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Assento DD1, de 12 de Abril

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Sumário

Lavra o seguinte assento: Dos acórdãos da relação proferidos sobre despachos de pronúncia não há recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, quer verse sobre matéria de direito quer de facto. (Processo n.º 40210, da 3.ª Secção)

Texto do documento

Assento

Assento tirado do processo 40210, da 3.ª Secção.

Acordam, em sessão plenária, no Supremo Tribunal de Justiça:

Invocando o disposto no artigo 668.º do Código de Processo Penal de 1929, o Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto na Secção Criminal deste Supremo Tribunal interpõe recurso para o seu pleno do Acõrdão de 12 de Abril de 1989, proferido no processo 39811, de fl. 91 a fl. 95, reproduzido a fls. 12 e seguintes dos presentes autos, com fundamento na existência de oposição relevante entre esse aresto e o Acórdão de 6 de Fevereiro de 1985, publicado no Boletim do Ministério de Justiça, n.º 344, pp. 337-339.

O mesmo e digno magistrado sintetizou a pretensa oposição entre aquelas duas decisões nos termos seguintes:

Enquanto no acórdão fundamento se decidiu que dos acórdãos proferidos pela relação sobre despachos de pronúncia apenas cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça quando estiver em causa matéria de direito, no acórdão recorrido a decisão sufraga o princípio de que dos acórdãos da relação sobre o mesmo tema nunca cabe tal recurso, qualquer que seja o seu fundamento, ou seja, quer verse matéria de direito ou de facto.

O recorrente no recurso interposto naquele processo 39811 acompanha o Ministério Público.

No acórdão a fl. 26, por unanimidade dos juízes conselheiros que constituem a Secção Criminal, decidiu-se, preliminarmente, verificar-se a alegada oposição.

I - O Ministério Público produziu notável parecer acerca da solução a dar ao presente conflito de jurisprudência, pronunciando-se favoravelmente à tese do acórdão fundamento e pedindo, em consequência, a revogação do acórdão recorrido.

Propõe, em conclusão, que se lavre assento no sentido que preconiza, sugerindo para ele, desde já, a seguinte redacção:

Dos acórdãos da relação proferidos sobre recursos interpostos de despachos de pronúncia cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, restrito embora à questão de direito.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II - O reconhecimento jurisdicional da existência de oposição entre as decisões postas em confronto não impede que o tribunal pleno decida em contrário (artigo 766.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 1.º, § único, do Código de Processo Penal).

Ora, reexaminando a questão sub judice, torna-se óbvio que tal oposição ocorre.

Com efeito, os dois acórdãos em confronto, que foram proferidos sobre a mesma questão de direito, no âmbito da mesma legislação, havendo transitado em julgado o que serve de fundamento ao recurso ou, como tal, se havendo de presumir (artigo 762.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), concluíram e decidiram em termos da irredutível contradição. Onde um diz que há recurso para o Supremo Tribunal de Justiça dos acórdãos da relação que incidam apenas sobre despachos de pronúncia, ainda que circunscritos à matéria de direito, no outro, isto é, no recorrido, entendeu-se que dos acórdãos da relação que versem sobre os ditos despachos nunca é admissível tal impugnação.

Verifica-se, pois, a indispensável oposição de decisões para que se justifique o recurso para o tribunal pleno, a fim de se obter uniformização de jurisprudência no ponto controvertido.

Estão os acórdãos confrontados em irredutível oposição tal como o «sim» o está do «não».

III - Salienta o Ministério Público que, durante prolongado período, foi por este Supremo Tribunal decidido em conformidade com a solução que propõe e pretende fazer vingar. Dessa jurisprudência há numerosos testemunhos, como se pode ver da extensa, mas não exaustiva, enunciação que dela faz.

Simplesmente, a partir de dado momento, operou-se uma alteração no entendimento e compreensão das normas em conflito e enveredou-se pela interpretação que sofre oposição, da qual também não são exemplos únicos os acórdãos apontados no articulado a fls. 32 e seguintes, muitos mais se podendo indicar no mesmo sentido - v. g. de 12 e 19 de Abril e 3, 17 e 17 de Maio de 1989, proferidos, respectivamente, nos processos n.os 39866, 39672, 39928, 39896 e 39907 -, com a particularidade de terem a adesão de 9 dos 10 juízes conselheiros que constituem a Secção de Jurisdição Criminal.

Não há verdades eternas, juízos infalíveis, e aquilo que durante algum tempo se teve como axiomático não passaria, afinal, segundo nos parece, de um erro de direito generalizado. Quiçá a jurisprudência formada anteriormente ao Decreto-Lei 605/75, de 3 de Novembro, tenha criado um estado de inércia, que prejudicou a compreensão das alterações introduzidas por este diploma legal, designadamente pelo seu artigo 21.º E assim se diz porque, na realidade, uma interpretação mais actualizada e atenta da realidade jurídica introduzida pelo decreto-lei em referência parece claramente sugerir que a interposição dos recursos da Relação para o Supremo que hajam incidido sobre despachos de pronúncia é inadmissível.

E não se diga contra este parecer, que já se adivinha que virá a ser adoptado, que, em outra visão e entendimento da temática em discussão, vários réus viram ser conhecidos numerosos recursos interpostos de acórdãos da relação sobre aqueles despachos, obtendo, por vezes, provimento, e que, futuramente, a outros se negarão idênticas possibilidades, o que contraria o natural sentimento de justiça relativa. É que pior que ferir tal sentimento é reconhecer um erro e nele persistir.

Nem se acrescente que a solução a eleger a poucos casos virá a ser aplicada, dada a circunstância de o Código de Processo Penal de 1987 haver revogado o citado Decreto-Lei 605/75, já que, mais do que um critério de utilidade prática e de quantidade, o que se demanda em matéria de justiça são soluções conformes ao direito (ainda) instituído - aquela revogação só vale para o futuro -, seja este de escassa ou lata aplicação.

IV - A pouco se resume a argumentação tendente a demonstrar a inadmissibilidade dos recursos em causa, mas têm-se por inatacáveis e decisivos os respectivos fundamentos.

Com efeito estatui o já nomeado artigo 21.º que «dos despachos de pronúncia e não pronúncia cabe apenas recurso para o tribunal da relação».

Pretende-se que semelhante regra legal se circunscreva aos recursos quando estiverem em discussão meras questões de facto, mas não já matéria de direito.

Ora, a circunstância de o legislador utilizar a fórmula exclusiva e excludente, expressa pelo advérbio «apenas», desde logo leva a precaver contra a singeleza de semelhante entendimento, até porque não se faz no preceito invocado qualquer distinção e ubi lex non distinguit nec nos distinguire debemus.

Se, ao contrário do que se pensa, a vontade do legislador fosse a de restringir o sentido liberal do artigo 21.º, bastaria tê-lo dito, como fez na disposição imediatamente anterior - o artigo 20.º -, do qual, por certo, não estaria esquecido e onde, com todas as letras, esclareceu que os recursos aí consentidos eram circunscritos «à matéria de direito».

V - Mas outras e não menos convincentes razões concorrem a favor da tese que se julga dever merecer aprovação.

Assim:

No corpo do artigo 377.º do Código de Processo Penal em referência, dispõe-se que do «acórdão da relação que julgar o recurso interposto do despacho de pronúncia ou não pronúncia cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça», mas este preceito foi expressamente revogado pelo artigo 22.º do mencionado Decreto-Lei 605/75.

Simplesmente, o artigo 666.º da mesma lei adjectiva penal, cuja aplicabilidade se mantém no âmbito do artigo 7.º, n.º 1, do Decreto-Lei 78/87, de 17 de Fevereiro, completado pelo preceituado no artigo único da Lei 17/87, de 1 de Junho, antes, durante e depois da vigência daquele Decreto-Lei 605/75, sempre dispôs que o Supremo Tribunal de Justiça conhecida de matéria de direito e de facto, nas causas que julgue em única instância e ainda no caso do § 3.º do artigo 663.º, pois que, em todos os outros casos, apenas conhecerá da matéria de direito.

Mas, assim, a valer a jurisprudência que se pretende salvaguardar com o presente recurso, teríamos de concluir pela inutilidade daquele artigo 21.º, que seria redundante face à estatuição genérica do dito artigo 666.º - cf. também o artigo 29.º da Lei 38/87, de 23 de Setembro.

De resto e de acordo com a regra hermernêutica inserta no artigo 9.º do Código Civil, há sempre que atender a que a interpretação da lei não deve cingir-se à sua letra, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, «além de que não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso».

Ora, o único pensamento legislativo que encontra correspondência na letra do artigo 21.º é o da exclusão de todo o recurso para este Supremo Tribunal de despachos de pronúncia, o que nenhum elemento extrínseco impede - v. parte final do acórdão recorrido.

Mas há mais:

Diz-se que a parte final do n.º 4 do preâmbulo do Decreto-Lei 605/75 favorece a tese a que o Ministério Público dá guarida, enquanto aí se ponderou que, «na medida em que o despacho de pronúncia visa a existência de indícios suficientes, não se vê razão para que do acórdão da relação que o aprecie se possa recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, por natureza destinado à apreciação do direito».

Mas contrapõe-se eficazmente no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 1989, no processo 40077:

Quanto ao preâmbulo aludido, está ele bem longe de ser inequívoco para pressionar o sentido literal do texto legal, porque a parte desse preâmbulo bem poderá entender-se no sentido de que, visando o recurso, no fundo e na maior parte dos casos, a existência de indícios suficientes, não se justifica que dele possa conhecer o Supremo Tribunal de Justiça.

Ora, a experiência dos tribunais confirma abundamentemente que assim é, e, por isso, em homenagem à celeridade processual, não há razão para admitir mais um recurso para o Supremo.

Trata-se, de resto, de decisões (despachos) de natureza interlocutória e provisória e não finais, e daí que o recurso deles para a relação satisfaça já plenamente a exigência do 2.º grau de jurisdição universalmente aceite como garantia indispensável e suficiente. Ir mais longe que isto parece ser cautela excessiva e, por isso, não justificável.

Tenha-se presente que o novo Código de Processo Penal de 1987 estabelece a irrecorribilidade em 1.º grau da decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, bem como dos despachos que designam dia para o julgamento (cf. artigos 310.º, n.º 2, e 313.º, n.º 3).

VI - Conclusão.

Por tudo quanto se expôs, julga-se improcedente o recurso, confirmando-se o acórdão recorrido.

Em consequência, lavra-se o assento seguinte:

Dos acórdãos da relação proferidos sobre despachos de pronúncia não há recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, quer verse sobre matéria de direito quer de facto.

Sem tributação.

Lisboa, 24 de Janeiro de 1990. - José Henriques Ferreira Vidigal - João Solano Viana - António Carlos Almeida Ribeiro - Licínio Adalberto Caseiro - Júlio Carlos Gomes dos Santos - Manso Preto - José Menéres Pimentel - João Alcides de Almeida - Maia Gonçalves - António Soares Tomé - Salviano Francisco de Sousa - Rodrigues Gonçalves - Brochado Brandão - Cesário Dias Alves - Mário Sereno Cura Mariano - Fernandes Fugas - Ferreira da Silva -José Saraiva - Eliseu Figueira Júnior - Mário Afonso - Barbosa de Almeida - Mendes Pinto - Vasco Tinoco - Baltazar Coelho - Sousa Macedo - Pinto Ferreira - Barros de Sequeiros - Jorge Vasconcelos - Fernando Lopes de Melo - Manuel da Rosa Ferreira Dias - Joaquim de Carvalho - Cabral de Andrade - Silvino Villa-Nova (vencido conforme declaração de voto junta).

Declaração de voto

Votei no sentido de dos acórdãos da relação proferidos sobre recursos interpostos de despacho de pronúncia haver recurso para este Supremo Tribunal, embora restrito à matéria de direito.

Com efeito, lê-se, no n.º 4 do relatório do Decreto-Lei 605/75:

Na medida em que o despacho de pronúncia visa a existência de indícios suficientes, não se vê razão para que do acórdão da relação que o aprecie se possa recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, por natureza destinado apenas à apreciação do direito.

Esclarecido, assim, o sentido da lei, há que interpretar restritivamente o artigo 21.º daquele decreto-lei: o que aí se quer dizer é somente que, quanto a matéria de facto - na medida desta -, cabe apenas recurso para a relação.

Disse, em contrário, que, a ser assim, o citado artigo 21.º seria completamente inútil, uma vez que este Supremo Tribunal não conhece de matéria de facto, mas são conhecidas as redundâncias, que, por vezes, as leis apresentam.

De resto, este Supremo Tribunal decidiu, uniformente e desde há muito tempo, no sentido aqui defendido e uma mudança de orientação - numa altura em que, com a entrada em vigor do novo Código de Processo Penal, foi concomitantemente revogado o Decreto-Lei 605/75 (artigo 2.º, n.º 2, do Decreto-Lei 78/87, de 17 de Fevereiro) - não deixa de constituir uma injustiça relativa quanto ao caso dos autos e, porventura, ou de poucos outros que surjam.

Silvino Alberto Villa-Nova.

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/1990/04/12/plain-22092.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/22092.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1975-11-03 - Decreto-Lei 605/75 - Ministério da Justiça - Gabinete do Ministro

    Altera o Código de Processo Penal e institui o júri.

  • Tem documento Em vigor 1987-02-17 - Decreto-Lei 78/87 - Ministério da Justiça

    Aprova o Código de Processo Penal.

  • Tem documento Em vigor 1987-06-01 - Lei 17/87 - Assembleia da República

    Altera, para 1 de Janeiro de 1988, a data de entrada em vigor do Código de Processo Penal, prevista no n.º 1 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 78/87 de 17 de Fevereiro.

  • Tem documento Em vigor 1987-12-23 - Lei 38/87 - Assembleia da República

    Lei orgânica dos tribunais judiciais.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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