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Acórdão 137/2002/T, de 26 de Setembro

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Texto do documento

Acórdão 137/2002/T. Const. - Processo 363/01. - Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:

I - 1 - Em consequência do despacho do relator no Supremo Tribunal de Justiça, em 16 de Maio de 2001, no processo penal em que é arguido Carlos Montez Melancia, subiram ao Tribunal Constitucional três recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade.

O primeiro, interposto pelo Ministério Público, da declaração de voto de vencido de um dos juízes que integraram o colectivo anexa ao Acórdão do 1.º Juízo do Tribunal Criminal da Comarca de Lisboa de 4 de Agosto de 1993, que absolveu o arguido Carlos Montez Melancia da comissão, na qualidade de Governador de Macau, de um crime de corrupção passiva, dos artigos 420.º, n.º 1, do Código Penal, e 2.º e 16.º, n.º 1, da Lei 34/87, de 16 de Julho, a conjugar com o artigo 1.º do Decreto-Lei 371/83, de 6 de Outubro, de que vinha acusado. A parte relevante dessa declaração de voto é a seguinte:

"Dispõe o artigo 365.º, n.º 3, do Código de Processo Penal que não é possível a abstenção do juiz, donde decorre o dever de formar e exprimir a sua opinião.

No entanto, os artigos 367.º, n.os 1 e 2, e 372.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal, opõem e proíbem o juiz de revelar opinião com que profira qualquer declaração de voto.

Esta proibição de declaração de voto apenas é aplicável segundo o mesmo Código aos juízes de 1.ª instância.

Entendo que tal proibição, com a ameaça de várias sanções, é totalmente inadmissível por violadora da consciência e dignidade pessoal do juiz como pessoa e titular de órgão de soberania a quem a Constituição da República comete a administração da justiça em nome do povo, como assegurar a defesa dos direitos e reprimir a violação da legalidade, como ainda dirimir conflitos de interesses públicos e privados.

Tal proibição põe em causa os fundamentos da legitimidade do Tribunal Colectivo e viola ainda o estatuto dos magistrados judiciais.

Viola o princípio do tratamento igual perante a lei ao impor tal proibição aos juízes de 1.ª instância.

Recuso assim a aplicação da norma contida no artigo 372.º do Código de Processo Penal por inconstitucionalidade material.

Tenho, pois, todo o direito de votar (e declarar-me) vencido, e entendo até ter tal dever porque, em minha opinião, o acórdão que antecede enferma de insanáveis contradições quanto aos factos apurados e suas conclusões, como quanto à sua motivação."

Foi desta expressa recusa de aplicação da norma contida no artigo 372.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (conjugado com o artigo 367.º, n.º 1, do mesmo Código) que, por invocada inconstitucionalidade material, o Ministério Público interpôs recurso obrigatório ao abrigo dos artigos 280.º, n.º 1, alínea a), da Constituição e 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional.

2 - O segundo recurso foi interposto pelo arguido do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Fevereiro de 1994, que deu provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público do despacho proferido em audiência pelo presidente do Tribunal de 1.ª instância, que admitiu a junção de 43 documentos requerida pelo arguido no decurso do julgamento. Nesse acórdão, o Supremo decidiu:

Declarar nulos todos os actos e termos do processo desde a primeira sessão da audiência de julgamento até ao termo da remessa do processo ao Supremo Tribunal de Justiça;

Determinar que se procedesse ao desentranhamento dos documentos apresentados pelo arguido, a fim de lhe serem restituídos;

Ordenar a repetição do julgamento do arguido no mesmo tribunal que proferiu a decisão anulada.

O arguido veio invocar três nulidades processuais desse acórdão e interpôs recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto no artigo 280.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, e no artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional, com fundamento em recusa de aplicação das normas dos artigos 165.º, n.º 2, e 340.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

Por Acórdão de 21 de Abril de 1994, o Supremo Tribunal de Justiça julgou improcedente a arguição de nulidade.

Deste último acórdão interpôs o arguido novo recurso para o Tribunal Constitucional - é o terceiro recurso agora subido -, nos termos dos artigos 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição, e 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, pedindo a apreciação da inconstitucionalidade da interpretação dada pelo Supremo Tribunal de Justiça às normas dos artigos 416.º, 427.º e 407.º do Código de Processo Penal.

Por despacho de 27 de Maio de 1994, o relator não admitiu os recursos para o Tribunal Constitucional. Esse despacho foi confirmado por acórdão da conferência de 7 de Julho de 1994.

Apresentada reclamação perante o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 76.º, n.º 4, da Lei 28/82, este Tribunal, por Acórdão de 17 de Abril de 1996 (Acórdão 584/96, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. II, n.º 33, pp. 881 e segs.), decidiu:

"a) Indeferir a reclamação quanto à norma do artigo 165.º, n.º 2, do Código de Processo Penal;

b) Deferir a reclamação quanto à norma do artigo 340.º, n.º 1, do Código de Processo Penal;

c) Deferir a reclamação quanto à norma do artigo 416.º do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de não impor a notificação do arguido para responder quando, no visto, o Ministério Público se pronuncia pela anulação do julgamento absolutório da 1.ª instância;

d) Indeferir a reclamação quanto às normas dos artigos 407.º e 427.º do Código de Processo Penal."

O segundo recurso agora subido, que o arguido interpôs do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Fevereiro de 1994, foi assim admitido pelo Acórdão 584/96 deste Tribunal, apenas quanto à norma do artigo 340.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. Segundo este acórdão, foram dois os fundamentos de inconstitucionalidade que estiveram na base da recusa de aplicação da norma do artigo 340.º, n.º 1, pelo Supremo no seu recorrido Acórdão de 10 de Fevereiro de 1994:

"O Supremo Tribunal de Justiça, ao mandar repetir o julgamento, considerou de forma irrecusável que a junção de documentos não é irrelevante no plano da produção da prova. Denegando a prova dos 43 documentos, aquele Supremo Tribunal não pode deixar de recusar o artigo 340.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. É por esta norma que o legislador comete ao juiz o poder-dever de atender a todos os meios de prova não irrelevantes para a descoberta da verdade [...]

No procedimento de argumentação do Acórdão de 10 de Fevereiro de 1994, o Supremo Tribunal de Justiça retirou efectividade ao princípio da investigação ou da verdade material na fase da audiência. Fez com que este princípio, que é afirmado no artigo 340.º como princípio conformador da prova em audiência, não tivesse irradiação para a norma do caso. O Supremo Tribunal de Justiça orientou-se numa dimensão única - a do princípio do contraditório na dimensão da igualdade de armas e, como esse princípio marcou indelevelmente o programa da norma do artigo 165.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. Esse programa já não conta com as possibilidades jurídicas do princípio da verdade material na fase da audiência: quebrou-se a articulação com o artigo 340.º, n.º 1 [...]

Assim, a recusa de aplicação da norma do artigo 340.º, n.º 1, do Código de Processo Penal tem de ser uma recusa com fundamento de inconstitucionalidade, na medida em que a verdade material não é tida como um princípio decisivo nessa fase, sendo aí o princípio do contraditório - na dimensão da igualdade de armas - o princípio regulador da prova em audiência.

De todo o modo, numa outra visão das coisas, poderia dizer-se que, ao invocar, para afastar a aplicação do princípio da verdade - material, ou seja, do artigo 340.º, n.º 1, do Código de Processo Penal -, o princípio da igualdade de armas, sediado na lei de autorização legislativa, o acórdão recorrido reconheceu implicitamente que aquela opção se fundava num juízo de inconstitucionalidade.

É que, como este Tribunal tem afirmado (cf. o Acórdão 492/94, in Diário da República, 2.ª série, de 16 de Dezembro de 1994), quando uma norma constante de um decreto-lei autorizado - no caso, do Código de Processo Penal - conflitua com o sentido de uma autorização legislativa, essa norma deve ser tida, ela própria, como inconstitucional.

E, assim, ao fazer prevalecer a lei de autorização legislativa sobre a norma do Código de Processo Penal, o acórdão recorrido desaplicou-a com fundamento em inconstitucionalidade. (In Acórdãos do Tribunal Constitucional, n.º 33, pp. 881, 902 e 903.)"

3 - O terceiro recurso agora subido, que o arguido interpôs do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Abril de 1994, foi, como resulta da conclusão atrás transcrita, admitido pelo Acórdão 584/96 deste Tribunal apenas "quanto à norma do artigo 416.º do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de não impor a notificação do arguido para responder quando, no visto, o Ministério Público se pronuncia pela anulação de julgamento absolutório da 1.ª instância". Segundo o mesmo acórdão, o Supremo no acórdão recorrido aplicou a norma do artigo 416.º com esta interpretação, que o arguido considerou inconstitucional por ser "contrária às garantias de defesa e do contraditório consagradas no artigo 32.º, n.os 1 e 5, da Constituição" (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, n.º 33, pp. 881 e 905), inconstitucionalidade que o arguido adequadamente suscitou durante o processo.

4 - Importa, contudo, descrever ainda a restante marcha do processo, por forma a explicar a causa por que só agora subiram os recursos e a compreender por que se mantém o interesse na decisão.

Na sequência do Acórdão 584/96, uma vez devolvidos os autos de reclamação, o relator no Supremo Tribunal de Justiça, por despacho de 7 de Junho de 1996, interpretou aquele acórdão, que tinha deferido em parte a reclamação, revogando o despacho de indeferimento e fazendo caso julgado quanto à admissibilidade do recurso (artigo 77.º, n.º 4, da Lei do Tribunal Constitucional) como tendo julgado duas inconstitucionalidades:

"A respeitante à interpretação dada por este Supremo ao regime de junção de documentos na audiência de primeira instância; e a respeitante à decisão deste mesmo Supremo em relação aos termos de visto inicial do Exmo. Procurador-Geral-Adjunto, quando o processo subiu a esta instância", e anulou o processado posterior à apresentação do parecer inicial do Ministério Público junto do Supremo, com a inclusão dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Fevereiro e de 21 de Abril de 1994.

Carlos Montez Melancia veio arguir diversos vícios deste despacho, afirmando que se trata de "um acto praticado a non judice, de um acto de usurpação do poder jurisdicional que viola o caso julgado e é, por conseguinte, um acto juridicamente inexistente".

Por sua vez, o Ministério Público, afirmando que no acórdão do Tribunal Constitucional que decidiu sobre a reclamação ainda não fora tomada qualquer decisão de fundo, requereu que se desse cumprimento ao decidido, mandando subir os recursos.

Tendo o conselheiro relator indeferido a arguição de nulidade por despacho de 16 de Setembro de 1996, vieram o Ministério Público e o arguido requerer que, nos termos do artigo 700.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, fosse tirado acórdão pela conferência.

O Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão de 7 de Novembro de 1996, confirmou integralmente o despacho reclamado.

Deste acórdão o Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, mas o recurso não foi admitido por falta de suscitação prévia no processo da questão de constitucionalidade (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 272/97, de 2 de Abril de 1997, inédito). O arguido reagiu ao mesmo acórdão do Supremo com uma reclamação e um recurso, ambos para o Tribunal Constitucional. Na reclamação disse haver uma situação de retenção dos dois recursos de constitucionalidade por si interpostos, retenção decorrente, necessária e implicitamente, do acórdão do Supremo, e pediu que fosse ordenada a respectiva subida. O Tribunal Constitucional deferiu a reclamação pelo Acórdão 748/98 (inédito).

No recurso, o arguido disse que o acórdão do Supremo implicava uma interpretação inconstitucional das normas dos artigos 668.º, n.º 1, alíneas c) e d), e 666.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, e ainda do artigo 74.º, n.º 4, da Lei 28/82. O Tribunal Constitucional, pelo Acórdão 53/99, entendeu que o efeito útil pretendido pelo recorrente correspondia ao entretanto ordenado pelo seu Acórdão 748/98, e considerou extinto o recurso, por supervenientemente inútil.

Em vez de dar cumprimento ao ordenado no Acórdão 748/98, o Supremo proferiu o Acórdão de 25 de Novembro de 1999, que rejeitou por improcedente o recurso interposto pelo Ministério Público do Acórdão do 1.º Juízo do Tribunal Criminal da Comarca de Lisboa de 4 de Agosto de 1993, e confirmou assim a absolvição do arguido, com base, de entre outras provas, nos 43 documentos admitidos na audiência.

O Ministério Público arguiu a nulidade desse acórdão por conhecer de questão de que não podia nesse momento processual tomar conhecimento, contendo implícita interpretação inconstitucional dos artigos 76.º e 77.º, n.º 4, da Lei 28/82, com violação dos artigos 221.º, 223.º, 277.º e 280.º da Constituição da República Portuguesa. O Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão de 17 de Fevereiro de 2000, indeferiu a arguição da nulidade. Sobre as questões de inconstitucionalidade suscitadas na arguição de nulidade, diz-se neste último acórdão:

"[...] todos os recursos que deveriam ser apreciados pelo Tribunal Constitucional foram interpostos de decisão inicial deste Supremo, que veio a ser anulada e que se referia exclusivamente aos problemas do valor do visto inicial do Ministério Público e do valor probatório dos documentos juntos pelo arguido no decurso da audiência.

A anulação dos actos processuais praticados após o mencionado 'visto', determinada pelo despacho acima transcrito e confirmada pelo acórdão da conferência, teve como efeito necessário a anulação do mencionado acórdão inicial, proferido em relação ao acórdão proferido sobre o recurso interlocutório do Ministério Público, que tinha decretado a anulação do processado com base na ilegalidade da junção, em audiência, dos documentos já referidos.

Nessa medida, e mesmo que, contra a posição assumida no transcrito despacho, se defendesse que a apreciação das inconstitucionalidades feita no primeiro acórdão do Tribunal Constitucional tinha mero valor de pré-juízo, não sujeito à regra expressa do n.º 1 do artigo 675.º do Código de Processo Civil, e destinado a determinar a apreciação da viabilidade dos recursos que para ele tinham sido interpostos do mencionado primeiro acórdão deste Supremo, e que, por isso, os autos deveriam regressar ao referido Tribunal Constitucional, este último não poderia pronunciar-se sobre os recursos interpostos de decisões que foram declaradas nulas, já que, por força da declaração de tais nulidades, esses recursos teriam deixado de poder ter como fundamento uma decisão proferida pelo Supremo Tribunal que lhes servisse de sustentáculo para justificar uma decisão de fiscalização concreta da constitucionalidade (única, de resto, que, no caso concreto, poderia ser tomada).

Era, assim, processualmente impossível determinar nova remessa dos autos ao Tribunal Constitucional para apreciação de recursos respeitantes a decisões que tinham deixado de existir no mundo jurídico." [...]

O Ministério Público recorreu então para o Tribunal Constitucional do primeiro referido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Novembro de 1999, com os mesmos fundamentos de inconstitucionalidade invocados na anterior arguição de nulidade, dizendo que:

"O douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça interpretou implicitamente os artigos 76.º e 77.º da Lei 82/82 no sentido de que é admissível o não acatamento de decisões proferidas pelo Tribunal Constitucional em reclamação deduzida em processo constitucional, nos termos do artigo 77.º, n.º 4, sendo por isso lícito ao Tribunal a quo qualquer outra atitude processual que não a de mandar remeter ao Tribunal Constitucional os recursos por este já admitidos. [...] Uma tal interpretação coloca em causa a competência própria do Tribunal Constitucional e afronta os artigos 221.º, 223.º, 277.º e 280.º, todos da Constituição da República Portuguesa."

O Tribunal Constitucional, pela decisão sumária n.º 85/2001, de 28 de Março de 2001 (inédita), decidiu:

"Dar provimento ao recurso, por ofensa do caso julgado.

Revogar o Acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Novembro de 1999.

Ordenar o cumprimento dos Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 584/96, de 17 de Abril, e 748/98, de 17 de Dezembro, que admitiram os recursos interpostos pelo arguido dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Fevereiro de 1994 e de 21 de Abril de 1994.

Ordenar a imediata remessa dos autos dos mesmos recursos ao Tribunal Constitucional."

Dando cumprimento ao decidido, o relator no Supremo Tribunal de Justiça fez subir os três recursos ao Tribunal Constitucional.

5 - Neste Tribunal, o Vice-Presidente determinou, com a concordância do Tribunal, que o julgamento se faça com a intervenção de plenário, nos termos do artigo 79.º-A da Lei do Tribunal Constitucional.

No recurso em que é recorrente, o Ministério Público alegou, concluindo:

"1.º Segundo jurisprudência do Tribunal Constitucional, não constitui 'decisão de um tribunal', susceptível de servir de suporte a um recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, a declaração de voto apendiculada ao acórdão proferido por tribunal de estrutura colectiva.

2.º Porém - e para o caso de o Tribunal entender dever conhecer do recurso interposto nos autos pelo Ministério Público -, considera-se que o mesmo deverá ser parcialmente julgado procedente por não padecer de inconstitucionalidade material a norma constante da versão originária do n.º 2 do artigo 372.º do Código de Processo Penal, interpretada em termos de estar vedado ao juiz que integra o colectivo a formulação de voto de vencido em que se questione a livre apreciação da prova, a fixação da matéria de facto e a respectiva fundamentação."

Nos dois recursos em que é recorrente (segundo e terceiro recursos subidos, na numeração antes adoptada), Carlos Montez Melancia alegou, com as seguintes conclusões:

"1.º Deve o primeiro recurso ser julgado procedente e, em consequência, anular-se o Acórdão recorrido do Supremo Tribunal de Justiça, de 10 de Fevereiro de 1994, em virtude de ter recusado implicitamente a aplicação da norma constante do artigo 340.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, que consagra o princípio da 'investigação' ou da 'verdade material', por considerar que a referida norma viola o princípio da 'igualdade de armas', decorrente do disposto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.

2.º Deve o segundo recurso ser igualmente julgado procedente e, em consequência, anular-se o Acórdão recorrido do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Abril de 1994, em virtude de ter violado a norma do artigo 416.º do Código de Processo Penal, na medida em que interpretou essa norma no sentido de não ser necessária a audição do arguido nos casos em que o Ministério Público, quando os recursos lhe vão com vista, se pronuncia em termos de poder agravar a posição do mesmo arguido."

O Ministério Público contra-alegou, concluindo:

"1.º Face à jurisprudência firmada pelo plenário deste Tribunal Constitucional no Acórdão 533/99, é inconstitucional, por violação dos princípios das garantias de defesa e do processo equitativo, a interpretação das normas que prevêem e regulam a emissão de parecer pelo representante do Ministério Público junto do tribunal superior que se traduza em dispensar a notificação ao arguido do teor de tal parecer, independentemente do seu conteúdo concreto e do seu carácter substancialmente inovatório.

2.º É inconstitucional, por violação dos princípios das garantias de defesa e da proporcionalidade, a interpretação normativa do artigo 340.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, que se traduza em considerar limitados os poderes de investigação do tribunal - destinados a apurar da verdade material - em consequência de se atribuir efeito irremediavelmente preclusivo a uma junção tardia de documentos (não supervenientes) pelo arguido, feita antes do encerramento da discussão.

3.º Criando, deste modo, um regime substancialmente mais preclusivo e gravoso para o arguido em processo penal do que sempre vigorou no âmbito do processo civil, em que é lícito às partes juntar documentos até ao encerramento da discussão da causa (sujeitando-se apenas à sanção pecuniária prevista no artigo 523.º do Código de Processo Civil) e ao juiz determinar, mesmo oficiosamente, a requisição de quaisquer documentos que considere relevantes para a apreciação da verdade dos factos.

4.º Termos em que deverá proceder o presente recurso."

Cumpre decidir.

II - 6 - Quanto ao primeiro recurso, interposto pelo Ministério Público, da declaração de voto de vencido de um dos juízes que integraram o colectivo, anexa ao Acórdão do 1.º Juízo do Tribunal Criminal da Comarca de Lisboa de 4 de Agosto de 1993, há que decidir a questão prévia da admissibilidade do recurso, suscitada nas alegações do procurador-geral-adjunto neste Tribunal. Com efeito, nestas alegações é invocada a jurisprudência uniforme do Tribunal - formada, é certo, depois de interposto o recurso em crise - no sentido de que a declaração de um juiz, participante de um tribunal colectivo, que não acompanhou a opinião da maioria, não configura a decisão de um tribunal, no sentido do n.º 2 do artigo 280.º da Constituição e do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, pelo que não é objecto idóneo de um recurso de fiscalização concreta: assim, nomeadamente, os Acórdãos n.os 464/94 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, n.º 28, pp. 369 e 373) e 62/95 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, n.º 30, pp. 1079 e 1081).

Há que reiterar essa jurisprudência, pela razão na mesma aduzida: muito embora tal declaração de voto, anexa ao acórdão, faça parte integrante da decisão tomada pelo tribunal colectivo, ela não integra a opinião da maioria, que exprime o conteúdo decisório, bem como a fundamentação que suporta o decidido: tanto a decisão como a fundamentação se alcançam com os votos dos juízes que formam a maioria, e a elas se circunscreve a "decisão do tribunal".

Não havendo no caso uma decisão de tribunal que recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, não se pode, portanto, tomar conhecimento deste recurso.

7 - Por força do Acórdão 584/96, proferido em reclamação do despacho que indeferiu a admissão do recurso e que revogou o despacho de indeferimento, fazendo, nos termos do n.º 4 do artigo 77.º da Lei do Tribunal Constitucional, caso julgado quando à admissibilidade do recurso, o recurso de constitucionalidade interposto pelo recorrente do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Fevereiro de 1994 tem como único objecto a norma do artigo 340.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, cuja aplicação foi recusada pelo Tribunal a quo e que dispõe o seguinte:

"O tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa."

Segundo o Acórdão 584/96, a aplicação do artigo 340.º, n.º 1, apenas foi recusada no caso numa certa interpretação, em que abrange os documentos, oferecidos pelo arguido para além do inquérito ou da instrução, sem que seja alegada e provada a impossibilidade da junção em tempo. É o que resulta claramente das seguintes passagens do Acórdão 584/96 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, n.º 33, pp. 900 e 901):

"O acórdão denega, em via de recurso, uma pretensão do arguido de, em audiência, juntar aos autos 43 documentos, pretensão que se fundara nos artigos 165.º, n.º 1, e 340.º, n.º 1, do Código de Processo Penal [acta da sessão de 28 de Maio de 1993]. Mas não chama pelo nome o artigo 340.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. Empreende uma interpretação marcadamente dirigida à norma do artigo 165.º, n.º 1, do mesmo Código: assenta na separação entre o momento do inquérito ou da instrução, por um lado, e o da audiência, por outro lado, e tem por inultrapassável a não justificação da junção de documentos no momento da audiência. Em nome do princípio do contraditório e dos limites que diz que esse princípio impõe ao princípio da verdade material.

E, explicando este procedimento interpretativo, o Supremo Tribunal de Justiça lembra a doutrina de Marques Ferreira ('Meios de prova', in Jornadas de Direito Processual Penal, p. 260) e contraria expressamente essa doutrina. Deixa, então, claro o sentido que atribui à norma do artigo 165.º, n.º 1 ['o documento deve ser junto no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo isso possível, deve sê-lo até ao encerramento da audiência']: é o sentido de que a parte que se propõe a junção de documento para além do inquérito ou da instrução tem o ónus de alegar e provar a impossibilidade de junção em tempo. Se o não faz, e a junção tardia se mostra ou tem como injustificada, a consequência não é a de o tribunal 'admitir a junção tardia injustificada mediante a condenação do apresentante numa soma em unidades de conta [...] por ser a que melhor se adequa ao princípio da investigação ou verdade material' (doutrina defendida por Marques Ferreira), mas a do indeferimento da junção requerida.

Uma interpretação assim afasta, com efeito, o princípio da verdade material. [...]

Mas, no sistema da lei de processo penal, o lugar de afirmação paradigmática do princípio da verdade material, para o momento da audiência, é o artigo 340.º [...], se bem que este acórdão não haja chamado o nome às coisas, recusou a aplicação da norma do artigo 340.º, n.º 1, do Código de Processo Penal."

Objecto do recurso é, portanto, a norma do artigo 340.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na interpretação em que abrange os documentos oferecidos pelo arguido para além do inquérito ou da instrução sem que seja alegada e provada a impossibilidade da junção em tempo.

Não é necessário tomar posição quanto à questão, disputada entre os juízes que votaram o acórdão, de saber se o fundamento de inconstitucionalidade que esteve na base da recusa de aplicação é a inconstitucionalidade orgânica resultante de o artigo 340.º, n.º 1, violar, na parte questionada, o princípio do contraditório entendido como princípio da igualdade de "armas" no processo, consagrado no artigo 2.º, n.º 2, alínea 3), da Lei 43/86, de 26 de Setembro, de autorização legislativa, ou também a inconstitucionalidade material resultante da ofensa do mesmo princípio sediado na Constituição.

Com efeito, não importa apurar a correcta interpretação neste ponto do acórdão recorrido, uma vez que os dois referidos fundamentos de inconstitucionalidade serão aqui considerados por necessidade lógica da argumentação, sendo certo que o Tribunal Constitucional pode julgar inconstitucional a norma a que a decisão recorrida tenha recusado aplicação com fundamento na violação de normas ou princípios constitucionais diversos daqueles cuja violação foi invocada (artigo 79.º-C da Lei do Tribunal Constitucional).

Assim sendo, importa averiguar se a norma do artigo 340.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na interpretação em que abrange os documentos oferecidos pelo arguido depois do inquérito ou da instrução - e, nomeadamente, durante a audiência -, sem que seja alegada e provada a impossibilidade de os juntar em tempo, é inconstitucional, como entende implicitamente o acórdão recorrido. Não há que curar aqui de saber qual o regime da junção desses documentos, nomeadamente quanto à aplicabilidade do artigo 523.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

Há que partir da constatação, já feita no Acórdão 584/96, de que o artigo 340.º, n.º 1, do Código de Processo Penal é o lugar de afirmação paradigmática do princípio da investigação ou da verdade material. Este princípio significa, mesmo no quadro de um processo penal orientado pelo princípio acusatório (artigo 32.º, n.º 5, da Constituição), que o tribunal de julgamento tem o poder-dever de investigar por si o facto, isto é, de fazer a sua própria "instrução" sobre o facto, em audiência, atendendo a todos os meios de prova não irrelevantes para a descoberta da verdade, sem estar em absoluto vinculado pelos requerimentos e declarações das partes, com o fim de determinar a verdade material (cf. Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, 1.º vol., 1955, p. 49, Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, vol. I, 1974, p. 72, e Roxin, Strafverfahrensrecht, 20.ª ed., 1987, p. 76). É isto mesmo que diz, por outras palavras, o n.º 1 do artigo 340.º, atrás transcrito.

Ora, não há dúvida de que o princípio da investigação ou da verdade material, sem prejuízo da estrutura acusatória do processo penal português, tem valor constitucional. Quer os fins do direito penal quer os do processo penal, que são instrumentais daqueles, implicam que as sanções penais, as penas e as medidas de segurança apenas sejam aplicadas aos verdadeiros agentes de crimes, pelo que a prossecução desses fins, isto é, a realização do direito penal e a própria existência do processo penal, só são constitucionalmente legítimas se aquele princípio for respeitado. Desde logo o princípio da culpa, que deriva da própria dignidade da pessoa humana (artigo 1.º da Constituição) e é implicado ou pressuposto por outros princípios constitucionais (com o do Estado de direito democrático - artigo 2.º -, o direito à integridade moral - artigo 25.º, n.º 1 - ou o direito à liberdade - artigo 27.º), tem uma base ontológica: só quem verdadeiramente é culpado pode ser punido, e nunca para lá da medida da sua verdadeira culpa. Também o princípio da necessidade das penas e das medidas de segurança (artigo 18.º, n.º 2) implica que só são necessárias tais sanções quando aplicadas aos verdadeiros agentes de crimes, sendo contraproducentes se aplicadas a outras pessoas, por poderem motivar então à revolta, ao desespero, à vingança ou ao desprezo do direito e não contribuírem para a interiorização dos valores jurídicos, que é o principal esteio da prevenção geral positiva (e igualmente da prevenção especial). Por outro lado, o princípio da jurisdicionalidade da aplicação do direito penal (artigos 27.º, n.º 2, e 32.º, n.º 4) justifica-se certamente de um modo essencial pelo fim da descoberta da verdade material, sem prejuízo de visar igualmente o respeito das garantias de defesa (artigo 32.º). Finalmente, quando o artigo 202.º, n.º 1, atribui aos tribunais competência para administrar a justiça, esta referência em matéria penal tem de entender-se como significando a justiça material baseada na verdade dos factos, que é indisponível, não se admitindo a condenação do arguido perante provas que possam conduzir à sua inocência.

Ora, o princípio da investigação ou da verdade material tem o seu campo essencial de aplicação na audiência de julgamento. Com efeito, em virtude dos princípios da oralidade e da imediação, não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito da formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência, com única ressalva, quanto à imediação, de algumas provas contidas em actos processuais cuja leitura em audiência seja permitida pela lei processual (artigos 355.º e segs. do Código de Processo Penal). Assim sendo, a interpretação restritiva do artigo 340.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, no sentido de não abranger a produção de prova documental em audiência quando o arguido não alegue ou não faça prova de impossibilidade da junção no decurso do inquérito ou da instrução e a consequente recusa da aplicação do mesmo artigo com a interpretação que abrange essa hipótese, impede a aplicação do princípio da investigação ou da verdade material numa hipótese do seu campo essencial de aplicação. Ora, tal interpretação, que baseia a recusa, não é imposta pelo princípio do contraditório, que certamente vale para a audiência (artigo 32.º, n.º 5, da Constituição), mas que pode, e deve, ser nela aplicado a todas as provas que nela são produzidas, tenham ou não sido antes produzidas no inquérito ou na instrução, como expressamente prevêem os artigos 327.º, n.º 2, e 340.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. O Código de Processo não admite - com ressalva dos direitos de defesa do arguido e dos preceitos legais imperativos sobre a admissibilidade de certas provas - qualquer restrição ao poder - dever do juiz de ordenar ou autorizar a produção de prova que considere indispensável para a boa decisão de causa -, isto é, para a instrução de facto ou para a descoberta da verdade material acerca dele - como se vê quando prevê expressamente o seu exercício já depois de passado o período normal de produção de prova em audiência, durante as alegações orais, que terão de ser suspensas para o efeito (artigo 360.º, n.º 4). O Código de Processo Penal harmoniza, assim, o princípio da investigação ou da verdade material, o princípio do contraditório e as garantias de defesa, de tal forma que nem o primeiro princípio nem as garantias sofrem restrição durante a audiência, mas o segundo princípio não deixa de ser aplicado a qualquer prova que o juiz considere necessária para boa decisão de causa, apesar da posição de relativa desvantagem da acusação, que dessa prova tem posterior conhecimento. A recusa desta forma de harmonização não é censurável por este Tribunal do ponto de vista da coerência com o sistema de Código de Processo Penal, mas já o é no caso sub judice por tal harmonização ser aqui conforme à Constituição.

Assim sendo, há que entender que também não se verifica uma pretensa inconstitucionalidade orgânica do artigo 340.º, n.º 1, por violação do princípio da "parificação do posicionamento jurídico da acusação e da defesa" e da igualdade material de "armas" no processo, recolhido no artigo 2.º, n.º 2, alínea 3), da Lei 43/86, de 26 de Setembro, de autorização legislativa. É que aqueles princípios são acolhidos no Código de Processo Penal na medida em que o princípio do contraditório vigora na audiência nos mesmos termos para a acusação e para a defesa relativamente aos meios de prova que elas ofereçam e que o juiz considera necessários à descoberta da verdade. Por outro lado, também o princípio da investigação é expressamente recolhido na alínea 4) do mesmo n.º 2 do artigo 2.º da Lei 43/86, de autorização legislativa, pelo que esta deve ser interpretada, em conformidade com a Constituição, como consagrando uma harmonização entre os dois princípios que não implique a exclusão do princípio dispositivo em hipóteses como a dos autos.

Verifica-se que quando os 43 documentos, cuja junção foi considerada constitucionalmente inadmissível no acórdão recorrido, integraram o fundamento de facto da decisão, no Acórdão da 1.ª instância de 4 de Agosto de 1993 e no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Novembro de 1999, o arguido foi absolvido; por outro lado, quando o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 10 de Fevereiro de 1994, ordenou o desentranhamento dos 43 documentos apresentados na audiência pelo arguido, não o fez por considerá-los irrelevantes para a descoberta da verdade, mas por considerar inconstitucional a sua junção nas circunstâncias dadas.

Contudo, não compete ao Tribunal Constitucional julgar do facto nem da necessidade de certo meio de prova para a descoberta da verdade. Cabe-lhe apenas apreciar a constitucionalidade da interpretação da norma do artigo 340.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, que foi recusada pelo tribunal recorrido. Essa interpretação abrange, de entre os meios de prova cuja produção o juiz pode ordenar a requerimento, se o seu conhecimento se lhe afigurar necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, os documentos oferecidos pelo arguido durante a audiência, sem que seja alegada e provada a impossibilidade de os juntar no decurso do inquérito ou da instrução. Do exposto resulta que a interpretação recusada é conforme com a Constituição, pelo que a norma do referido artigo 340.º, n.º 1, nessa interpretação não é inconstitucional.

8 - Quanto ao terceiro recurso agora subido, interposto pelo arguido do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Abril de 1994, foi admitido pelo Acórdão 584/96 apenas "quanto à norma do artigo 416.º do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de não impor a notificação do arguido para responder quando, no visto, o Ministério Público se pronuncia pela anulação do julgamento absolutório da 1.ª instância".

O Tribunal Constitucional pronunciou-se várias vezes sobre a constitucionalidade das normas processuais penais que prevêem a emissão de um parecer pelo Ministério Público quando o processo lhe vai com vista antes de ser apresentado ao relator, quer no domínio do Código de Processo Penal de 1929 (artigo 664.º) quer no domínio do Código de Processo Penal de 1987 (artigo 416.º).

O Acórdão 150/87 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, n.º 9, pp. 709 e 718) julgou inconstitucional a norma do artigo 664.º do Código de Processo Penal de 1929, por violação do disposto no artigo 32.º, n.os 1 e 5, da Constituição.

O Tribunal mudou de orientação com o Acórdão 398/89 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. II, n.º 13, pp. 1121 e 1129), que julgou que a norma do artigo 664.º não era inconstitucional interpretada no sentido de que, quando os recursos lhe vão com vista, o Ministério Público pode pronunciar-se sobre o respectivo objecto, com um dos seguintes limites: não lhe ser consentido emitir parecer que possa agravar a posição dos réus ou, quando isso aconteça, ser dada aos réus a possibilidade de responderem. Esta orientação foi mantida nos Acórdãos n.os 495/89 (in Diário da República, 2.ª série, de 28 de Janeiro de 1990), 496/89 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, n.º 14, pp. 217 e 224), 350/91 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, n.º 19, pp. 527 e 536), e 356/91 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, n.º 19, pp. 599 e 607), e culminou no Acórdão 150/93 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, n.º 24, pp. 303 e 308), tirado em plenário, que se pronunciou pela não inconstitucionalidade da mesma norma, interpretada no sentido de que, se o Ministério Público, quando os recursos lhe vão com vista, se pronunciar em termos de poder agravar a posição dos réus, deve ser dada a estes a possibilidade de responderem (nos mesmos termos, o Acórdão 374/95, de 27 de Junho, in Diário da República, 2.ª série, de 4 de Novembro de 1995).

O Tribunal modificou novamente a sua opinião no Acórdão 533/99 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, n.º 45, pp. 107 e 122), tirado em plenário, passando a adoptar a posição da declaração de voto de vencido no Acórdão 150/93 subscrita pelo presente relator e pelos conselheiros Antero Monteiro Diniz, Armindo Ribeiro Mendes e Luís Nunes de Almeida (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, n.º 24, pp. 310-318), que foi integralmente reproduzida naquele acórdão, e decidindo não julgar inconstitucional a norma do artigo 664.º, interpretada no sentido de que se o Ministério Público, quando os recursos lhe vão com vista, se pronunciar, deve ser dada aos réus a possibilidade de responderem.

A jurisprudência do Tribunal sobre o artigo 416.º do Código de Processo Penal de 1987 seguiu primeiro a do Acórdão 150/93 (Acórdãos n.os 651/93, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, n.º 26, pp. 223 e 233, e 974/96, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, n.º 34, pp. 469 e 476) e, por último, a do Acórdão 533/99 (Acórdão 279/01, inédito).

É claro que a interpretação do artigo 416.º do Código de Processo Penal que foi aplicada pelo acórdão recorrido, no sentido de não impor a notificação do arguido para responder quando no visto o Ministério Público se pronunciar pela anulação de julgamento absolutório da 1.ª instância, está em manifesta contradição com a interpretação conforme com a Constituição adoptada pelo Acórdão 533/99, segundo a qual quando o Ministério Público se pronunciar na vista, seja qual for o conteúdo dessa pronúncia, deve ser dada aos réus a possibilidade de responderem. Aliás, a referida interpretação aplicada pelo acórdão recorrido estaria igualmente em contradição com a anterior jurisprudência do Tribunal Constitucional expressa no Acórdão 150/93.

Justifica-se, portanto, aplicar no caso a jurisprudência do Acórdão 533/99, que se dispensa reproduzir.

III - Pelos fundamentos expostos, decide-se:

a) Não tomar conhecimento do recurso interposto pelo Ministério Público da declaração de voto de vencido de um dos juízes que integraram o colectivo, anexa ao Acórdão do 1.º Juízo do Tribunal Criminal da Comarca de Lisboa de 4 de Agosto de 1993;

b) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 340.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e, por consequência, conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Fevereiro 1994, que deve ser reformado em conformidade com o juízo de constitucionalidade aqui proferido;

c) Em aplicação da jurisprudência fixada no Acórdão 533/99, não julgar inconstitucional a norma do artigo 416.º do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que, quando o Ministério Público, quando os recursos lhe vão com vista, se pronunciar, deve ser dada aos réus a possibilidade de responderem, e, por consequência, conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Abril de 1994, que deve ser reformado em conformidade com o disposto no artigo 80.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional.

Lisboa, 3 de Abril de 2002. - José de Sousa e Brito (relator) - Maria Helena Brito - Maria Fernanda Palma - Alberto Tavares da Costa - Paulo Mota Pinto - Bravo Serra - Artur Maurício - Guilherme da Fonseca - Maria dos Prazeres Pizarro Beleza - Luís Nunes de Almeida.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2056091.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1983-10-06 - Decreto-Lei 371/83 - Presidência do Conselho de Ministros e Ministério da Justiça

    Estabelece disposições penais relativas à punição de actos de corrupção.

  • Tem documento Em vigor 1986-09-26 - Lei 43/86 - Assembleia da República

    Autorização legislativa em matéria de processo penal.

  • Tem documento Em vigor 1987-07-16 - Lei 34/87 - Assembleia da República

    Determina os crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos, bem como as sanções que lhes são aplicáveis.

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