidiu o recente Acórdão desta Secção de 18 de Março de 2004, proferido no processo 641/41/03.
Assim, como bem entendeu a sentença recorrida, a suspensão dos trabalhos decidida pela ora recorrente, sem prévia comunicação ao R. dono da obra, conforme o formalismo exigido no questionado n.º 3 do artigo 166.º do Decreto-Lei 405/93, não produziu o pretendido efeito jurídico de responsabilização do R. pelos prejuízos decorrentes dessa mesma suspensão. Pelo que não chegou a constituir-se na esfera jurídica da recorrente o invocado direito a ser indemnizada por tais prejuízos.
O que, desde logo, retira fundamento à alegação da recorrente de que a decisão impugnada teria violado um tal direito à reparação ou indemnização dos danos sofridos e seguido, por isso, interpretação inconstitucional daquele preceito legal.
Pela mesma razão não colhe também a alegação da recorrente de que a interpretação seguida na sentença sob impugnação violou os princípios antiformalistas e pro actione, bem como o direito constitucionalmente garantido a uma tutela judicial efectiva.
Com efeito, o princípio pro actione postula que, ao nível dos pressupostos processuais, se privilegie a interpretação que se apresente como a mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva e que se pode traduzir na fórmula in dubio pro habilitate instantiae. Todavia, importa notar que o princípio pro actione não corresponde a um princípio pró-administrado, pois que não releva no plano material, antes opera no âmbito do direito processual, limitando-se ao mero direito de acção jurisdicional. Neste sentido, veja-se o Acórdão de 9 de Maio de 2002 (recurso n.º 701/02), bem como a doutrina aí citada.
Ora, no caso, a decisão recorrida em nada obstaculizou o acesso ao direito, por parte da recorrente, de cuja pretensão indemnizatória efectivamente conheceu o órgão jurisdicional competente. Com o que, independentemente de se ter julgado infundada tal pretensão, se respeitou o princípio da tutela judicial efectiva, que, no essencial, se traduz justamente no direito à protecção pela via judicial (ver nota 2)."
4 - Alegando neste Tribunal Constitucional, a recorrente condensou nas seguintes conclusões o discurso argumentativo antes desenvolvido:
"1.ª Vem o presente recurso interposto para este venerando Tribunal, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, na redacção dada pela Lei 85/89, de 7 de Setembro, e pela Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro, pretendendo a recorrente ver apreciada a inconstitucionalidade da norma ínsita no artigo 166.º, n.º 3, do Decreto-Lei 405/93, de 10 de Dezembro, com a interpretação com que foi aplicada no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 24 de Junho de 2004.
2.ª O acórdão recorrido, ao considerar que da omissão do formalismo previsto no artigo 166.º, n.º 3, do Decreto-Lei 405/93 decorre a impossibilidade de a recorrente (empreiteira) vir a ser indemnizada pelos prejuízos sofridos com a suspensão dos trabalhos, refugiou-se num formalismo positivista de todo desajustado aos dias de hoje, violando com tal decisão quer as garantias constitucionais da tutela jurídica efectiva dos direitos da recorrente quer os princípios antiformalistas pro actione e in dubio pro favoritate instantiae.
3.ª Entende a recorrente que, ao utilizar a expressão 'deverá ser antecedido de comunicação', o legislador terá querido assegurar ao dono da obra o pleno conhecimento da suspensão dos trabalhos por parte do empreiteiro.
4.ª Este conhecimento e a prova do mesmo podem ser assegurados por quaisquer outros meios, informais, que não os expressamente referidos na norma.
5.ª Não existe norma legal que determine que da omissão do formalismo previsto no artigo 166.º, n.º 3, do Decreto-Lei 405/93 decorre a perda do direito à indemnização previsto no artigo 171.º do mesmo diploma legal.
6.ª A exigência dos formalismos em causa tem uma finalidade meramente probatória e não quaisquer fins cominatórios, contrariamente à interpretação dada no acórdão recorrido ao sentido e alcance da norma.
7.ª Os fins visados pelo legislador são alcançados no momento em que o dono da obra tem efectivo conhecimento da suspensão dos trabalhos.
8.ª Não questionou nem questiona a recorrente o facto de não ter usado o formalismo referido no dito artigo 166.º, n.º 3.
9.ª No entanto, o recorrido teve conhecimento da situação desde o seu início, tendo tal situação evoluído sempre sob o seu conhecimento.
10.ª A norma ínsita no artigo 166.º, n.º 3, do Decreto-Lei 405/93, quando interpretada no sentido em que o foi pelo acórdão recorrido, é inconstitucional, pois limita o direito à reparação de danos decorrente do artigo 483.º do Código Civil, direito este análogo aos direitos, liberdades e garantias.
11.ª Ao interpretar a norma do artigo 166.º, n.º 3, do Decreto-Lei 405/93, no sentido em que o fez, o acórdão recorrido violou ainda os princípios antiformalistas 'pro actione' e 'in dubio pro favoritate instanciae', que a jurisprudência administrativa tem defendido e que impõem uma interpretação da norma que se apresente como a mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva.
12.ª Tais princípios postulam que, na densificação da indeterminação conceptual, se privilegie a interpretação mais favorável ao acesso ao direito e à tutela judicial efectiva, tendo como objectivo o alcance da verdade material.
13.ª A ideia basilar do princípio processual pro actione é, pois, a de favorecimento da tomada de decisões de mérito, contrariando o excessivo relevo que possam apresentar as questões de outra índole.
14.ª Pelo que se deve privilegiar a interpretação que melhor garanta a tutela efectiva do direito e a concretização da justiça material.
15.ª A interpretação das normas respeitantes aos direitos dos cidadãos deve efectuar-se, sempre que tal seja possível, através de um critério que seja favorável ao conhecimento das questões de fundo, visando possibilitar o exame de mérito das pretensões deduzidas em juízo.
16.ª Assim, em consonância com as garantias contenciosas consagradas na Constituição, a interpretação que em concreto foi dada à norma do artigo 166.º, n.º 3, do Decreto-Lei 405/93 viola o direito constitucional à tutela judicial efectiva, consagrado na norma constitucional do n.º 4 do artigo 268.º da CRP - a qual se traduz numa concretização do direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional efectiva, previsto no artigo 20.º da CRP e que implica a garantia de uma protecção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efectiva -, norma que é de aplicação directa, nos termos do artigo 18.º, n.º 1, da Constituição.
17.ª Pelo exposto, o acórdão recorrido, ao interpretar a norma do artigo 166.º, n.º 3, do Decreto-Lei 405/93, no sentido em que o fez, não respeitou os princípios fundamentais do contencioso administrativo antiformalistas, pro actione e in dubio pro habilitate instantiae, e pôs em causa o acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva, violando os artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP.
18.ª Deve a norma contida no artigo 166.º, n.º 3, do Decreto-Lei 405/93 ser interpretada da forma mais favorável à tutela jurisdicional efectiva, o que deve necessariamente conduzir à postergação de interpretações meramente ritualistas e formais, uma vez que estas não contribuem para a realização da justiça material."
5 - O recorrido contra-alegou, batendo-se pela manutenção do julgado, concluindo com esse sentido que:
"a) Não se chegou a constituir na esfera jurídica da recorrente, em consequência da inobservância do disposto no artigo 166.º, n.º 3, do Decreto-Lei 405/93, qualquer direito de indemnização, donde a decisão impugnada não viola qualquer direito à reparação ou indemnização dos danos por ela eventualmente sofridos ao interpretar naquele sentido o referido preceito legal.
b) A decisão recorrida em nada obstaculizou o acesso ao direito por parte da recorrente, dado que o Tribunal recorrido conheceu efectivamente da sua pretensão indemnizatória, pelo que a recorrente beneficiou de tutela judicial efectiva, contrariamente ao que invoca.
c) A interpretação seguida pelo Tribunal a quo não violou quaisquer princípios antiformalistas e pro actione, desde logo porque estes operam no âmbito do direito processual onde nenhum obstáculo foi levantado à recorrente, e não no plano do direito material como pretende erradamente esta última."
Tudo visto cumpre decidir.
B) Fundamentação. - 6.1 - Antes de se avançar importa deixar registado que não cabe nos poderes do Tribunal Constitucional, que, no tipo de recurso em causa, conhece apenas de questões de (in)constitucionalidade normativa, aferir da correcção da interpretação levada a cabo pelo acórdão recorrido do preceito do n.º 3 do artigo 166.º do Decreto-Lei 505/93, de 10 de Dezembro, sem embargo de se reconhecer que esse preceito foi aplicado de forma conjugada com o disposto nas alíneas a) e d) do mesmo artigo cuja constitucionalidade não se questiona. Não lhe compete assim apurar se o critério normativo que foi extraído do referido preceito corresponde ao melhor direito que o preceito consente mas apenas decidir se o critério de decisão que foi determinado e aplicado no caso concreto é não direito ou direito inválido perante a lei fundamental.
Nesta perspectiva não há que saber se, como defende a recorrente, "não existe norma legal que determine que da omissão do formalismo previsto no artigo 166.º, n.º 3, do Decreto-Lei 405/93 decorre a perda do direito à indemnização previsto no artigo 171.º do mesmo diploma legal".
6.2 - A recorrente sustenta que a interpretação de tal preceito, segundo a qual a suspensão dos trabalhos decidida pelo empreiteiro, sem prévia comunicação ao dono da obra, obsta a que se constitua na esfera jurídica daquele o direito a ser indemnizado pelos prejuízos decorrentes de tal suspensão devida a facto imputável a este, é "inconstitucional pois limita o direito à reparação de danos decorrente do artigo 483.º do Código Civil, direito este análogo aos direitos, liberdades e garantias", "os princípios fundamentais do contencioso administrativo anti-formalista pro actione e in dúbio pro habilitate instantiae, e a garantia constitucional do 'acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva consagrada nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa'".
Poderá admitir-se que a Constituição consagra, para além dos casos em que especificamente admite o direito de indemnização por danos, como acontece nos artigos 22.º, 60.º, n.º 1, 62.º, n.º 2, e 271.º, n.º 1, um direito geral à reparação de danos. A existência de um tal direito impor-se-á como um postulado intrínseco da efectividade da tutela jurídica condensada no direito do respectivo titular naqueles casos, pelo menos, em que se verifica a violação de um direito absoluto constitucionalmente reconhecido. O dever de indemnizar, nestas hipóteses, surge como elemento necessário do conteúdo da tutela constitucionalmente dispensada ao direito.
O artigo 483.º do Código Civil poderá ser, assim, visto, pelo menos em parte, como uma norma densificadora da tutela constitucional dispensada aos direitos absolutos. E diz-se em parte porque a obrigação de indemnizar a que se refere, independentemente de não abranger a responsabilidade de fonte negocial e contratual (situada fora do domínio dos direitos absolutos), pode ter por fonte não só a violação de direitos dessa natureza mas também a simples violação de "disposição legal destinada a proteger interesses alheios".
O direito à indemnização, no caso sub judice, não surge, todavia, como concretização da efectividade da tutela dispensada a um direito absoluto, integrando-se, antes, na regulação de relações jurídicas contratuais.
Assim sendo, não tem sentido apelar à existência do direito constitucional à indemnização por danos na medida em que o mesmo haja sido densificado em tal norma, ao contrário do que a recorrente defende.
De resto, a entender-se que a situação seria esta, o direito de indemnização teria, então, assento directamente no artigo 22.º da Constituição, dado o R. ter a natureza de entidade pública.
Na situação em apreço, o dever de indemnizar é antes imputado à violação de deveres contratuais a que as partes contratantes estão adstritas no desenvolvimento da execução de um contrato de direito administrativo, de empreitada de obras públicas, regulado pelo Decreto-Lei 405/93, de 10 de Dezembro (cf. sobre o conceito de contrato administrativo e a qualificação como tal do contrato de empreitada de obras públicas, entre outros, José Manuel Sérvulo Correia, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, 1987, pp. 343 e segs).
Note-se que o próprio legislador qualifica o contrato de empreitada de obras públicas como contrato administrativo (cf. artigo 1.º, n.º 4, do Decreto-Lei 405/93, norma cujo sentido foi repetido no diploma que lhe sucedeu - artigo 2.º do Decreto-Lei 59/99, de 2 de Março).
Nesta perspectiva, o direito de indemnização por danos, a admitir-se neste domínio a sua relevância constitucional, poderá ser tido antes, mais adequadamente, como uma refracção da tutela constitucional dispensada aos princípios da autonomia, da liberdade contratual e da iniciativa privada cujos "fundamentos mais explícitos se encontram nos artigos 26.º, n.º 1, e 61.º da Constituição" (cf. Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª ed. por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, p. 102).
Ademais, como se diz no Acórdão 153/90, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 16.º vol., p. 237, tendo o Código Civil sediado a fonte da obrigação de indemnizar em diversos factos jurídicos, como sejam o negócio jurídico unilateral, o contrato, o facto ilícito, a responsabilidade pelo risco e, em alguns casos, o próprio facto lícito, não obstante a sua opção pela regulação da obrigação nos seus pontos comuns (artigos 562.º e seguintes), não poderia uma tal concepção e opção do legislador ser esquecida pela Constituição de 1976.
E numa tal visão das coisas não é de desconhecer que o dever de indemnizar decorrente da violação de deveres contratuais pode ser moldado em termos diferentes, quer pelas próprias partes, ao ajustarem as cláusulas segundo as quais se autovinculam, quer pelo legislador, ao regular a disciplina jurídica imperativa e supletiva do contrato, sem embargo de nesta tarefa haver de respeitar os parâmetros constitucionais, entre os quais releva, sem dúvida alguma, o princípio da proporcionalidade.
Na acepção que vem sindicada, a norma em causa (n.º 3 do artigo 166.º do Decreto-Lei 405/93) estabelece que o direito a ser indemnizado pelos prejuízos decorrentes da suspensão da empreitada devida a facto imputável ao dono da obra apenas se constitui na esfera jurídica do empreiteiro se este proceder à comunicação ao dono da obra, mediante notificação judicial ou carta registada, com menção expressa da alínea constante do n.º 2 do mesmo artigo ao abrigo do qual procedeu à suspensão.
No caso, segundo a alegação do recorrente, verificar-se-ia uma situação subsumível às hipóteses descritas nas alíneas a) e d) do preceito. De acordo com a decisão recorrida, essa exigência legal visa "que o dono da obra fique a saber, inequivocamente, que trabalhos foram suspensos e quais as concretas razões que motivaram essa suspensão" e "que tal comunicação visa, justamente, conceder ao dono da obra a possibilidade de optar pela rescisão do contrato, nos termos do artigo 170.º, n.º 1, do mesmo Decreto-Lei 405/93".
Tendo em conta a funcionalidade jurídica que foi atribuída à referida comunicação, pode dizer-se que a sua natureza se mostra ajustada à de uma condição legal não de constituição do direito de indemnização contratual, que decorrerá simplesmente do incumprimento das regras relativas à execução do contrato, mas do seu exercício em concreto, efeito este que o acórdão recorrido designa por constituição do direito na esfera jurídica do empreiteiro (sendo, porém, certo que este Tribunal não se mostra refém da qualificação feita pela decisão recorrida mas apenas da definição dos efeitos jurídicos condensados na norma; no plano do juízo de constitucionalidade, "o Tribunal Constitucional não está vinculado à determinação feita pela decisão recorrida dos elementos jurídicos a relevar e a ponderar nesse juízo de constitucionalidade, designadamente à interpretação da lei feita pelo tribunal recorrido" - Acórdão 682/04, disponível em www.tribunalconstitucional.pt): de um verdadeiro pressuposto jurídico para que o direito à indemnização por perdas e danos emergentes do não cumprimento do contrato de empreitada possa ser invocado em juízo e fora dele e cuja conformação a coberto dos princípios da autonomia e da liberdade contratual, no plano do próprio contrato, não se vê que estivesse vedada às partes contratantes.
Esta circunstância desvela só por si que a sua previsão legislativa não contende com o núcleo do respectivo direito. O conteúdo do direito de indemnização decorrente do incumprimento contratual em nada se altera, cumprido que seja esse pressuposto de exercício do respectivo direito. Consequentemente, não poderá falar-se de uma limitação ao direito de indemnização, mas simplesmente de um condicionamento ao seu exercício.
Nesta perspectiva, mesmo pressuposta a natureza de direito análogo aos direitos e garantias individuais do direito à reparação de danos advindos de incumprimento contratual, haveria que concluir-se estar-se perante uma norma de direito ordinário simplesmente estabelecedora de um mero procedimento de exercício, fundado em valores comunitários, do direito análogo aos direitos fundamentais que em nada restringe o seu conteúdo e, muito menos, o seu núcleo (cf. José Carlos Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 2.ª ed., pp. 146-148).
Por outro lado, trata-se de um requisito cujo estabelecimento não se antolha que seja desadequado e desproporcionado. Na verdade, estamos perante um contrato de direito administrativo que é celebrado para satisfação de necessidades e interesses públicos e que, por natureza, atenta essa sua funcionalidade, pode ser sujeito a cláusulas exorbitantes de direito privado, tendentes a acautelar a realização desse fim contratual (cf. José Manuel Sérvulo Correia, op. cit., p. 375).
Ao dispor-se a celebrar um contrato desse tipo, o particular deve saber estar sujeito a um específico regime contratual enformado segundo um princípio legislativo de predominância dos interesses públicos sobre os interesses privados que se expressa na previsão de "cláusulas exorbitantes" do direito privado ou de cláusulas que fogem à regra da equivalência dos interesses a prosseguir ou a realizar através do contrato.
Acresce que a imposição que lhe é feita se mostra racionalmente fundada quer na circunstância de o dono da obra ser uma entidade pública sujeita a regras de procedimento formal na sua actuação com as outras partes contratuais, decorrentes do princípio da legalidade administrativa, quer no facto de, por via da organização administrativa da entidade pública contratante, poderem ser diferentes os agentes que intervêm no acompanhamento da execução do contrato e os agentes com competência de disposição contratual e, consequentemente, para a avaliação do que corresponde, no caso, ser a satisfação dos interesses públicos, nesta se compreendendo a decisão sobre a rescisão ou não do contrato, de que fala a decisão recorrida, em caso de não cumprimento pelo empreiteiro do regime estabelecido no artigo 166.º para a suspensão da empreitada.
Por último, a imposição de procedimento adoptando pelo empreiteiro estabelecida na norma questionada traduz-se em um comportamento cuja prática não se afigura demasiado ou sequer sensivelmente onerosa, do ponto de vista das tarefas que demanda para a sua concretização: a comunicação por carta registada ou notificação judicial de qual das razões constantes das várias alíneas do n.º 2 do artigo 166.º do Decreto-Lei 405/93 em que se apoia para determinar a suspensão da execução da empreitada.
Não se vê, portanto, que a norma em causa afronte o pressuposto direito geral à indemnização por danos.
6.3 - Alega ainda a recorrente que a dimensão normativa constitucionalmente sindicada afronta os "princípios fundamentais do contencioso administrativo antiformalistas pro actione e in dubio pro habilitate instantiae", bem como o direito constitucional de "acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva, violando os artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP".
Ora, independentemente da questão de saber se os designados "princípios fundamentais do contencioso administrativo antiformalistas" correspondem a qualquer dimensão do conteúdo do direito constitucional do acesso aos tribunais reconhecido no artigo 20.º da Constituição, pelo menos na medida em que respeitem a condicionamentos impostos pelo legislador ordinário que se mostrem funcionalmente desadequados e desproporcionados ao exercício do direito em juízo e na tramitação do respectivo processo judicial, é seguro que, na situação em causa, uma tal violação não acontece [cf., a propósito, Carlos Lopes do Rego, "Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil", em Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra Editora, Coimbra, 2003, pp. 835-859, onde este A. fala de um "princípio da funcionalidade e proporcionalidade dos ónus, cominações e preclusões impostas pela lei de processo às partes", o qual, no seu entender, "pode fundar-se cumulativamente no princípio da proporcionalidade das restrições (artigo 18.º, n.os 2 e 3, da Constituição) ao direito de acesso à justiça, quer na própria regra do processo equitativo"].
Na verdade, tendo em conta a referida natureza e funcionalidade do condicionamento de procedimento imposto ao empreiteiro, há que concluir, desde logo, que não estamos perante qualquer imposição que diga respeito ao processo a seguir em juízo para a defesa, aí, dos direitos e interesses legalmente protegidos.
A designada formalidade não é um procedimento processual cuja observância seja imposta pela lei às partes ou ao tribunal na sua actuação em juízo, mas exterior a ele.
O condicionamento ocorre ainda em sede, como se diz no acórdão recorrido, da constituição, na esfera jurídica do empreiteiro, do direito à reparação de danos emergentes do contrato de empreitada.
E sendo assim, trata-se igualmente de um pressuposto do direito subjectivo que é estranho completamente ao conteúdo do direito de acesso aos tribunais e à sua dimensão de exigência de um processo equitativo.
Desde que o empreiteiro seja titular do direito subjectivo que se arroga nenhum entrave específico, no acesso ao tribunal ou dentro dele, lhe acarreta a defesa desse direito.
Temos, pois, de concluir pela improcedência do recurso.
C) Decisão. - 7 - Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, fixando a taxa de justiça em 20 UC.
(nota 1):
"Artigo 170.º
Rescisão em caso de suspensão
1 - O dono da obra tem direito de rescindir o contrato se a suspensão pelo empreiteiro não houver respeitado o disposto no artigo 166.º"
(nota 2) V., entre outros, os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 444/96, de 20 de Novembro, 451/97, de 25 de Junho, e 960/96, de 10 de Julho, e, na doutrina, J. C. Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 4.ª ed., Almedina, pp. 159 e segs.
Lisboa, 13 de Julho de 2005. - Benjamim Rodrigues - Mário José de Araújo Torres - Rui Manuel Moura Ramos.