Parecer 6/2000. - Parecer sobre a avaliação dos estabelecimentos militares de ensino superior. - O Secretário de Estado do Ensino Superior solicitou a emissão de parecer por este Conselho sobre um projecto de decreto-lei que visa regular a aplicação às escolas superiores militares do sistema de avaliação e acompanhamento das instituições de ensino superior a que se refere a lei da avaliação do ensino superior (Lei 38/94, de 21 de Novembro).
Dos antecedentes desta questão deve recordar-se o projecto de criação da Universidade das Forças Armadas, enviado pelo Governo à Assembleia da República em 1999 e que não chegou a ser apreciado. As razões da não renovação da apresentação do referido projecto, como seria necessário pelo Regimento, não são conhecidas, mas para o presente parecer importa apenas reter que o princípio da unidade do subsistema de ensino superior militar foi o orientador do referido projecto e das intervenções conhecidas.
Este conselho, por carta de 18 de Janeiro de 2000, lembrou ao Ministério da Defesa a necessidade de cumprir o disposto na Lei 38/94, de 21 de Novembro, e recebeu um pedido de colaboração informal para esse efeito.
Na sequência desse pedido, os serviços prepararam um documento de trabalho, cuja exposição de motivos é a que vem recolhida no texto agora submetido a parecer do Conselho pelo referido despacho do Secretário de Estado do Ensino Superior, e que se reproduz:
"Nos termos do disposto no artigo 24.º do Decreto-Lei 205/98, de 11 de Julho, que instituiu o Conselho Nacional de Avaliação do Ensino Superior, 'nas instituições do ensino superior submetidas à tutela conjunta dos Ministros da Defesa Nacional e da Educação, a avaliação processa-se na observância dos princípios gerais constantes do presente diploma, com as adaptações que, atentas as respectivas especificidades, forem estabelecidas em diploma próprio'.
Preservando sempre a especificidade do ensino superior das Forças Armadas, estas não podem ficar alheias à recomendação do Conselho da União Europeia de 24 de Setembro de 1998, que orienta os Estados membros no sentido de 'garantir a qualidade do ensino superior no contexto económico, social e cultural dos seus países, atendendo simultaneamente à dimensão europeia e à existência de um mundo em rápida evolução'.
A Lei 38/94, de 21 de Novembro, ao definir o regime jurídico da avaliação do ensino superior não considerou ainda, expressamente, o ensino superior das Forças Armadas, mas já o Decreto-Lei 48/86, de 13 de Março, viera definir os preceitos fundamentais do relacionamento institucional das escolas militares de ensino superior com os estabelecimentos que integram o sistema universitário português.
A qualificação do ensino superior militar de modelo universitário, ou de modelo superior politécnico, é clara, mas entretanto surgiu a necessidade de encarar o envolvimento do subsistema de ensino superior das Forças Armadas no sistema de avaliação, objectivo do presente diploma.
A natureza universitária ou politécnica superior desse ensino é geralmente reconhecida e fomentada em países a que Portugal está ligado por obrigações específicas na área da segurança e defesa.
Assim, os EUA possuem a Norwich University, com um estatuto único entre as instituições de ensino superior, formando cadetes submetidos a uma disciplina militar, estudantes civis dispensados desse regime, acrescendo serviço à comunidade, e recebendo acreditação nos termos do modelo americano. No Reino Unido, a Cranfield University, integrada no Royal Military College of Science Campus, oferece uma larga gama de formações, apoiada num modelo departamental. O Royal Military College of Canada/Collège Militaire Royal, serve a carreira de oficial das Forças Armadas, cuja graduação académica tem nível universitário nas áreas que admitem a transição para a vida civil.
A Real Academia Militar da Bélgica, igualmente oferece uma formação científica de nível universitário. A Espanha tem uma extensa organização de ensino militar superior de modelo universitário e politécnico e, desde 1994, ao abrigo de um convénio entre os Ministérios da Defesa e da Educação e Ciência, promove a integração do ensino militar no sistema geral educativo, incluindo a participação em cursos e programas das universidades públicas, apoiando a colaboração no âmbito da investigação, e o aprofundamento do conhecimento das estruturas militares pela comunidade educativa. A amostragem demonstra que, com formal utilização dos modelos, ou sem essa moldura, a qualificação de universitário ou politécnico é uma exigência do ensino, assim como a articulação com o ensino não militar, designadamente assegurando uma formação que facilite a empregabilidade em caso de transição da vida castrense para as actividades privadas. A habilitação para os títulos universitários terá por base a avaliação global dos cursos professados em conformidade com os convénios que venham a ser celebrados com as universidades.
Estes mesmos objectivos e exigências se encontram na organização portuguesa, acrescidos da preocupação de ter uma visão unitária e prospectiva dos vários subsistemas, que todos devem convergir no sentido de satisfazer a urgência de possuir um sistema nacional de ensino, que, em todas as vertentes, corresponda aos critérios de excelência.
A função da avaliação serve esse objectivo, respeitando a diversidade de cada um dos subsistemas: universitário público e privado, politécnico público e privado, concordatário e, finalmente, militar, nas suas vertentes de ensino superior de modelo universitário e ensino superior de modelo politécnico.
A qualidade correspondente aos critérios de excelência internacionais não depende de o ensino ser apoiado em instituições correspondentes ao modelo formal clássico das universidades, pelo que os subsistemas com as suas formas específicas e históricas, igualmente podem ser recebidos sem dificuldade no processo de avaliação que atende à sua estrutura unitária."
O mesmo não acontece com os normativos propostos, e há vantagem em comparar os dois textos para orientar as necessárias opções:
(ver documento original)
É evidente uma divergência essencial de perspectiva entre os dois textos. O texto primitivo considera adquirido o princípio da unidade do subsistema de ensino militar e pretende resolver uma questão, não privativa do ensino militar, que é a de distinguir e submeter às instâncias de avaliação respectivas os estabelecimentos com perfil universitário e os estabelecimentos com perfil politécnico. Ao orientar-se neste sentido e ao considerar os conjuntos dos estabelecimentos e não cada estabelecimento isoladamente, ultrapassa-se a questão de saber se instituições militares que apenas podem conferir o grau de licenciado devem pela lei actual ser qualificadas como politécnicas, impedindo assim a distinção aqui proposta, que parece mais apropriada e fundada na longa tradição e complementaridade dos estabelecimentos.
O texto em apreço, uma vezes trata os estabelecimentos como um conjunto e outras vezes refere-se aos estabelecimentos individualizadamente, o que leva a imperativos contraditórios.
Assim, no artigo 1.º, onde falta a Academia Militar na enumeração feita, os estabelecimentos são tratados como unidades separadas, e não como um conjunto, pelo que, no artigo 2.º são equiparados, cada um e respectivamente, às universidades públicas e aos institutos superiores politécnicos públicos. O que tem a consequência de que, nos termos do n.º 3 do artigo 2.º, são habilitados individualmente à admissão nas entidades representativas. É certo que a prática foi admitida pelo menos para a Academia Militar e para a Escola Naval, inscritas na Fundação das Universidades, mas a lógica do sistema de avaliação não o aconselha, bastando notar que são as universidades, e não as suas faculdades e institutos, e os institutos superiores politécnicos, e não as suas unidades componentes, que estão nas entidades representativas.
Para fins de avaliação, e sustentando a diferença entre estabelecimentos de ensino militar de perfil universitário e estabelecimentos militares de ensino politécnico, é o conjunto que deve ser considerado. Por isso, depois de acrescentar a Academia Militar à enumeração do n.º 1 do artigo 1.º, o artigo 2.º deverá dizer, no n.º 1, "[o] conjunto dos EMESU é equiparado, para todo o processo de avaliação, às universidades públicas", e, no n.º 2, "[o] conjunto dos EMESP é equiparado, para todo o processo de avaliação, aos institutos superiores politécnicos públicos". Por isso, o n.º 3 dirá "[o]s conjuntos referidos nos números anteriores habilitar-se-ão à admissão nas entidades representativas do ensino universitário público e do ensino politécnico público". É irrelevante o facto de ali terem sido admitidos estabelecimentos individualmente.
O artigo 3.º, na redacção proposta, vem aumentar a complexidade, visto que enquanto no n.º 2 trata individualmente cada estabelecimento, habilitando cada um à inscrição nas entidades representativas, agora, no artigo 3.º, dá unidade a cada conjunto de EMESE e EMESP, de cada ramo das Forças Armadas, que também terão um representante na entidade representativa e nos conselhos de avaliação das entidades representativas a que venham a pertencer, cada chefe de estado-maior nomeando os seus. Se este critério fosse admitido para as universidades públicas e institutos superiores politécnicos públicos, o sistema ficaria paralisado. Esta proposta é contrária à perspectiva de avaliação global do sistema português de ensino, que tem sido dinamizada pelo CRUP, que tem expressão na legislação vigente, e deu provas de realismo. É também contrário ao princípio da articulação em rede, e circulação entre os subsistemas, pelo que a disposição deve ser reformulada em termos de serem os conjuntos e o Conselho de Chefes, a serem considerados e a intervir.
Finalmente, a equiparação dos conjuntos às universidades e aos institutos superiores politécnicos para fins de avaliação não lhes confere essa natureza para todos os efeitos, o que resultaria sim da criação da Universidade das Forças Armadas, cujo projecto caducou. É por isso que parece mais de acordo com a realidade actual que, no artigo 5.º, os n.os 1 e 2 prevejam um representante de cada conjunto, e não de cada ramo, junto do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) e do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos.
O texto seria o seguinte:
"Artigo 1.º
1 - Os estabelecimentos militares de ensino superior de modelo universitário (EMESU), para os fins do presente diploma, são a Escola Naval, a Academia Militar, a Academia da Força Aérea, o Instituto Superior Naval de Guerra, o Instituto de Altos Estudos Militares e o Instituto de Altos Estudos da Força Aérea.
2 - Os estabelecimentos militares de ensino superior de modelo politécnico (EMESP), para os fins do presente diploma, são a Escola de Tecnologias Navais, a Escola Superior de Saúde Militar, o Instituto Militar dos Pupilos do Exército - Secção de Ensino Superior, a Escola Superior Politécnica do Exército e a Escola Superior de Tecnologias Militares Aeronáuticas.
Artigo 2.º
1 - O conjunto dos EMESU é equiparado, para todo o processo de avaliação, às universidades públicas.
2 - O conjunto dos EMESP é equiparado, para todo o processo de avaliação aos institutos superiores politécnicos públicos.
3 - Os conjuntos referidos nos números anteriores habilitar-se-ão à admissão nas entidades representativas, do ensino universitário público e do ensino superior politécnico público.
Artigo 3.º
1 - Compete ao Conselho de Chefes de Estado-Maior designar os representantes dos EMESU e dos EMESP nas entidades representativas, nos termos dos respectivos estatutos.
2 - Os representantes referidos no número anterior serão designados de entre oficiais ou professores civis em exercício num dos estabelecimentos militares representados.
Artigo 4.º
1 - As comissões externas de avaliação previstas na alínea a) do artigo 13.º do Decreto-Lei 205/98, de 11 de Julho, incluirão individualidades de reconhecido mérito na área específica do ensino militar, quando apropriado.
2 - Os critérios de avaliação previsto na alínea c) do artigo 13.º do Decreto-Lei 205/98, de 11 de Julho, atenderão à especificidade do ensino militar, quando apropriado.
Artigo 5.º
1 - Junto do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) haverá um representante do conjunto dos EMESU das Forças Armadas, designado de entre oficiais generais ou superiores em exercício num dos EMESU.
2 - Junto do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos haverá um representante do conjunto dos EMESP das Forças Armadas, designado de entre oficiais generais ou superiores em exercício num dos EMESP.
3 - Compete ao Conselho de Chefes de Estado-Maior designar os representantes referidos nos números anteriores."
Este parecer foi aprovado por maioria.
Lisboa, 28 de Setembro de 2000. - O Presidente, Adriano Moreira.
Declaração de voto. - 1 - Voto contra o parecer favorável à manutenção do artigo 1.º do projecto de decreto-lei que visa integrar as escolas militares no sistema de avaliação do ensino superior, uma vez que tal determinação viola a lei de ordenamento do ensino supeiror e a lei de organização do sistema de avaliação do ensino superior.
2 - Salvo melhor opinião, o documento deveria restringir-se à definição do modelo de integração das escolas militares no sistema nacional de avaliação. Com efeito:
A natureza universitária ou politécnica é matéria a analisar nas definições de rede e nos diplomas necessárias ao desenvolvimento da "Lei do Ordenamento ...", recentemente aprovado pela Assembleia da República;
A integração no ensino universitário ou no ensino politécnico deverá ser tomada em função do perfil profissional dos diplomados e do modelo de formação adoptado e dos demais requisitos humanos e materiais subjacentes a cada um dos subsistemas. Implica, por isso, uma análise cuidada, tomada em instrumento legal próprio, e não uma decisão apriorística;
A natureza das instituições militares criadas está consagrada nos diplomas legais que as regem e a das novas instituições deverá ser consagrada nos diplomas instituidores;
As instituições de ensino superior enquadram-se no ensino universitário ou politécnico, pelo perfil profissional dos diplomados e pelo modelo de formação e não consoante fins específicos, deste ou doutro diploma. A sua integração no sistema de avaliação deverá fazer-se em função dessa natureza e não de outros quaisquer critérios.
3 - É igual e inequivocamente claro, em toda a legislação que define o modelo de avaliação - e que rege os seus intervenientes e as respectivas competências e que fixa procedimentos a adoptar - que o processo de avaliação:
Dos cursos de ensino universitário é conduzida pelos respectivos conselhos de avaliação e deve obedecer a guiões únicos, não só de avaliação interna como externa, e envolve comissões externas comuns;
Dos cursos de ensino politécnico é conduzido pelos respectivos conselhos de avaliação e deve obeceder a guiões únicos, não só na avaliação interna como na avaliação externa, e envolve comissões externas comuns.
4 - O entendimento é claro e não poderia ser outro para garantia da unidade, da equidade e da comparabilidade da análise. - Luís de Jesus Santos Soares.