Decreto Legislativo Regional 3/2005/A
Classificação do monumento natural regional do pico das Camarinhas e ponta da Ferraria, na ilha de São Miguel
De entre as incumbências do Estado compreende-se a de criar áreas protegidas, de modo a garantir a conservação da natureza, tal como está previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 66.º da Constituição da República Portuguesa e no artigo 29.º da Lei 11/87, de 7 de Abril.
A classificação das áreas protegidas nos Açores rege-se pelo disposto no Decreto-Lei 19/93, de 23 de Janeiro, com as adaptações constantes do Decreto Legislativo Regional 21/93/A, de 23 de Dezembro.
A zona do pico das Camarinhas e ponta da Ferraria, situada na parte oeste da ilha de São Miguel, caracteriza-se por uma diversidade de estruturas geológicas bem representativas do vulcanismo existente no arquipélago, com particular destaque para um cone de escórias basálticas, uma arriba fóssil, um delta lávico, um domo traquítico, nascentes termais, rochas granulares ricas em olivina e piroxena e o único cone litoral conhecido na Região, estruturas que aconselham a sua preservação, tornando aquele local privilegiado para a compreensão de fenómenos geológicos característicos dos Açores.
O pico das Camarinhas, localizado no extremo oeste da ilha de São Miguel, está implantado a leste da ponta da Ferraria e corresponde a um cone de escórias basálticas, com dimensões aproximadas de 400 m x 300 m e uma altura de cerca de 50 m em relação à região envolvente. No topo do cone existe uma cratera múltipla, alongada, tal como o cone, segundo uma orientação geral W.-E., direcção esta que define um alinhamento tectónico radial do vulcão central das Sete Cidades, e os piroclastos constituintes do cone, vulgarmente conhecidos por bagacina, resultaram de uma erupção vulcânica do tipo estromboliano e apresentam dimensões variáveis e uma coloração negra predominante.
A escoada lávica emitida pelo vulcão do pico das Camarinhas fluiu para oeste e descendo a arriba segundo declives acentuados espraiou-se no oceano Atlântico dando origem ao delta lávico da ponta da Ferraria.
A arriba primitiva foi preservada sob a forma de uma arriba fóssil, na base da qual se desenvolveu a estrutura morfológica aplanada anteriormente referida, vulgarmente designada nos Açores como "fajã». As nascentes termais da ponta da Ferraria têm uma composição cloretada sódica e estas, até época recente, alimentavam um estabelecimento termal existente nesta fajã, sendo que as suas temperaturas no ponto de emergência (junto ao mar) eram na ordem de 62ºC.
Atento o facto de a erupção vulcânica responsável pela formação do pico das Camarinhas e respectiva escoada lávica ter ocorrido alguns séculos antes da descoberta e povoamento da ilha de São Miguel, por volta do ano 1140, e de a escoada lávica emitida ter fluído sobre o mar, originando um pequeno cone piroclástico à superfície do delta lávico da Ferraria, o qual, com uma cratera circular no seu topo, recebe a designação de cone litoral (ou de pseudocratera), na medida em que não possui uma conduta de alimentação profunda e se formou na sequência de pequenas explosões resultantes do contacto da base da escoada lávica com a água do mar.
No seio de uma escoada lávica existente na arriba fóssil ocorrem dispersos xenólitos ultramáficos, constituídos por rochas granulares ricas em olivina e piroxena, formadas em profundidade e trazidas do manto para a superfície no decurso de episódios vulcânicos subsequentes.
O domo traquítico existente na área está instalado na mesma fractura radial das Sete Cidades onde se implantou o pico das Camarinhas, tendo a sua origem em escoadas de natureza traquítica, tendo-lhe sido atribuída uma idade anterior ao pico das Camarinhas, uma vez que se encontra coberto pelas escórias basálticas provenientes dessa erupção.
É de relevar, ainda, em termos florísticos, a existência, no pico das Camarinhas, de uma das últimas formações de Myrica faya-Erica azorica existente na ilha e, na fajã, de endemismos como a Festuca petraea.
Assim, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º, conjugada com o n.º 4 do artigo 112.º da Constituição da República Portuguesa, e das alíneas d) do artigo 8.º e c) do n.º 1 do artigo 31.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, decreta o seguinte:
Artigo 1.º
Classificação
É classificada como monumento natural regional do pico das Camarinhas e ponta da Ferraria, adiante abreviadamente denominada por monumento natural regional, a área delimitada no texto e na carta que constituem, respectivamente, os anexos I e II ao presente diploma e do qual fazem parte integrante.
Artigo 2.º
Objectivos
Sem prejuízo do disposto no artigo 3.º do Decreto-Lei 19/93, de 23 de Janeiro, são objectivos a prosseguir com a classificação como monumento natural regional:
a) O estudo científico e a divulgação, numa perspectiva de educação ambiental, da área protegida;
b) A valorização e preservação do espaço, com a criação de infra-estruturas que facilitem a sua exploração de uma forma ordenada e responsável, impedindo a destruição do património natural ali existente;
c) O condicionamento das actividades realizadas na área protegida e na sua envolvente.
Artigo 3.º
Interdições e autorizações
1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, na área abrangida pelo monumento natural regional são interditos os seguintes actos e actividades:
a) A exploração de massas minerais, nomeadamente através de escavações, aterros e depósitos de resíduos sólidos de qualquer tipo;
b) A abertura de novas vias de comunicação ou de acesso;
c) A instalação de linhas aéreas, nomeadamente eléctricas ou telefónicas;
d) A colheita, captura, abate ou detenção de quaisquer espécies animais, vegetais ou fungos;
e) A prática de actividades desportivas, nomeadamente o desporto motorizado motocross e os raids de veículos de todo o terreno;
f) O depósito ou abandono de qualquer tipo de resíduos fora dos locais autorizados;
g) O acesso ao cone litoral/pseudocratera existente na fajã lávica.
2 - Os actos e actividades necessários à preservação, valorização e ordenamento da área protegida e das actuais Termas da Ferraria, assim como os efectuados com fins exclusivos de investigação científica, arqueológica e monitorização, ficam sujeitos a autorização prévia da direcção regional com competência em matéria de ambiente.
3 - Por despacho dos membros do Governo Regional com competência em matéria do turismo e do ambiente, pode ser autorizada a recuperação, beneficiação ou ampliação das actuais instalações das Termas da Ferraria, bem como de estabelecimentos hoteleiros associados à exploração turística das Termas, desde que obedeçam à disciplina dos instrumentos de gestão territorial em vigor.
Artigo 4.º
Gestão da área
A gestão do monumento natural regional cabe à direcção regional com competência em matéria de ambiente, sem prejuízo dos pareceres, autorizações e licenças de outras entidades que forem legalmente devidos.
Artigo 5.º
Contra-ordenações
1 - Para além das previstas no artigo 22.º do Decreto-Lei 19/93, de 23 de Janeiro, constitui contra-ordenação a prática, sem autorização, de qualquer dos actos ou actividades previstos no artigo 3.º
2 - A punição, o sancionamento acessório e o processamento das contra-ordenações previstas no número anterior são feitos de acordo com os n.os 2 e 3 do artigo 22.º e os artigos 23.º e seguintes do Decreto-Lei 19/93, de 23 de Janeiro, com as adaptações constantes dos artigos 9.º e 10.º do Decreto Legislativo Regional 21/93/A, de 23 de Dezembro.
Artigo 6.º
Reposição da situação anterior à infracção
Compete à direcção regional com competência em matéria de ambiente ordenar a reposição da situação anterior à infracção, por conta do infractor, nos termos do disposto no artigo 25.º do Decreto-Lei 19/93, de 23 de Janeiro, e no n.º 1 do artigo 10.º do Decreto Legislativo Regional 21/93/A, de 23 de Dezembro.
Artigo 7.º
Fiscalização
A fiscalização do disposto no presente diploma e demais legislação aplicável ao monumento natural regional compete à direcção regional com competência em matéria de ambiente, em colaboração com as autarquias locais, os serviços da direcção regional com competência em matéria de recursos florestais e as demais entidades competentes nos termos da legislação em vigor.
Artigo 8.º
Dúvidas de interpretação
As dúvidas de interpretação suscitadas pela leitura da carta que constitui o anexo II ao presente diploma podem ser resolvidas através da consulta dos originais, à escala de 1:2000, arquivados para o efeito na direcção regional com competência em matéria de ambiente e no respectivo serviço da ilha de São Miguel.
Aprovado pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, na Horta, em 17 de Março de 2005.
O Presidente da Assembleia Legislativa, Fernando Manuel Machado Menezes.
Assinado em Angra do Heroísmo em 20 de Abril de 2005.
Publique-se.
O Ministro da República para a Região Autónoma dos Açores, Álvaro José Brilhante Laborinho Lúcio.
ANEXO I
Descrição dos limites do monumento natural regional a que se refere o artigo 1.º
Tem início no ponto A de coordenadas UTM (26S 601306; 4191319), inflecte para sul ao longo da linha de costa até ao ponto com coordenadas UTM (26S 600944; 4190561), inflecte para nordeste até interceptar o miradouro, seguindo pelo caminho de ligação entre a ponta da Ferraria e os Ginetes, no mesmo sentido até atingir o domo 176, contornando-o pela sua base no sentido contrário aos ponteiros do relógio, até interceptar a Rua do Moio. Segue ao longo desta, para norte, até atingir um cruzamento na zona de Entre Caminhos, inflectindo aí para oeste, até ao ponto inicial A.
ANEXO II
Carta a que se refere o artigo 1.º
(ver carta no documento original)