de 10 de Agosto
Exercício do direito de petição
A Assembleia da República decreta, nos termos dos artigos 52.º, 164.º, alínea d), 168.º, alínea b), e 169.º, n.º 3, da Constituição, o seguinte:
CAPÍTULO I
Disposições gerais
Artigo 1.º
Âmbito da presente lei
1 - A presente lei regula e garante o exercício do direito de petição para defesa dos direitos dos cidadãos, da Constituição, das leis ou do interesse geral, mediante a apresentação aos órgãos de soberania, ou a quaisquer autoridades públicas, com excepção dos tribunais, de petições, representações, reclamações ou queixas.2 - São regulados por legislação especial:
a) A impugnação dos actos administrativos, através de reclamação, ou de recursos hierárquicos;
b) O direito de queixa ao Provedor de Justiça e à Alta Autoridade para a Comunicação Social;
c) O direito de petição das organizações de moradores perante as autarquias locais;
b) O direito de petição colectiva dos militares e agentes militarizados dos quadros permanentes em serviço efectivo.
Artigo 2.º
Definições
1 - Entende-se por petição, em geral, a apresentação de um pedido ou de uma proposta a um órgão de soberania ou a qualquer autoridade pública no sentido de que tome, adopte ou proponha determinadas medidas.2 - Entende-se por representação a exposição destinada a manifestar opinião contrária da perfilhada por qualquer entidade ou a chamar a atenção de uma autoridade pública relativamente a certa situação ou acto, com vista à sua revisão ou à ponderação dos seus efeitos.
3 - Entende-se por reclamação a impugnação de um acto perante o órgão, funcionário ou agente que o praticou ou perante o seu superior hierárquico.
4 - Entende-se por queixa a denúncia de qualquer inconstitucionalidade ou ilegalidade, bem como do funcionamento anómalo de qualquer serviço, com vista à adopção de medidas contra os responsáveis.
5 - As petições, representações, reclamações e queixas dizem-se colectivas quando apresentadas por um conjunto de pessoas através de um único instrumento e em nome colectivo quando apresentadas por uma pessoa colectiva em representação dos respectivos membros.
6 - Sempre que, nesta lei, se empregue unicamente o termo «petição», entende-se que o mesmo se aplica a todas as modalidades referidas no presente artigo.
Artigo 3.º
Cumulação
O direito de petição é cumulável com outros meios de defesa de direitos e interesses previstos na Constituição e na lei e não pode ser limitado ou restringido no seu exercício por qualquer órgão de soberania ou por qualquer autoridade pública.
Titularidade
1 - O direito de petição, enquanto instrumento de participação política democrática, e exclusivo dos cidadãos portugueses.2 - Os estrangeiros e os apátridas que residam em Portugal gozam do direito de petição para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
3 - O direito de petição é exercido individual ou colectivamente.
4 - Gozam igualmente do direito de petição quaisquer pessoas colectivas legalmente constituídas.
Artigo 5.º
Universalidade e gratuitidade
A apresentação de petições constitui direito universal e gratuito e não pode, em caso algum, dar lugar ao pagamento de quaisquer impostos ou taxas.
Artigo 6.º
Liberdade de petição
Nenhuma entidade, pública ou privada, pode proibir ou por qualquer forma impedir ou dificultar o exercício do direito de petição, designadamente na livre recolha de assinaturas e na prática dos demais actos necessários.
Artigo 7.º
Garantias
1 - Ninguém pode ser prejudicado, privilegiado ou privado de qualquer direito em virtude do exercício do direito de petição.2 - O disposto no número anterior não exclui a responsabilidade criminal, disciplinar ou civil do peticionante se do seu exercício resultar ofensa ilegítima de interesses legalmente protegidos.
Artigo 8.º
Dever de exame e de comunicação
1 - O exercício do direito de petição obriga a entidade destinatária a receber e examinar as petições, representações, reclamações ou queixas, bem como a comunicar as decisões que forem tomadas.2 - O erro na qualificação da modalidade do direito de petição de entre as que se referem no artigo 2.º não justifica a recusa da sua apreciação pela entidade destinatária.
CAPÍTULO II
Forma e tramitação
Artigo 9.º
Forma
1 - O exercício do direito de petição não está sujeito a qualquer forma ou a processo específico.2 - A petição, a representação, a reclamação e a queixa devem, porém, ser reduzidas a escrito devidamente assinado pelos titulares, ou por outrem a seu rogo, se aqueles não souberem ou não puderem assinar.
3 - O direito de petição pode ser exercido por via postal ou através de telégrafo, telex, telefax e outros meios de telecomunicação.
4 - A entidade destinatária convida o peticionante a completar o escrito apresentado quando:
a) Aquele não se mostre correctamente identificado e não contenha menção do seu domicílio;
b) O texto seja ininteligível ou não especifique o objecto de petição.
5 - Para os efeitos do número anterior, a entidade destinatária fixa um prazo não superior a 20 dias, com a advertência de que o não suprimento das deficiências apontadas determina o arquivamento liminar da petição.
6 - Em caso de petição colectiva ou em nome colectivo é suficiente a identificação completa de um dos signatários.
Artigo 10.º
Apresentação em território nacional
1 - As petições devem, em regra, ser apresentadas nos serviços das entidades a que são dirigidas.2 - As petições dirigidas a órgãos centrais de entidades públicas podem ser apresentadas nos serviços dos respectivos órgãos locais quando os interessados residam na respectiva área ou nela se encontrem.
3 - Quando sejam dirigidas a órgãos da Administração Pública que não disponham de serviços nas áreas do distrito ou do município de residência do interessado ou interessados ou onde eles se encontrem, as petições podem ser entregues na secretaria do governo civil do distrito respectivo.
4 - As petições apresentadas nos termos dos números anteriores são remetidas pelo registo do correio aos órgãos a quem sejam dirigidas no prazo de 24 horas após a sua entrega, com a indicação da data desta.
Artigo 11.º
Apresentação no estrangeiro
1 - As petições podem também ser apresentadas nos serviços das representações diplomáticas e consulares portuguesas no país em que se encontrem ou residam os interessados.2 - As representações diplomáticas ou consulares remeterão os requerimentos às entidades a quem sejam dirigidas nos termos fixados no n.º 4 do artigo anterior.
Artigo 12.º
Indeferimento liminar
1 - A petição é liminarmente indeferida quando for manifesto que:a) A pretensão deduzida é ilegal;
b) Visa a reapreciação de decisões dos tribunais ou de actos administrativos insusceptíveis de recurso;
c) Visa a reapreciação, pela mesma entidade, de casos já anteriormente apreciados na sequência do exercício do direito de petição, salvo se forem invocados ou tiverem ocorrido novos elementos de apreciação.
2 - A petição é ainda liminarmente indeferida se:
a) For apresentada a coberto de anonimato e do seu exame não for possível a identificação da pessoa ou pessoas de quem provém;
b) Carecer de qualquer fundamento.
Artigo 13.º
Tramitação
1 - A entidade que recebe a petição, se não ocorrer indeferimento liminar, referida no artigo anterior decide sobre o seu conteúdo, com a máxima brevidade, compatível com a complexidade do assunto nela versado.2 - Se a mesma entidade se julgar incompetente para conhecer da matéria que é objecto da petição, remete-a à entidade para o efeito competente, informando do facto o autor da petição.
3 - Para ajuizar sobre os fundamentos invocados, a entidade competente pode proceder às averiguações que se mostrem necessárias e, conforme os casos, tomar as providencias adequadas à satisfação da pretensão ou arquivar o processo.
Artigo 14.º
Enquadramento orgânico
Sem prejuízo do disposto em especial para a Assembleia da República, os órgãos de soberania, de governo próprio das regiões autónomas e das autarquias locais, bem como os departamentos da Administração Pública onde seja mais frequente a entrega de instrumentos do exercício do direito de petição, organizarão esquemas adequados de recepção, tratamento e decisão das petições recebidas.
CAPÍTULO III
Petições dirigidas à Assembleia da República
Artigo 15.º
Tramitação
1 - As petições dirigidas à Assembleia da República são endereçadas ao Presidente e apreciadas pela comissão especialmente constituída para o efeito.2 - A Comissão de Petições pode ouvir as comissões competentes em razão da matéria.
3 - As comissões podem ouvir os peticionantes, solicitar depoimentos de quaisquer cidadãos e requerer informações e documentos a outros órgãos de soberania ou a quaisquer serviços públicos e privados, sem prejuízo do disposto na lei sobre sigilo profissional ou segredo de Estado.
4 - Findo o exame da petição, é elaborado relatório, devendo a Comissão de Petições enviar o relatório final ao Presidente da Assembleia da República, com proposta de providências que julgue adequadas, se for caso disso.
5 - Os prazos para apreciação de petições e sua prorrogação, a composição e o funcionamento da Comissão de Petições e respectivos poderes e deveres constam do Regimento da Assembleia da República.
Artigo 16.º
Efeitos
1 - Da apreciação das petições e respectivos elementos de instrução pela Comissão de Petições pode, nomeadamente, resultar:a) A sua apreciação pelo Plenário da Assembleia da República, nos termos do artigo 180.º;
b) A sua remessa, por cópia, à entidade competente em razão da matéria para a sua apreciação e para a eventual tomada de decisão que no caso lhe caiba;
c) A elaboração, para ulterior subscrição, por qualquer deputado ou grupo parlamentar, de medida legislativa que se mostre justificada;
d) O conhecimento dado ao ministro competente em razão da matéria, através do Primeiro-Ministro, para eventual medida legislativa ou administrativa;
e) O conhecimento dado, pelas vias legais, a qualquer outra autoridade competente em razão da matéria, na perspectiva de ser tomada qualquer medida normativa ou administrativa;
f) A remessa ao procurador-geral da República, na perspectiva da existência de indícios bastantes para o exercício da acção penal;
g) A sua remessa à Polícia Judiciária, na perspectiva da existência de indícios justificativos de investigação policial;
h) A sua remessa ao Provedor de Justiça, para os efeitos do disposto no artigo 23.º da Constituição;
i) A sua remessa à Alta Autoridade contra a Corrupção, quando se trate de matérias incluídas na competência desta;
j) A iniciativa de inquérito parlamentar, quando este se revele justificado;
l) A informação ao peticionante de direitos que revele desconhecer, de vias que eventualmente possa seguir ou de atitudes que eventualmente possa tomar para obter o reconhecimento de um direito, a protecção de um interesse ou a reparação de um prejuízo;
m) O esclarecimento dos peticionantes, ou do público em geral, sobre qualquer acto do Estado e demais entidades públicas relativo à gestão dos assuntos públicos que a petição tenha colocado em causa ou em dúvida;
n) O seu arquivamento, com conhecimento ao peticionante ou peticionantes.
2 - As diligências previstas nas alíneas b), d), e), f), g), h), i), l) e m) são efectuadas pelo Presidente da Assembleia da República, a solicitação e sob proposta da Comissão de Petições.
Artigo 17.º
Publicação
1 - São publicadas na íntegra as petições:a) Assinadas por um mínimo de 1000 cidadãos;
b) Que o Presidente da Assembleia da República, sob proposta da Comissão de Petições, entender que devem ser publicadas.
2 - São igualmente publicados os relatórios da Comissão de Petições relativos às petições referidas no n.º 1 ou que o Presidente da Assembleia da República, sob proposta daquela, entenda que devem ser publicados.
3 - Semestralmente, a Comissão de Petições relatará ao Plenário o sentido essencial das petições recebidas e das medidas sobre elas tomadas.
Artigo 18.º
Apreciação pelo Plenário
1 - São apreciadas pelo Plenário as petições colectivamente apresentadas à Assembleia da República, subscritas por um número mínimo de 1000 assinaturas e que tenham sido admitidas pelas comissões.2 - As petições são enviadas ao Presidente, para agendamento, acompanhadas do relatório e dos elementos instrutórios, se os houver.
3 - A matéria constante da petição não é submetida a votação, mas, com base na mesma, qualquer deputado ou grupo parlamentar pode exercer o direito de iniciativa, nos termos regimentais, caso em que a mesma será apreciada nos termos do n.º 2.
4 - Do que se passar será dado conhecimento ao primeiro signatário da petição, a quem será enviado um exemplar do número do Diário da Assembleia da República em que se mostre reproduzido o debate, a eventual apresentação de qualquer proposta com ele conexa e o resultado da respectiva votação.
CAPÍTULO IV
Disposições finais
Artigo 19.º
Regulamentação complementar
No âmbito das respectivas competências constitucionais, os órgãos e autoridades abrangidos pela presente lei elaborarão normas e outras medidas tendentes ao seu eficaz cumprimento.
Artigo 20.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no 20.º dia posterior ao da sua publicação.
Aprovada em 12 de Julho de 1990.
O Presidente da Assembleia da República, Vítor Pereira Crespo.
Promulgada em 24 de Julho de 1990.
Publique-se.O Presidente da República, MÁRIO SOARES.
Referendada em 26 de Julho de 1990.
O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.