Parecer 2/2003. - Lei 1/2003, de 6 de Janeiro (Regime Jurídico do Desenvolvimento e Qualidade do Ensino Superior) - Reflexões suscitadas pela obrigatória intervenção do Conselho Nacional de Avaliação do Ensino Superior no procedimento regulamentador de alguns pontos do respectivo articulado. - 1 - Com relação ao regime jurídico em referência, foi ainda em face da proposta de lei 12/IX, que esteve na sua génese, que houve ensejo de elaborar um memorando identificador das repercussões daí advenientes para o Conselho Nacional de Avaliação do Ensino Superior (CNAVES).
Reformulações essas que, conforme então se apontou, substanciam um alargamento da esfera competencial do CNAVES, em resultado de lhe ter sido aditada:
A atribuição, em finalização do processo de avaliação de que já se encontrava incumbido, de uma classificação de mérito (cf. artigo 5.º, n.º 3, da Lei 38/94, de 21 de Novembro, na redacção dada pelo artigo 1.º da Lei 1/2003, de 6 de Janeiro);
A condução e decisão de um processo novo, designado por acreditação académica [cf. artigo 5.º, n.º 4, da Lei 38/94, na redacção dada pelo artigo 1.º da Lei 1/2003, e artigo 36.º do Regime Jurídico do Desenvolvimento e Qualidade do Ensino Superior (RJDQES), aprovado pela Lei 1/2003], bem como, para efeitos de tal acreditação, quando circunscrita a cursos, o exercício de um poder consistente na formulação de recomendações em matéria de denominação e duração de cursos e de áreas obrigatórias e facultativas dos respectivos planos de estudo (cf. artigo 39.º do RJDQES, aprovado pela Lei 1/2003);
A pronúncia, no âmbito do processo conducente à criação ou reconhecimento de novos estabelecimentos de ensino superior, acerca dos requisitos adequadamente exigíveis em matéria de composição do corpo docente e da capacidade, em termos quantitativos e qualitativos, das instalações e demais recursos materiais (cf. artigos 6.º, n.º 3, 7.º, n.º 5, e 14.º, n.º 2, todos do RJDQES, aprovado pela Lei 1/2003).
Sucede que em tal elenco os referidos poderes de recomendação e de pronúncia traduzem a prática de actos preparatórios habilitantes, respectivamente, do estabelecimento pelo Ministro da Ciência do Ensino Superior:
De "directrizes quanto à denominação e duração dos cursos e as áreas científicas obrigatórias e facultativas dos respectivos planos de estudo" (cf. artigo 39.º do RJDQES, aprovado pela Lei 1/2003);
Dos requisitos adequadamente exigíveis, em caso de criação ou de reconhecimento de novos estabelecimentos de ensino superior, quanto à composição do corpo docente e à capacidade, em termos quantitativos e qualitativos, das instalações e demais recursos materiais (cf. artigo 14.º, n.º 2, do RJDQES, aprovado pela Lei 1/2003).
Assim, inteiramente, pois, se justifica que o Ministro, pretendendo concretizar o mais celeremente possível a regulamentação desses pontos, tenha vindo, através do ofício n.º 5345, de 18 de Dezembro de 2002, solicitar ao CNAVES emissão de parecer.
Requisitos de composição do corpo docente. - 2 - Comecemos pelos requisitos de "composição do corpo docente", chamando, desde logo, a atenção para a circunstância de ele vir encarado sob duas perspectivas não totalmente coincidentes:
a) Numa primeira, relativa ao acto de criação ou reconhecimento de interesse público de estabelecimentos de ensino superior [cf. artigos 6.º, n.º 2, alínea b), e 7.º, n.º 4, alínea b)];
b) Numa outra, mais extensa, por abranger, além da primeira, a do funcionamento (cf. artigo 14.º).
Esta dupla perspectiva corresponde, de algum modo, ao reconhecimento de que a definição de requisitos de composição do corpo docente, para efeitos de "criação ou reconhecimento de interesse público" de um estabelecimento, coloca um problema temporal que importa superar.
Na verdade, percebe-se mal que os requisitos de composição do corpo docente de um estabelecimento de ensino, quaisquer que sejam, devam ser cumpridos obrigatoriamente no acto da sua criação ou reconhecimento de interesse público; importante, isso sim, é que a questão se coloque, para efeitos do seu funcionamento, no momento do lançamento de qualquer curso conferente de grau e posteriores desenvolvimentos.
A nosso ver, no acto de criação ou reconhecimento de interesse público do estabelecimento, o que estará em causa é a garantia de uma expectativa convincente de que ele irá cumprir, atempadamente, os requisitos de composição do corpo docente que vai ministrar os cursos que pretende propor para "registo" e consequente entrada em funcionamento.
Quer isto dizer a decisão sobre a criação ou reconhecimento de interesse público de um estabelecimento, entre outros requisitos condicionantes, deve considerar:
a) A apresentação de um programa de desenvolvimento estratégico, no qual seja contemplado um projecto de recrutamento e formação de pessoal docente do próprio estabelecimento, devidamente habilitado para ministrar os cursos que se propõe realizar;
b) A disponibilidade de um órgão que, na sua composição, integre uma vertente científica preenchida com elementos cujas qualificações académicas se tornem a garantia da qualidade das actividades que vão ser desenvolvidas, em conformidade com a missão institucional assumida pelo estabelecimento de ensino.
Note-se que ao fazermos esta referência não estamos necessariamente a fazer coincidir o órgão de que falamos com o que é referido no artigo 8.º do RJDQES, desde logo porque admitimos que, para além da sua vertente científica, ele integre outras vertentes, relacionadas designadamente com a preocupação sócio-económica ou cultural e a intenção prospectiva das actividades a realizar.
Significa isto que admitimos a possibilidade de os estabelecimentos de ensino, no momento da sua proposta de criação ou reconhecimento de interesse público, disporem já de um órgão estratégico essencial para a definição da sua actividade futura ou, se se preferir, do seu projecto educativo, o que pode determinar que, na sua composição, coexistam múltiplas vertentes de apreciação.
No entanto, em conformidade com o citado artigo 8.º, esse órgão deve integrar e atribuir competências próprias a uma componente científica devidamente identificada, cuja composição deve respeitar o que é estipulado nesse mesmo artigo.
3 - Dito isto, o problema dos requisitos de composição do corpo docente vai colocar-se a respeito do acto de "registo de cursos de graduação ou de pós-graduação" que os estabelecimentos de ensino se proponham realizar.
Antes de qualquer referência a esse respeito, importa dizer que, tendo sido cometido ao CNAVES o pronunciamento sobre os requi sitos em causa, a elaboração do consequente parecer só pode ser orientada por uma lógica inerente ao seu posicionamento institucional e funcional, o que determina a assunção de dois princípios essenciais:
a) O princípio de uma exigência progressivamente crescente, no que respeita à qualificação do corpo docente que ministra os cursos;
b) O princípio de um ajustamento dessa exigência à disponibilidade global de recursos humanos que os processos de avaliação já realizados tenha assinalado, em relação a cada um dos domínios científicos.
Trata-se, como é evidente, de saber conciliar uma ambição qualitativa sempre inacabada com o conhecimento progressivo de uma situação concreta que o realismo de uma avaliação consistente permite identificar.
E sendo evidente que o acto de "registo de cursos" não vai depender, exclusivamente, da satisfação dos requisitos estabelecidos para a composição do corpo docente que vai ministrar esses cursos, nem por isso deixará de reconhecer-se que se trata de uma das condicionantes essenciais, compaginável com outras possíveis, designadamente a garantia de condições ambientais adequadas à sua realização, a intenção de relevância sócio-económica, cultural ou científica que o informe e a expectativa de uma procura sustentada.
Estando em causa, neste momento, apenas a tentativa de definição dos requisitos de composição do corpo docente que ministra cursos conferentes de grau académico, apresentam-se sucessivamente os que se referem a cursos de graduação e a cursos que conferem o grau de mestre, equacionando, em relação aos primeiros, dois critérios possíveis de graduação.
3.1 - Cursos de graduação. - A - Num primeiro critério de apreciação, considera-se que a composição desejável do corpo docente que ministra um curso de graduação vai depender de três factores essenciais:
O número de anos curriculares do curso;
O número de alunos que frequentam o curso;
A modalidade de ensino em que o curso é ministrado.
Foi ponderando estes três factores que, num parecer anterior do CNAVES, se exprimiu já um critério de definição de indicadores qualitativos mínimos para a composição do corpo docente que pode ministrar cursos de graduação em uma e outra das duas modalidades de ensino (universitário e politécnico), ainda que admitindo a impossibilidade da sua aplicação imediata a alguns domínios de conhecimento.
Retomando e aperfeiçoando a sugestão então apresentada, admite-se que, na situação actual, a composição do corpo docente que ministra qualquer curso de graduação deveria respeitar, genericamente, os seguintes indicadores:
a) No ensino universitário:
Integrar um número de docentes com grau de doutor ou de mestre, dentre os quais pelo menos um terço são doutores, dado pelo:
i) Produto nx1,5 quando o número de alunos por igual ou inferior a 50xn, sendo n o número de anos curriculares;
ii) Valor anterior acrescido de n por cada mais 200 alunos, quando o número de alunos for superior a 50xn;
Garantir que, pelo menos, metade dos doutores e metade dos mestres prestam serviço no estabelecimento em regime de tempo integral;
b) No ensino politécnico:
Integrar um mínimo de docentes que disponham do grau de doutor ou do grau de mestre ou tenham sido aprovados em concurso de provas públicas, dentre os quais pelo menos três quartos são doutores ou mestres, que cumulativamente:
i) O valor n, quando o número de alunos for igual ou inferior a 50xn, sendo n o número de anos curriculares;
ii) O valor anterior acrescido de n por cada mais de 200 alunos quando o número de alunos for superior a 50xn;
Garantir que, pelo menos, metade dos docentes que disponham do grau de doutor ou do grau de mestre ou tenham sido aprovados em concurso de provas públicas presta serviço no estabelecimento em regime de tempo integral.
3.1.1 - Como referência quantitativa, deve considerar-se que, nos cálculos anteriores, só o valor final do número de docentes obtido é que será aproximado à unidade.
3.1.2 - Na lógica do critério estabelecido, há dois princípios essenciais a considerar:
a) Os doutores e mestres considerados dispõem desses graus académicos em domínios científicos correspondentes aos conteúdos essenciais do curso;
b) Em caso algum pode integrar o corpo docente que ministra o curso qualquer elemento que disponha de grau académico inferior ao que o curso confere, salvo para efeitos de apoio aos alunos em actividades diversas, sob responsabilidade de um professor qualificado.
3.1.3 - Como parece evidente, em relação ao ensino público, a fixação dos quadros docentes dos estabelecimentos de ensino deve ter em conta os requisitos mínimos fixados, contemplando-os na sua totalidade.
3.1.4 - Os indicadores referidos são genéricos e, como tal, susceptíveis de ser alterados em situações específicas, devidamente identificadas e acauteladas.
Assim, o Ministro da Ciência e do Ensino Superior poderá autorizar que:
a) Mediante parecer do CNAVES, sejam admitidas disposições transitórias menos exigentes, em relação a cursos de âmbito artístico ou de domínios científicos novos ou carentes, para os quais não seja possível reunir os recursos humanos preconizados;
b) A título excepcional, um estabelecimento não cumpra os requisitos genéricos, desde que assuma um compromisso de os vir a atingir a partir de um programa de formação de docentes contratualizado com o Governo, de que constem objectivos e metas temporais bem definidas, bem como as consequências do seu eventual incumprimento;
c) Um máximo de um terço dos docentes a contabilizar como doutores ou mestres seja substituído por docentes recrutados com base em currículo relevante, desde que essa substituição tenha sido deliberada por maioria qualificada do órgão científico do estabelecimento e devidamente publicitada juntamente com o currículo do docente em causa.
Tendo em vista o disposto nas alíneas anteriores, o ministério da tutela deve promover a garantia de incentivos à celebração de programas de formação pós-graduada com instituições nacionais credenciadas, com vista à qualificação do corpo docente de outras instituições interessadas.
3.1.5 - Em correspondência ao princípio da exigência progressivamente crescente, os indicadores mínimos da composição do corpo docente que ministra cursos de graduação devem ser actualizados de cinco em cinco anos, mediante proposta do CNAVES, em critério decorrente dos processos de avaliação desenvolvidos.
3.2 - Cursos de mestrado. - Pela sua natureza, os cursos de mestrado a desenvolver pelos estabelecimentos de ensino não devem, para efeitos de registo, ser apreciados casuisticamente, uma vez que eles tendem a ser expressão de unidades científicas de excelência e não meros prolongamentos ascendentes de cursos de graduação ministrados.
Neste sentido, será desejável que os requisitos a estabelecer para efeitos de organização e realização de cursos de mestrado não incidam sobre a composição do corpo docente que os vai ministrar, mas sim sobre a unidade orgânica que assume a responsabilidade dessa organização e realização, dentro do entendimento de que:
a) A docência das unidades curriculares do curso é assegurada por professores, por investigadores doutorados ou especialistas altamente qualificados;
b) A preparação das dissertações é orientada por professores, por investigadores doutorados ou especialistas altamente qualificados;
c) A deliberação sobre a organização curricular do curso é tomada pelos órgãos estatutariamente competentes.
Assim sendo, o acto de registo de um curso de mestrado poderá ser substituído por um processo de "credenciação" da unidade orgânica que assume a responsabilidade da sua realização com o significado de que, por essa via, lhe é outorgada a capacidade de promover o registo de todos os cursos de mestrado que venha a organizar.
Como critérios de credenciação das unidades orgânicas susceptíveis de dispor da capacidade referida podem sugerir-se:
a) A disponibilidade de recursos materiais e equipamentos científicos adequados à sua vocação académica;
b) A existência de um conselho científico ou órgão estatutariamente equivalente que disponha, no mínimo, de 10 docentes ou investigadores doutorados, prestando serviço em regime de tempo integral nas unidade em causa.
Esta hipótese de credenciação de unidades orgânicas não exclui, naturalmente, a hipótese do percurso normal de registo de qualquer curso de mestrado organizado por unidades orgânicas não credenciadas que, em regime de associação com outras, comprovem que, globalmente, cumprem os requisitos acima estipulados, na parte aplicável.
3.3 - Doutoramentos. - No que respeita à possibilidade de atribuição do grau de doutor, o que está em causa é a sua referência a um ramo de conhecimento sujeito a registo, formalizado por portaria do ministério da tutela, mediante proposta originária da instituição que o pretende atribuir.
Nesses termos, o que importa definir é o conjunto de requisitos condicionantes de uma decisão favorável a respeito desse registo, o qual pode configurar-se da seguinte forma:
a) Existência, na instituição proponente, de uma unidade orgânica cuja vocação científica integre o "ramo de conhecimento" para o qual é proposto o registo;
b) Disponibilidade, nessa unidade orgânica, de, pelo menos, 12 docentes ou investigadores doutorados prestando serviço em regime de tempo integral, dos quais um mínimo de 3 dispõe de doutoramento no ramo científico em causa.
Requisitos de qualidade e dignidade em matéria de instalações. - 4 - A definição de requisitos de qualidade e dignidade em matéria de instalações apresenta-se de difícil tratamento, designadamente para o CNAVES, cuja estrutura não dispõe, nem nos membros que nele têm assento nem na sua assessoria técnico-administrativa, de elementos com perfil adequado a um posicionamento sustentado.
É que, tomando por base o estipulado no Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo, aprovado pelo Decreto-Lei 16/94, facilmente se deduz o carácter predominantemente técnico que lhe subjaz - patente, v. g., na alusão a "planta ou projecto de planta do edifício ou edifícios em que funciona o estabelecimento e respectiva memória descritiva" [cf. artigo 51.º, n.º 1, alínea f)], a "parâmetros técnicos a que devem obedecer as instalações de cada estabelecimento de ensino" (cf. artigo 51.º, n.º 4) e a "condições de salubridade e segurança das instalações" [cf. artigo 52.º, n.º 1, alínea c)].
A simples leitura destas referências, só por si, torna patente a dimensão técnica específica que o tratamento do problema deve assumir, ao mesmo tempo que evidencia a diversidade dessas soluções técnicas em função dos domínios científicos integrados na missão institucional de cada um dos estabelecimentos de ensino.
Quer isto dizer que o que estará em causa na possível definição dos "requisitos de qualidade e dignidade em matéria de instalações" não será a especificação pormenorizada dos aspectos a contemplar nos respectivos "cadernos de encargos", mas tão-somente um conjunto de referências gerais a que devem satisfazer todas as soluções de construção que as entidades proponentes dos estabelecimentos de ensino queiram apresentar.
Aliás, seria impensável que, para cada tipo de vocação institucional, se apresentasse uma definição tão pormenorizada de requisitos que conduzisse, na prática, à adopção de projectos repetitivos, sacrificando a louvável e enriquecedora diversidade de soluções enquadráveis em referencial genérico de exigência qualitativa bastante.
Quer isto dizer que o que importa é definir esse referencial genérico em relação a aspectos que não podem deixar de ser sempre tidos em conta, como, por exemplo:
a) Identificação de espaços gerais e espaços específicos necessários;
b) Área bruta por estudante, em relação aos espaços gerais e a cada um dos espaços específicos;
c) Relação desejável área útil-área bruta;
d) Condições de salubridade e segurança;
e) Adequação das instalações e equipamentos;
f) Etc.
5 - É perante esta lógica de um "referencial genérico" de qualidade e dignidade das instalações e equipamentos que importa analisar o posicionamento do CNAVES, sugerindo a forma e o momento em que ele deve produzir-se.
Como já se disse, é tecnicamente impossível ao CNAVES, enquanto tal, definir o referencial genérico, a menos que se socorresse de comissões externas de avaliação dos diferentes domínios científicos, o que tornaria o processo moroso e, porventura, susceptível de sacrificar o classificativo "genérico".
Sucede, entretanto, que a Direcção-Geral do Ensino Superior dispõe de estrutura adequada e larga experiência nesse sentido, parecendo caber na sua missão institucional a possibilidade de definição do citado referencial.
A partir dele, as entidades proponentes ficarão em condições de apresentar as suas propostas, sob forma de caderno de encargos e ou plantas ou projectos de plantas de edifícios, bem como de identificação de equipamentos, as quais carecem de ser aprovadas para efeitos de realização.
A nosso ver, aí sim, há possibilidade de um pronunciamento do CNAVES, não através da sua estrutura central, mas sim de comissões externas de avaliação dos domínios científicos em causa.
Significa isto que a intervenção do CNAVES assumiria uma dimensão processual de análise de dossiers e não de pronunciamento apriorístico sobre requisitos condicionantes.
Artigo 39.º do Regime Jurídico da Qualidade e Desenvolvimento do Ensino Superior. - 6 - Reportemo-nos, enfim, à parte da consulta que versa sobre o artigo 39.º do RJDQES, aprovado pela Lei 1/2003.
O artigo acabado de citar levanta questões diversas que importa ponderar, tendo designadamente em vista garantir inequívoca interpretação do espírito do legislador e, também, compreensão unívoca dos conceitos envolvidos. Dentre essas questões, tornam-se especialmente relevantes:
a) O conceito "acreditação de cursos ou instituições";
b) A oportunidade da eventual "recomendação", por parte do CNAVES;
c) A compaginação dessa recomendação com a audição das "estruturas representativas das instituições de ensino superior";
d) O carácter das "directrizes" estabelecidas pelo Ministro da Ciência e do Ensino Superior;
e) A problemática da "denominação" de cursos;
f) O conceito "área científica".
No que se refere à acreditação de cursos ou instituições, o conceito em causa parece ser o que decorre da leitura conjugada dos n.os 3, 4 e 5 do artigo 5.º da Lei 38/94, de 21 de Novembro, com a nova redacção dada pela Lei 1/2003, de 6 de Janeiro.
Da leitura desse articulado, parece tornar-se claro que o processo de avaliação tende a prosseguir dois objectivos complementares:
a) A verificação, no decurso do processo, de que o curso ou a instituição em apreço cumpre (ou não cumpre...) os requisitos exigidos para que tenha sido autorizado o seu funcionamento, concluída com o acto da sua acreditação académica ou recusa dessa acreditação;
b) A apreciação da qualidade desse curso ou dessa instituição, concluída com uma classificação de mérito cuja formulação necessita, ainda, de ser devidamente clarificada em correspondência ao carácter multifacetado do conceito de qualidade.
Como se torna evidente, a prossecução do segundo dos objectivos enunciados tem uma dimensão técnica mais exigente, até porque inclui todos os referenciais de prossecução do primeiro.
Na verdade, os requisitos justificativos da autorização de funcionamento de uma instituição ou de um curso são encarados como "indicadores de uma qualidade mínima desse funcionamento" e, como tal, devem ser confirmados no processo de avaliação, para que se tenha a certeza de que essa expectativa de "qualidade mínima" se mantém...
No entanto, o processo tende sempre a ser mais exigente, apreciando a maior ou menor qualidade dos desempenhos e dos resultados obtidos, em termos de estabelecer diferenciação entre as instituições ou os cursos apreciados.
Nessa diferenciação, aliás, é que se afirma a condição de maior mérito de umas instituições em relação a outras e de uns cursos em relação a outros...
Dito isto, facilmente se compreenderá que os processos "acreditação académica" e "classificação de mérito", sendo embora distintos, obedecem a uma relação de inclusão que pode justificar a sua ligação conjunta ao processo de avaliação...
Daqui decorrem, no entanto, duas questões essenciais, em que o CNAVES deve reflectir:
a) A primeira, relacionada com a hipótese (ou necessidade...) de acreditação de todas as instituições e todos os cursos em funcionamento, naturalmente condicionante das expectativas de evolução do "sistema nacional de avaliação";
b) A segunda, relacionada com o modo de exprimir a classificação de mérito, dentro do pressuposto assumido de recusa de rankings de qualquer natureza.
7 - A primeira destas duas questões suscita do CNAVES uma profunda ponderação, uma vez que a hipótese de avaliação tempestiva (ou politicamente requerida...), para efeitos de acreditação de todos os cursos de graduação existentes, se torna, praticamente, inviável.
Nesse sentido, uma solução que talvez seja pertinente equacionar será a da hipótese de se enveredar, prioritariamente, para a modalidade de avaliação das unidades funcionais (departamentos, institutos, escolas) que ministram os cursos de graduação (a qual até pode incluir a apreciação de alguns deles), concluindo pela acreditação (ou recusa de...) dessas unidades funcionais dentro de um princípio tacitamente aceite: a acreditação de uma unidade funcional exprime também a acreditação dos cursos de graduação que ela ministra, com possível excepção de alguns desses cursos, identificados pela comissões externas, designadamente dentre os que se afastam da missão institucional da unidade funcional em causa, os quais deverão ser objecto de avaliação específica.
Obviamente, esta lógica envolvente de um princípio tão arriscado supõe a elaboração de um "guião de auto-avaliação" muito cuidadoso e exigente, bem como uma responsabilidade acrescida no papel das comissões externas de avaliação, ao mesmo tempo que determina a necessidade de dar carácter periódico à acreditação, estabelecendo a sua validade até um novo processo de avaliação.
8 - A segunda das questões assinaladas, confirmada pela recusa de rankings, faz emergir um conceito de "qualidade" multifacetado, o que determina, em correspondência, uma classificação de mérito com carácter pluridimensional.
Assim sendo, caberá ao CNAVES definir os indicadores que essa classificação deve comportar e, bem assim, os critérios de graduação dos diferentes níveis de posicionamento de todos eles.
Trata-se, no fundo, de estabelecer uma "carteira de indicadores fundamentais" e exprimir, em relação a cada um deles, o significado preciso e universalmente aplicado dos níveis de graduação "Excelente", "Muito satisfatório", "Satisfatório", "Pouco satisfatório" ou "Não satisfatório", se forem estas as definições utilizadas. (Aliás, pode ser simplesmente A, B, C, D e E).
9 - As duas questões referidas, só por si, deixam claro que deve ser muito ponderada a "oportunidade da recomendação", por parte do CNAVES, prevista no artigo 39.º do RJDQES, aprovado pela Lei 1/2003.
Para além disso, ponderada que seja essa oportunidade, quando a recomendação vier a concretizar-se, ela terá, nos termos da lei, de ser compaginada com a possibilidade de "audição das estruturas representativas das instituições de ensino superior".
Esta referência, como é evidente, decorre da necessidade de compatibilizar quaisquer directrizes estabelecidas pelo Ministro da Ciência e do Ensino Superior com as autonomias científica e pedagógica das instituições de ensino superior.
Essa compatibilização, situando-se no âmbito das competências do governo, não vai condicionar o CNAVES na formulação da recomendação que lhe incumbe, uma vez que esta deve exprimir com fidelidade os resultados de um processo global de avaliação, o que lhe confere a razoabilidade que a apreciação no terreno tenha aconselhado.
Torna-se interessante, no entanto, referir que a citada compatibilização surge facilitada à partida, uma vez que ela corresponde, ainda que em outro nível, à dimensão partilhada que todos os processos individuais de avaliação sempre assumem, por imperativo da própria lei, em dois momentos distintos. O primeiro desses momentos é aquele em que as comissões externas de avaliação ponderam cuidadosamente os relatórios de auto-avaliação para procederem à sua apreciação crítica; o segundo coincide com o exercício do procedimento contraditório por parte das instituições.
Dito isto, como referência a uma lógica coerente, talvez seja importante acentuar que é diferente o posicionamento possível perante os três campos de incidência da recomendação:
a) No que respeita à "denominação de cursos", sendo exigível que ela corresponda aos respectivos conteúdos, poder-se-ão definir critérios inequívocos para a utilização de certas designações - como sejam os caso de Engenharia, Gestão e de Arquitectura -, evitando alguns excessos "semânticos" que se tornam evidentes para todos. Trata-se, afinal, de garantir uma reserva de designação na utilização destes termos, evitando o casuísmo em que temos vivido com explicações nem sempre pertinentes ou, sequer, saudáveis;
b) No que respeita à duração dos cursos, torna-se necessário compatibilizar qualquer decisão com as implicações do processo de Bolonha, sendo certo que apenas compete ao poder político definir os limites em que pode oscilar, por área consolidada do saber, a duração de cursos conferentes de grau académico;
c) No que respeita à definição de "áreas científicas obrigatórias e facultativas dos planos de estudo", quaisquer directrizes emanadas do Ministro da Ciência e do Ensino Superior, se não forem devidamente ponderadas, correm sempre o risco de conflituar com as autonomias institucionais.
Em princípio afigura-se que apenas será possível e, porventura, desejável:
i) Consagrar, em lei, a existência possível de componentes curriculares facultativas e obrigatórias;
ii) Eventualmente, estabelecer a percentagem mínima da componente obrigatória, em relação à globalidade do plano de estudos para efeitos de registo dos cursos;
iii) Sugerir uma lógica de organização curricular que preveja, numa determinada área científica, a possibilidade de uma base de formação original comum a diversos cursos que apresentem, a partir de um determinado momento do percurso escolar, variantes mais especializadas dessa área científica.
Esta última referência, só por si, obriga a que haja um entendimento comum sobre o conceito de área científica, convergindo na adopção de uma "classificação" universal não apenas no espaço nacional mas também, pelo menos, a nível da União Europeia.
Pelo exposto, parece poder concluir-se que não se encontram ainda reunidas as condições para que o CNAVES emita qualquer recomendação, no sentido previsto pelo artigo 39.º do RJDQES.
10 - A reflexão produzida neste parecer deixa claro que da publicação da Lei 1/2003, de 6 de Janeiro, resulta um conjunto significativo de novas competências para o CNAVES, cujo exercício vai determinar necessariamente uma profunda alteração da sua estrutura organizativa, com consequências evidentes nos recursos humanos, materiais e financeiros que lhe devem ser atribuídos.
Neste sentido, o CNAVES vai tomar a iniciativa de, com base no referencial das competências que passa a exercer, promover estudos relacionados com duas questões essenciais:
a) A composição global do actual sistema nacional de avaliação;
b) O posicionamento do CNAVES nesse sistema e, consequentemente, a moldura organizativa mais ajustada a esse posicionamento.
Aprovado na 51.ª reunião plenária, de 10 de Abril de 2003.
10 de Abril de 2003. - O Presidente, Adriano Moreira.