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Acórdão 186/2000/T, de 27 de Outubro

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Texto do documento

Acórdão 186/2000/T. Const. - Processo 2/99. - Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório. - 1 - João Manuel Simões Ribeiro, juiz desembargador em funções na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa, interpôs, por meio de requerimento que deu entrada na Secretaria do Conselho Superior da Magistratura, em 21 de Janeiro de 1998, recurso contencioso para o Supremo Tribunal de Justiça do Acórdão proferido em processo disciplinar pelo plenário do referido Conselho Superior da Magistratura, tirado no dia 9 de Dezembro de 1997, pelo qual se deliberou "sancionar o Exmo. Desembargador José Manuel Simões Ribeiro com a pena de 14 meses de inactividade, a qual se suspende em sua execução pelo período de 3 anos, suspensão que fica sujeita à especial condição de, no prazo de 10 meses, demonstrar ter posto termo a todos os processos que tinha pendentes à data de 4 de Abril de 1997".

2 - Remetidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, foi em 9 de Março de 1998 proferido despacho com o seguinte teor:

"Tal acórdão, datado de 9 de Dezembro de 1997, foi notificado ao recorrido por carta registada com aviso de recepção expedida em 11 de Dezembro de 1997, que o Exmo. Destinatário recebeu em 15 de Dezembro de 1997 (v. fl. 167 do processo disciplinar apenso, encontrando-se o aviso de recepção correspondente ao registo agrafado na contracapa desse processo).

Acontece que, como pertinente e fundadamente aponta o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto, o prazo para a interposição do recurso é de 30 dias [artigo 169.º, n.os 1 e 2, alínea c), do Estatuto dos Magistrados Judiciais], e como são aplicáveis aos recursos das deliberações do Conselho Superior da Magistratura, subsidiariamente, as normas que regem os trâmites processuais que regem os recursos de contencioso administrativo interpostos para o Supremo Tribunal Administrativo (artigo 178.º daquele Estatuto), há que aplicar, na contagem do prazo de interposição, a regra do n.º 2 do artigo 28.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (Decreto-Lei 267/85, de 16 de Julho).

Dispondo-se naquele n.º 2 do artigo 28.º que os prazos de interposição de recurso contencioso de actos anuláveis 'contam-se nos termos do artigo 279.º do Código Civil', segue-se concluir que o recurso foi interposto para além do prazo legalmente fixado, pelo que não é de conhecer dele."

Ouvidos o recorrente e o Ministério Público sobre a questão prévia suscitada, este último ofereceu o merecimento dos autos, ao passo que o primeiro, sustentando a inconstitucionalidade orgânica da norma do artigo 169.º, n.º 1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais, na interpretação que dela fez o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, se opôs à procedência da questão prévia da extemporaneidade do recurso.

Por acórdão proferido em 17 de Junho de 1998, a Secção de Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça decidiu não conhecer do recurso, dada a sua intempestividade, transcrevendo-se de seguida o essencial da respectiva fundamentação:

"Dispondo o artigo 178.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais que são subsidiariamente aplicáveis, as normas que regem os trâmites processuais dos recursos de contencioso administrativo interpostos para o Supremo Tribunal Administrativo e não se contendo naquele Estatuto norma que directamente determine o modo de contagem dos prazos para recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça das deliberações do Conselho Superior da Magistratura, julgamos que, forçosamente, há que fazer aplicação do n.º 2 do artigo 28.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, que manda contar os prazos estabelecidos no n.º 1, de interposição dos recursos contenciosos de actos anuláveis, nos termos do artigo 279.º do Código Civil.

Datando a Lei de Processo nos Tribunais Administrativos de 16 de Julho de 1985, (Decreto-Lei 267/85), não podia escapar ao legislador, ao publicar o Estatuto dos Magistrados Judiciais (Lei 21/85, de 30 de Julho), que por força do estatuído no artigo 178.º deste diploma os recorrentes de deliberações do plenário do Conselho Superior da Magistratura ficariam sujeitos ao que estava consagrado no n.º 2 do artigo 28.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, irrelevando que até então fosse maioritário na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que os prazos para recorrer contenciosamente deveriam ser contados como revestindo natureza processual.

Aliás, porque havia divergências na contagem desses prazos, o legislador, com a regra do n.º 2 do artigo 28.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, quis tornar certo o modo como os prazos deviam ser contados, como terão sido propósitos de uniformidade de disciplina, abarcando esse e outros domínios, que levou ao estabelecimento da norma do artigo 178.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais.

Não vemos, assim, que valha argumentar com um anterior entendimento doutrinal e jurisprudencial, firmado na ausência de norma sobre a matéria, para levar à aceitação de que o legislador da Lei 21/85 quis acolher aquele entendimento e postergar o que, diverso, constava do n.º 2 do artigo 28.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos e tinha data próxima de começo de vigência em 1 de Outubro de 1985 (artigo 136.º deste diploma).

Portanto, ao fazer-se aplicação do artigo 28.º, n.º 2, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos aos recursos interpostos para o Supremo Tribunal de Justiça de deliberações do plenário do Conselho Superior da Magistratura, não se pode afirmar, como diz o recorrente, que se está a alterar o n.º 1 do artigo 169.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais através de norma que constitucionalmente não tem força para determinar uma tal alteração, como não se pode dizer que se opera um encurtamento real do prazo - se o legislador quis que 30 dias fossem 30 dias de calendário, há que acatar a sua determinação.

E nem o facto de o prazo da reclamação ser, efectivamente, maior do que o concedido para o recurso é argumento que impressione: enquanto a reclamação corporiza e esgota toda a oposição que o reclamante deduz contra o acto reclamado, tal não acontece com o requerimento de interposição de recurso (artigo 172.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais), sendo numa fase ulterior da tramitação deste que o recorrente terá de oferecer a sua alegação (artigo 176.º).

Concluindo: é aplicável o n.º 2 do artigo 28.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, pelo que o recurso foi interposto quando (21 de Janeiro de 1998) estavam decorridos mais de 30 dias contados da notificação do Exmo. Desembargador recorrente (15 de Dezembro de 1997)."

3 - Inconformado com a decisão tomada em 15 de Julho de 1998 que, com fundamento em incompetência, considerou inadmissível o recurso interposto do transcrito acórdão para o pleno do Supremo Tribunal de Justiça, dela reclamou o recorrente para a conferência, reclamação esta que foi desatendida por Acórdão de 25 de Novembro de 1998, no qual, remetendo para a jurisprudência deste Tribunal constante do Acórdão 336/95 (publicado no Diário da República, 2.ª série, de 31 de Julho de 1995), se decidiu:

"Entende a conferência que, pelas razões expostas a fls. 66 e 66 v.º, que reafirma, não há lugar a recurso para o pleno do Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos proferidos pela Secção do Contencioso deste Tribunal.

Repete-se que o especial regime dos recursos interpostos das deliberações do Conselho Superior da Magistratura (artigos 168.º a 178.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, Lei 21/85, de 30 de Julho) está definido em termos de a Secção do Contencioso, que dele conhece e tem a composição referida no n.º 2 daquele artigo 168.º, funcionar como instância única de recurso.

A querer que fosse de outro modo, o legislador, atendendo além do mais à composição do Supremo Tribunal de Justiça, necessariamente teria previsto e regulado o recurso para o plenário."

4 - O recorrente interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional), "em ordem à apreciação da inconstitucionalidade da norma constante do artigo 169.º, n.º 1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais, por violação do estatuído no artigo 168.º, n.º 1, alínea q), da Constituição, vigente aquando da aplicação e entrada em vigor do Estatuto dos Magistrados Judiciais e da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos [actualmente, artigo 165.º, n.º 1, alínea p)], na interpretação dela feita pelo referido acórdão a fl. ..., proferido no recurso contencioso referenciado supra, e segundo a qual 'o prazo de 30 dias fixado no artigo 169.º, n.os 1 e 2, alínea c), da Lei 21/85, de 30 de Julho (Estatuto dos Magistrados Judiciais)' é 'um prazo de natureza substantiva, a contar nos termos do artigo 279.º do Código Civil por força do disposto no artigo 28.º, n.º 2, do Decreto-Lei 267/85, de 16 de Julho, Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 178.º da Lei 21/85' - recurso, esse, no qual, em resposta (fl. 29 a fl. 46) ao despacho a fls. 26 e seg., do Sr. Juiz Conselheiro Relator, a inconstitucionalidade foi expressamente suscitada pelo recorrente."

Nas alegações apresentadas neste Tribunal, concluiu o recorrente:

"1.ª Por Acórdão do Conselho Superior da Magistratura (plenário), de 9 de Dezembro de 1997, notificado ao recorrente por correspondência por ele recebida em 12 seguinte, foi deliberado:

Considerar o recorrente autor da infracção disciplinar prevista e punida pelo artigo 95.º, n.º 1, alínea a) do Estatuto dos Magistrados Judiciais, mas usar da faculdade de atenuação especial prevista no artigo 97.º do mesmo diploma e aplicar-lhe a pena imediatamente inferior a que se alude no seu artigo 94.º, n.º 1.

'Sancionar o' recorrente 'com a pena de 14 meses de inactividade', suspendendo a 'sua execução pelo período de 3 anos, suspensão que' ficou 'sujeita à especial condição de, no prazo de 10 meses (o recorrente), demonstrar ter posto termo a todos os processos que tinha pendentes à data de 4 de Abril de 1997'.

2.ª Inconformado com esse acórdão, o recorrente interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sob a égide e nos termos do disposto nos artigos 168.º, n.os 1 e 5, 169.º, n.º 1, e 171.º, n.º 1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais.

3.ª Por Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (4.ª Secção), de 17 de Junho de 1998, foi decidido que, sendo 'subsidiariamente aplicáveis' aos recursos das deliberações do Conselho Superior da Magistratura 'as normas que regem os trâmites processuais dos recursos de contencioso administrativo interpostos para o Supremo Tribunal Administrativo' (artigo 178.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei 21/85, de 30 de Julho) e, por conseguinte, a norma do artigo 28.º, n.º 2, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (aprovada pelo Decreto-Lei 267/85, de 16 de Julho), quando o recorrente interpôs recurso contencioso para o Supremo Tribunal de Justiça - em 21 de Janeiro de 1998 -, 'estavam decorridos mais de 30 dias contados da (sua) notificação' em 15 de Dezembro de 1997 (itálico da citação nosso).

4.ª O artigo 28.º, n.º 2, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos é, quanto à matéria sobre que versa, um preceito inovador: nele se regula, pela primeira vez, expressamente, o modo de contagem dos prazos de interposição dos recursos contenciosos administrativos.

5.ª Anteriormente à sua entrada em vigor, era tese dominante, na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, a de que os prazos de interposição dos recursos contenciosos administrativos eram processuais, devendo contar-se nos termos do preceituado no artigo 144.º, n.os 2 e 3, do Código de Processo Civil [cf., neste sentido: Prof. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo II, 9.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 1980, pp. 1367 e 1368; Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (pleno), de 22 de Junho de 1983 (recurso n.º 15 757), in Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo, n.º 266, pp. 225 e segs.; e Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Secção do Contencioso Administrativo) de 29 de Março de 1990 (recurso n.º 18 844), in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 395, p. 371].

6.ª O Estatuto dos Magistrados Judiciais (Lei 21/85, de 30 de Julho) entrou 'em vigor no dia imediato ao da sua publicação' (artigo 189.º, n.º 1, do próprio diploma), isto é, em 31 de Julho de 1985.

A Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (Decreto-Lei 267/85, de 16 de Julho) entrou em vigor no dia 1 de Outubro de 1985 (artigo 136.º do próprio diploma) (itálico nosso).

Neste contexto, aquando da elaboração e publicação da Lei 21/85, de 30 de Julho - (Estatuto dos Magistrados Judiciais), e no início da sua vigência, até 1 de Outubro de 1995, 'as normas que', regiam 'os trâmites processuais do recurso de contencioso administrativo interpostos para o Supremo Tribunal Administrativo' eram as constantes do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo; à luz delas, o prazo de interposição do recurso contencioso era havido como processual.

Assim, não pode invocar-se para a interpretação do artigo 169.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais a estatuição que só em 1 de Outubro de 1985 - dois meses depois da sua entrada em vigor - se assumiu como tal, no artigo 28.º, n.º 2, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos.

7.ª O artigo 169.º, n.º 1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais (Lei 21/85, de 30 de Julho), ao estabelecer que 'o prazo para interposição de recurso é de 30 [...] dias [...] contados da notificação [...] da deliberação [...]', incorpora as normas que, com o conteúdo, sentido e alcance apontados, regiam a situação nele contemplada aquando da sua publicação e entrada em vigor, ou seja, as constantes do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo, interpretadas de acordo com a doutrina e a jurisprudência então pacíficas.

8.ª A remissão constante do artigo 178.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais respeita ao regime concretamente existente à data em que foi feita, em termos de as alterações posteriores à entrada em vigor do Estatuto dos Magistrados Judiciais não se repercutirem na regulação da situação a que se refere a norma do artigo 178.º do mesmo Estatuto.

A regulamentação posterior à vigente aquando da entrada em vigor do Estatuto dos Magistrados Judiciais não modificou o conteúdo da devolução inicialmente operada, continuando a disciplina dos 'trâmites processuais dos recursos de contencioso administrativo interpostos para o Supremo Tribunal Administrativo' a ser a vigente na data da entrada em vigor do Estatuto dos Magistrados Judiciais.

9.ª Na interpretação do Supremo Tribunal de Justiça, a norma vazada no artigo 169.º, n.º 1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais (Lei 21/85, de 30 de Julho) veio a ser modificada, quanto à duração do prazo nela estabelecido, por via da alteração do modo de contagem desse mesmo prazo, por actuação de um diploma - a Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (Decreto-Lei 267/85, de 16 de Julho), que nada tem a ver com o Estatuto dos Magistrados Judiciais.

10.ª Nos termos do disposto no artigo 168.º, n.º 1, alínea q), da Constituição, vigente aquando da publicação e entrada em vigor do Estatuto dos Magistrados Judiciais e da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos [actualmente, artigo 165.º, n.º 1, alínea p)], 'é da exclusiva competência da Assembleia da República [...], salvo autorização ao Governo', legislar sobre a 'organização e competência dos tribunais e do Ministério Público e estatuto dos respectivos magistrados'.

O prazo do recurso contencioso estabelecido no artigo 169.º, n.º 1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais constitui, no quadro dos requisitos e pressupostos processuais desse mesmo recurso, um elemento fundamental da via entendida pelo legislador como adequada ao direito de defesa dos magistrados judiciais ante o Conselho Superior da Magistratura e contra os actos deste, ao direito de protecção deles, através do Supremo Tribunal de Justiça, em ordem a salvaguardarem-se da violação dos seus direitos pelo mesmo Conselho, e ao direito de eles, magistrados judiciais, exigirem essa protecção.

12.ª A Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (Decreto-Lei 267/85, de 16 de Julho), inovando 'os trâmites processuais dos recursos de contencioso administrativo interpostos para o Supremo Tribunal Administrativo', não podia alterar o Estatuto dos Magistrados Judiciais (Lei 21/85, de 30 de Julho), sequer no seu artigo 169.º, n.º 1, pela Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (Decreto-Lei 267/85, de 16 de Julho), sob pena de se precipitar a ofensa do disposto no artigo 168.º, n.º 1, alínea q) [actualmente, artigo 165.º, n.º 1, alínea p)], da Constituição e, por efeito dela, a inconstitucionalidade orgânica da norma do artigo 169.º, n.º 1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais, na interpretação que dela fez o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17 de Junho de 1998.

13.ª A norma do artigo 169.º, n.º 1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais, na interpretação que lhe foi conferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, proferido no recurso n.º 99/98 (4.ª Secção), ofende o disposto no artigo 168.º, n.º 1, alínea q) [actualmente, artigo 165.º, n.º 1, alínea p)], da Constituição da República Portuguesa."

5 - Notificado para se pronunciar, veio o Conselho Superior da Magistratura oferecer o merecimento dos autos.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

II - Fundamentos. - 6 - No requerimento de interposição do recurso, prima facie, circunscreveu-se o objecto do recurso à apreciação da constitucionalidade de uma única norma, uma vez que era interposto "em ordem à apreciação da inconstitucionalidade da norma constante do artigo 169.º, n.º 1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais, por violação do estatuído no artigo 168.º, n.º 1, alínea q), da Constituição". Mas, ao precisar o sentido em que tal norma era impugnada, tornava-se patente que eram várias as normas convocadas - "na interpretação dela feita pelo referido acórdão [...] e segundo a qual 'o prazo de 30 dias fixado no artigo 169.º, n.os 1 e 2, alínea c), da Lei' n.º 21/85, de 30 de Julho (Estatuto dos Magistrados Judiciais) é 'um prazo de natureza substantiva, a contar nos termos do artigo 279.º do Código Civil, por força do disposto no artigo 28.º, n.º 2, do Decreto-Lei 267/85, de 16 de Julho (Lei de Processo nos Tribunais Administrativos), subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 178.º da Lei 21/85'."

Em rigor, nem é verdadeiramente o conteúdo directamente perceptivo da norma do artigo 169.º, n.º 1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais - que fixa um prazo de 30 dias, contado desde a notificação da deliberação do Conselho Superior da Magistratura, para dela interpor recurso - que está em causa, mas sim a forma de contagem do prazo aí previsto - tendo o recorrente entendido que, sendo um prazo processual, lhe era aplicável o disposto no artigo 144.º, n.os 2 e 3, do Código de Processo Civil, na redacção anterior à revisão operada pelo Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro, suspendendo-se, portanto, durante as férias, sábados, domingos e feriados, e tendo as instâncias considerado, diversamente, que se tratava de prazo de natureza substantiva, sendo aplicável o disposto no artigo 279.º do Código Civil e contando-se, pois, por remissão expressa do n.º 2 do artigo 28.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, tal prazo, continuamente.

Não compete a este Tribunal sopesar, para além do controlo da constitucionalidade do resultado normativo a que se chegar, os argumentos esgrimidos a favor de uma, ou outra interpretação, e de que se deu (parcial) conta no relatório. Cf., v. g., os Acórdãos n.os 44/85, 21/87, 339/87 e 279/92, publicados, o primeiro, em Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 5, 1985, pp. 403-409, e os restantes no Diário da República, 2.ª série, de 31 de Março de 1987, de 19 de Setembro de 1987 e de 23 de Novembro de 1992, respectivamente - naquele primeiro aresto escreveu-se, designadamente, que "para o Tribunal Constitucional a norma de direito infraconstitucional que vem questionada no recurso é um dado [...] Saber se essa norma era ou não aplicável ao caso, se foi ou não bem aplicada, isso é da competência dos tribunais comuns, e não do Tribunal Constitucional. Em princípio, o Tribunal Constitucional não pode censurar o modo como os restantes tribunais aplicam o direito infraconstitucional; apenas lhes compete controlar o modo como eles aplicam (ou não) o direito constitucional." E acrescentou-se: "Em matéria de fiscalização concreta da constitucionalidade repita-se - o dado normativo a ser submetido ao parâmetro constitucional chega já definido ao Tribunal Constitucional, não lhe cabendo pô-lo em causa."

O que compete a este Tribunal esclarecer é, pois, tão-só se a interpretação, melhor ou pior, adoptada pelas instâncias, formulada na decisão recorrida e identificada pelo recorrente como objecto de recurso, padece da inconstitucionalidade que lhe foi imputada - ou, eventualmente, de outra [cf. artigo 79.º-C da Lei do Tribunal Constitucional (Lei 28/82, de 15 de Novembro)].

7 - Diga-se desde já que no caso não se vislumbra, porém, outro potencial fundamento de inconstitucionalidade que não o que vem alegado pelo recorrente.

Segundo este, a aplicação do artigo 279.º do Código Civil à contagem do prazo em causa é tida como consequência da entrada em vigor do Decreto-Lei 267/85, de 16 de Julho (Lei de Processo nos Tribunais Administrativos), cujo artigo 28.º, n.º 2, o determina expressamente para os prazos de recurso contencioso "estabelecidos no número anterior" - e que passou a integrar o conjunto de "normas que regem os trâmites processuais dos recursos de contencioso administrativo interpostos para o Supremo Tribunal Administrativo", que o artigo 178.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais manda aplicar; isto, em substituição da regra anteriormente aceita, na ausência de previsão para a forma de contagem dos prazos de recurso contencioso no Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo. A inconstitucionalidade estaria, pois, na alteração de uma solução resultante do Estatuto dos Magistrados Judiciais - que, nas palavras do recorrente, "constitui, no quadro dos requisitos e pressupostos processuais desse mesmo recurso, um elemento fundamental da via entendida pelo legislador como adequada ao direito de defesa dos magistrados judiciais ante o Conselho Superior da Magistratura e contra os actos deste, ao direito de protecção deles, através do Supremo Tribunal de Justiça, em ordem a salvaguardarem-se da violação dos seus direitos pelo mesmo Conselho, e ao direito de eles, magistrados judiciais, exigirem essa protecção" - alteração, essa, efectuada através de um decreto-lei não credenciado por autorização legislativa.

8 - Assim configurada, a questão da constitucionalidade pode resolver-se com a determinação do sentido da norma remissiva do artigo 178.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, segundo a qual aos recursos das decisões do Conselho Superior da Magistratura "são subsidiariamente aplicáveis as normas que regem os trâmites processuais dos recursos de contencioso administrativo interpostos para o Supremo Tribunal Administrativo".

Interpretar tal norma remissiva como contendo uma remissão "para o conteúdo" das normas vigentes à altura da entrada em vigor do Estatuto dos Magistrados Judiciais, que regiam todos os trâmites processuais dos recursos de contencioso administrativo interpostos para o Supremo Tribunal Administrativo (remissão "estática"), teria, sem dúvida, como resultado "cristalizar" tal regime, até sobrevir uma alteração de tal Estatuto - alteração necessariamente aprovada por lei ou decreto-lei autorizado, sob pena de inconstitucionalidade orgânica. Ao passo que interpretar tal remissão como uma remissão para as normas que em cada momento relevante disciplinam a matéria nela referida (remissão "dinâmica") corresponde a permitir a actualização do regime dos recursos das decisões do Conselho Superior da Magistratura para o Supremo Tribunal de Justiça, em função das alterações que vão ocorrendo naquele lugar paralelo da legislação administrativa destino da remissão, isto é, para o qual o legislador do Estatuto dos Magistrados Judiciais (devidamente habilitado para tal) pretendeu justamente remeter (isto, naturalmente, com as exigências formais requeridas estritamente para a intervenção naquela matéria para cuja disciplina se remete).

Ora, note-se, não só o recorrente pretende que a primeira hipótese é a mais adequada do ponto de vista sistemático, histórico e teleológico, como entende que a segunda alternativa acarretaria inconstitucionalidade orgânica.

9 - Como se disse, não cabe a este Tribunal deliberar sobre as virtualidades de interpretações concorrentes, em quanto não contendam com a lei fundamental. Pelo que não lhe compete pronunciar-se sobre o mérito relativo das duas interpretações da norma remissiva do artigo 178.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, mas apenas sobre se a segunda é constitucionalmente inviável.

Para que assim fosse seria, porém, condição necessária que o regime em causa se incluísse na área de reserva da Assembleia da República. Ora, a alínea q) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição [alínea p) do n.º 1 do actual artigo 165.º] só abrange a "organização e competência dos tribunais [...] e estatuto dos respectivos magistrados".

Parece, assim, falhar logo o requisito mais elementar: o de que a determinação da forma de contagem dos prazos de recurso das decisões do Conselho Superior da Magistratura seja matéria de reserva legislativa da Assembleia da República.

Comentando aquela norma constitucional, escrevem aliás Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra, 1993, p. 167, anotação XVIII ao artigo 168.º, que "no âmbito da reserva - caberão as modificações de competência judiciárias [...] que não tenham carácter meramente processual" (itálico aditado).

Ora, no caso, a única coisa que está em causa é a forma de contagem de um prazo (de 30 dias) para a apresentação de recurso - o que fica manifestamente fora do âmbito da reserva.

Logo por isto, não poderia considerar-se procedente a alegação de inconstitucionalidade orgânica.

10 - Acresce, ainda, que é manifesto que foi opção do legislador parlamentar do Estatuto dos Magistrados Judiciais, no artigo 178.º, equiparar a situação especial dos recursos das decisões do Conselho Superior da Magistratura para o Supremo Tribunal de Justiça ao regime regra dos recursos contenciosos para o Supremo Tribunal Administrativo, cuja alteração foi, aliás, quase contemporânea - quando o Estatuto dos Magistrados Judiciais foi publicado, em 31 de Julho de 1985 (e entrou em vigor, em 1 de Agosto de 1985), já a Lei de Processo nos Tribunais Administrativos estava publicada (foi-o a 16 de Julho de 1985) embora só tivesse entrado em vigor depois (a 1 de Outubro de 1985 nos termos do seu artigo 136.º).

Assim, a remissão que se faz para as normas identificadas pela matéria regulada e não para normas, ou secções, especificadas da legislação em vigor à altura da sua aprovação, ou para o diploma então vigente - o que, em qualquer caso, poderia igualmente configurar opção legítima do legislador parlamentar mesmo em matéria da sua competência reservada.

Estamos, pois, perante, uma pura norma de remissão de um regime para outro, sendo este último determinado pela matéria objecto de regulamentação, sem se distinguir entre regime presente e futuro. Não procede, assim, a alegação de que uma alteração na regulamentação que é destino da remissão equivalha a uma alteração que carece de autorização legislativa - nem a uma alteração da norma remissiva, nem do regime determinado por remissão. A remissão de regime permanece e o regime da forma de contagem de prazos continua, pois, a ser o previsto pelo legislador do Estatuto dos Magistrados Judiciais através dessa remissão, ou seja, o regime das "normas que regem os trâmites processuais dos recursos de contencioso administrativo interpostos para o Supremo Tribunal Administrativo" (artigo 178.º citado).

Assim se reforça, pois, a conclusão de não inconstitucionalidade da norma complexa identificada, à luz da invocada alínea do artigo 168.º, n.º 1, da Constituição da República, não sendo visível, como preliminarmente se advertiu, qualquer outro enquadramento constitucional de que pudesse resultar inconstitucionalidade.

III - Decisão. - Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:

a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 169.º, n.º 1, da Lei 21/85, de 30 de Julho (Estatuto dos Magistrados Judiciais), na interpretação impugnada, ou seja, segundo a qual o prazo de 30 dias aí fixado é um prazo de natureza substantiva, a contar nos termos do artigo 279.º do Código Civil, por força do artigo 28.º, n.º 2, do Decreto-Lei 267/85, de 16 de Julho (Lei de Processo nos Tribunais Administrativos), subsidiariamente aplicável por força do artigo 178.º da referida Lei 21/85;

b) Por conseguinte, confirmar a decisão recorrida no que concerne à questão da constitucionalidade;

c) Condenar o recorrente em custas, fixando a taxa de justiça em 15 unidades de conta.

Lisboa, 28 de Março de 2000. - Paulo Mota Pinto - Maria Fernanda Palma - Guilherme da Fonseca - Bravo Serra - José Manuel Cardoso da Costa.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1832578.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1985-07-16 - Decreto-Lei 267/85 - Ministério da Justiça

    Aprova a lei de processo nos tribunais administrativos.

  • Tem documento Em vigor 1985-07-30 - Lei 21/85 - Assembleia da República

    Aprova o Estatuto dos Magistrados Judiciais.

  • Tem documento Em vigor 1995-12-12 - Decreto-Lei 329-A/95 - Ministério da Justiça

    Revê o Código de Processo Civil. Altera o Código Civil e a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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