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Acórdão 417/2006, de 13 de Dezembro

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Sumário

Julga inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, o artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, quando interpretado no sentido de ser indemnizável como solo apto para construção terreno integrado na RAN com aptidão edificativa segundo os elementos objectivos definidos no n.º 2 do artigo 25.º do mesmo Código.

Texto do documento

Acórdão 417/2006 Processo 538/2005

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório. - 1 - Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que é recorrente EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (que sucedeu ao IEP - Instituto das Estradas de Portugal), e são recorridos Armindo Borges Alves da Costa e Maria Fernanda Magalhães Ferreira da Costa, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do Acórdão daquele Tribunal de 11 de Abril de 2005.

A recorrente requereu a apreciação da "inconstitucionalidade da norma contida no artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, aprovado pela Lei 168/99, de 18 de Setembro, quando interpretada no sentido de poder ser aplicada (mesmo que por aplicação extensiva ou analógica) a terrenos sem aptidão construtiva - no caso, em virtude da sua integração na Reserva Agrícola Nacional (RAN)", por violação do princípio da igualdade; bem como a "inconstitucionalidade das normas contidas nos n.os 1 do artigo 23.º e 1 do artigo 26.º do actual Código das Expropriações, quando interpretadas no sentido de permitir avaliar e indemnizar como 'solo apto para construção' (ainda que extensiva ou analogicamente) solo integrado na RAN à data da declaração de utilidade pública, expropriado para implantação de vias de comunicação", por violação dos princípios da justa indemnização por expropriação e da igualdade.

2 - O Instituto para a Construção Rodoviária (ao qual sucedeu o IEP - Instituto das Estradas de Portugal) requereu a expropriação de uma parcela de terreno pertencente aos recorridos, destinada à construção da variante nascente de Famalicão, com a área de 2599 m2 Interpostos recursos da decisão arbitral, que fixou em 13 068 000$00 o valor da indemnização, foi decidido, por sentença de 15 de Julho de 2004, do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Famalicão, fixar em Euro 211 498,30 o valor da indemnização a pagar pela ora recorrente aos recorridos. A entidade expropriante interpôs recurso desta decisão para o Tribunal da Relação do Porto, sustentando, para além do mais, a inconstitucionalidade das normas já mencionadas.

3 - Em 11 de Abril de 2005, o Tribunal da Relação do Porto acordou em julgar improcedente o recurso e confirmar a decisão recorrida:

"III - Factos provados. - O Tribunal, para fundamentar a sua decisão, considerou provados os seguintes factos:

1.º Foi adjudicada à expropriante a propriedade de uma parcela de terreno com a área de 2599 m2, a qual constituía a totalidade de um prédio rústico sito no lugar de Regada, freguesia de Gavião, Vila Nova de Famalicão, descrito com o n.º 25 705, que confronta a norte com EN 206/Avenida do Brasil, a nascente com rio Pelhe, a sul com Joaquim Correia Marques e a poente em ponta com a EN 206 e a Avenida do Brasil.

2.º O prédio está inserido no núcleo urbano da cidade de Vila Nova de Famalicão, sendo dotado de um nível médio de equipamento, serviços e comércio, dispondo do lado norte da EN 206/ Avenida do Brasil de via pavimentada em tapete asfáltico, com a largura média de 10 m, devidamente infra-estruturada.

3.º A área expropriada, que constitui a totalidade do prédio, é formada por duas parcelas, sendo de 1973 m2 a necessária para a obra e 626 m2 considerada como sobrante, tendo uma configuração triangular, de declive muito suave para sul.

4.º Tal prédio está classificado na planta de ordenamento do Plano Director Municipal de Vila Nova de Famalicão como "espaço de aglomerado tipo 2", na extremidade poente e, maioritariamente, como "Reserva Agrícola Nacional".

5.º As parcelas de terreno situadas na área envolvente, cujo perímetro exterior se situa a 300 m (ou menos) do limite da parcela expropriada, estão classificadas na planta de ordenamento do território do PDM como: 'RAN'; 'REN'; 'espaços de aglomerado tipo 4 - 2 pisos', 'espaços de aglomerado tipo 3 - 2 pisos', 'espaços de expansão de aglomerado tipo 1 - 6 pisos', 'espaço verde urbano' e, maioritariamente, como 'espaços de aglomerado tipo 2 - 4 pisos'.

6.º O prédio foi adquirido pelos expropriados em data anterior à classificação dos solos pela carta da RAN e à ratificação do PDM.

7.º A título de benfeitorias, o prédio possuía um bardo de vinha, conduzido e enforcado com um fio de arame, de pouca produção, suportado em amieiros.

8.º Bordejando o prédio, a sul, existia uma ramada, com vinha de castas correntes e em plena produção, cobrindo uma área de 310 m.

IV - O direito. - O solo expropriado foi classificado e valorado pelos peritos nomeados pelo tribunal e dos expropriados como 'solo apto a construção' e pelo perito da expropriante como 'solo apto para outros fins', circunstância esta que, desde logo, origina uma disparidade enorme em termos de avaliação final.

[...] vamo-nos cingir à questão essencial aqui em discussão e que consiste em saber se o solo dos autos nunca poderia ser classificado e avaliado como 'solo apto para a construção' em virtude da sua integração em RAN e ainda pelo facto de incidirem sobre o mesmo prédio várias servidões e restrições que impossibilitam a construção.

Ou seja, mais genericamente, se, encontrando-se um terreno a expropriar incluído em RAN, acarreta a possibilidade de ser classificado e valorado como 'solo para construção'.

A doutrina e a jurisprudência estão, perante o novo Código das Expropriações, divididas, sendo que, para uns, haverá de ser feita uma interpretação extensiva do n.º 12 do artigo 26.º do CE/99, tendo em atenção o n.º 2 do artigo 25.º do mesmo Código, donde concluir que a inclusão de um terreno na RAN ou na REN não acarreta necessariamente a extinção da capacidade edificativa do solo, impedindo a sua classificação como solo apto para construção, ou seja, desde que o terreno a expropriar, embora integrado na RAN, tenha algumas das características exigidas naquele n.º 2 do artigo 25.º para o tornar apto a construção, deve ser considerado, numa interpretação extensiva do n.º 12 do artigo 26.º, com tendo aptidão edificativa - Acórdão da Relação de Coimbra de 15 de Dezembro de 2003, in Colectânea de Jurisprudência,t. V, p. 37, Acórdão da Relação de Coimbra de 22 de Junho de 2004, in Colectânea de Jurisprudência, t. III, p. 30, e Acórdão da Relação do Porto de 6 de Novembro de 2003, em www.dgsi.pt -, enquanto para outros, desde que o terreno a expropriar esteja integrado na RAN, não há que atender à sua capacidade edificativa, uma vez que tal capacidade não se faz renascer com a expropriação - por todos, Acórdão da Relação do Porto de 26 de Fevereiro de 2004, em www.dgsi.pt.

[...] no presente caso, ainda mais relevante e justificado se mostra o entendimento seguido de existir a possibilidade de um solo integrado na RAN poder ser avaliado como 'solo apto a construção', uma vez que existe mesmo na área expropriada parte que, embora não significativa, se situa em 'espaço de aglomerado tipo 2', ou seja, em espaço urbano, ou seja, a ocorrência simultânea de existência num mesmo terreno de solo integrado em RAN e em espaços de aglomerado.

Por isso que a questão que agora se coloca é a de saber se nas circunstâncias dos autos é possível sustentar que a inclusão de um terreno na RAN acarreta ou não necessariamente a extinção da sua capacidade edificativa para efeitos de atribuição de indemnização em expropriação quando se destina à construção de uma infra-estrutura rodoviária, como é a variante nascente a Vila Nova de Famalicão.

E o problema ou a solução não é classificar e passar um solo de RAN classificado de 'solo apto para outros fins' para 'solo apto a construção', mas antes e apenas se perante as circunstâncias específicas da situação da parcela a expropriar se devem ou não ser usados os critérios de avaliação do solo apto para construção, atendendo especialmente aos factores e vectores inseridos no n.º 12 do artigo 26.º do CE/99. O que se trata aqui não é classificar pura e simplesmente a parcela como 'solo apto para construção', mas se tal parcela deve ser valorizada de acordo com os critérios fixados para o 'solo apto para construção' [...] No caso dos autos e em função das características já apontadas e determinadas, a parcela expropriada fica numa situação em tudo idêntica à das que se encontram previstas no número do artigo enunciado, na medida em que há uma desafectação da RAN e foi expropriada para infra-estrutura pública rodoviária, pelo que nada impede que se faça aplicação extensiva ou analógica desse artigo 26.º, n.º 12, por força do disposto no artigo 10.º do CC - v. o Acórdão da Relação de Coimbra de 22 de Junho de 2004, in Colectânea de Jurisprudência, ano 2004, t. III, p. 34, e Acórdão da Relação do Porto de 28 de Novembro de 2003, em www.dgsi.pt.

Ora, confrontando agora e mais precisamente com a matéria dada como provada na sentença em recurso, verificamos que:

"O prédio está inserido no núcleo urbano da cidade de Vila Nova de Famalicão, sendo dotado de um nível médio de equipamento, serviços e comércio, dispondo do lado norte da EN 206/Avenida do Brasil de via pavimentada em tapete asfáltico, com a largura média de 10 m, devidamente infra-estruturada;

Tal prédio está classificado na planta de ordenamento do Plano Director Municipal de Vila Nova de Famalicão como 'espaço de aglomerado tipo 2', na extremidade poente e, maioritariamente, como 'Reserva Agrícola Nacional';

As parcelas de terreno situadas na área envolvente, cujo perímetro exterior se situa a 300 m (ou menos) do limite da parcela expropriada, estão classificadas na planta de ordenamento do território do PDM como: 'RAN'; 'REN'; 'espaços de aglomerado tipo - 2 pisos', 'espaços de aglomerado tipo 3 - 2 pisos', 'espaços de expansão de aglomerado tipo 1 - 6 pisos', 'espaço verde urbano' e, maioritariamente, como 'espaços de aglomerado tipo 2 - 4 pisos'.

6.º O prédio foi adquirido pelos expropriados em data anterior à classificação dos solos pela carta da RAN e à ratificação do PDM."

Perante este quadro fáctico e mais ainda quando na própria parcela há parte integrada em 'espaços de aglomerado tipo 2', seria incompreensível que esta parcela não pudesse ser avaliada por critérios semelhantes aos de solo apto para construção, como, aliás, foi efectivamente realizado pelos peritos maioritários e pelo perito dos expropriados, mais ainda quando se consulta a fl.

43 e a fotografia junta.

Ora, da leitura do laudo maioritário e da sentença, verificamos que o critério seguido foi este, pelo que, nestas circunstâncias, entendemos que essa avaliação está correcta, por efectuado com os parâmetros de solo apto para construção nos termos do referido artigo 26.º, n.º 12, não sendo de seguir o laudo proposto pelo perito do expropriante, que decidiu avaliá-lo apenas em função da sua produção agrícola.

E relendo o laudo da arbitragem, logo aí se identificam as infra-estruturas urbanísticas de que beneficia o prédio, como sejam, o acesso rodoviário, confrontando com a Estrada Nacional n.º 206, neste caso Avenida do Brasil, saída de Vila Nova de Famalicão para Guimarães, rede de abastecimento de água, rede de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão, rede de drenagem de águas pluviais e rede telefónica, situando-se a cerca de 1 km do centro da cidade de Vila Nova de Famalicão e a menos de 300 m de prédios com algum envergadura, sendo que a zona é ladeada por áreas de edificações, de ocupação territorial algo elevada, factores estes que voltaram a ser tidos em conta no laudo maioritário e valorados nos termos do n.º 7 do artigo 26.º Perante estes factores e circunstâncias, classificar o solo como pretende a expropriante de 'solo apto para outros fins' e seguir o critério de avaliação fixado no artigo 27.º do CE/99, pela simples razão de estar integrado tal solo em RAN, é que seria ofender o princípio da 'justa indemnização' [...] Diremos ainda que consultamos o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 275/2004, publicado do Diário da República, 2.ª série, n.º 134, de 8 de Junho de 2004, que versa também sobre expropriação de uma parcela para integrar a variante nascente a Vila Nova de Famalicão, mas que nos surge perante um quadro bem diferente do dos presentes autos, uma vez que aqui as parcelas de terrenos circundantes não estão integradas em RAN e sem qualquer aptidão edificativa, antes pelo contrário, dando azo a que, a seguir-se outro critério, a violação do princípio da igualdade no domínio, pelo menos, da relação externa, ao comparar-se os expropriados com os não expropriados, originando uma desigualdade entre os dois grupos. Aqui as parcelas circundantes não estão sem aptidão edificativa.

Assim, podemos concluir que, estando uma parcela a expropriar integrada em RAN, mas cujo enquadramento obedeça às condições previstas no n.º 12 do artigo 26.º do CE/99, nada obsta ou impede, antes tudo aconselha, a que se faça uma aplicação extensiva ou analógica de tal diploma, por forma que a avaliação e valorização da parcela não seja realizada nos termos do artigo 27.º, mas por critérios próximos dos estabelecidos para os terrenos aptos para construção."

4 - Interposto recurso para este Tribunal, foi proferido despacho pela relatora, restringindo o objecto do recurso "à questão de constitucionalidade relativa ao n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações, por se entender que a decisão recorrida não aplicou os artigos 23.º, n.º 1, e 26.º, n.º 1, deste Código". Este despacho não foi objecto de qualquer reclamação.

5 - Alegaram recorrente e recorridos, concluindo a primeira as suas alegações pela seguinte forma:

"1.ª Constitui consolidada jurisprudência deste Tribunal Constitucional que os terrenos integrados na Reserva Agrícola Nacional não têm aptidão construtiva, de acordo com o respectivo ordenamento jurídico (Decreto-Lei 196/89, de 14 de Junho, alterado pelos Decretos-Leis n.os 274/92, de 12 de Dezembro, e 278/95, de 25 de Outubro).

2.ª Trata-se de uma restrição que se mostra necessária e funcionalmente adequada para acautelar uma reserva de terrenos agrícolas que propiciem o desenvolvimento da actividade agrícola, restrição constitucionalmente legítima e que não viola quer o princípio da justa indemnização, dada a sua 'vinculação situacional', nem os princípios da igualdade e da proporcionalidade, pois atingem todos os proprietários e outros interessados que estão, quer em concreto, quer em abstracto, dentro da mesma situação jurídica.

3.ª A integração de um terreno na Reserva Agrícola Nacional determina, na prática, não só a impossibilidade de o proprietário nele vir a construir edifícios urbanos mas também o fim de qualquer expectativa razoável de desafectação para que tal solo possa vir a ser destinado à construção imobiliária.

4.ª Essa impossibilidade, que é determinada por razões de interesse público (reservar para a produção agrícola os terrenos que, para tal, tenham melhor aptidão), encontra justificação constitucional no artigo 93.º da Constituição.

5.ª Assim sendo, no caso de expropriação de terrenos integrados na Reserva Agrícola Nacional, não há que considerar, para efeitos de cálculo do valor da indemnização, a pagar ao expropriado, qualquer potencialidade edificativa que não existe, nem nasce com a expropriação.

6.ª O âmbito de aplicação da regra avaliatória constante do n.º 12 do artigo 26.º do CE/99 restringe-se aos casos em que os terrenos tinham, abstractamente, aptidão construtiva, antes da sua classificação como zona verde, de lazer ou 'espaço-canal' para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos e deixaram de tê-la em consequência da prossecução do interesse público - o interesse subjacente àquelas classificações.

7.ª O critério de cálculo do valor de indemnização constante dessa norma assenta na consideração dos terrenos referidos neste preceito como terrenos aptos para construção, enquanto, directa, incindível e inelutavelmente, ligados à obrigação de realização das infra-estruturas que o planeamento urbanístico impõe e cuja satisfação visa directamente cumprir.

8.ª Os terrenos integrados na RAN nunca perdem a sua aptidão construtiva em consequência da sua classificação por plano municipal como 'espaço-canal', pela simples razão de que a não possuíam antes - essa sua classificação não implica quaisquer restrições singulares às possibilidades objectivas de aproveitamento do solo (preexistentes e juridicamente consolidadas) que determinem uma limitação significativa na sua utilização.

9.ª A inclusão no critério de cálculo do valor do solo previsto no n.º 12 do artigo 26.º do CE/99 de parcelas de terreno integradas na RAN, expropriadas para a implantação de vias de comunicação, conduz a colocar os expropriados de tais parcelas numa situação de desigualdade perante os demais proprietários de parcelas contíguas igualmente integradas na RAN mas que não foram expropriados, conduzindo a um 'ocasional locupletamento injustificado' dos primeiros em relação aos segundos.

10.ª Enquanto que os expropriados seriam indemnizados com base em tal critério específico de cálculo do valor de solo apto para construção, necessariamente superior ao valor de mercado, os proprietários não expropriados que pretendessem alienar os seus terrenos nunca alcançariam, no mercado, um tal valor por virtude da limitação edificativa legalmente estabelecida para os solos integrados na RAN e da falta de previsão, em relação a eles, do critério de equivalência estabelecido no artigo 26.º, n.º 12, do CE de 1999.

11.ª A inclusão do terreno na RAN sujeita o terreno a um único estatuto jurídico sob o ponto de vista da sua ineptidão construtiva, em função do qual o legislador conformou o critério que concretiza o valor da justa indemnização exigida constitucionalmente como contrapartida da expropriação.

12.ª Assim, a aplicação (mesmo que extensiva ou analógica) do n.º 12 do artigo 26.º do CE/99 a terrenos integrados na RAN, só porque se verificam as circunstâncias que, para terrenos situados fora da RAN, o artigo 25.º, n.º 2, do CE/99 releva como elementos qualificantes de terrenos para construção, redundaria numa clara violação do princípio da igualdade constitucionalmente consagrado.

13.ª Dar-se tratamento jurídico-económico diferente sob o ponto de vista do critério de aferição do valor da indemnização devida em caso de expropriação a terrenos que, embora estejam todos incluídos na RAN (e que por via disso), não podem ser destinados (ou aptos para) a construção equivaleria a introduzir um elemento simplesmente formal ou materialmente irrelevante (do ponto de vista da aptidão para a construção) para fundar uma destrinça no aspecto indemnizatório.

14.ª Desde que os terrenos estejam incluídos na RAN, a sua aptidão efectiva ou conjectural para a construção é exactamente a mesma, concorram ou não concorram outras circunstâncias que a lei releve para considerar como terrenos para construção terrenos que estão situados fora da RAN e como tal sujeitos a outro estatuto jurídico.

15.ª Ao admitir-se que os terrenos incluídos na RAN possam ser indemnizados como se foram terrenos aptos para construção, dentro do regime próprio estabelecido no n.º 12 do artigo 26.º do CE de 1999, só pelo simples facto de serem expropriados, está a violar-se frontalmente o princípio da igualdade, na sua vertente externa.

16.ª Em caso de transmissão onerosa, num mercado em que não entrem factores anómalos e especulativos, jamais será possível ao proprietário não expropriado aspirar a uma valoração correspondente à conseguida através da sua expropriação e inclusão dentro do critério de cálculo do valor de indemnização constante do n.º 12 do artigo 26.º do CE de 1999.

17.ª É inconstitucional a norma contida no n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações, quando interpretada no sentido de poder ser aplicada (mesmo que por aplicação extensiva ou analógica) a terrenos sem aptidão construtiva - no caso, em virtude da sua integração na RAN só porque se verificam as circunstâncias que, para terrenos situados fora da RAN, o artigo 25.º, n.º 2, do CE/99 releva como elementos qualificantes de terrenos para construção."

6 - Os recorridos pugnaram pela improcedência do recurso.

II - Fundamentação. - 1 - O presente recurso, considerada a delimitação do respectivo objecto efectuada nos termos já referidos, visa a apreciação da conformidade constitucional do artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, aprovado pela Lei 168/99, de 18 de Setembro, na interpretação que lhe foi dada pelo tribunal recorrido.

É o seguinte o teor da disposição legal em questão:

"Artigo 26.º Cálculo do valor do solo apto para construção ...

12 - Sendo necessário expropriar solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em vigor, o valor de tais solos será calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada."

O Tribunal da Relação do Porto calculou o valor da parcela a expropriar a partir dos critérios estabelecidos na parte final do n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações, indemnizando como solo apto para construção terreno integrado na Reserva Agrícola Nacional (RAN), considerando, para o que agora releva, que:

a) "O prédio está inserido no núcleo urbano da cidade de Vila Nova de Famalicão, sendo dotado de um nível médio de equipamento, serviços e comércio, dispondo do lado norte da EN 206/Avenida do Brasil de via pavimentada em tapete asfáltico, com a largura média de 10 m, devidamente infra-estruturada", pelo que tem "aptidão edificativa", segundo os critérios previstos no artigo 25.º, n.º 2, daquele Código. "Relendo o laudo da arbitragem, logo aí se identificam as infra-estruturas urbanísticas que beneficiam o prédio, como sejam, o acesso rodoviário, confrontando com Estrada Nacional n.º 206, neste caso Avenida do Brasil, saída de Vila Nova de Famalicão para Guimarães, rede de abastecimento de água, rede de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão, rede de drenagem de águas pluviais e rede telefónica, situando-se a cerca de 1 km do centro da cidade de Vila Nova de Famalicão e a menos de 300 m de prédios com algum envergadura, sendo que a zona é ladeada por áreas de edificações, de ocupação territorial algo elevada";

b) "O prédio foi adquirido pelos expropriados em data anterior à classificação dos solos pela carta da RAN e à ratificação do PDM."

O tribunal recorrido interpretou e aplicou o artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, no sentido de ser indemnizável como solo apto para construção terreno integrado na RAN com aptidão edificativa segundo os elementos objectivos definidos no n.º 2 do artigo 25.º do mesmo Código. E é esta interpretação que a recorrente pretende ver apreciada, à luz do disposto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (cf. requerimento de interposição de recurso e as conclusões 9.ª, 12.ª, 15.ª e 17.ª das alegações).

2 - Com relevância para a questão de constitucionalidade a apreciar e decidir nos presentes autos, escreveu-se no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 275/20004 (Diário da República, 2.ª série, de 8 de Junho de 2004) o seguinte:

"8 - O Tribunal Constitucional teve oportunidade, por diversas vezes no passado, nomeadamente em casos em que estavam em causa acórdãos do Tribunal da Relação do Porto que consideravam inconstitucional - e, consequentemente, desaplicavam - a norma contida no n.º 5 do artigo 24.º do Código das Expropriações de 1991, de se pronunciar sobre a constitucionalidade desta norma.

De facto, a norma contida no n.º 5 do artigo 24.º do Código das Expropriações de 1991 foi efectivamente julgada inconstitucional, "enquanto interpretada por forma a excluir da classificação de solo apto para a construção os solos integrados na RAN expropriados justamente com a finalidade de neles se edificar para fins diferentes de utilidade pública agrícola", pelo Acórdão 267/97 (publicado no Diário da República, 2.ª série, de 21 de Maio de 1997).

Este juízo, não veio, todavia, a repetir-se em casos posteriormente julgados neste Tribunal. Assim, no Acórdão 20/2000 (publicado no Diário da República, 2.ª série, de 28 de Abril de 2000) decidiu-se "não julgar inconstitucional a norma do n.º 5 do artigo 24.º do Código das Expropriações vigente, interpretada por forma a excluir da classificação de 'solo apto para a construção' solos integrados na Reserva Agrícola Nacional expropriados para implantação de vias de comunicação". E esta jurisprudência, no sentido da não inconstitucionalidade, veio a ser confirmada e desenvolvida posteriormente pelo Tribunal, não só em relação a solos integrados na Reserva Agrícola Nacional expropriados para implantação de vias de comunicação, mas também expropriados para outros fins, nomeadamente nos Acórdãos n.os 247/2000, 346/2003, 347/2003 e 425/2003 (disponíveis na página do Tribunal Constitucional na Internet, no endereço http://www.tribunalconstitucional.pt/jurisprudencia.htm) e nos Acórdãos n.os 219/2001, 243/2001, 172/2002, 121/2002, 155/2002, 417/2002, 419/2002, 333/2003 e 557/2003 (publicados no Diário da República, 2.ª série, respectivamente de 6 e 4 de Julho de 2001, de 3 de Junho de 2002, de 12, 30, 17 e 31 de Dezembro de 2002, de 17 de Outubro de 2003 e de 23 de Janeiro de 2004).

Da jurisprudência do Tribunal decorre que a norma do n.º 5 do artigo 24.º do Código das Expropriações de 1991 só foi julgada inconstitucional num único caso em que a Administração classificou uma parcela de terreno, dotada de todas as infra-estruturas, como de utilidade pública agrícola e integrou-a, por isso, na RAN, para, posteriormente e uma vez desvalorizada, vir a adquiri-la, pagando por ela um valor correspondente ao de solo não apto para construção (a que acresce o facto de que a sua apropriação ocorreu apenas uma semana antes da publicação da Portaria 380/93, que, por sua vez, veio desafectar da RAN todo o terreno em que se situava a referida parcela). Em todos os restantes casos citados, nomeadamente em recursos interpostos de acórdãos do Tribunal da Relação do Porto (que recusara a aplicação, por inconstitucionalidade, daquela norma), e em que estavam em causa, quer a construção de vias de comunicação, quer de diferentes edifícios, o Tribunal pronunciou-se, sempre, no sentido da não inconstitucionalidade. Ou seja, em todos os outros casos, mesmo naqueles em que a expropriação se não destinou a implantação de vias de comunicação mas sim de edifícios públicos - por exemplo, escolas -, o Tribunal Constitucional, não tendo dado conta de "qualquer actuação pré-ordenada da administração, traduzida em 'manipulação das regras urbanísticas', com vista a desvalorizar artificiosamente o terreno, reservado ao uso agrícola, para mais tarde o adquirir por um valor degradado, destinando-o então à construção de edificações urbanas de interesse público", não julgou a norma inconstitucional.

9 - A situação que ora se nos oferece representa como que o espelho da situação anterior, sem que igualmente se questione 'qualquer actuação pré-ordenada da Administração, traduzida em manipulação das regras urbanísticas' a que atrás se fez referência. Isto é, quando anteriormente se considerava inconstitucional a norma contida no n.º 5 do artigo 24.º do Código das Expropriações (1991), interpretada com o sentido de excluir da classificação de 'solo apto para a construção' o solo, integrado na Reserva Agrícola Nacional, expropriado, nomeadamente, para implantação de vias de comunicação, entende-se, agora, interpretar as normas do n.º 1 do artigo 23.º e do n.º 1 do artigo 26.º do Código das Expropriações (1999) por forma a incluir na classificação de 'solo apto para a construção' e, consequentemente, a indemnizar como tal, o solo, integrado na Reserva Agrícola Nacional, expropriado, precisamente, para implantação de vias de comunicação [...] A questão de constitucionalidade que vem submetida à consideração deste Tribunal pode, assim, formular-se do seguinte modo: é inconstitucional a interpretação das normas contidas no n.º 1 do artigo 23.º e no n.º 1 do artigo 26.º do Código das Expropriações (1999) que conduz a incluir na classificação de 'solo apto para a construção' e, consequentemente, a indemnizar como tal o solo integrado na Reserva Agrícola Nacional, expropriado para implantação de vias de comunicação? Vejamos [...] 9.2 - A Constituição não fixa qualquer critério rígido de cálculo do valor da justa indemnização por expropriação, deixando margem ao legislador para que, dentro dos parâmetros constitucionais, o concretize. Este, no n.º 1 do artigo 23.º do Código das Expropriações, estatuiu que 'a justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica norma'. O Tribunal Constitucional, por sua vez, já teve inúmeras ocasiões de se pronunciar sobre a questão. Assim, no Acórdão 243/2001 (Diário da República, 2.ª série, de 4 de Julho de 2001), afirmou-se o seguinte:

'Ora, a indemnização só é justa se conseguir ressarcir o expropriado do prejuízo que efectivamente sofreu. Não pode ser de montante tão reduzido que a torne irrisória ou meramente simbólica, mas também não pode ser desproporcionada à perda do bem expropriado. E, por isso, não deve atender a factores especulativos ou outros que distorçam a proporção que deve existir entre o prejuízo imposto pela expropriação e a compensação a pagar por ela, para mais ou para menos. Há, consequentemente, que observar aqui um princípio de igualdade e de proporcionalidade - um princípio de justiça, em suma. O quantum indemnizatório a pagar a cada expropriado há-de realizar a igualdade dos expropriados entre si e a destes com os não expropriados: trata-se de assegurar que haja igualdade de tratamento perante os encargos públicos.' No que se refere a terrenos integrados na Reserva Agrícola Nacional (ou na Reserva Ecológica Nacional), o Tribunal Constitucional também já teve ocasião de salientar que, para efeitos da 'justa indemnização', o que releva não é o facto do terreno deixar de ter aptidão agrícola, salvaguardando, nomeadamente, o facto de se poder entender que a Constituição, pela determinação do pagamento de uma 'justa indemnização', não impõe a qualificação como 'solo apto para construção' de terrenos integrados naquelas Reservas, ainda que expropriados para que neles se edifiquem construções urbanas (nesse sentido, cf. os Acórdãos n.os 333/2003 e 557/2003 já citados). Acresce que, ainda em relação a terrenos incluídos na Reserva Agrícola Nacional (objecto de parecer favorável para uma das limitadas utilizações não agrícolas que tais terrenos - solos agrícolas - podem, legalmente, vir a ter, por força de interesse público que o legitime), se afirmou naquele citado Acórdão 557/2003, que se justifica:

"A conclusão de que a norma contida no n.º 5 do artigo 24.º do Código das Expropriações (1991), interpretada com o sentido de excluir da classificação de 'solo apto para a construção' o solo, integrado na Reserva Agrícola Nacional, expropriado para fins diversos da utilidade pública agrícola permitidos por lei, em concreto com a finalidade de nele se construir uma escola - tendo sido concedido parecer favorável à utilização do solo agrícola para esse fim, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 9.º do Decreto-Lei 196/89, de 14 de Junho -, não é inconstitucional, não violando qualquer princípio constitucional, nomeadamente os princípios da justiça, da igualdade e da proporcionalidade."

A proibição de construir que incide sobre os solos integrados na Reserva Agrícola Nacional ou na Reserva Ecológica Nacional é, aliás, na jurisprudência deste Tribunal, uma consequência da 'vinculação situacional' da propriedade que incide sobre os solos com tais características. De facto, como se afirmou no Acórdão 347/2003 já citado:

"[...] de acordo com o ordenamento jurídico que rege a situação dos terrenos abrangidos pela RAN (Decreto-Lei 196/89, de 14 de Junho, alterado pelos Decretos-Leis n.os 274/92, de 12 de Dezembro, e 278/95, de 25 de Outubro), REN (Decreto-Lei 93/90, de 19 de Março) ou áreas non aedificandi previstas nos planos directores municipais, planos de urbanização ou planos de pormenor (Decreto-Lei 69/90, de 2 de Março), não é possível vir a construir-se neles.

Trata-se de restrições que se mostram necessárias e funcionalmente adequadas para acautelar uma reserva de terrenos agrícolas que propiciem o desenvolvimento da actividade agrícola, o equilíbrio ecológico e outros interesses públicos. Estamos, pois, perante restrições constitucionalmente legítimas. E que não violam, quer o princípio da justa indemnização, dada aquela sua 'vinculação situacional', nem os princípios da igualdade e da proporcionalidade, pois atingem todos os proprietários e outros interessados que estão, quer em concreto, quer em abstracto, dentro da mesma situação jurídica [...]"

Daí que se conclua que, embora em teoria seja crível que se possa construir em qualquer solo, o facto é que a integração de um terreno na Reserva Agrícola Nacional ou na Reserva Ecológica Nacional determina, na prática, não só a impossibilidade de o proprietário nele vir a construir edifícios urbanos, mas também o fim de qualquer expectativa razoável de desafectação para que tal solo possa vir a ser destinado à construção imobiliária. Essa impossibilidade, que é determinada por razões de interesse público (reservar para a produção agrícola os terrenos que, para tal, tenham melhor aptidão ou garantir o equilíbrio ecológico e a protecção de ecossistemas fundamentais), encontra justificação constitucional, respectivamente, no artigo 93.º da Constituição, que consagra como objectivos da política agrícola o aumento da 'produção e a produtividade da agricultura' e a garantia de um 'uso e gestão racionais dos solos', e no artigo 66.º, também da Constituição, que prevê a criação de reservas para 'garantir a conservação da natureza'. A proibição de construir em terreno integrado na Reserva Agrícola Nacional, imposta pela natureza intrínseca da propriedade, nada mais é, assim, que 'uma manifestação da hipoteca social que onera a propriedade privada do solo' (cf. Acórdão 329/99, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 20 de Julho de 1999). Assim sendo, no caso de expropriação de terrenos integrados na Reserva Agrícola Nacional não há que considerar, para efeitos de cálculo do valor da indemnização, a pagar ao expropriado, qualquer potencialidade edificativa que não existe, nem nasce com a expropriação.

9.3 - Aqui chegados e no quadro desta jurisprudência, há então que verificar se viola ou não algum princípio constitucional a interpretação das normas contidas no n.º 1 do artigo 23.º e no n.º 1 do artigo 26.º do Código das Expropriações (1999) que conduz a incluir na classificação de solo apto para a construção e, consequentemente, a indemnizar, como tal, o solo, integrado na Reserva Agrícola Nacional, expropriado para implantação de vias de comunicação.' Decisivo para o juízo que se vier a fazer sobre aquela interpretação normativa, afigura-se a consideração do respeito pelo princípio da igualdade perante os encargos públicos que o princípio da 'justa indemnização' postula. Ora, neste contexto, o princípio da igualdade desdobra-se em dois níveis de comparação, a saber: no âmbito relação interna e no domínio da relação externa. No âmbito da relação interna, o princípio da igualdade obriga o legislador a estabelecer critérios uniformes de cálculo da indemnização, que evitem tratamentos diferenciados entre os particulares sujeitos a expropriação. No domínio da relação externa, comparam-se os expropriados com os não expropriados, devendo a indemnização por expropriação ser fixada de tal forma que impeça um tratamento desigual entre estes dois grupos.

Ora, é precisamente em relação a este domínio da relação externa que a interpretação normativa efectuada pela decisão recorrida e questionada nestes autos coloca em crise aquele princípio. De facto, no caso concreto, os solos integrados na Reserva Agrícola Nacional são expropriados exclusivamente para construção de uma via de comunicação - uma das limitadas utilizações que, por força do interesse público, os solos agrícolas integrados na RAN podem ter, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 9.º do Decreto-Lei 196/89, de 14 de Junho. Por outro lado, as parcelas de terreno circundante mantêm-se igualmente integradas na RAN, também sem qualquer aptidão edificativa. Assim sendo, considerar-se como terreno apto para construção, como tal devendo ser indemnizado em caso de expropriação destinada a uma das limitadas utilizações legalmente permitidas, um terreno onde o proprietário não pode construir, por força da sua integração na RAN, conduz não só à atribuição de uma indemnização que não corresponde ao seu 'justo valor' - para o determinar há que atender ao valor que o bem terá num mercado onde não entrem em consideração factores especulativos ou anómalos e o valor de um terreno integrado na RAN está, necessariamente, condicionado pelo fim específico a que tal solo está destinado -, mas também a uma intolerável desigualdade em relação a todos os restantes proprietários de terrenos integrados naquela Reserva que não tenham sido contemplados com a expropriação. Nesse sentido, escreveu-se nos Acórdãos n.os 333/2003 e 557/2003 já citados:

"[...] Não tendo o proprietário, pela integração do terreno na RAN, expectativa razoável de ver o terreno desafectado e destinado à construção, não poderia invocar o princípio da 'justa indemnização', de modo a ver calculado o montante indemnizatório com base numa potencialidade edificativa dos terrenos que era para ele legalmente inexistente, e com a qual não podia contar.

E, em rigor, a não ser assim, poderia, eventualmente, vir a configurar-se uma situação de desigualdade entre os proprietários de parcelas contíguas, consoante fossem ou não contemplados com a expropriação, com um ocasional locupletamento injustificado destes últimos. Na verdade, enquanto os expropriados viriam a ser indemnizados com base num valor significativamente superior ao valor de mercado, os outros proprietários de prédios contíguos igualmente integrados na RAN e na REN e delas não desafectados, se acaso pretendessem alienar os seus prédios, não alcançariam senão o valor que resultava da limitação edificativa legalmente estabelecida. Ora, se é verdade que o 'princípio da igualdade de encargos' entre os cidadãos, a que o Tribunal Constitucional já fez apelo por diversas vezes, a propósito da apreciação de regras de definição do cálculo da indemnização, obriga a que o expropriado não seja penalizado no confronto com os não expropriados, também não se afigura curial que, pela via da expropriação, devam os expropriados vir a ser manifestamente favorecidos em relação aos não expropriados. De facto, se é verdade que a indemnização só é justa se conseguir ressarcir o expropriado do prejuízo que ele efectivamente sofreu, e, por isso, não pode ser irrisória ou meramente simbólica, também não poderá ser desproporcionada à perda do bem expropriado para fins de utilidade pública. Assim, se a parcela a expropriar não permite legalmente a construção, não pode ser paga com o preço que teria se pudesse ser-lhe implantada uma construção."

Pelo exposto, há que considerar que a interpretação das normas contidas no n.º 1 do artigo 23.º e no n.º 1 do artigo 26.º do Código das Expropriações (1999), que conduz a incluir na classificação de 'solo apto para a construção' e, consequentemente, a indemnizar como tal o solo integrado na Reserva Agrícola Nacional, expropriado para implantação de vias de comunicação, viola o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição."

3 - É esta jurisprudência - para cuja fundamentação se remete - que agora se reitera.

Tal como na decisão do Tribunal da Relação do Porto de 6 de Novembro de 2003 (o acórdão recorrido nos autos em que se proferiu aquele acórdão do Tribunal Constitucional), também na decisão recorrida nos presentes autos se "considerou que, embora haja jurisprudência a defender que os solos incluídos na RAN ou na REN 'não podem ser considerados aptos para construção', mas tão-só 'para outros fins', de acordo com a sua função natural [...] se tem] veiculado, e de forma crescente, a tese de que tais classificações não impedem que sejam considerados 'solos aptos para construção', desde que se verifiquem os requisitos de que o Código das Expropriações faz depender a inclusão nesta categoria, acrescentando-se, por vezes, ser necessário haver uma expectativa forte de ser possível construir nos mesmos".

Importando apenas acrescentar que não pode acompanhar-se o relevo dado pelo acórdão da Relação do Porto - designadamente, para distinguir o presente caso do versado no Acórdão 275/2004 - à circunstância de, no caso dos autos, as parcelas de terrenos circundantes não estarem integradas em Reserva Agrícola Nacional e sem qualquer aptidão edificativa, quando se integram nesta Reserva parcelas de terreno situadas na área envolvente, cujo perímetro exterior se situa a 300 m (ou menos) do limite da parcela expropriada (artigo 5.º dos factos provados).

Pelas razões expostas, importa concluir que o artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, quando interpretado no sentido de ser indemnizável como solo apto para construção terreno integrado na RAN com aptidão edificativa segundo os elementos objectivos definidos no n.º 2 do artigo 25.º do mesmo Código, é inconstitucional, por violação do princípio da igualdade (artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa).

III - Decisão. - Pelo exposto, decide-se:

a) Julgar inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, o artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, aprovado pela Lei 168/99, de 18 de Setembro, quando interpretado no sentido de ser indemnizável como solo apto para construção terreno integrado na RAN com aptidão edificativa segundo os elementos objectivos definidos no n.º 2 do artigo 25.º do mesmo Código;

b) Conceder provimento ao recurso, determinando a reforma da decisão recorrida em conformidade com o presente juízo de inconstitucionalidade.

Sem custas, face à isenção da recorrente.

Lisboa, 11 de Julho de 2006. - Maria João Antunes - Maria Helena Brito - Carlos Pamplona de Oliveira (vencido conforme declaração) - Rui Manuel Moura Ramos (vencido, nos termos do entendimento explanado no Acórdão 114/2005, que subscrevi, e da declaração de voto que apus ao Acórdão 145/2005) - Artur Maurício.

Declaração de voto 1 - Entendo, em primeiro lugar, que o princípio da igualdade não é, nesta sede, convocável como parâmetro de aferição da conformidade constitucional da norma em causa.

2 - Em segundo lugar, entendo que a norma impugnada, tal como foi concretamente aplicada no acórdão recorrido, não viola a regra da justa indemnização que, nesta matéria, a Constituição especificamente impõe no seu artigo 62.º, n.º 2.

3 - Em consequência, negaria provimento ao recurso. - Carlos Pamplona

de Oliveira.

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2006/12/13/plain-203996.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/203996.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1989-06-14 - Decreto-Lei 196/89 - Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação

    Estabelece o novo regime jurídico da Reserva Agrícola Nacional (RAN).

  • Tem documento Em vigor 1990-03-02 - Decreto-Lei 69/90 - Ministério do Planeamento e da Administração do Território

    Disciplina o regime jurídico dos planos municipais de ordenamento do território.

  • Tem documento Em vigor 1990-03-19 - Decreto-Lei 93/90 - Ministério do Planeamento e da Administração do Território

    Revê o regime jurídico da Reserva Ecológica Nacional (REN), estabelecido pelo Decreto-Lei nº 321/83 de 5 de Julho.

  • Tem documento Em vigor 1993-04-03 - Portaria 380/93 - Ministério da Agricultura

    APROVA A CARTA DA RESERVA AGRÍCOLA NACIONAL (RAN) RELATIVA AO MUNICÍPIO DE CHAVES.

  • Tem documento Em vigor 1999-09-18 - Lei 168/99 - Assembleia da República

    Aprova, e publica em anexo, o Código das Expropriações.

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