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Acórdão 335/2002/T, de 14 de Outubro

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Texto do documento

Acórdão 335/2002/T. Const. - Processo 49/01. - Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório. - 1 - Em 29 de Julho de 1998, Julieta d'Assunção Marques Lopes e outros, melhor identificados nos autos, interpuseram recurso directo de anulação do acto tácito de indeferimento do pedido de reversão de prédio expropriado, por eles formulado, em 28 de Abril de 1997, ao Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território.

Por despacho de 24 de Novembro de 1999, o relator no Supremo Tribunal Administrativo declarou deserto o recurso por "os recorrentes não [terem apresentado] as suas alegações de recurso, apesar de devidamente notificados para o efeito".

Apresentada reclamação para a conferência, veio esta, por Acórdão de 5 de Abril de 2000, a indeferi-la, invocando, como o despacho reclamado, o disposto nos artigos 67.º, § único, do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo (RSTA), e 291.º, n.º 2, e 690.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.

Apresentado recurso para o pleno da Secção de Contencioso Administrativo, os recorrentes escreveram nas suas alegações que:

"[...] não podia o artigo 24.º, alínea b), da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (LPTA) prever a aplicação subsidiária do RSTA aos recursos contenciosos de actos administrativos, na medida em que, conforme dispõe o artigo 112.º, n.º 6, da Constituição da República Portuguesa, não pode essa lei conferir a actos de outra natureza, como é o caso, o poder de, com eficácia externa, interpretar ou integrar qualquer dos seus preceitos.

Ao fazê-lo, pretendendo que sejam aplicáveis aos particulares normas com mera eficácia interna, por remissão para o RSTA, o artigo 24.º, alínea b), contém uma norma inconstitucional, por violação do artigo 112.º, n.º 6, da Constituição da República Portuguesa."

Por Acórdão de 24 de Novembro de 2000, o pleno da 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo negou provimento ao recurso, abordando a suscitada questão de desconformidade constitucional e resolvendo-a com dois argumentos: o de que "é a própria LPTA que logo atribui força ao pré-existente RSTA" e o de que "este é formalmente uma lei, pois consta do Decreto-Lei 41 234, de 20 de Agosto de 1957".

2 - Insatisfeitos, os demandantes interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, para verem apreciada "a inconstitucionalidade da alínea b) do artigo 24.º do Decreto-Lei 267/85, de 16 de Julho (LPTA), por violação do disposto no artigo 112.º, n.º 6, da Constituição da República Portuguesa".

Nas alegações, os recorrentes concluíram deste modo:

"1.ª O Decreto-Lei 267/85, de 16 de Julho, como acto legislativo que é, não pode conferir a actos de natureza não legislativa a faculdade de o integrar.

2.ª O artigo 24.º, alínea b), da LPTA procede a um reenvio normativo pelo qual admite a integração da lei por via regulamentar.

3.ª O conteúdo das normas do RSTA para que o citado artigo 24.º, alínea b), remete incorpora-se e estende a sua aplicabilidade e âmbito de vigência da LPTA, afectando a sua extensão e o seu alcance.

4.ª Porque as imposições processuais devem ser sustentadas por lei, é inadmissível do ponto de vista jurídico-constitucional a invocação que o citado artigo 24.º, alínea b), faz do RSTA.

5.ª O Decreto 41 234, de 20 de Agosto de 1957, é um decreto regulamentar.

6.ª O artigo 24.º, alínea b), da LPTA é inconstitucional por violação do disposto no n.º 6 do artigo 112.º da Constituição.

7.ª É inadmissível a aplicação do referido artigo 24.º, alínea b), no processo no qual se suscitou a sua inconstitucionalidade.

8.ª Não houve, por isso, deserção do recurso em causa."

Por seu turno, escreveu o Ministro do Equipamento Social nas suas alegações:

"[...]

5.º Na verdade, a função regulamentar do Decreto 41 234 (RSTA) tem de ser reportada, sim, ao Decreto-Lei 40 768, de 8 de Setembro, que regulou o funcionamento do Supremo Tribunal Administrativo, concretamente ao seu artigo 31.º, ao abrigo do qual foi editado.

[...]

7.º Isto é, a lei - Decreto-Lei 40 768 - remeteu para a Administração a faculdade de editar disciplina jurídica executiva no âmbito da matéria por si definida, mantendo cada um dos diplomas a sua autonomia.

8.º Configurando-se assim no quadro da Constituição de 1933, então vigente, um reenvio meramente formal, concretizado na edição de regulamento executivo, sob a forma de decreto regulamentar, promulgado pelo Presidente da República, aliás perfeitamente admissível se figurado à luz de uma norma (então inexistente) como a do actual artigo 112.º, n.º 6, da CRP.

9.º Diferente é a situação em que o artigo 24.º, alínea [b)], da LPTA se limita a reconhecer que continuam a ser aplicáveis aos recursos contenciosos, distinguindo consoante se trate dos previstos nas alíneas a), d) e [j]) do n.º 1 do artigo 51.º do ETAF ou outros - leis já existentes, como o Código Administrativo [alínea a) do artigo 24.º], a Lei Orgânica e o Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo e respectiva legislação complementar [alínea b) do artigo 24.º].

10.º Com efeito, não se configurará aí um reenvio normativo em sentido jurídico estrito, visto não haver remissão para normas a editar, mas sim para uma disciplina jurídica preexistente, emanadas em execução da respectiva lei habilitante, no seio de um diferente quadro constitucional."

Cumpre decidir.

II - Fundamentos. - 3 - A única norma impugnada no presente recurso é o artigo 24.º, alínea b), da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, que tem a seguinte redacção:

"Artigo 24.º

Lei aplicável

Salvo o disposto no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e no presente diploma, os recursos contenciosos de actos administrativos e de actos em matéria administrativa são regulados:

a) ...

b) Pelo estabelecido na Lei Orgânica e no Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo e na respectiva legislação complementar, os restantes."

Está em causa, porém, apenas a remissão para o Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo, aprovado pelo Decreto (e não Decreto-Lei) n.º 41 234, de 20 de Agosto de 1957. E isto porque, tendo tal diploma natureza regulamentar, segundo os recorrentes, a norma de remissão incorreria em violação do n.º 6 do artigo 112.º da Constituição - rectius, do n.º 5 do artigo 115.º, que era o preceito onde se continha a mesma norma à altura da entrada em vigor do artigo 24.º do Decreto-Lei 267/85 (Lei de Processo nos Tribunais Administrativos).

4 - Anote-se, antes de mais, que, uma vez que os recorrentes não impugnaram as próprias normas do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo - designadamente a do § único do seu artigo 67.º, que levou ao juízo de deserção do recurso -, o que está em causa nos presentes autos não é uma eventual inconstitucionalidade superveniente desse Regulamento de 1997 (rectius, dessa norma desse Regulamento), em razão do quadro constitucional introduzido em 1976, ou das suas sucessivas revisões.

Está em causa, antes, uma alegada inconstitucionalidade (necessariamente) originária da alínea b) do artigo 24.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos. O que não implica que não seja relevante a distinção - que, consabidamente, releva em matéria de inconstitucionalidade superveniente - entre inconstitucionalidade material e inconstitucionalidade orgânica ou formal - cf., por exemplo, o Acórdão 446/91, publicado no Diário da República [DR], 2.ª série, de 2 de Abril de 1992, onde se escreveu (citando o Acórdão 261/86, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 27 de Novembro de 1986), a propósito da "questão de saber se a violação do princípio da legalidade tributária pelas portarias anteriores à Constituição de 1976 podia ser configurada como inconstitucionalidade material":

"[...] como quer que seja, subsiste que a infracção ao princípio da legalidade dos impostos radica sempre num vício relativo à 'forma' (em sentido amplo) de determinadas normas, de modo que, em se tratando de direito anterior à Constituição, a sua relevância implicará que se leve em conta, 'retroactivamente', o que a nova Constituição veio dispor em matéria de repartição de competência normativa ou de exigências formais dos diplomas. Isto, porém, não se vê que esteja de harmonia com o sentido do artigo 293.º da nossa lei fundamental [...]

A não se entenderem as coisas como vem de referir-se, dir-se-ia então que a 'caducidade' do direito ocorreria, pelo menos, quando não se houvesse nele observado uma forma correspondente à exigida pela nova Constituição. Só que este outro entendimento levaria pressuposta, por sua vez, uma particular sensibilidade do legislador constituinte de 1976 aos precedentes critérios orgânico-formais de legitimação constitucional, o que não é muito plausível em todas as situações."

5 - Daqui decorre, pois, que, mesmo sem ter de discutir a questão da constitucionalidade do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo, pode admitir-se, com base na distinção entre inconstitucionalidade material e formal (ou orgânica), a inexistência de inconstitucionalidade orgânica e formal nesse Regulamento.

Mas, assim sendo, a "remissão" que um decreto-lei faça para o referido Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo também não pode ser inconstitucional formal ou organicamente: o artigo 112.º, n.º 6 (anterior artigo 115.º, n.º 5), da Constituição não pode implicar, como é óbvio, a inconstitucionalidade superveniente de todas as normas legais que remetam para normas (ou diplomas) regulamentares anteriores à Constituição.

A inconstitucionalidade da norma legal só pode resultar de atribuir a uma norma regulamentar um espaço de intervenção normativa que não é o seu. Ora, admitindo-se, como se viu, a constitucionalidade das normas do Regulamento de 1957 (que, aliás, não vêm impugnadas), a remissão que para esse Regulamento é feita na alínea b) do artigo 24.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos não poderia, por isso, ser inconstitucional.

Dir-se-á mesmo mais: valendo o dito regulamento antes da entrada em vigor da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (Decreto-Lei 267/85, de 16 de Julho), e continuando a valer depois dele (no que lhe não fosse incompatível), é claro que aquele diploma - mais precisamente a norma da alínea b) do artigo 24.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos - nem cria outra categoria de actos legislativos nem confere a acto de natureza não legislativa o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos.

Bem ao contrário: sendo hierarquicamente superior, e, em todo o caso, posterior, ao Regulamento de 1957, o Decreto-Lei 267/85 determinou (escusada, mas expressamente) a revogação de todas "as disposições gerais ou especiais incompatíveis" com ele (artigo 134.º, n.º 1), o que implica que as normas do dito Regulamento não podem modificar, suspender ou revogar as suas.

É certo que, ainda que não possam interpretá-las (sendo anteriores, as normas do Regulamento não podem fixar a interpretação das normas do decreto-lei que surgiu 28 anos depois), poderia dizer-se que as normas do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo podem integrar as normas da referida lei de processo - e que as normas que fixam prazos para alegações (artigo 34.º do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo) e as consequências da sua falta (§ único do artigo 67.º - aliás, remetendo aqui para normas do Código de Processo Civil, que era, nos termos do artigo 1.º do Decreto-Lei 267/85, direito subsidiário aplicável), fazem isso mesmo.

Só que, a ser assim, tal não resulta de a alínea b) do artigo 24.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos lhes fazer referência, mas logo de tal decreto-lei não as ter revogado, sendo, pois, quando muito, a norma impugnada nestes autos uma norma auxiliar de delimitação do âmbito de aplicação do diploma em que está inserida.

6 - Em suma: porque a única norma sob inquirição constitucional não é uma norma habilitante da intervenção regulamentar e não atribui às normas regulamentares nenhum poder ou valor normativo acrescido; porque as normas regulamentares a que faz referência foram emitidas antes da sua entrada em vigor e antes de 1976, e têm de se presumir, no presente processo, constitucionalmente conformes; porque, até, a norma do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo que seria relevante para o caso dos autos se limita a convocar normas do diploma legal que, em qualquer caso, seria subsidiariamente aplicável (o Código de Processo Civil), e porque, na fixação do regime legal, a mera remissão para normas (ou diplomas) regulamentares anteriores a 1976, e que continuam em vigor, não pode implicar violação da norma do n.º 6 do artigo 112.º (anterior n.º 5 do artigo 115.º) da Constituição, não pode conceder-se provimento ao recurso interposto.

III - Decisão. - Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:

a) Não julgar inconstitucional o artigo 24.º, alínea b), da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos na parte em que remete para o Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo;

b) Por conseguinte, negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida no tocante à questão de constitucionalidade;

c) Condenar os recorrentes em custas com 15 unidades de conta de taxa de justiça.

Lisboa, 10 de Julho de 2002. - Paulo Mota Pinto (relator) - Bravo Serra - Guilherme da Fonseca - Maria Fernanda Palma - José Manuel Cardoso da Costa.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2060241.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1956-09-08 - Decreto-Lei 40768 - Presidência do Conselho

    Regula o funcionamento do Supremo Tribunal Administrativo.

  • Tem documento Em vigor 1957-08-20 - Decreto 41234 - Presidência do Conselho

    Aprova e publica em anexo o Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo, cujo funcionamento foi regulado pelo Decreto-Lei n.º 40768, de 8 de Setembro de 1956.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1985-07-16 - Decreto-Lei 267/85 - Ministério da Justiça

    Aprova a lei de processo nos tribunais administrativos.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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