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Acórdão 442/2003/T, de 17 de Novembro

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Texto do documento

Acórdão 442/2003/T. Const. - Processo 593/03. - Acordam no Tribunal Constitucional:

No âmbito do processo de apreciação da regularidade das contas da campanha eleitoral para a eleição autárquica intercalar da Assembleia de Freguesia de Avintes de 23 de Junho de 2002, verificou a Comissão Nacional de Eleições (CNE) que o Partido Humanista não apresentara atempadamente as contas da sua campanha.

Uma vez que a aludida omissão poderia concretizar a contra-ordenação prevista e punível no artigo 27.º, n.º 1, da Lei 56/98, de 18 de Agosto, na redacção da Lei 23/2000, de 23 de Agosto, determinou o plenário da CNE, reunido em 18 de Março de 2003, instaurar o respectivo processo contra-ordenacional.

De seguida, foi ordenada a notificação do Partido Humanista, nos termos e para os efeitos do artigo 50.º do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), por carta registada com aviso de recepção, conforme consta de fl. 5.

Não tendo havido resposta, em 15 de Julho de 2003 a CNE deliberou, em suma, o seguinte.

"Pelas razões acima expostas, julga-se o Partido Humanista autor da contra-ordenação prevista e punida nos termos do artigo 27.º da Lei 56/98, de 18 de Agosto.

Contudo, tomando em consideração o artigo 9.º, n.º 2, do Regime Geral das Contra-Ordenações (Decreto-Lei 433/82, 27 de Outubro), pode a entidade administrativa atenuar especialmente a coima numa situação em que a infracção tenha sido cometida sem consciência da ilicitude, mas em que o erro lhe seja censurável.

Concebe-se, no caso ora em apreciação, que o arguido representou e quis a não prestação de contas (realidade factual/dolo) e que ao praticar o acto positivo de não prestação de contas não representou as suas repercussões jurídicas (realidade jurídica/falta de consciência da ilicitude).

Porém, este erro é-lhe censurável, dado que não actuou com o cuidado devido.

Nesse sentido, verificando-se uma redução do grau da culpa, há lugar a atenuação especial da coima, a fazer-se segundo o critério estabelecido no artigo 18.º, n.º 3, do mencionado Decreto-Lei 33/82, de 27 de Outubro, com a redacção dada pelo Decreto-Lei 244/95, de 14 de Setembro, condenando-se o Partido Humanista no mínimo legal de 7,5 salários mínimos nacionais, ou seja, Euro 2610,06 e custas devidas.

Esta decisão torna-se definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada nos termos do artigo 59.º do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, com as alterações introduzidos pelo Decreto-Lei 244/95, de 14 de Setembro, e pela Lei 109/2001, de 24 de Dezembro, e do artigo 28.º, n.os 1 e 3, da Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, já identificado."

Foi, de novo, expedida carta de notificação - registada com aviso de recepção - para o mesmo endereço (fl. 13), mas a carta foi, desta vez, devolvida ao remetente.

Posteriormente, a deliberação foi notificada por carta registada com aviso de recepção e recebida pelo destinatário em 11 de Agosto de 2003.

No dia 20 do mesmo mês de Agosto deu entrada nos serviços da CNE um requerimento do Partido Humanista - dirigido ao presidente da CNE - no qual se invocava expressamente "a nulidade da notificação e de todo o processado" decorrente da não audição do interessado durante o procedimento, o que deveria determinar a revogação "da deliberação tomada ou, se for caso disso", a remessa do requerimento ao Tribunal Constitucional "para os efeitos convenientes".

Em face a esta solicitação, a CNE respondeu:

"A Comissão Nacional de Eleições acusa recebido o seu ofício de 14 de Agosto do corrente, informando, quanto ao teor do mesmo, que o poder jurisdicional da CNE se encontra esgotado, o que determina a impossibilidade de se pronunciar quanto à matéria da contra-ordenação em causa. Assim, caso V. Ex.ª não se conforme com a decisão da Comissão Nacional de Eleições, o meio jurídico adequado para reagir é o do recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 28.º, n.º 3, da Lei 56/98, de 18 de Agosto.

O recurso deve ser apresentado junto da Comissão Nacional de Eleições, por escrito e sem obrigatoriedade de constituição de mandatário judicial, no prazo de 10 dias (prazo contínuo) após o conhecimento (data da recepção da decisão que aplicou a coima) da decisão, nos temos do artigo 102.º-C da Lei 28/82, de 15 Novembro, Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional."

Em 22 de Agosto de 2003 o Partido Humanista fez entrar nos serviços da CNE o requerimento de fl. 20 a fl. 22 dos presentes autos, dirigido ao Presidente do Tribunal Constitucional, através do qual - declarando-se inconformado "com o teor da decisão proferida" nos autos de contra-ordenação - pretenderia "interpor recurso da mesma, ao abrigo do disposto no artigo 28.º, n.º 3, da Lei 56/98, de 18 de Agosto, e no artigo 102.º-C da Lei 28/82, de 15 de Novembro".

Termina requerendo que "na procedência da nulidade da notificação e de todo o processado, devem VV. Exmas. revogar a deliberação tomada, ordenando a notificação do arguido para se pronunciar, querendo, sobre a contra-ordenação que lhe foi imputada, seguindo-se os demais termos legais".

Cumpre apreciar, com base na matéria de facto já alinhada no antecedente relatório.

E deverá começar-se por uma breve referência sobre a verificação dos pressupostos processuais do presente pedido, uma vez que o já referido documento apresentado em 20 de Agosto de 2003 à CNE se configura - e como tal deve ser interpretado - como o requerimento de interposição de recurso, juntado dentro do prazo de que dispunha o recorrente para este efeito: 10 dias - n.º 2 do artigo 102.º-C da Lei do Tribunal Constitucional (LTC). É certo que nesse requerimento está formulado um prévio pedido de revogação da decisão dirigido à autoridade instrutora. Mas deve aceitar-se que essa pretensão não é impertinente face ao que dispõe o artigo 62.º, n.º 2, do RGCO - na redacção do Decreto-Lei 244/95, de 14 de Setembro, que prevê expressamente a possibilidade de revogação da decisão recorrida pela autoridade administrativa que a emitiu em caso de impugnação judicial, ou seja, na fase procedimental em que se achavam os autos, faculdade que não só não é proibida pelo artigo 102.º-C da LTC como se conjuga com o genérico poder que é atribuído à Administração de revogar os próprios actos desde que feridos de ilegalidade, até que o conhecimento da questão passe para o controlo jurisdicional - artigo 145.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo, e artigo 47.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos.

O processado posterior não altera esta situação, pelo que o segundo requerimento formulado pelo recorrente - em tudo idêntico ao anterior, embora dirigido ao Tribunal - é, para este efeito, irrelevante.

E também não obsta ao conhecimento do recurso a circunstância de no requerimento em análise não terem sido produzidas as respectivas conclusões, conforme aponta o n.º 3 do artigo 59.º do RGCO.

É que, no presente caso, a matéria em análise resume-se a uma única questão, que consiste em saber se ocorre a nulidade da decisão sancionatória decorrente da omissão de diligências procedimentais essenciais - não audição do partido político arguido no âmbito do procedimento contra-ordenacional, nos termos do artigo 50.º do RGCO; torna-se assim patente a inutilidade de um convite ao recorrente para formulação de proposições conclusivas na sua alegação, que, por esta razão, bem se poderiam resumir ao que já consta no requerimento.

Aceitando-se esta tese, nada obsta ao imediato conhecimento do objecto do recurso.

A questão é muito simples e pode ser resolvida, sem necessidade de outras diligências, com base nos factos já apurados.

Estes factos indicam que a CNE, no decorrer do procedimento contra-ordenacional, quis notificar o Partido interessado em obediência ao citado artigo 50.º do RGCO, e fê-lo por carta, que endereçou a uma morada que, todavia, não era a sede do Partido em causa, mas que tinha sido referida como sendo a do domicílio do mandatário do Partido Humanista durante aquelas eleições autárquicas intercalares da Assembleia de Freguesia de Avintes de 23 de Junho de 2002.

A carta não foi devolvida à CNE, mas o certo é que o Partido Humanista não reagiu à notificação, nada requerendo no processo. E só quando, mais tarde, foi notificado da decisão final numa outra morada postal, se apresentou a solicitar oportunidade para - conforme permite o artigo 50.º do RGCO - se pronunciar sobre a infracção subjacente ao procedimento contra-ordenacional, argumentando não ter sido efectivamente notificado para esse efeito.

Ora, não há dúvida, em primeiro lugar, de que nesta matéria é requerida a prévia audiência do interessado, não sendo permitida "a aplicação de uma coima sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção em que incorre" - artigo 50.º do RGCO.

Esse direito de audiência prévia concretiza-se mediante a transmissão ao arguido, pela autoridade administrativa, dos factos que lhe são imputados e a qualificação jurídica contra-ordenacional que deles é extraída, e a abertura da possibilidade de sobre esses dados o arguido emitir uma declaração processualmente relevante, eventualmente contrária ou simplesmente não coincidente com a versão dos factos apresentada pela autoridade administrativa ou diversa quanto à respectiva moldura sancionatória, acompanhada da faculdade de efectivação da prova correspondente (neste domínio, veja-se o Acórdão 278/99 deste Tribunal, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 43.º vol., p. 447). Não se trata, apenas, de uma mera formalidade procedimental, pois constitui a concretização, ou a forma, pela qual a lei adequou o direito consagrado no artigo 32.º, n.º 10, da Constituição ao procedimento aqui em causa.

Quer isto dizer que não é suficiente a ocorrência da tentativa de notificação do interessado; o objectivo legal consiste em chamar ao processo o arguido, e daí que a diligência deva observar os requisitos indispensáveis para esse efeito; de entre estes requisitos conta-se, indiscutivelmente, a correcção do endereço postal para onde é efectuada a notificação, quando esta é feita - como no caso presente - por via postal.

Ora, ao dar cumprimento ao artigo 50.º do RGCO, a CNE tentou notificar o interessado através da carta endereçada à Praceta da Palmeira, 283, 3.º, direito, em Mafamude, Vila Nova de Gaia, local que havia sido declarado como o do domicílio do mandatário do Partido Humanista nas eleições em questão, mas que não é a sede do Partido, pois esta situa-se no endereço indicado no papel timbrado do Partido Humanista: Rua de Santa Catarina, 820, 1.º, frente, no Porto, exactamente como consta do registo oficial existente neste Tribunal Constitucional.

Mas haverá que ter em atenção que o interessado procedimental - o arguido - é o próprio Partido Humanista, e não qualquer dos seus órgãos ou agentes (artigo 7.º, n.º 2, do RGCO), e que, como as demais pessoas colectivas, ele deve ser notificado no domicílio legal, que é a respectiva sede; no caso em presença, a notificação postal deveria ter sido dirigida à morada sita na Rua de Santa Catarina, na cidade do Porto (artigos 46.º, n.º 2, e 47.º, n.º 1, do RGCO e 113.º do Código de Processo Penal, este aplicável nos termos do artigo 41.º, n.º 1, do RGCO).

É certo que o artigo 22.º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais impõe que as forças políticas concorrentes a eleições autárquicas designem um mandatário para os efeitos de representação nas operações referentes à apreciação da ilegibilidade "e nas operações subsequentes", acrescentando que a morada do mandatário é sempre indicada no processo de candidatura e que a mesma deverá situar-se "na sede do município".

Todavia, o preceito não pode interpretar-se como um desvio à regra de que as associações devem ser notificadas na respectiva sede e através da sua direcção, a quem efectivamente cabe representá-las - artigos 159.º e 163.º do Código Civil. Por outro lado, a referência a "operações subsequentes" à apreciação da ilegibilidade não se reporta seguramente - à representação do partido respectivo em procedimentos sancionatórios como o que está aqui em causa.

Constata-se, assim, que a notificação imposta pelo aludido artigo 50.º do RGCO foi irregularmente concretizada, já que era dirigida a um domicílio que não corresponde ao domicílio legal do arguido; desta forma, e tendo em conta o comportamento processual do interessado, não é possível concluir que lhe tenha sido dada oportunidade para exercer o seu direito de defesa, direito que, como se viu, a própria Constituição garante no n.º 10 do seu artigo 32.º; tal omissão consubstancia uma nulidade processual que determina a invalidade dos actos subsequentes, nos quais se inclui a própria decisão sancionatória (artigo 122.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).

Nestes termos, dando provimento ao recurso, decide-se declarar a nulidade resultante da não notificação do Partido Humanista nos termos e para os efeitos do artigo 50.º do RGCO, anulando os actos procedimentais posteriores, incluindo a decisão.

Sem custas.

Lisboa, 7 de Outubro de 2003. - Pamplona de Oliveira (relator) Benjamim Rodrigues - Rui Moura Ramos - Artur Maurício - Maria dos Prazeres Pizarro Beleza - Paulo Mota Pinto - Bravo Serra - Gil Galvão - Maria Helena Brito - Maria Fernanda Palma - Mário Torres - Luís Nunes de Almeida.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2164880.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-02-02 - Decreto-Lei 33/82 - Ministérios da Agricultura, Comércio e Pescas e dos Assuntos Socais

    Estabelece normas sobre a obtenção e comercialização de azeite e outros óleos comestíveis.

  • Tem documento Em vigor 1982-10-27 - Decreto-Lei 433/82 - Ministério da Justiça

    Institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1995-09-14 - Decreto-Lei 244/95 - Presidência do Conselho de Ministros e Ministério da Justiça

    ALTERA O DECRETO LEI NUMERO 433/82, DE 27 DE OUTUBRO (INSTITUI O ILÍCITO DE MERA ORDENAÇÃO SOCIAL E RESPECTIVO PROCESSO), COM A REDACÇÃO QUE LHE FOI DADA PELO DECRETO LEI NUMERO 356/89, DE 17 DE OUTUBRO. AS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELO PRESENTE DIPLOMA INCIDEM NOMEADAMENTE SOBRE OS SEGUINTES ASPECTOS: CONTRA-ORDENAÇÕES, COIMAS EM GERAL E SANÇÕES ACESSORIAS, PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO POR CONTRA-ORDENAÇÃO E PRESCRIÇÃO DAS COIMAS, PROCESSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO (COMPETENCIA TERRITORIAL DAS AUTORIDADES ADMINISTR (...)

  • Tem documento Em vigor 1998-08-18 - Lei 56/98 - Assembleia da República

    Regula o regime aplicável aos recursos financeiros dos partidos políticos e das companhas eleitorais.

  • Tem documento Em vigor 2000-08-23 - Lei 23/2000 - Assembleia da República

    Primeira alteração às Leis 56/98, de 18 de Agosto (financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais), e 97/88, de 17 de Agosto (afixação e inscrição de mensagens de publicidade e propaganda).

  • Tem documento Em vigor 2001-12-24 - Lei 109/2001 - Assembleia da República

    Altera o Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo), em matéria de prescrição.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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