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Acórdão 11/2005, de 19 de Dezembro

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Sumário

Sucedendo-se no tempo leis sobre o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional, não poderão combinar-se, na escolha do regime concretamente mais favorável, os dispositivos mais favoráveis de cada uma das leis concorrentes.

Texto do documento

Acórdão 11/2005

Recurso n.º 4299/04 - tribunal pleno. - 1.1 - O Banco Comercial Português, S.

A., recorrente no processo 838/04-6 da Relação de Coimbra, interpôs recurso para fixação de jurisprudência do acórdão proferido por esse tribunal superior em que se decidiu que a uma contra-ordenação laboral na qual os factos imputados ao arguido ocorreram em 4 de Dezembro de 2000 não é aplicável, no que respeita ao prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional, o prazo previsto na alínea b) do artigo 27.º do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, na redacção do Decreto-Lei 244/95, de 14 de Setembro, tendo em conta a alteração da moldura da coima aplicável operada pela entrada em vigor do Código do Trabalho e do respectivo regime sancionatório, por estar em oposição com o Acórdão da Relação de Évora de 16 de Março de 2004 (processo 2495/03-2), já transitado em julgado.

E concluiu na sua motivação:

«1 - No Acórdão do Tribunal da Relação de Évora proferido em 16 de Março de 2004, no processo 2495/03-2, já transitado em julgado - acórdão fundamento -, entendeu-se que, no caso de uma infracção ao disposto no artigo 10.º do Decreto-Lei 421/83, de 2 de Dezembro, cujos factos ocorreram em data anterior à alteração introduzida no Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, pela Lei 109/2001, de 24 de Dezembro, e que era, à data dos factos, tipificada como contra-ordenação muito grave, nos termos do artigo 11.º do referido Decreto-Lei 421/83, punível, de acordo com o disposto na alínea d) do n.º 4 do artigo 7.º da Lei 116/99, de 4 de Agosto, com uma coima de 1400000$00 ((euro) 6983,17) a 4900000$00 ((euro) 24441,10) e que, em virtude da entrada em vigor do regime sancionatório previsto no Código do Trabalho, passou a ser qualificada como contra-ordenação grave, punível, no caso de empresa com a dimensão da aqui recorrente, com uma coima entre 15 UC a 40 UC, nos termos dos artigos 204.º, 663.º, n.º 2, e 620.º, n.º 3, alínea e), do referido Código, era aplicável o prazo de prescrição de um ano previsto na alínea b) do artigo 27.º do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, com a redacção que lhe foi introduzida pelo Decreto-Lei 244/95, de 14 de Setembro, anterior à alteração introduzida pela Lei 109/2001, de 24 de Dezembro.

2 - No Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido em 15 de Abril de 2004, no processo 1849/03-6, também transitado em julgado - acórdão recorrido -, decidiu-se que no caso de uma infracção ao disposto no artigo 10.º do Decreto-Lei 421/83, de 2 de Dezembro, cujos factos ocorreram em data anterior à alteração introduzida no Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, pela Lei 109/2001, de 24 de Dezembro, e que era, à data dos factos, tipificada como contra-ordenação muito grave, nos termos do artigo 11.º do referido Decreto-Lei 421/83, punível, de acordo com o disposto na alínea d) do n.º 4 do artigo 7.º da Lei 116/99, de 4 de Agosto, com uma coima de 1400000$00 ((euro) 6983,17) a 4900000$00 ((euro) 24441,10) e que, em virtude da entrada em vigor do regime sancionatório previsto no Código do Trabalho, passou a ser qualificada como contra-ordenação grave, punível, no caso de empresa com a dimensão da aqui recorrente, com uma coima entre 15 UC e 40 UC, nos termos dos artigos 204.º, 663.º, n.º 2, e 620.º, n.º 3, alínea e), do referido Código, era aplicável o prazo de prescrição de três anos, previsto na alínea b) do artigo 27.º do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, na redacção introduzida pela Lei 109/2001, de 24 de Dezembro, ou o previsto na alínea a) do artigo 27.º do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, na versão anterior à Lei 109/2001.

3 - O acórdão recorrido fundamenta a solução a que chegou no entendimento da impossibilidade de partir-se do conferido benefício decorrente do regime de punição mais favorável, constante da sobrevinda modificação da lei (coima aplicável de montante máximo inferior a 750000$00), para considerar aplicável o prazo de prescrição previsto na alínea b) do artigo 27.º do Decreto-Lei 433/82 na versão anterior à Lei 109/2001.

4 - Não cremos, com o devido respeito, que a razão anime semelhante decisão, porquanto desde logo é incorrecta face à argumentação expendida pelo ora recorrente no que respeita ao regime da prescrição aplicável ao caso sub judice, uma vez que a solução defendida pela recorrente, e que foi seguida pelo Tribunal da Relação de Évora no acórdão fundamento, consiste na aplicação, em bloco, do regime da prescrição previsto no Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei 244/95, de 14 de Setembro, redacção esta que era a que se encontrava em vigor à data da prática dos factos imputados ao arguido, e tendo em conta a alteração introduzida na qualificação da contra-ordenação imputada e respectiva moldura da coima, pelo Código do Trabalho, cuja aplicação retroactiva se impõe, nos termos do artigo 3.º, n.º 2, do regime geral das contra-ordenações.

5 - A moldura da coima sofreu alteração em sentido concretamente mais favorável ao arguido, tendo, consequentemente, sido modificado o prazo de prescrição aplicável, que passou a ser o estabelecido pela alínea b) do artigo 27.º do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei 244/95, de 14 de Setembro, anterior à alteração introduzida pela Lei 109/2001, de 24 de Dezembro, ou seja, um ano.

6 - Esta é, no entendimento do ora recorrente, a única solução admissível face ao princípio constitucional da aplicação retroactiva da lei mais favorável previsto no artigo 29.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, e de que o artigo 3.º, n.º 2, do regime geral das contra-ordenações constitui, neste âmbito, consagração expressa.

7 - Entendimento diverso acerca do prazo de prescrição aplicável ao caso sub judice, nomeadamente no sentido da aplicação ao mesmo do regime da prescrição introduzido pela Lei 109/2001, de 24 de Dezembro (posterior à data dos factos), ou do previsto na alínea a) do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, na redacção anterior à Lei 109/2001, é manifestamente inconstitucional, por violação do princípio da aplicação da lei mais favorável ao arguido, vertido no artigo 29.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.

8 - Em face do alegado, deverá ser fixada a requerida uniformização de jurisprudência, nos seguintes termos:

'O prazo de prescrição aplicável a uma infracção ao disposto no artigo 10.º do Decreto-Lei 421/83, de 2 de Dezembro, cujos factos ocorreram em data anterior à alteração introduzida no Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, pela Lei 109/2001, de 24 de Dezembro, e que era, a essa data, tipificada como contra-ordenação muito grave, nos termos do artigo 11.º do referido Decreto-Lei 421/83, punível, de acordo com o disposto na alínea d) do n.º 4 do artigo 7.º da Lei 116/99, de 4 de Agosto, com uma coima de 1400000$00 ((euro) 6983,17) a 4900000$00 ((euro) 24441,10) e que, em virtude da entrada em vigor do regime sancionatório previsto no Código do Trabalho, passou a ser qualificada como contra-ordenação grave, punível, no caso de empresa com volume de negócios igual ou superior a (euro) 10000000, com uma coima entre 15 UC a 40 UC, nos termos dos artigos 204.º, 663.º, n.º 2, e 620.º, n.º 3, alínea e), do referido Código, é o previsto na alínea b) do artigo 27.º do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei 244/95, de 14 de Setembro - redacção anterior à alteração introduzida pela Lei 109/2001, de 24 de Dezembro - ou seja, um ano.'» 1.2 - Presentes os autos, nos termos do artigo 440.º, n.º 3, do Código de Processo Penal (CPP), à conferência para decisão da questão preliminar, veio a 5.ª Secção deste Supremo Tribunal a julgar verificada, por Acórdão de 13 de Janeiro de 2005, a oposição de julgados, tendo-se decidido que os acórdãos recorrido e fundamento estão em oposição «quanto à mesma questão de direito: qual o prazo de prescrição do procedimento da contra-ordenação prevista nos artigos 10.º e 11.º do Decreto-Lei 421/83, de 2 de Dezembro, considerada contra-ordenação muito grave à data da prática dos factos, ocorrida antes das alterações introduzidas pela Lei 109/2001, de 24 de Dezembro, e que com a entrada em vigor do Código do Trabalho passou a ser considerada contra-ordenação grave».

E, na verdade, para resolver essa questão, o acórdão recorrido decidiu que, havendo sucessão de leis, tem de ser aplicado o regime legal, em bloco, que em concreto se mostre mais favorável, composto por todas as normas que vigoravam à data dos factos, ou por todas as normas que no seu conjunto se mostraram mais favoráveis em momento posterior («no momento em que é proferida a decisão ou num momento intermédio, entre a data dos factos e aquela»).

Diversamente, o acórdão fundamento afirmou que o regime mais favorável era o que resultava da conjugação das normas em vigor, quanto ao montante da coima, no momento em que foi proferido, e as relativas ao prazo de prescrição que estavam em vigência na data da prática dos factos, assim desconsiderando a necessidade de aplicação global do regime legal vigente em dado momento.

São, pois, opostas as soluções dadas, pelos acórdãos recorrido e fundamento, à mesma questão de direito.

2.1 - Cumprido o disposto no n.º 1 do artigo 442.º do CPP, apresentaram alegações a assistente e o Ministério Público.

A assistente remeteu para a posição que assumira no processo inicial, esquecendo que este recurso extraordinário não é aquele processo e que dele não constam as peças que produziu, não constando, pois, a sua posição deste recurso extraordinário, salvo o que constava do relatório do acórdão sobre a questão preliminar e que já se retomou.

O Ministério Público pronunciou-se detalhadamente, propondo a fixação de jurisprudência nos seguintes termos:

«O prazo de prescrição do procedimento pela contra-ordenação laboral prevista nos artigos 10.º e 11.º do Decreto-Lei 421/83, de 2 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 398/91, de 16 de Outubro, e pela Lei 118/99, de 11 de Agosto, punível com a coima de 1400000$00 ((euro) 6983,17) a 4900000$00 ((euro) 24441,10) em caso de negligência, de acordo com a Lei 116/99, de 4 de Agosto, ocorrida antes das alterações ao Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, pela Lei 109/2001, de 24 de Dezembro, contra-ordenação essa que, com a entrada em vigor do Código do Trabalho, no dia 1 de Dezembro de 2003, passou a ser punível com a coima de 15 UC a 40 UC, em caso de negligência, é de 2 anos (por aplicação do regime legal que vigorava no momento da prática dos factos) ou de 3 anos (face ao regime legal actualmente vigente), conforme o regime penal que globalmente for, em concreto, mais favorável ao agente.» 2.2 - A falta de alegação do recorrente coloca a questão de saber se se deve entender, à semelhança do que sucede com os recursos ordinários, que o recurso prossegue não obstante esse silêncio, ou se deve ser entendida tal posição como desistência do recurso extraordinário.

Numa breve apreciação deve-se começar por ponderar que, quanto aos recursos ordinários, vem entendendo este Tribunal, sem discrepâncias, que, não sendo produzidas alegações escritas que tenham sido requeridas, deve prosseguir o recurso para conhecimento em conferência.

E tem assentado essa posição na consideração de que, sendo sempre motivada a interposição de recurso, já estão necessariamente enunciados na motivação, anteriormente à produção das alegações escritas, for força do disposto no n.º 1 do artigo 412.º do CPP, os fundamentos do recurso e as razões do pedido, deduzidas por artigos, nas respectivas conclusões que indicam ainda: as normas jurídicas violadas; o sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada, e, em caso de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, deve ser aplicada (n.º 2).

O que é reforçado pelo entendimento de que o texto da motivação é o limite ao aperfeiçoamento da impugnação, em termos de que não poderá ser tida em consideração argumentação que não tenha sido esboçada na motivação. O que significa que em alegações escritas não podem ser suscitadas questões não abordadas na motivação, mas tão-só ser desenvolvida a linha argumentativa já esboçada anteriormente.

Daí o prosseguimento referido dos recursos ordinários, na falta de alegações escritas que hajam sido requeridas.

Mas, no que se refere ao recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, o esquema desenhado pelo CPP é diverso do previsto para os recursos ordinários.

O recurso extraordinário para fixação de jurisprudência comporta dois momentos diferentes de apreciação: um primeiro destinado a determinar a verificação dos respectivos pressupostos e, devendo o recurso prosseguir, um segundo momento destinado a discutir juridicamente a oposição, reconhecida entretanto e a enunciar a forma pretendida pelos intervenientes para a solução do diferendo jurisprudencial em causa.

Com efeito, dispõe o n.º 2 do artigo 438.º, quanto à interposição do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, que, no respectivo requerimento de interposição, o recorrente identifica o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição e, se este estiver publicado, o lugar da publicação e justifica a oposição que origina o conflito de jurisprudência.

É depois facultado o processo aos sujeitos processuais interessados para efeito de resposta ao requerimento de interposição (artigo 439.º, n.º 1) e decidida, em conferência, a questão preliminar da oposição de julgados, face ao requerimento de interposição e eventuais respostas (artigo 441.º).

Se o recurso dever prosseguir, por ter sido reconhecida a oposição relevante, e como preparação do julgamento - como diz a epígrafe do artigo 442.º -, os sujeitos processuais interessados são notificados para apresentarem, por escrito, no prazo de 15 dias, as suas alegações (artigo 442.º, n.º 1), nas quais devem formular conclusões em que indiquem o sentido em que deve fixar-se a jurisprudência (n.º 2).

Temos, assim, que, de acordo com esta disciplina, a não apresentação de alegações deveria conduzir à rejeição do recurso por inexistência de pedido: a indicação do sentido em que deve fixar-se a jurisprudência.

Sucede, porém, que este Supremo Tribunal de Justiça, pelo Acórdão n.º 9/2000, de 30 de Março (Diário da República, 1.ª série-A, de 27 de Maio de 2000), fixou a seguinte jurisprudência:

«Considerando o disposto nos artigos 412.º, n.os 1 e 2, alínea b), 420.º, n.º 1, 438.º, n.º 2, e 448.º, todos do Código de Processo Penal, no requerimento de interposição de recurso de fixação de jurisprudência deve constar, sob pena de rejeição, para além dos requisitos exigidos no referido artigo 438.º, n.º 2, o sentido em que deve fixar-se a jurisprudência cuja fixação é pretendida.» Ora, no caso, o banco recorrente deu cumprimento a essa jurisprudência fixada, concluindo na sua motivação, ao interpor o recurso, sobre o sentido em que deve fixar-se a jurisprudência.

Daí que se deva ter por cumprida antecipadamente a imposição do n.º 2 do artigo 442.º do CPP.

Pelo que se decide pelo prosseguimento do recurso.

2.3 - As duas decisões em conflito, ao resolver o mesmo problema de direito, deram soluções opostas, como se viu, a uma questão instrumental, mas essencial para aquela resolução.

O acórdão recorrido entendeu que o regime sancionatório mais favorável é composto por todas as normas que, em dado momento, tipificam uma contra-ordenação, prevêem o seu sancionamento e todos os restantes preceitos que podem interferir nas condições de punibilidade da mesma (exigência de queixa, prescrição, imputabilidade, agravantes, atenuantes, etc.) Afastou, assim, a possibilidade de se conjugarem várias normas de forma a obter-se um regime legal que não vigore na sua totalidade ao mesmo tempo.

E decidiu em concreto que, para que se pudesse beneficiar da punição mais favorável que decorre da entrada em vigor com o Código do Trabalho, o regime de prescrição do procedimento contra-ordenacional aplicável seria o que vigorava no momento em que este diploma iniciou a sua vigência.

Assim, colocando-se numa perspectiva de ponderação global ou unitária, não aceitou a aplicação de um regime mais favorável, o trazido pelo Código do Trabalho, quanto ao montante da coima, aplicando, ao mesmo tempo, as regras dos prazos de prescrição que já haviam sido alteradas quando aquele diploma entrou em vigor.

Já o acórdão fundamento encontrou o regime mais favorável aplicando as normas sobre os prazos de prescrição, que se encontravam em vigor à data da prática dos factos, e as normas sobre o montante da coima, que vigoravam à data da em que a mesma foi proferida, sendo certo que as normas, aplicadas, sobre prazos de prescrição, que vigoravam à data dos factos, haviam sido alteradas antes da sua prolação.

Colocou-se, pois, numa perspectiva de ponderação diferenciada, entendendo que, em caso de sucessão de leis, o regime mais favorável é encontrado pela conjugação simultânea das normas de todos os diplomas em causa.

Essa posição encontra apoio em parte da doutrina. Taipa de Carvalho refere:

«a solução mais correcta e imposta político-criminalmente é a que passa pela ponderação concreta e diferenciada, aplicando-se de cada uma das leis em confronto as disposições penais que sejam concretamente mais favoráveis ao infractor» (Sucessão de Leis Penais, p. 160). Maria Fernanda Palma sustenta:

«É, todavia, por vezes complexo determinar, em concreto, qual o regime mais favorável, pois, relativamente a diferentes consequências, podem também surgir como mais favoráveis diferentes leis na mesma sucessão. Apesar de, tradicionalmente, se ter sustentado uma comparação em bloco dos regimes, o artigo 2.º, n.º 4, impõe que o regime aplicável seja o que se revele em concreto mais favorável. Uma tal solução afasta uma absoluta alternatividade dos regimes e remete para a aplicabilidade da lei que em face de certa consequência se mostre mais favorável, sendo, por isso, possível que ao mesmo agente sejam aplicáveis leis diferentes (a antiga e a nova) no que respeita a diferentes consequências jurídicas (por exemplo, limite mínimo da pena e regime de reincidência). Uma solução que se pautasse pela aplicação em bloco de bloco de uma das leis não obedeceria à legalidade, pois violaria simultaneamente a proibição de retroactividade e de aplicação retroactiva da lei mais favorável.» (A Aplicabilidade da Lei no Tempo: A Proibição da Retroactividade «in Pejus»; Jornadas, Faculdade de Direito de Lisboa, p. 422.) Finalmente, Figueiredo Dias escreve: «Já é mais equívoca a afirmação de que o regime em definitivo aplicável não pode ser composto pelo juiz com partes da regulamentação emanada da lei antiga e partes emanadas da lei nova, como vem entendendo a jurisprudência dominante, que aponta para a opção por um dos regimes em bloco. Tomada em si mesma, a afirmação pode considerar-se exacta. Mas é óbvio que ela não pode obstar a que, considerando-se, v. g., aplicável a lei antiga à apreciação do tipo legal ou da pena, todavia acabe por aplicar-se a lei nova na parte em que considera, diversamente da lei anterior, que o crime está já prescrito. Porque, em definitivo, aquela conduz à responsabilização, esta à irresponsabilização penal do agente.» (Direito Penal, Parte Geral, t. I, p. 191.) Com base neste entendimento, tratando-se de uma contra-ordenação que no momento da sua prática era sancionada com a coima de 1400000$00 a 4900000$00 e que a partir de 1 de Dezembro de 2003, com a entrada em vigor do novo Código do Trabalho, passou a ser cominada com a coima de 15 UC a 40 UC, decidiu o acórdão fundamento, invocando o princípio da aplicação retroactiva da lei mais favorável, que era este montante a ter em consideração para determinação do prazo de prescrição: um ano, de acordo com o artigo 27.º, alínea b), do Decreto-Lei 433/82, na redacção dada pelo Decreto-Lei 244/95, vigente à data da ocorrência da infracção, dado ser proibida a aplicação retroactiva de leis desfavoráveis: a redacção dada ao artigo 27.º, alínea b), do Decreto-Lei 433/82 pela Lei 109/2001, que alargou os prazos de prescrição no âmbito do direito contra-ordenacional.

Assim decidiu que a contra-ordenação laboral em causa, praticada antes das alterações introduzidas no Decreto-Lei 433/82 pela Lei 109/2001, prescreve no prazo de um ano.

3 - 3.1 - Os tribunais de relação tiveram ocasião de se pronunciar sobre a questão em apreciação, adoptando a posição assumida pelo acórdão recorrido, salvo no acórdão fundamento.

Este Supremo Tribunal de Justiça não se pronunciou ainda sobre a questão específica concreta objecto de conflito de jurisprudência, o que é compreensível, pois que, por via de regra, os tribunais de relação conhecem, em última instância, da matéria contra-ordenacional.

Mas, em contrapartida teve ocasião de se pronunciar sobre a questão da aplicação da lei penal no tempo implicada, tendo-se pronunciado pacificamente pela aplicação em bloco do regime jurídico que se mostre, em concreto, mais favorável.

Não se localizou qualquer estudo sobre a questão concreta em apreço, mas a doutrina que se ocupou da temática da aplicação da lei no tempo, nomeadamente sobre a questão da sucessão de leis penais no tempo, se bem que não a propósito do problema concreto, também se inclinou maioritariamente no sentido do acórdão fundamento.

3.2 - Sobre a aplicação da lei penal no tempo dispõe o n.º 4, parte final, do artigo 29.º da Constituição: «aplicando-se retroactivamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido», o que foi retomado no n.º 4 do artigo 2.º do Código Penal, que prescreve:

«Quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente, salvo se este já tiver sido condenado, por sentença transitada em julgado.» Por sua vez, o regime geral das contra-ordenações dispõe no n.º 2 do artigo 3.º, igualmente sobre a aplicação da lei no tempo, que, «se a lei vigente ao tempo da prática do facto for posteriormente modificada, aplicar-se-á a lei mais favorável ao arguido, salvo se este já tiver sido condenado por decisão definitiva ou transitada em julgado e já executada», instituindo no artigo 32.º daquele diploma as normas do Código Penal como direito subsidiário à fixação do regime substantivo das contra-ordenações.

Este Supremo Tribunal de Justiça teve já ocasião de se pronunciar, em dois acórdãos de fixação de jurisprudência, pela aplicabilidade do Código Penal às contra-ordenações, quanto ao limite do prazo de prescrição: «a regra do n.º 3 do artigo 121.º do Código Penal, que estatui a verificação da prescrição do procedimento quando, descontado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição, acrescido de metade, é aplicável subsidiariamente, nos termos do artigo 32.º do regime geral das contra-ordenações (Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei 244/94, de 14 de Setembro), ao regime prescricional do procedimento contra-ordenacional» (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2001, de 8 de Março, in Diário da República, 1.ª série-A, de 30 de Março de 2001); e quanto à suspensão da prescrição do procedimento criminal, «o regime da suspensão da prescrição do procedimento criminal é extensivo, com as devidas adaptações, ao regime de suspensão prescricional das contra-ordenações, previsto no artigo 27.º-A do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, na redacção dada pelo Decreto-Lei 244/95, de 14 de Setembro» (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2002, de 17 de Janeiro, in Diário da República, 1.ª série-A, de 5 de Março de 2002).

Traduzindo-se a prescrição do procedimento criminal na renúncia do Estado ao direito de punir, condicionada pelo decurso de um determinado lapso temporal, cuja razão de ser se situa na não realização do fim das penas, o que encontrou corpo na inserção sistemática das respectivas normas no título V do livro I do Código Penal, que versa sobre extinção da responsabilidade criminal, tem entendido este Supremo Tribunal de Justiça, entendimento espelhado nos acórdãos de fixação de jurisprudência já referidos, que as normas sobre prescrição do procedimento criminal têm natureza substantiva.

Tal natureza determina, no domínio da aplicação da lei no tempo, a sujeição das respectivas normas ao princípio da aplicação retroactiva do regime jurídico mais favorável ao agente de uma infracção, princípio válido para todo o direito sancionatório, incluindo o direito das contra-ordenações, por força do invocado princípio constitucional de aplicação do regime legal mais favorável ao infractor.

Na verdade, como tem entendido este Tribunal, o princípio constante do artigo 29.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, embora apenas preveja expressamente a sua aplicação às infracções criminais, é de aplicação analógica a outros ramos de direito sancionatório, nos quais se integra direito contra-ordenacional. Neste sentido já decidiu igualmente o Tribunal Constitucional (Acórdão 227/92, de 17 de Junho, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 418, p. 430. Cf. ainda, no mesmo sentido, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, em anotação ao artigo 29.º, n.º 4, Figueiredo Dias, «O movimento de descriminalização e o ilícito de mera ordenação social», in Jornadas de Direito Criminal, Centro de Estudos Judiciários, p. 330, e Lopes de Sousa e Simas Santos, Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral, p. 85):

O princípio da aplicação do regime mais favorável significa, no tocante às normas sobre prescrição, que nenhuma lei sobre prescrição mais gravosa do que a vigente à data da prática dos factos pode ser aplicada, bem como deve ser aplicado retroactivamente o regime prescricional que eventualmente se mostre mais favorável ao infractor.

Ora, o regime jurídico aplicável a uma qualquer infracção, penal, contra-ordenacional, disciplinar, é constituído por um complexo de normas jurídicas em que se inscrevem, entre outras, normas legais que se referem à qualificação jurídica, à determinação da sanção e seus efeitos, à extinção do procedimento, às causas de justificação, à prescrição do procedimento. É, pois, formado pelo conjunto de normas que prevêem e punem um determinado ilícito, bem como por todas as outras que podem influenciar de alguma forma a responsabilidade do agente ou a ausência dela.

Refere Cavaleiro Ferreira que «no confronto a realizar entre as leis há que tomar em conta não só o preceito secundário, mas as incriminações em toda a sua amplitude compreendendo o preceito primário e o secundário.

Efectivamente o carácter mais ou menos favorável da norma penal não depende apenas da sanção que comina (espécie e duração pena) mas de todo o seu regime: número e qualidade dos elementos constitutivos do tipo criminal, disciplina das causas de justificação ou de exculpação, regulamentação das condições de punibilidade, das circunstâncias atenuantes ou agravantes, das causas de isenção da pena ou de extinção de responsabilidade penal.» (Direito Penal Português, Parte Geral, I, Editorial Verbo, p. 124.) «Deve aceitar-se que o juízo complexivo de maior ou menor favor não deve resultar apenas, em princípio, da contemplação isolada de um elemento do tipo legal ou da sanção, mas da totalidade do regime a que o caso se submete.

Como seguro é que o sopeso da gravidade dos dois regimes não pode fazer-se só na consideração abstracta da lei, mas tem de ser feito depois de conexionada aquela consideração com as circunstâncias concretas do caso.» (Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, t. I, p. 191.) Também se deve atender a que, na determinação da lei mais favorável, há que ter em conta que se deve proceder à aplicação do regime legal, no seu todo, vigente em determinado momento, não apenas daqueles que vigoravam à data da prática dos factos ou quando é proferida a decisão, mas também os que vigoraram em momentos intermédios (cf. Leal-Henriques e Simas Santos, Código Penal, vol. I, p. 108, e Cavaleiro Ferreira, Direito Penal Português, Parte Geral, I, p. 125).

Se houver sucessão de várias leis no tempo sobre a previsão e punição de determinada infracção, no momento em que é proferida a decisão o tribunal terá de ponderar a aplicação de cada uma delas, optando por aplicar, no seu todo (em bloco), a lei que se mostrar mais favorável ao arguido.

Como se diz no Acórdão deste Tribunal de Justiça de 1 de Abril de 1998:

«esse regime concretamente mais favorável tem de entender-se como de aplicação global ou em bloco, abrangendo, no caso vertente, tanto a eventual prescrição do procedimento criminal como o que concerne aos factos criminalmente puníveis praticados pelo recorrente e às respectivas penas aplicáveis» (processo 22/98).

«No n.º 4 (do artigo 2.º) cuida-se do princípio da retroactividade da lei penal mais favorável.» «Enquanto no domínio do Código de 1886 se falava em pena mais leve e no projecto de 1963 em normas mais favoráveis, no Código de 1982 e agora refere-se o regime que concretamente (que em face das particulares circunstâncias do caso concreto) se mostrar mais favorável ao agente.» «Tratando-se de regime concretamente mais favorável necessário se torna que o juiz faça separadamente os dois cômputos penais, escolhendo e determinando a medida da pena a aplicar in concreto com cada uma das leis e que atenda não só à pena, mas também ao regime aplicável.» «Deve ter, contudo, em atenção que não podem ser misturados ou combinados os dispositivos mais favoráveis de cada uma das leis concorrentes, pois aí estaria o julgador a arvorar-se em legislador, formando uma terceira lei dissonante, no seu hibridismo, de qualquer das leis em jogo» (cf. Leal-Henriques e Simas Santos, Código Penal, I, p. 107).

No mesmo sentido se pronuncia Maia Gonçalves: «a alteração introduzida no n.º 2 do projecto - substituição de normas mais favoráveis por regime que concretamente se mostre mais favorável, fórmula que veio a ser perfilhada - visou acentuar que não é o regime em abstracto mais favorável o que necessariamente se aplica, mas sim aquele que, em face das particulares circunstâncias do caso concreto, se mostre mais favorável ao delinquente.

Pode, por exemplo, a pena de prisão pelo novo regime ser mais prolongada.

Mas porque perante a nova lei é possível e se impõe até a aplicação de uma pena de substituição, enquanto perante a antiga a prisão tinha de ser efectivamente cumprida, terá de se aceitar como mais favorável o novo regime, não obstante o tempo de prisão ser maior.

Pretendeu-se ainda, com a substituição de normas por regime, acentuar bem haver que optar, em bloco, pelo regime anterior ou pelo novo. É o regime penal em conjunto concretamente mais favorável que se aplica, não sendo por isso, à falta de lei expressa, lícito aplicar normas de um e de outro dos regimes.» (Código Penal Anotado, 17.ª ed., p. 56.) No mesmo sentido se pronuncia Germano Marques da Silva: «note-se que a escolha dos regimes penais em confronto, em sede de aplicação das leis no tempo, tem de ser feita em bloco, não podendo criar-se uma norma abstracta com os elementos mais favoráveis das várias leis. Assim, se da alteração do sistema penal resultou, por exemplo, a diminuição da pena aplicável, mas o alargamento dos prazos de prescrição do procedimento, teremos de comparar qual o resultado concreto da aplicação do regime anterior e do posterior (considerando ambos os elementos pena e prazo de prescrição), sendo aplicável o que for mais favorável ao arguido.

«Deve anotar-se que o sistema jurídico tem uma certa estabilidade e só periodicamente sofre alterações mais ou menos profundas no conjunto do sistema, como sucede quando há alterações dos códigos. Por isso, mais frequentemente, a questão da aplicação das leis mais favoráveis, em caso de sucessão, faz-se em termos de comparação entre duas normas ou elementos da mesma norma, por exemplo, quanto à penalidade aplicável, mas essa comparação só é válida na pressuposição de que todas as demais regras que condicionam a sanção se mantêm inalteradas. Quando isso não sucede, isto é, quando são alteradas várias normas do sistema jurídico-penal, não só as normas incriminadoras, mas também normas integradoras, é ao conjunto do regime jurídico aplicável que se há-de atender para determinar qual é, no caso concreto, o que resulta mais favorável para o arguido.» «Exemplos: 1.º Se da aplicação do novo regime resultava uma pena concreta mais baixa, mas o procedimento não está ainda prescrito e do regime anterior resultava uma pena mais alta, mas o procedimento está prescrito e consequentemente o arguido não pode ser julgado e punido, é este o regime mais favorável; 2.º Se, pelo contrário, do regime novo, resulta que a pena seria mais alta do que a anterior, mas o prazo de prescrição menor e em consequência o arguido já não pode ser julgado, é este o regime mais favorável; 3.º Se, não obstante a alteração dos prazos de prescrição do procedimento, o arguido deve ainda ser julgado e punido, então só importam comparar as sanções concretamente aplicáveis segundo um ou outro regime;

etc.» (Direito Penal Português, I, p. 265.) Já tem sido defendido que a circunstância de a Constituição bem como o regime geral das contra-ordenações falarem em «leis» e não em «regime» impediria este entendimento.

Mas como sustenta Quintero Olivares (Derecho penal parte general, p. 144) ao tratar da comparação das leis penais em contacto com o mesmo facto criminal, devem «comparar-se todos os preceitos singulares que a nova lei dedica a esse facto. E não só um deles isoladamente, pois isso seria confundir 'lei' com 'artigos da lei'» (realçado agora).

Assim, quando o facto esteja em contacto com dois ou mais regimes concorrentes, não deve ser aplicado o que em abstracto parece mostrar-se mais favorável para o agente, mas aquele que, feita a qualificação jurídica dos factos e determinada, se necessário, a correspondente sanção, em função dos vários regimes, se mostre concretamente mais favorável.

E deve, para tal, ser tomado em consideração todo o regime de cada uma das leis concorrentes e não a parte mais favorável de cada um, pois o intérprete não pode criar um terceiro diploma legal, composto por normas de um e doutro regime legal, o que seria irreal e desfiguraria a intenção do legislador, que transparece da discussão no seio da comissão revisora do Código Penal e que consta das respectivas actas (cf. Boletim do Ministério da Justiça, n.º 141, pp. 133 e segs.).

Doutra forma estar-se-ia a construir um terceiro regime jurídico com o qual os intervenientes processuais não puderam contar, que não vigora nem vigorou, como se o intérprete se substituísse ao legislador e criando uma nova regulamentação jurídica, com sacrifício da coerência, e contribuindo para a insegurança jurídica no domínio do direito sancionatório, numa clara violação do princípio da separação de poderes.

Neste sentido se vem afirmando a jurisprudência dos tribunais superiores. No sentido de que na aplicação da lei penal mais favorável se deve escolher, em bloco, um dos regimes em confronto, não sendo lícito respigar deles disposições isoladas, se pronunciaram, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Outubro de 1983, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 330, p. 400, de 30 de Novembro de 1983, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 331, p. 367, de 29 de Fevereiro de 1984, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 334, p. 290, de 20 de Junho de 1984, processo 37290, de 3 de Julho de 1985, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 349, p. 249, de 2 de Abril de 1986, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 356, p. 117, de 27 de Janeiro de 1988, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 373, p. 307, de 18 de Outubro de 1989, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 390, p. 142, de 10 de Maio de 1996, processo 136/96, de 19 de Setembro de 1996, processo 48440, de 2 de Outubro de 1997, processo 386/97, de 11 de Fevereiro de 1999, in Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano VII, t. 1, p. 212, de 7 de Julho de 1999, processo 1182/98, de 15 de Junho de 2000, in Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano VIII, t. 2, p. 218, de 14 de Dezembro de 2000, processo 3099/00-5, e as Relações do Porto de 23 de Fevereiro de 1983, processo 2154, de 19 de Outubro de 1983, processo 2596, e de Coimbra de 13 de Abril de 1983, in Colectânea de Jurisprudência, ano VIII, t. 2, p. 52, de 5 de Julho de 1984, in Colectânea de Jurisprudência, ano IX, t. 4, p.

66, de Évora de 31 de Janeiro de 1984, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 335, p. 353, de 14 de Fevereiro de 1984, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 336, p. 478, e de 5 de Julho de 1983, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 336, p. 461.

E os mesmos tribunais tiveram ocasião de reafirmar o mesmo entendimento especificamente para o caso da prescrição. O Supremo Tribunal de Justiça decidiu que «a opção pelo regime mais favorável ao agente da infracção criminal - exigido pelo artigo 2.º, n.º 4, do Código Penal de 1982 - significa a aplicação de toda a nova estrutura de normas conexas com a da incriminação, nomeadamente as que versam prazos de prescrição» (Acórdãos de 7 de Maio de 1986, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 357, p. 205, e de 28 de Novembro de 1984, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 341, p. 271, de 20 de Março de 1991, in Actualidade Jurídica, n.º 17, processo 41725, de 1 de Abril de 1998, processo 22/98, e Acórdãos da Relação Lisboa de 6 de Julho de 1984, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 347, p. 461, de 4 de Junho de 1986, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 364, p. 916, de 23 de Março de 1988, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 375, p. 438, e de 4 de Maio de 1988, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 377, p. 536, e da Relação Coimbra de 1 de Março de 1989, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 385, p. 623).

Ao fixar jurisprudência, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Fevereiro de 1989 (Diário da República, 1.ª série-A, de 17 de Março de 1989) já teve ocasião de, com esse peso específico desse precedente, tratar de questão próxima, escrevendo:

«Deste preceito [n.º 4 do artigo 2.º do Código Penal de 1982] há que reter duas determinações:

A escolha deverá fazer-se entre regimes;

A determinação de qual o regime mais favorável deverá fazer-se em concreto.

Relativamente ao 'projecto' de 1963, substituiu-se a expressão 'normas mais favoráveis' por 'regime que concretamente se mostre mais favorável'.

A referência a 'regime', em vez de 'normas', implica a ideia de que não se pode escolher de cada uma das leis os preceitos isolados que forem mais favoráveis ao agente, mas há que aplicar uma só lei, prescrevendo um conjunto normativo (bloco) definidor do regime do instituto ou infracção, que constitui o regime do instituto ou infracção.

Assim, não é lícito construir regimes particulares pela conjunção de elementos retirados de uma e outra lei, com o perigo da quebra de coerência e a obtenção de um resultado aberrante, ainda que concretamente vantajoso, para o agente. Proíbe-se o que, em expressão curiosa, já se designou por 'aplicação simbiótica das leis penais'. Aqui se toma a lição dos autores Beleza dos Santos, Lições, 1936, p. 194, Cavaleiro de Ferreira, Lições, 2.ª ed., p. 121, e Direito Penal Português, I, p. 124, e Eduardo Correia, Direito Criminal, I, p.

139.

Na linguagem sintética do primeiro destes autores:

'Convém dizer que deverá aplicar-se na sua integridade a lei antiga ou nova e não simultaneamente as disposições mais favoráveis de uma e outra.' O modo de operar deve ser este: aplica-se a lei antiga e, a seguir, a lei nova, uma e outra integralmente; comparam-se os resultados e determina-se, casuisticamente, qual a mais favorável para o agente, optando-se por esta.» No caso, a contra-ordenação, ao tempo dos factos, era prevista pelos artigos 10.º e 11.º do Decreto-Lei 421/83, de 2 de Dezembro (com as alterações do Decreto-Lei 398/91, de 16 de Outubro, e da Lei 118/99, de 11 de Agosto), e punida com a coima de 1400000$00 a 4900000$00, pelo artigo 7.º, n.º 4, alínea d), da Lei 119/99, de 4 de Agosto. E era então de dois anos o prazo de prescrição, segundo o disposto no artigo 27.º, alínea a), do Decreto-Lei 433/82 (na redacção do Decreto-Lei 244/95).

Entretanto, o novo Código do Trabalho (que entrou em vigor em 1 de Dezembro de 2003) revogou os diplomas legais que previam e puniam a contra-ordenação laboral em causa, a qual passou a ser prevista e punida nos artigos 204.º, 615.º, 620, n.º 3, alínea e), e 663.º, n.º 2, com a coima de 15 UC a 40 UC.

Mas os prazos de prescrição previstos no artigo 27.º do Decreto-Lei 433/82 haviam sido alterados pela Lei 109/2001, de 24 de Dezembro, pelo que a coima agora prevista no Código do Trabalho, face ao regime do Decreto-Lei 433/82, em vigor no momento da sua publicação, apenas prescreveria no prazo de três anos, de acordo com a alínea b) do citado artigo 27.º (redacção da Lei 109/2001).

De acordo com o regime jurídico que vigorava na data da prática da contra-ordenação, a coima é manifestamente mais elevada (1400000$00 a 4900000$00) e menor o prazo de prescrição (dois anos), enquanto o novo Código do Trabalho reduz significativamente o montante da coima (15 UC a 40 UC), mas dilataria o prazo de prescrição (três anos).

Como refere o Ministério Público neste Supremo Tribunal de Justiça, a alteração, através da Lei 109/2001, de 24 de Dezembro, dos prazos de prescrição do procedimento contra-ordenacional do artigo 27.º do Decreto-Lei 433/82 (redacção do Decreto-Lei 244/95, de 14 de Setembro), com estabelecimento de prazos de prescrição de um, três e cinco anos, partir da aproximação entretanto feita ao processo criminal, o que implicava mais dilatados prazos de prescrição, com contra-ordenações de investigação difícil e morosa, puníveis com coimas avultadas.

Não se pode, porém, esquecer que, perante uma sucessão de leis penais (ou contra-ordenacionais) e de leis prescricionais, se impõe saber se a sucessão de regimes poderá conduzir à irresponsabilização do autor do crime (ou da contra-ordenação), caso em que se deverá optar por esse o regime, mesmo que a pena seja mais gravosa. Mostrando-se afastada, em qualquer dos regimes sucessivos, a irresponsabilização do autor da infracção, optar-se-á pelo regime concretamente mais favorável. Com efeito, a opção por um dos regimes em bloco «não pode obstar a que, considerando-se, v. g., aplicável a lei antiga à apreciação do tipo ou da pena, todavia acabe por aplicar-se a lei nova na parte em que considera, diversamente da lei anterior, que o crime está prescrito. Porque, em definitivo, aquela conduz à responsabilização e esta à irresponsabilização penal do agente» (Figueiredo Dias, ob. cit., p. 191).

Daí que tenha andado bem o acórdão recorrido ao afastar, em qualquer dos regimes prescricionais sucessivos, a irresponsabilização do autor da infracção e ao optar, ante os sucessivos regimes sancionatórios, pelo concretamente mais favorável.

No caso sujeito apresentam-se, sucessivamente, três regimes penais-prescricionais:

No primeiro: à contra-ordenação (praticada em 2000), em razão da coima aplicável à época (até 4900 contos), correspondia um prazo prescricional de dois anos [artigo 27.º, alínea a), do regime geral das contra-ordenações, na versão então vigente, com o regime de suspensão e interrupção decorrente dos artigos 27.º-A e 28.º e dos Acórdãos, uniformizadores de jurisprudência, n.os 6/2001 e 2/2002];

No segundo: à contra-ordenação (2001) continuou a corresponder a mesma penalidade mas o respectivo prazo prescricional subiu para três anos [artigo 27.º, alínea b), do regime geral das contra-ordenações, na versão da Lei 109/2001, com o regime de suspensão e interrupção decorrente dos novos artigos 27.º-A e 28.º]. Porém, este novo regime prescricional, porque abstracta e concretamente mais desfavorável (e não conduzindo, tal como o anterior, à irresponsabilização do agente), não se aplicaria à hipótese;

No terceiro: surgido, depois (2003), com a redução do máximo da coima a 40 UC (640000$00), manteve-se o regime prescricional decorrente da Lei 109/2001 (à partida, como se viu, inaplicável à hipótese), pelo que se não entenderia que a posterior redução da pena viesse a implicar, contraditoriamente, o agravamento do prazo de prescricional (que já se havia «adquirido» como de «dois anos»). Mas, ao mesmo tempo, também seria de afastar a aplicação do prazo prescricional que, no primeiro regime, corresponderia a uma contra-ordenação punível com a nova coima mais benévola, em virtude da ruptura entretanto operada (em 2001), ao regime contra-ordenacional (em sentido amplo), pelo novo regime prescricional.

Daí a opção por este terceiro regime: a nova lei sancionatória, mais favorável, e o regime prescricional já adquirido.

Assim, e em síntese, será de dois anos [artigos 27.º, alínea b), e 28.º do Decreto-Lei 433/82, na versão anterior à Lei 109/2001] o prazo de prescrição procedimental de uma contra-ordenação, anterior à Lei 100/2001, originariamente punível com coima até 4900000$00 e, a partir de 1 de Dezembro de 2003, com coima até 40 UC.

4 - Pelo exposto, acordam, em plenário, os juízes das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça em:

a) Fixar a seguinte jurisprudência:

«Sucedendo-se no tempo leis sobre o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional, não poderão combinar-se, na escolha do regime concretamente mais favorável, os dispositivos mais favoráveis de cada uma das leis concorrentes.»;

b) Confirmar o acórdão recorrido, com o esclarecimento de que é de dois anos [artigos 27.º, alínea b), e 28.º do Decreto-Lei 433/82, na versão anterior à Lei 109/2001] o prazo de prescrição procedimental de uma contra-ordenação, anterior à Lei 100/2001, originariamente punível com coima até 4900000$00 e, a partir de 1 de Dezembro de 2003, com coima até 40 UC.

Custas pelo recorrente, com a taxa de justiça de 10 UC.

3 de Novembro de 2005. - Manuel José Carrilho de Simas Santos (relator) - José Vaz dos Santos Carvalho - António Joaquim da Costa Mortágua - António Silva Henriques Gaspar - Políbio Rosa da Silva Flor - António Artur Rodrigues da Costa - José Vítor Soreto de Barros - Armindo dos Santos Monteiro - João Manuel de Sousa Fonte - Fernando José da Cruz Quinta Gomes - Arménio Augusto Malheiro de Castro Sottomayor - Alfredo Rui Francisco Gonçalves Pereira - Luís Flores Ribeiro (tem voto de conformidade, que não assina por não estar presente) - Florindo Pires Salpico (tem voto de conformidade, que não assina por não estar presente) - José António Carmona da Mota - António Pereira Madeira - José Moura Nunes da Cruz.

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2005/12/19/plain-192582.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/192582.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-10-27 - Decreto-Lei 433/82 - Ministério da Justiça

    Institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo.

  • Tem documento Em vigor 1983-12-02 - Decreto-Lei 421/83 - Ministério do Trabalho e Segurança Social

    Revê o regime jurídico da duração do trabalho na sua disciplina específica do trabalho extraordinário.

  • Tem documento Em vigor 1991-10-16 - Decreto-Lei 398/91 - Ministério do Emprego e da Segurança Social

    ESTABELECE UM NOVO REGIME JURÍDICO DA DURAÇÃO DO TRABALHO E DO TRABALHO SUPLEMENTAR, DE ACORDO COM OS COMPROMISSOS ASSUMIDOS NO ACORDO ECONÓMICO E SOCIAL DE 19 DE OUTUBRO DE 1990. ALTERA OS DECRETOS LEIS 409/71, DE 27 DE SETEMBRO E 421/83, DE 2 DE DEZEMBRO (REGIME JURÍDICO DA DURAÇÃO DO TRABALHO EXTRAORDINARIO). O PRESENTE DIPLOMA ENTRA EM VIGOR NO DIA 1 DO 2 MÊS SEGUINTE AO DA SUA PUBLICAÇÃO.

  • Tem documento Em vigor 1994-09-26 - Decreto-Lei 244/94 - Ministério da Saúde

    REGULA A ORGANIZAÇÃO E O FUNCIONAMENTO DO REGISTO NACIONAL DE NAO DADORES (RENNDA) PREVISTO NA LEI 12/93, DE 22 DE ABRIL (NOVO REGIME DE DÁDIVA OU COLHEITA DE TECIDOS OU ÓRGÃOS DE ORIGEM HUMANA PARA FINS DE DIAGNÓSTICO OU TERAPEUTICOS) ASSIM COMO A EMISSÃO DO RESPECTIVO CARTÃO INDIVIDUAL. COMETE AO INSTITUTO DE GESTÃO INFORMÁTICA E FINANCEIRA DA SAÚDE A RESPONSABILIDADE DO FICHEIRO AUTOMATIZADO DO RENNDA, CUJOS DADOS ESTAO SUJEITOS A CONFIDENCIALIDADE. ESTABELECE NORMAS RELATIVAS A SEGURANÇA DA INFORMAÇÃO, (...)

  • Tem documento Em vigor 1995-09-14 - Decreto-Lei 244/95 - Presidência do Conselho de Ministros e Ministério da Justiça

    ALTERA O DECRETO LEI NUMERO 433/82, DE 27 DE OUTUBRO (INSTITUI O ILÍCITO DE MERA ORDENAÇÃO SOCIAL E RESPECTIVO PROCESSO), COM A REDACÇÃO QUE LHE FOI DADA PELO DECRETO LEI NUMERO 356/89, DE 17 DE OUTUBRO. AS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELO PRESENTE DIPLOMA INCIDEM NOMEADAMENTE SOBRE OS SEGUINTES ASPECTOS: CONTRA-ORDENAÇÕES, COIMAS EM GERAL E SANÇÕES ACESSORIAS, PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO POR CONTRA-ORDENAÇÃO E PRESCRIÇÃO DAS COIMAS, PROCESSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO (COMPETENCIA TERRITORIAL DAS AUTORIDADES ADMINISTR (...)

  • Tem documento Em vigor 1999-08-04 - Lei 116/99 - Assembleia da República

    Aprova o regime geral das contra-ordenações laborais, em anexo à presente lei.

  • Tem documento Em vigor 1999-08-11 - Lei 118/99 - Assembleia da República

    Desenvolve e concretiza o regime geral das contra-ordenações laborais, através da tipificação e classificação das contra-ordenações correspondentes à violação dos diplomas reguladores do regime geral dos contratos de trabalho.

  • Tem documento Em vigor 1999-08-11 - Lei 119/99 - Assembleia da República

    Dispõe sobre a assistência médico-desportiva.

  • Tem documento Em vigor 2001-08-25 - Lei 100/2001 - Assembleia da República

    Altera o Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, relativamente a ofensas à integridade física cometidas contra agentes das forças e serviços de segurança.

  • Tem documento Em vigor 2001-12-24 - Lei 109/2001 - Assembleia da República

    Altera o Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo), em matéria de prescrição.

Ligações para este documento

Este documento é referido nos seguintes documentos (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

  • Tem documento Em vigor 2006-02-08 - Acórdão 23/2006 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil, aplicável por força do artigo 1873.º do mesmo Código, na medida em que prevê, para a caducidade do direito de investigar a paternidade, um prazo de dois anos a partir da maioridade do investigante.

  • Tem documento Em vigor 2015-10-15 - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 13/2015 - Supremo Tribunal de Justiça

    «É aplicável às contra-ordenações ambientais a atenuação especial nos termos do artigo 72.º do Código Penal, ex vi do disposto no artigo 2.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto e 32.º do RGCO»

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