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Parecer 3/2000, de 5 de Agosto

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Texto do documento

Parecer 3/2000. - Parecer sobre a "Proposta de reorganização curricular do ensino básico":

Preâmbulo

No uso da competência que lhe é conferida pela sua Lei Orgânica, republicada em anexo ao Decreto-Lei 241/96, de 17 de Dezembro, nos termos regimentais e a pedido do Governo, após apreciação do projecto de parecer elaborado pelos conselheiros Fernando de J. Regateiro, José Pacheco e Luís Filipe Santos, o Conselho Nacional de Educação, em sua reunião plenária de 14 de Julho de 2000, deliberou aprovar o referido projecto, emitindo, assim, o seu segundo parecer no decurso do ano de 2000.

Parecer

I - Introdução

1 - Por solicitação do Ministério da Educação, o Conselho Nacional de Educação analisou a "Proposta de reorganização curricular do ensino básico", remetida como documento de trabalho datado de Março de 2000. Esta proposta de reorganização curricular do ensino básico:

a) Apresenta "uma nova visão de currículo e novas práticas de gestão curricular";

b) Defende "um currículo nacional baseado nas competências e experiências educativas essenciais" a partir de uma noção de currículo ligada a três preocupações centrais relacionadas entre si - diferenciação, adequação e flexibilização;

c) Advoga uma perspectiva integrada de currículo e avaliação, em que a avaliação tenha como princípios a consistência, um carácter formativo e o rigor;

d) Aponta um papel central da escola e dos professores na gestão do currículo;

e) Propõe-se contribuir para a articulação entre os três ciclos do ensino básico e para a sua sequencialidade;

f) Adianta como aspectos inovadores a educação para a cidadania, a área de projecto e o estudo acompanhado como componentes obrigatórias do currículo;

g) Afirma como parte integrante do currículo, em todos os ciclos, a utilização das tecnologias da informação e da comunicação;

h) Defende como carga horária semanal para o 1.º ciclo um total de vinte e cinco horas e para o 2.º e 3.º ciclos uma carga que se deve manter próxima das trinta horas;

i) Propõe a organização dos horários de cada disciplina em blocos de noventa minutos;

j) Propõe um processo de avaliação mantendo como referência as aprendizagens e as competências.

2 - A "Proposta de reorganização curricular do ensino básico" em análise é de natureza global, surgindo na sequência do projecto "Reflexão participada sobre o currículo do ensino básico" iniciado em 1996 e vem ao encontro de necessários ajustamentos da reforma curricular consagrada pelo Decreto-Lei 286/89 e outros normativos posteriores (despacho 141/ME/90, sobre as actividades de complemento curricular, despacho 142/ME/90, sobre a área-escola, e despacho 98-A/92, sobre avaliação dos alunos).

É um documento de carácter genérico, em que são contempladas novas dimensões sobre as políticas curriculares para o ensino básico que podem vir a constituir-se em valor acrescido à referida reforma curricular, ao lançar novos desafios no quadro da tradição e da história do sistema educativo português, experimentados, aliás, no âmbito do projecto de gestão flexível do currículo iniciado no ano lectivo de 1997-1998. A avaliação das várias reformas educativas, aprovadas ao longo de décadas, evidenciou um grande desequilíbrio entre as disposições legislativas e a sua aplicação, sendo a falta de diversificação das ofertas uma das manifestações desse desequilíbrio.

3 - Sendo que "a mudança de práticas é de ordem e de uma lógica diferentes da mudança legislativa", a actual proposta terá o mérito de reabrir o debate sobre a escola que temos e, em particular, sobre o modo como se processa a gestão do currículo. Porém, as medidas propostas podem correr o risco de não transcenderem o quadro restrito de um modelo de escola cujo perfil e necessidades sociais de origem remontam a práticas do século passado, se a sua concretização legal não for ousada. Esta ousadia terá de se reflectir em múltiplas vertentes, entre as quais sobressaem as condições que vierem a ser criadas para a formação inicial e contínua dos professores, mas também no modo (necessariamente lato e propiciador de opções diversas) como forem definidos o âmbito e as formas de gestão da "Área de Projecto", "Estudo Acompanhado" e da "Direcção de Turma".

4 - Entre as mais-valias que se esperam com a reorganização curricular do ensino básico contam-se o combate ao insucesso e ao abandono escolar, uma maior atracção e personalização por parte da escola, a redução da natureza prescritiva actual, uma efectiva concretização da educação para a cidadania e a evolução da escola para a comunidade educativa.

5 - Como enquadramento geral para análise da proposta, caberá referir o quadro definidor de educação, na visão de António Sérgio, quando afirma que "educar significa [...] favorecer o crescimento da capacidade de racionalização, de espiritualização, de universalização, de superação dos limites vários que confinam o indivíduo numa pátria ou grupo, numa localidade ou época [...] o fim da educação é ela própria [...]".

A educação surge assim, também, como um espaço que comporta e impõe o respeito por uma dimensão pessoal e criativa, fomentadora da interioridade específica do ser humano, por excelência um espaço de cultura. No realce dado à cultura vista desta forma, sobressai a perspectiva de Bento de Jesus Caraça para quem "o homem culto faz do aperfeiçoamento do seu interior a preocupação máxima e fim último da vida".

Caberá também sintetizar as dimensões a atender num programa que sirva um novo paradigma da educação segundo o Grupo de Reflexão para a Educação e a Formação da Comissão Europeia (Reiffers et al., 1997):

a) O reconhecimento da dignidade e da centralidade da pessoa humana;

b) A cidadania social, os direitos e deveres sociais e o combate contra a exclusão;

c) A cidadania em paridade, ou seja, a rejeição de preconceitos discriminatórios devidos a sexo ou raça e a compreensão do valor da igualdade;

d) A cidadania intercultural, sabendo o valor da diversidade e da abertura a um mundo plural;

e) A cidadania através da ecologia.

Por último, parece oportuno referir as vertentes que actualmente são entendidas como pilares da educação - aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver em comum e aprender a ser -, sem esquecer a necessidade da educação ao longo da vida como contributo decisivo para o exercício de uma cidadania activa ao permitir a cada indivíduo a condução do seu destino num mundo onde a rapidez das mudanças se conjuga com o fenómeno da globalização, para modificar a relação que homens e mulheres mantêm com o espaço e o tempo (UNESCO, 1996).

6 - Para a Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE) e a Reforma do Sistema Educativo de 1989, a educação integral dos alunos era já o objectivo estratégico do projecto pedagógico, embora a realidade das escolas não tenha permitido a sua concretização em pleno. Por outro lado, mantém-se válida e actual a caracterização de que o papel nuclear da educação cabe ao desenvolvimento de atitudes e à consciencialização de valores, subordinando-se a aquisição de conhecimentos ao domínio de aptidões e capacidades que propiciem o desenvolvimento pessoal e social dos alunos. Mas, se as aprendizagens do domínio cognitivo não são suficientes para esgotarem as dimensões fundamentais da educação integral que o processo educativo pretende atingir, elas são indispensáveis para que o desenvolvimento de capacidades e competências não se faça no vazio. Os referenciais cognitivos são instrumentos fundamentais de leitura e compreensão do mundo que a escola deve proporcionar a todos, de modo a cumprir o seu papel subsidiário, em particular no que respeita à consolidação de conhecimentos essenciais que atenuem as desigualdades e a exclusão social.

7 - Adquirir e desenvolver competências e capacidades é naturalmente compatível com a apropriação de conhecimentos essenciais em ambiente caracterizado pela aplicação de metodologias capazes de envolverem os alunos na construção activa das suas aprendizagens. Será um "saber em acção", como defende a proposta agora em análise, quando ensaia uma nova noção de competência: "integra conhecimentos, capacidades e atitudes e que pode ser entendida como um saber em acção". Para atingir estes objectivos são necessários projectos pedagógicos que aliem as aprendizagens à educação na cidadania e para a cidadania.

8 - A apreciação da proposta desenvolveu-se considerando, sucessivamente:

a) A educação para a cidadania;

b) A gestão flexível do currículo;

c) A gestão flexível e a reorganização curricular;

d) O desenho curricular;

e) A gestão dos tempos escolares;

f) As áreas curriculares transversais: área de projecto, estudo acompanhado, direcção de turma;

g) As actividades de enriquecimento;

h) A avaliação das aprendizagens;

i) A formação de professores;

j) Conclusões e recomendações.

II - Educação para a cidadania

9 - Ao falar-se em educação para a cidadania dever-se-á retomar a perspectiva de que o aluno é, antes de mais, pessoa. A cidadania é a manifestação de uma relação interpessoal e de participação e responsabilidade na vida cultural, social, política e económica. Assim, a educação deverá centrar-se no aluno/cidadão enquanto pessoa.

Na educação em geral, e em particular na perspectiva da educação para a cidadania, a escola deve assumir a sua natureza subsidiária, em termos de se constituir como extensão do processo educativo centrado primariamente na família. Aliás, esta perspectiva é fundamental para a construção de uma escola entendida como comunidade educativa.

10 - A LBSE, ao estipular que o sistema educativo português visa "contribuir para a realização do educando, através do pleno desenvolvimento da personalidade, da formação do carácter e da cidadania, preparando-o para uma reflexão consciente sobre os valores espirituais, estéticos, morais e cívicos" e "assegurar a formação cívica e moral dos jovens" consagra um importante domínio da educação que, até então, se limitava ao nível do currículo oculto. Por isso, a LBSE prevê no seu artigo 47.º que "os planos curriculares do ensino básico incluirão em todos os ciclos e de forma adequada uma área de formação pessoal e social, que pode ter como componentes a educação ecológica, a educação do consumidor, a educação familiar, a educação sexual, a prevenção de acidentes, a educação para a saúde, a educação para a participação nas instituições, serviços cívicos e outros do mesmo âmbito".

Neste sentido, a educação escolar deve intervir sistemática e intencionalmente no processo de educação em valores e para os valores dos alunos porque este processo está, de facto, também ligado à vida escolar, quer ao nível das exortações, exemplos, expectativas e actividades, quer ao nível dos próprios programas (conteúdos, metodologias) e também ao nível da própria organização da escola. Nesta perspectiva, é o próprio Ministério da Educação que reconhece que "A instrução e a educação são indissociáveis, pois as condições em que se processa a instrução são portadoras de valores e indutoras de comportamentos" (Ministério da Educação, 1998, a p. 6).

11 - A proposta de reorganização curricular pode constituir um importante meio para desbloquear as dimensões ligadas à formação pessoal e social da reforma curricular de 1989 que, como sabemos, não foram implementadas ou cujos reflexos práticos no sistema educativo foram, até hoje, reduzidos. Destaca-se, por exemplo, as dificuldades relacionadas com a disciplina de Desenvolvimento Pessoal e Social (DPS). Apesar da sua criação datar de 1989, só em 1995, por exemplo, foi aprovado o programa de DPS para o 3.º ciclo do ensino básico, depois de ter estado em vigor uma versão experimental do mesmo desde o ano lectivo de 1991-1992 num reduzido número de escolas. A oferta da disciplina, quer no 2.º ciclo quer no 3.º ciclo, continua limitada a um número reduzido de escolas, uma vez que está condicionada à existência de professores com adequada formação para a sua leccionação. Nesse sentido, foi publicado o despacho 171/ME/93, que consagrava o modelo de formação de docentes com formação específica, substituído depois pelo despacho 25/ME/95, porque importava "criar as condições para um alargamento mais acelerado da oferta da referida disciplina", o que, aliás, não foi conseguido.

12 - O Programa de Educação Cívica para a Participação nas Instituições Democráticas, uma das vertentes da formação pessoal e social dos alunos ligada à educação cívica, contemplada no quadro da área-escola do 3.º ciclo do ensino básico da reforma curricular, também nunca viu concretizada a sua generalização, não tendo passado da aplicação experimental em algumas escolas, apesar da importância que lhe foi atribuída pela reforma curricular de 1989. Segundo o Decreto-Lei 286/89, a avaliação do aluno nesta matéria deveria ser considerada para a atribuição do diploma da escolaridade básica. Para este programa de Educação Cívica, as dificuldades não poderão ser atribuídas à falta de formação específica de professores, já que tal não era exigido pela legislação.

Face ao bloqueio verificado a nível da formação pessoal e social na escola portuguesa, o grupo parlamentar do Partido Socialista apresentou, em 1997, um projecto de lei para, como se refere nesse texto, se "definir com precisão os objectivos de um programa de educação para a cidadania a ser generalizado e concretizado em todo o 3.º ciclo do ensino básico, de forma efectiva e consequente" (grupo parlamentar do PS, 1997).

13 - O Documento Orientador das Políticas para o Ensino Básico (ME, 1998, a pp. 6-7) deixava antever, a este propósito, algumas das propostas vertidas no documento agora em apreço, ao afirmar então que "Assegurar a educação básica para todos significa também explicitar as dimensões cívicas de formação, para que a escola não se limite a reproduzir exemplos e contradições da vida social [...] Com efeito, a formação para a cidadania vive-se, experimenta-se, aprende-se em cada instante da vida escolar, sendo a educação cívica um dos eixos que dá sentido à integração e à utilização social dos saberes e do conhecimento". No mesmo documento defendia-se ainda a "consagração de tempos curriculares no horário semanal dos alunos", o que veio a ser proposto no projecto da gestão flexível do currículo do ensino básico, sob a forma de uma hora a ser coordenada pelo director de turma.

14 - Deve ser dada uma atenção sistemática à formação para a cidadania na escola, quer em módulos de todas as disciplinas, em presença transversal, quer em espaços e programas próprios. É, também, esta a linha de pensamento de instituições europeias que têm dado relevo fundamental às questões da educação, como é o caso do Conselho da Europa. Por isso tem editado estudos que dão corpo à reivindicação da existência de um espaço autónomo dedicado à educação para a cidadania. Os defensores desta perspectiva consideram, ainda, que ao pretender-se apenas disseminar a educação para a cidadania por todas as disciplinas, sublinhando só a sua dimensão transversal, se acabe por torná-la realmente invisível, pois cada um dos responsáveis educativos contará que os outros a desenvolvam.

III - Gestão flexível do currículo

15 - Apesar do edifício normativo construído na sequência da reforma curricular de 1989, não houve mudança significativa da escola concretizada no terreno. Casos pontuais de uma escola diferente terão resultado da conjugação do acaso, da boa vontade e de um sentido diferente de profissão de alguns professores que se "envolveram em projectos participados de reflexão e mudança". Apesar de raros, são exemplos do que é possível fazer com os normativos que a generalidade invoca como travões à diversificação da gestão flexível do currículo e atestam que a força essencial para a inovação reside nas pessoas quando para tal se determinam.

16 - Já era urgente, em 1989, interrogar a cultura de escola, a cultura pessoal e profissional dos professores e as suas consequências em qualquer processo de disseminação de inovações. Na sequência de outros preceituados legais, fê-lo também o despacho 4848/97, quando refere que "no sentido de apoiar as escolas na construção da sua autonomia, é necessário criar condições para a realização de uma gestão flexível do currículo nacional, em função dos contextos em que se encontram inseridas".

Um dos requisitos do projecto de gestão flexível era o da "organização do trabalho segundo formas diversificadas de registo, de divulgação e de avaliação do desenvolvimento do projecto, envolvendo no debate os professores e os pais, bem como outros intervenientes no processo educativo, quer da própria escola, quer de outras escolas da respectiva área pedagógica". Porém, a possibilidade de cada escola, dentro dos limites do currículo nacional, organizar e gerir de forma autónoma todo o processo de ensino/aprendizagem só teria plena concretização quando articulada com um projecto educativo. Um projecto deste tipo deveria ser gerador de mudanças organizacionais, que apenas farão sentido se incluírem mudanças de fundo no quotidiano da escola e não somente alterações pontuais que não afectem o essencial. No entanto, o encontro de respostas adequadas aos alunos e contextos concretos com que os professores trabalham diariamente implica o empenho dos demais membros da comunidade educativa com especial relevância para os professores, na certeza de que "a gestão flexível não se decreta", como se afirma no preâmbulo da actual proposta.

17 - Outras dificuldades para a gestão flexível poderão advir da actual organização da escola ao alicerçar-se:

Na hegemonia de uma lógica de ensino que não respeita os princípios gerais da aprendizagem consignados no Decreto-Lei 286/89;

Numa avaliação selectiva contrária ao disposto no Despacho Normativo 98-A/92;

Em tempos lectivos iguais para todos;

Na divisão dos alunos em turmas olhadas como um grupo homogéneo;

Na segmentação em ciclos e anos de escolaridade;

Em aulas suportadas em planos estandardizados dirigidos para o aluno médio;

Numa lógica disciplinar (mau grado o apelo às áreas disciplinares) e que remete os professores para um isolamento físico e psicológico à de um sentimento de auto-suficiência em tudo contrários à ideia de cooperação e de projecto;

Em "projectos educativos" que não ultrapassam por vezes o domínio da intenção e do senso comum pedagógico.

18 - O voluntarismo de algumas escolas deve ser realçado. Mas o entusiasmo, por si só, não é suficiente. Um projecto de escola que englobe a gestão flexível do currículo, pressupõe auto-iniciativa, o que não se restringe à adesão a propostas ministeriais. De uma forma veemente, exige a reinterpretação das propostas, uma reflexão permanente e avaliação. Por outro lado, implica a necessidade de ultrapassar o hábito da interpretação técnica de directrizes e da adesão linear a matrizes importadas, em detrimento da iniciativa das escolas.

19 - A autonomia pedagógica, nomeadamente através da elaboração de projectos educativos, é também condição de flexibilização curricular, para que os professores ajam mais como produtores que como consumidores de currículo. A presente proposta ao referir que são criadas "tanto no ensino básico como no ensino secundário, as condições para que as escolas elaborem os seus projectos educativos, no quadro da respectiva autonomia" vem ao encontro desta necessidade. Contudo, nas escolas actuais, a funcionarem ainda como espaços justapostos quase sem actividades comuns, será possível conciliar a ideia de uma reorganização curricular e de construção e cumprimento de projecto educativo com a ausência de tempos e espaços de encontro de docentes nas escolas, provocada por diferentes componentes lectivas, reduções ou acumulações e com um sistema de colocações de professores que não estabiliza o corpo docente?

20 - A proposta de constituição de equipas pedagógicas prefigura um novo e em tudo diferente papel para o professor, já que a ausência de trabalho de equipa é um obstáculo à mudança. A reorganização local do currículo implica a institucionalização de uma cultura de cooperação e de verdadeiros projectos educativos nas escolas. A presente proposta ao ter em consideração estes aspectos deverá concretizar formas de organização que disponibilizem horários dos docentes com tempos comuns.

IV - Gestão flexível e reorganização curricular

21 - Os resultados do projecto de "gestão flexível" que antecedeu a presente proposta devem merecer uma atenção particular, na perspectiva de que a gestão flexível constitui o terreno e a "guarda avançada" da reorganização curricular. Assim, a experiência acumulada pela gestão flexível deverá ser um dos suportes para evitar dificuldades e erros já detectados e ultrapassados, através da acção formativa dos docentes que viveram previamente esta experiência.

22 - Será prudente que o processo de implantação da reorganização curricular seja monitorizado em contínuo por um grupo de avaliação externa e que os resultados dessa avaliação sejam periodicamente reflectidos em alterações que neutralizem dificuldades ou bloqueios.

Antes da generalização deverá ter lugar uma avaliação global da experiência acumulada. Só então, face à extensão maior ou menor dos ajustamentos a introduzir, deverá ser tomada uma decisão sobre o momento da generalização, não deixando de lado a hipótese de alterar a calendarização inicialmente avançada para poder responder com eficácia às exigências do processo.

23 - A presente proposta de reorganização curricular procura contribuir para a articulação entre os três ciclos do ensino básico e para melhorar a sua sequencialidade. Com base nesta intenção e no espírito da LBSE e dos normativos que instituíram a reforma curricular em vigor, parece-nos ser o momento para aprofundar na educação básica a complementaridade e a sequencialidade entre os ciclos conducentes à integração longitudinal.

A compartimentação estanque entre ciclos que tem vigorado é uma manifestação do paradigma mecanicista que urge corrigir dadas as rupturas traumáticas que origina nos alunos, que não transitam entre ciclos de um mesmo ensino básico mas entre comunidades escolares diferentes.

24 - A sequencialidade regressiva, por seu turno, permite que o ensino secundário determine e perverta os objectivos do ensino básico (que deveria ser considerado autónomo) contribuindo para a elitização académica e o insucesso escolar fomentadores de discriminação e de exclusão social. Assumindo a opinião dos professores quando afirmam que a "articulação é pertinente", "a articulação deve existir", "é necessária", é "fundamental para a unidade da educação básica" (ME, 1998a, a p. 15), parece-nos ser este o momento oportuno para contrariar o predomínio da justaposição formal entre ciclos. Para atingir este objectivo será necessário promover, através da legislação a aprovar e de adequada formação, práticas destinadas a anular os sucessivos desenraizamentos culturais a que os alunos são submetidos nas idades vulneráveis em que frequentam o ensino básico.

25 - Este momento legislativo poder-se-á ainda constituir numa oportunidade para fomentar iniciativas geradas pelas comunidades escolares que conduzam a mudanças nas práticas de gestão curricular e nos modos de organização e funcionamento das escolas.

Na verdade, a assunção pela presente proposta de que "a deficiente articulação entre os três ciclos do ensino básico tem constituído um dos aspectos mais negativos do nosso sistema educativo" e que "aos 10 anos de idade os nossos alunos passam a ter um grande número de professores e de disciplinas separadas, assim como uma carga horária semanal baseada quase exclusivamente em sequências de aulas, sem que a isso correspondam mais e melhores aprendizagens" deverá influenciar a letra e o espírito da lei, de modo que sejam fomentadas formas de disseminar experiências bem sucedidas nas quais tenha havido bons resultados no propósito de erradicar a segmentação em ciclos e anos. Com igual objectivo, dever-se-á caminhar progressivamente para a institucionalização das áreas interdisciplinares no 2.º ciclo conforme o estipulado na LBSE, podendo, nesta fase, como tem acontecido em muitas escolas envolvidas no projecto da gestão flexível do currículo, atribuir a um professor a leccionação de, pelo menos, duas disciplinas, respeitando, aliás, o disposto no mapa em vigor das habilitações dos professores.

26 - Por outro lado, "para contrariar uma excessiva uniformização da acção pedagógica e um empobrecimento dos conteúdos e metodologias dominantes", deverá ser tido em atenção o efeito frequentemente nefasto dos manuais ordenados por anos e iguais para todos os alunos. Quando os manuais se constituem, como frequentemente acontece, em único elemento estruturador do trabalho na sala de aula e, concomitantemente, em obstáculo a uma reflexão que suscite mudança, contribuem para transformar os professores em consumidores de currículo e para que se mantenha a confusão entre manual e programa. A alteração desta situação implicará, entre outras acções, que haja formação contínua de professores adequada às exigências das propostas de reorganização. Aliás, a formação inicial com estágios "viciados" por planos de aula (iguais para todos os alunos) e subordinados ao uso de manuais (iguais para todos os alunos), não estará também isenta de culpa.

27 - É importante o debate em torno dos programas, mas tão importante como a definição de uma matriz de aprendizagens, é o modo como essas aprendizagens são desenvolvidas. A tónica não deve ser posta apenas na extensão e nos conteúdos dos programas, mas no modo como se gere um currículo. A "insuficiência das aprendizagens e competências" deverá ser atribuída mais às opções metodológicas do que à dimensão do programa. Por outro lado, a avaliação formativa, com carácter contínuo e sistemático, deverá ser acentuada.

Por isso, o problema central será mudar o modo como se concebe e desenvolve o currículo, sendo que a mentalidade curricular tarda em ocupar o espaço da especialização disciplinar. Se a compartimentação disciplinar contraria a emergência de verdadeiros projectos educativos, a preocupação de cumprir o programa faz prevalecer a lógica do ensino em detrimento da lógica das aprendizagens e pode originar caricaturas de flexibilização curricular ao preocupar-se sobretudo com a distribuição dos tempos lectivos, a recolocação ou supressão de conteúdos, o maior ou menor peso das diferentes disciplinas. A sobrevalorização das áreas "nobres" (Língua Portuguesa e Matemática) no 1.º ciclo, em detrimento, por exemplo, das chamadas áreas das expressões, são um reflexo do enviezamento da lógica das aprendizagens e um empobrecimento da formação global do aluno.

28 - O 1.º ciclo do ensino básico está pouco presente na proposta de reorganização. Parece aconselhável a clarificação das formas de articulação do regime de monodocência com a coadjuvação de professores em áreas especializadas neste ciclo do ensino básico.

A complexidade da gestão da rede do 1.º ciclo do ensino básico, quer no domínio administrativo quer no pedagógico, requer uma maior atenção específica no diploma legal a emergir desta proposta de trabalho, e não apenas uma adaptação dos normativos desenhados para os restantes segmentos do ensino básico.

V - O desenho curricular

29 - A presente proposta tem potencialidades para promover a emergência de processos de mudança. Contudo, a sua concretização pode vir a ser afectada e desvirtuada pelas leituras que o tipo de cultura predominante nas escolas permite fazer, uma vez que não prevê o acompanhamento, os apoios e a avaliação que possibilitem mudanças, ainda que ousadas.

O seu articulado deverá contemplar e fomentar situações que levem as escolas a concretizar a integração das novas áreas num tipo de organização curricular que possa, eventualmente, dispensar os horários rígidos, os agrupamentos rígidos de alunos, ou outras formas tradicionais de organização da escola, de forma que contrarie a cristalização das inovações agora propostas e assegure efectivamente a transversalidade dos objectivos das novas áreas.

O enunciado de princípios é coerente com o que cientificamente se considera consensual no domínio da teoria do currículo e das ciências da educação em geral. Porém, se as "novas áreas" não forem entendidas pelas escolas como simples patamares para a introdução de profundas alterações na sua organização curricular, aquilo que constitui uma das virtudes deste documento poderá, simultaneamente, vir a anular a sua eficácia, pela possibilidade de cristalização em redor do mosaico de disciplinas, dos tempos lectivos (de quarenta e cinco ou de noventa minutos), da distribuição de alunos por turmas, de aulas "dadas" por manual e iguais para todos, de uma avaliação em nada tributária de uma aprendizagem diversificada.

30 - Porque se entende que, conforme com o pensamento de Agostinho da Silva, "a escola há-de ser assente em princípios bem diferentes daqueles em que se baseia a escola actual e com uma orgânica totalmente diversa", é necessário que a passagem da proposta a letra de lei incorpore fórmulas que abram as portas à diversificação e a possibilidade de construção de uma escola para os saberes sem esquecer os valores e a pessoa.

31 - A referência no enunciado de princípios de que "o projecto curricular de turma é um elemento central da gestão do currículo", apesar de positiva no contexto da tradição centralista e uniformizadora do sistema educativo e da mentalidade dominante na escola portuguesa, não pode dispensar a chamada de atenção para a necessidade de salientar a centralidade da pessoa (aluno/cidadão) na definição da actividade educativa e na vida escolar.

Há, de facto, que questionar a crença em "turmas homogéneas" como realidades holísticas que podem ser geradas para além da diversidade real dos seus membros: os alunos. Urge, também, promover a pessoa e interrogar as práticas de leccionação voltadas para o aluno modelo, normalizado, para o qual o plano de aula será a forma adequada de abordagem em contraposição ao plano personalizado para cada aluno. Deseja-se que o decreto-lei que há-de resultar desta proposta de trabalho não deixe de reflectir esta visão e venha contribuir para que os professores organizem as intervenções em função de cada aluno.

Para que o sucesso escolar e a discriminação positiva quando necessária sejam uma realidade, é nosso entendimento que a centragem na turma deverá ser entendida como uma etapa no caminho para a centragem no aluno. Aliás, a não ser assim, haveria uma contradição com a assunção de que "este processo requer uma flexibilização muito grande, sendo incompatível com orientações e quadros de actuação rígidos e uniformes", já que "as dificuldades de aprendizagem com que as escolas e os professores se confrontam são, na sua grande maioria, inerentes ao próprio processo de ensinar e aprender".

32 - A centralidade do processo educativo na pessoa do aluno não deverá, contudo, promover uma consciência autocentrada. Deverá ficar claro, em consequência do processo educativo, que o aluno/cidadão se deve relacionar e interagir com o meio através de regras de convivência interpessoal e de uma consciência viva sobre o valor da solidariedade para com o futuro.

33 - O desenho curricular como é apresentado deverá ser visto como um dos desenhos possíveis no momento actual e não como um espartilho que, mesmo no momento actual, venha a inviabilizar ou limitar a capacidade de inovação e criação das comunidades educativas. Na perspectiva gradualista que deve estar subjacente à proposta de um desenho curricular, este deve ser entendido como um quadro para a reorientação necessária em cada etapa de evolução desse mesmo desenho curricular.

O desenho curricular deve ser objecto de reinterpretação e apropriado pelas escolas em função do seu projecto educativo, do regime de autonomia e da forma como se desenvolve a construção da comunidade assente na realidade de cada escola.

O desenho curricular deve manter-se e ser considerado válido, enquanto permitir novos avanços e novos ganhos de funcionalidade escolar e não para fixar formas de gestão curricular. Haverá, na liberdade que o desenho curricular assim concebido concede, sementes de diversidade. Como limite a esta liberdade, restará apenas o estrito cumprimento dos objectivos essenciais do ensino básico.

34 - Para fomentar o estudo teórico sobre currículo e desenvolvimento curricular, para a dinamização, o acompanhamento e a avaliação de experiências diversificadas de desenvolvimento curricular, e ainda para que haja um corpus de saberes especializados que possam fundamentar e responder às constantes dificuldades sentidas nesta área das ciências da educação, sugere-se a criação de um instituto de desenvolvimento curricular reafirmando anterior posição expressa, já no ano de 2000, no parecer do CNE sobre a revisão curricular do ensino secundário.

Este instituto, de natureza autónoma, deverá ser dotado de capacidades técnicas e humanas que possibilitem a investigação teórica e prática e que permitam apoiar iniciativas das escolas que ele converterá em experiências de diversificação e ou desenvolvimento curricular cientificamente apoiadas, para que o empirismo dê lugar a resultados que possam em momentos oportunos ser aplicados e disseminadas a partir da consideração da sua validade científica.

VI - Gestão dos tempos curriculares

35 - Em anterior parecer do CNE (1990, a p. 582) afirmava-se que "não há turmas ou classes, há alunos" e que "a execução dos programas e das estratégias de ensino-aprendizagem no sentido do atendimento individualizado [...] vai exigir uma nova organização dos espaços e dos tempos de ensino" e que, por outro lado, "as propostas de solução [...] apresentam sempre duas exigências de actuação: uma nova organização escolar, orientada para a flexibilização na constituição dos grupos de ensino, e a actuação globalizante dos docentes organizados em equipas educativas". É nesta perspectiva que analisámos as alterações propostas em termos de tempos curriculares.

No que respeita à divisão em períodos de quarenta e cinco e de noventa minutos, importará salvaguardar uma gestão que permita a mudança de práticas pedagógicas centrada na escolha que cada escola fará em função do projecto educativo de turma. Neste processo deverão entrar em consideração as variáveis de índole pedagógica associadas aos ambientes de trabalho na escola, ao tipo de actividade, à natureza das aprendizagens e às necessidades e sensibilidades dos alunos. O fomento do ensino "experimental" parece também surgir como uma das consequências positivas da adopção de períodos lectivos diferenciados de noventa minutos.

As escolas deverão poder optar pela organização do tempo lectivo que mais se adequar à realidade vivida, evitando-se uma nova padronização, já que não será uma nova padronização dos tempos lectivos que provocará o aparecimento de novas práticas, mas serão, certamente, as novas práticas que conduzirão a uma nova gestão dos tempos lectivos.

Em relação à opção por períodos de noventa minutos, poder-se-ão antecipar como vantagens a possibilidade de contrariar o método expositivo, a indução de práticas activas, o fomento de novas formas de construir a escola. A diversidade dos períodos lectivos, em associação com o estudo acompanhado poderá funcionar como um recurso eficaz para reorganizar as formas de trabalho escolar, bem como as formas de estudar e de aprender.

Por outro lado, os alunos para quem a leccionação decorra em períodos de noventa minutos serão submetidos diariamente a uma menor dispersão de matérias, com vantagem para o processo de aprendizagem (a par de uma menor carga de material escolar a transportar entre a sua residência e a escola).

36 - A distribuição dos tempos lectivos atribuídos globalmente às áreas transversais deverão ser objecto de gestão diferenciada por cada escola e pelas turmas, o que implica ausência de padronização a nível nacional. As opções deverão obedecer às necessidades específicas ditadas pelos alunos e pelo projecto educativo.

Deverão ainda ser reconhecidos o interesse e a necessidade de uma gestão diferenciada dos tempos atribuídos a cada área transversal, no decurso de cada ano lectivo, consoante as solicitações maiores ou menores que forem identificadas no decurso da leccionação. No caso do 1.º ciclo, esta gestão deverá obedecer a uma configuração que neutralize a compartimentação disciplinar.

37 - Em relação aos horários dos professores, é nosso entendimento que o sucesso da actual proposta de reorganização curricular implica uma gestão diferente do horário dos docentes, de modo a contemplar a inclusão de tempos comuns, para que o conjunto dos professores de cada turma possa ajustar, em reunião, os procedimentos associados à consecução do projecto curricular da turma. Permitirão também identificar necessidades e dificuldades individuais dos alunos e planear estratégias pedagógicas adequadas à sua superação.

VII - Áreas curriculares transversais

38 - A proposta de reorganização curricular, ao introduzir um conjunto de novas áreas curriculares transversais (área de projecto, estudo acompanhado e direcção de turma) ao mesmo tempo que defende uma nova visão do currículo e práticas de gestão curricular, pode permitir que, contrariamente ao que aconteceu com a reforma curricular de 1989, a inovação curricular assuma uma dimensão sistémica.

VII.1 - Área de projecto

39 - A criação da área de projecto como componente obrigatória do currículo em todos os ciclos do ensino básico com o "objectivo de envolver os alunos na concepção, realização e avaliação de projectos, permitindo-lhes articular saberes de diversas áreas disciplinares em torno de temas de pesquisa ou de intervenção", conforme se estipula na proposta de reorganização curricular do ensino básico, com um tempo próprio no horário dos alunos do 2.º e 3.º ciclos, coordenado por dois professores, constitui um aspecto positivo em relação ao que ficou consagrado para a área-escola na reforma de 1989. Aliás, também aqui a proposta actual se aproxima das opiniões expressas no parecer 6/89 do CNE (1990), ao defender a necessidade de dotar a área-escola de carga horária própria.

40 - A necessidade de elaborar orientações curriculares gerais para enquadrar a área de projecto e, assim, proporcionar um conhecimento e caracterização da mesma para uso das escolas não deverá conduzir a uma regulamentação pormenorizada e exaustiva como ocorreu em relação à área-escola. De facto, nos anexos incluídos no despacho que regulamenta a área-escola, a autonomia pedagógica que, a esse nível, se outorgou às escolas foi reduzidíssima. Contrariamente ao estipulado no seu preâmbulo, houve uma excessiva regulamentação da área-escola, o que não permitiu que esta constituísse "um estímulo permanente à iniciativa do estabelecimento de ensino, permitindo-lhe assumir progressivamente novas competências, nomeadamente nos domínios da gestão dos currículos, programas e actividades educativas [...] como expressões concretas da autonomia pedagógica" (despacho 142/ME/90). A dependência dos projectos interdisciplinares da área-escola em relação aos conteúdos programáticos das disciplinas envolvidas foi, também, uma limitação da autonomia e da livre participação dos alunos e da própria natureza da metodologia de projecto. Condicionar os projectos da área-escola aos conteúdos programáticos dificultou a elaboração de um projecto de intervenção social e a obtenção de uma produção útil à comunidade conforme pressupõem os princípios desta metodologia. A consciência do efeito nefasto do excesso de regulamentação em relação à área-escola deverá, por isso, determinar outra atitude na preparação das orientações curriculares sobre a área de projecto, circunscrevendo-as ao essencial, de modo a que a escola e os seus intervenientes possam apropriar-se deste espaço e, de acordo com linhas gerais orientadoras, proceder ao seu desenvolvimento em função das especificidades de cada comunidade escolar e dos interesses dos alunos.

41 - Os desafios levantados pela gestão e organização do espaço e do tempo em função das novas dimensões educativas contempladas na proposta de reorganização curricular impõem mais uma vez o desenvolvimento e a generalização da formação contínua de professores para evitar impedimentos à sua concretização.

VII.2 - Estudo acompanhado

42 - Na nossa perspectiva, o estudo acompanhado deve contribuir para a aquisição de competências transversais que a escola dificilmente assegura com a compartimentação disciplinar actual e a manutenção de programas extensos e homogéneos (sem componente local).

Embora o estudo acompanhado compartilhe os seus objectivos com os objectivos específicos de outras disciplinas, é de esperar que a sua existência possa trazer valor acrescentado a áreas de trabalho escolar que comportem actividades como aprender a estudar, saber como elaborar um trabalho individual ou de grupo, aprender a fazer sínteses, aprender a procurar, seleccionar e utilizar informação (incluindo a prática de utilização das técnicas de informação e comunicação). Estará, fundamentalmente, em causa o fomento da autonomia do aluno.

43 - A este propósito, deverá realçar-se o risco de o estudo acompanhado evoluir para um reduto disciplinar fechado, numa interpretação contrária à filosofia que parece presidir à sua instituição, em contraposição ao objectivo maior de se constituir em espaço privilegiado para servir estrategicamente a alteração de práticas pedagógicas nas diversas disciplinas e áreas disciplinares. A intensificação do ensino experimental e prático poderá também estar entre as consequências positivas do funcionamento do estudo acompanhado.

Outra mais-valia, não menos significativa, poderá consistir num melhor cumprimento da missão da escola no que respeita à promoção da igualdade de oportunidades, com reflexos positivos na redução do abandono da escolaridade obrigatória e o consequente ingresso precoce na vida activa e no combate à exclusão social.

Dada a falta de prática na gestão deste espaço lectivo e para evitar utilizações não consentâneas com os seus objectivos, deverá haver lugar à definição de orientações curriculares genéricas, sem prejuízo do fomento da diversificação que se deseja e espera na gestão deste tempo curricular. Nessas orientações curriculares dever-se-á, por isso, clarificar e enquadrar o tipo de actividades que se pretende realizar e os objectivos e modos de trabalho a privilegiar.

VII.3 - Direcção de turma

44 - Ao considerar que a educação para a cidadania é uma componente do currículo que atravessa todos as disciplinas e áreas do currículo (dimensão transdisciplinar) e se manifesta em todas as situações vividas na escola, sem prejuízo de um tempo acrescido e obrigatório para todos os alunos, a actual proposta de reorganização curricular do ensino básico não só mantém a visibilidade de uma importante dimensão da educação já consagrada na LBSE e no Decreto-Lei 286/89, como se aproxima das propostas que o CNE (1990) fez sobre esta questão no seu parecer 6/89, nomeadamente quando manifestava concordância com a criação de um tempo curricular próprio para a formação pessoal e social, independentemente do entendimento transdisciplinar da mesma.

O CNE considerava, aliás, que esse tempo curricular próprio, sem se confundir com a criação de uma disciplina específica, seria um meio de contornar a própria dificuldade que, em cada disciplina, se encontraria para atingir os objectivos que ultrapassam os do domínio disciplinar específico. O CNE defendia, então, que a formação pessoal e social dos alunos se desenvolve, também, no âmbito da organização global da escola e da própria metodologia da organização do processo de ensino/aprendizagem, o chamado sistema ecológico escolar.

A educação em valores e para os valores é feita pela acção, sendo a vivência e a reflexão que levam à sua adopção. A institucionalização de um espaço lectivo, para todos, em que essa prática se questione e se fundamente, para além da transversalidade, surge como uma necessidade inquestionável. Este tempo de fundamentação e questionamento deverá abrir horizontes para a pluralidade de opções, de acordo com a alínea a) do n.º 3 do artigo 2.º da LBSE, quando estipula que "o Estado não pode atribuir-se o direito de programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas". No entanto, esta função do Estado deverá ocorrer pelo exercício do dever de proporcionar os ambientes para a construção e clarificação de um sistema de valores próprio que, contudo, recuse a neutralidade axiológica ou o relativismo ético. É, também, neste contexto que, sem prejuízo do respeito pelo princípio da não confessionalidade da escola pública, conforme prescreve a LBSE (artigo 2.º), ganha sentido o ensino da Educação Moral e Religiosa (católica ou de outra confissão) em que a formação moral e religiosa, enquanto dimensão da formação pessoal e social da responsabilidade das famílias e dos alunos, possa constituir um valor acrescido na sua formação. Neste sentido, mantém-se válido o principio que, através do Decreto-Lei 286/89 levou à integração da disciplina optativa de Educação Moral e Religiosa nos planos de estudo.

45 - Dada a relevância de um tempo curricular, para todos os alunos, dedicado à educação para a cidadania e pelas razões já previamente enunciadas, preocupa-nos a sua atribuição à "direcção de turma", embora esteja também subjacente à proposta a transversalidade da educação para a cidadania. A própria designação não nos parece a mais adequada, já que o professor mais indicado para leccionar este tempo curricular poderá não ser, por regra, o director de turma. Para designação deste tempo curricular sugere-se "educação para a cidadania" como, aliás, está contemplado no despacho 9590/99 que regulamenta o projecto da gestão flexível do currículo.

Acresce à eventual dificuldade anterior, o risco de este tempo vir a ser absorvido por tarefas e finalidades que não contemplem a educação para a cidadania, correndo o risco de vir a ser uma extensão do tempo administrativo da direcção de turma Ao docente encarregado deste tempo acrescido e autónomo de educação para a cidadania deveria caber também a coordenação dos contributos oriundos da abordagem transversal desta área educativa de modo a viabilizar a abordagem e a reflexão das componentes previstas no n.º 2 do artigo 47.º da LBSE.

46 - Pela relevância da educação para a cidadania como tempo curricular comum, deverá haver um especial cuidado na definição genérica do que são os objectivos e, em particular, as metodologias de trabalho a desenvolver neste tempo curricular, mostrando-se igualmente necessária a elaboração de orientações curriculares. Entre os tópicos a incluir nas orientações deverão constar os que foram identificados na LBSE para a área de formação pessoal e social, bem como as dimensões da ética e da religião no contexto das civilizações e as culturas.

VIII - Actividades de enriquecimento

47 - As actividades de complemento curricular foram, desde a LBSE, consideradas fundamentais para a formação integral e a realização pessoal dos alunos. Por isso, se lhes atribuiu como objectivos "o enriquecimento cultural e cívico, a educação física e desportiva, a educação artística e a inserção dos educandos na comunidade" (LBSE, artigo 48.º). O decreto da reforma curricular que as definiu como actividades "de carácter facultativo e natureza eminentemente lúdica e cultural" (Decreto-Lei 286/89, artigo 8.º) e a sua posterior regulamentação pelo despacho 141/ME/90 permitiu distingui-las das antigas actividades extracurriculares que as antecederam e isso reflectiu, também, as novas concepções de desenvolvimento curricular da reforma educativa de 1989.

48 - Esta proposta de reorganização curricular para o ensino básico, apesar de incluir uma referência a actividades de enriquecimento no desenho curricular de cada um dos três ciclos do ensino básico, não salienta o relevo que este tipo de actividades deve ter na escola básica. Efectivamente, como refere a LBSE, estas actividades de complemento ou enriquecimento curricular irão contribuir, em conjunto com as actividades curriculares alicerçadas em novas práticas, para centrar o processo formativo nos alunos e corresponder melhor aos seus interesses e motivações, favorecendo, simultaneamente, a ligação da escola ao meio local.

É de salientar, ainda, o facto das actividades de complemento curricular, concretizadas, na maior parte das vezes, nos clubes escolares - desde que se desenvolveu o projecto da escola cultural por iniciativa do Instituto de Inovação Educacional no ano lectivo de 1987-1988 -, terem contribuído para o desenvolvimento da interdisciplinaridade e para a criação de hábitos de trabalho em grupo por parte das equipas educativas. Afinal, este tipo de actividades implicará um modo de trabalhar que será muito útil aproveitar para a Área de Projecto, em particular, ou para o desenvolvimento das novas formas de trabalho cooperativo entre os professores que esta proposta pretende valorizar e incentivar, não deixando, assim, de reflectir um entendimento de que o currículo não se esgota nas componentes obrigatórias, reconhecendo que as escolas podem desenvolver outras actividades de enriquecimento curricular.

Urge, portanto, dar maior destaque às actividades de enriquecimento, nos documentos e normativos legais que vierem a ser publicados, mostrando-se, também, necessário, a este nível, a publicação de orientações curriculares gerais que possam enquadrar este tipo de actividades educativas. O anterior despacho 141/ME/90 pode constituir uma boa base de trabalho, embora deva ser aligeirada a sua carga normativa e prescritiva de modo a proporcionar às escolas maior autonomia pedagógica e liberdade de iniciativa.

IX - Avaliação das aprendizagens

49 - A reorganização curricular deverá conduzir a uma inversão da situação actual no que concerne à prática de uma avaliação excessivamente centrada na sua componente sumativa e frequentemente confundida com o acto de classificar. Na verdade, a modificação que se espera nestes procedimentos vai depender essencialmente da sua compreensão e apropriação pelos docentes, uma condição essencial para pôr em prática uma avaliação efectivamente formativa (contínua, sistemática, centrada em processos educativos, participada, individualizada e alinhada com a aprendizagem), de acordo com o espírito e a letra do despacho 98-A/92.

O que está efectivamente em causa é a necessidade de ultrapassar o divórcio actual entre currículo e avaliação, devendo esta constituir-se em processo de promoção de estratégias individualizadas de fomento das aprendizagens. A sua finalidade formativa terá, assim, uma expressão superior do seu interesse, ao ultrapassar-se como meio de selecção e ao servir como instrumento para combater o abandono escolar e promover iniciativas da escola dirigidas para a prática de discriminação positiva dirigida aos alunos com maiores carências educativas.

50 - Com as adequações que a experiência recolhida vier a recomendar (e sem necessidade aparente de virem a ser confundidas ou modificadas no sentido dos exames tradicionais), as provas de aferição poderão vir a constituir-se em fonte de indicadores valiosos para as estruturas centrais que dirigem e regulam a educação, para as escolas e para a sociedade em geral. Os resultados poderão ainda constituir um recurso de elevada valia para conduzir a escola a novas práticas pedagógicas, ao permitirem a identificação das virtudes e das deficiências dos processos actuais.

X - Formação de professores

51 - O maior risco de insucesso da presente proposta será, provavelmente, o de não considerar o tradicional alheamento dos professores relativamente a propostas provenientes do centro do sistema. Já em 1989, o CNE (1990), em parecer sobre a reforma do ensino, considerava que esta não teria êxito "sem a adesão e participação activa dos professores, o que exigirá deles a capacidade de programar e executar novas tarefas".

Exprimindo uma continuada preocupação com a necessidade de uma adequada formação de professores, o CNE emitiu, em 1999, considerações relevantes sobre a formação inicial de professores no âmbito do parecer sobre a criação do INAFOP (Instituto Nacional de Acreditação e Formação de Professores).

52 - O trabalho dos professores poderá melhorar se lhes forem proporcionadas melhores ferramentas, a par de uma maior autonomia e de investimentos pecuniários dirigidos para o incremento da qualidade do serviço prestado pelas escolas. Porém, não é seguro que mais dinheiro e mais materiais, só por si, solucionem todos os problemas de que o sistema enferma.

Como actividade profissional, o ensino deverá deixar de ser um conjunto de rotinas, devendo-se acrescentar ao necessário saber científico, o conhecimento das pedagogias, do saber fazer e o porquê de o fazer.

Se os professores não dispuserem de instrumentos que lhes permitam analisar os quadros conceptuais subjacentes às propostas agora apresentadas, que razões os levarão a aderir a tais propostas? Pelo que se acaba de referir, parece-nos ser essencial que a actual proposta não evolua para lei sem uma formulação adequada sobre a formação de professores dirigida para os seus pontos-chave. Doutro modo, a reorganização curricular e toda a filosofia que enforma o documento poderá correr o risco do insucesso como ocorreu com outras propostas, também elas tornadas inconsequentes por falta de agentes (os professores) capazes ou com vontade de as reinterpretar em cada contexto escolar.

53 - Partindo do conhecimento actual do processo de formação dos professores, para além de programas específicos para a apropriação do espírito da legislação sobre a reorganização curricular em curso, será necessário alterar a forma de definir as acções de formação, particularmente no sentido de a sua estruturação partir das necessidades específicas de cada escola, ditadas pela realidade dos seus alunos e pelo projecto educativo, mais do que pela carência de créditos associados a progressão profissional. Entre as formas a adoptar para a implementação e o fomento de modalidades de formação contínua centradas nas escolas hão-de contar-se os círculos de estudos, oficinas de formação, projectos, e estágios. Esta formação poderá beneficiar da existência e do recurso a uma rede de supervisores de formação ligados aos centros de formação, que tenham entre as suas missões o apoio e o incentivo das iniciativas das escolas.

Numa outra dimensão, o sucesso dos projectos educativos estará ainda dependente da estabilidade do corpo docente. Para que haja projectos educativos efectivos nas escolas será necessário que o concurso e a colocação de professores passe a ser feito em função das necessidades de cada escola, a partir da realidade cultural e sócio-económica dos seus alunos (que certamente influenciou o projecto educativo). Neste aspecto, uma das possíveis vertentes a considerar na colocação dos professores poderá dizer respeito à candidatura a projectos, no pressuposto da assunção dos seus princípios, valores matriciais e objectivos e da responsabilização pelos seus efeitos.

Assim, e face à magnitude das questões e das implicações que se colocam em relação com a estabilidade do corpo docente, é importante e urgente a revisão do diploma que regulamente a colocação de professores.

54 - Por outro lado, e dado o calendário anunciado para a entrada em vigor da reorganização curricular, será necessário que, durante o próximo ano, se inicie um esforço de formação dirigido em particular para as novas áreas transversais. Esta necessidade de formação de professores, de forma intensiva, irá aprofundar o estabelecimento de pontes mais interactivas entre as escolas superiores e as escolas básicas, com consequentes relações simbióticas que muito poderão beneficiar a educação, nomeadamente através de incrementos positivos na formação inicial de docentes. Para além deste aspecto, haverá ainda a possibilidade de transpor para o terreno, o estudo e a reflexão que as escolas superiores têm vindo a produzir sobre o ensino básico, uma vez reinterpretadas e apropriadas pelos professores.

XI - Conclusões e recomendações

55 - O CNE manifesta a sua concordância com os seguintes aspectos da proposta:

a) O entendimento da escola como um espaço privilegiado de educação para a cidadania, que não se esgota nas aprendizagens disciplinares tradicionais;

b) O entendimento do currículo e dos princípios da gestão curricular de uma forma que rompe "com a visão de currículo como um conjunto de normas a cumprir de modo supostamente uniforme em todas as salas de aula" e de modo que "o currículo não se identifica com uma lista de disciplinas ou com um plano de estudos para cada ciclo ou ano de escolaridade, nem o currículo de cada disciplina se reduz a uma lista de conteúdos e métodos a ensinar dentro das aulas que lhe são especificamente destinadas";

c) A articulação entre currículo e avaliação de modo a contribuir para acabar com o divórcio entre estas duas dimensões do processo educativo;

d) O reconhecimento de que os professores e os órgãos de coordenação pedagógica da escola são os principais responsáveis pela gestão do currículo e pela sua reinterpretação face às necessidades e características dos alunos;

e) O reconhecimento do carácter essencialmente formativo da avaliação das aprendizagens dos alunos e da necessidade de alteração dos modos e instrumentos de avaliação predominantes nas escolas;

f) As preocupações em diminuir o número de professores das equipas educativas e de alunos por professor através da crescente implementação de professor por área no 2.º ciclo, dando cumprimento a princípios já presentes na LBSE;

g) O realce dado ao trabalho em equipa na escola de modo a articular as várias aprendizagens disciplinares e destas com as áreas transdisciplinares;

h) A adopção de um currículo nacional que constitui um quadro de referência que estabelece balizas e orientações claras possibilitadoras da flexibilização curricular;

i) A intenção de definir competências essenciais transversais e disciplinares que, mesmo que a título provisório, possam colmatar a falta de alteração dos programas;

j) O entendimento de que a educação para a cidadania é uma componente obrigatória do currículo de natureza transdisciplinar que atravessa todos os saberes e passa por todas as situações vividas na escola, sem prejuízo de um tempo acrescido, para, "em sessões de informação e de debate", poderem ser desenvolvidos temas e problemas sentidos pelos alunos;

k) A introdução de outras áreas curriculares transversais (estudo acompanhado; área do projecto);

l) A dotação de tempo curricular próprio para a área de projecto, sucedânea da área-escola, para tornar exequível o desenvolvimento de projectos interdisciplinares;

m) O entendimento do estudo acompanhado como área curricular obrigatória destinada a permitir aos alunos realizar a sua aprendizagem com crescente autonomia;

n) O reconhecimento da importância das tecnologias da informação e da comunicação e da sua utilização em todas as componentes do currículo;

o) O propósito de corrigir alguns aspectos negativos contidos no plano de estudos do Decreto-Lei 286/89, nomeadamente aqueles que se referem à sequencialidade das disciplinas no 3.º ciclo.

56 - Na sequência da análise que se acaba de produzir, e no sentido de clarificar alguns dos aspectos apresentados e também de conduzir à adopção pelo Governo de medidas adicionais em relação aos propósitos enunciados, o CNE é de parecer que:

a) Seja elaborado um documento de orientação e estratégia e criados dispositivos de acompanhamento do processo de reorganização curricular do ensino básico que acompanhem os normativos legais;

b) Para um bom desenvolvimento desta proposta deverá ocorrer a plena assunção e implementação do Decreto-Lei 115-A/98, de 4 de Maio, sobre autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, através da criação das condições aí definidas;

c) Sendo a experiência acumulada pela gestão flexível dos currículos, um dos suportes para evitar dificuldades e erros já detectados e ultrapassados, deverá haver uma avaliação externa e uma divulgação adequada das conclusões para fundamentar a formação dos docentes e as práticas educativas;

d) Antes da generalização deverá ter lugar uma avaliação global da experiência acumulada com a reorganização curricular e que, apenas face à extensão maior ou menor dos ajustamentos a introduzir, deverá ser tomada uma decisão sobre o momento da generalização, não excluindo a hipótese de alterar a calendarização inicialmente prevista;

e) Deverá haver uma evolução dos mecanismos de regulação e inspecção no sentido de reduzirem a dimensão burocrático-administrativa e se transformarem em formas de acompanhamento, valorização, apoio e orientação no cumprimento dos objectivos pedagógicos definidos pelas escolas em resposta ao projecto pedagógico de cada escola;

f) A implementação da reorganização curricular deve ser acompanhada de um esforço efectivo de formação contínua dos professores, centrada de modo privilegiado na escola, com recurso às redes locais de formação em torno dos centros de formação e apoiados financeiramente nas medidas do PRODEP III dirigidas para a formação contínua;

g) Antes ou concomitantemente com a transformação da actual proposta em lei, deverá haver uma reformulação adequada dos normativos que superintendem à formação de professores;

h) A implementação, acompanhamento e avaliação da reorganização curricular reforça a necessidade de criação de um instituto de desenvolvimento curricular que acompanhe, prepare e ajuste as mudanças educativas;

i) A orientação do tempo curricular para que propõe a designação de "Educação para a Cidadania" em substituição da designação "Direcção de Turma", não deve ser atribuída, por regra, ao director de turma, mas antes ao professor da equipa educativa cujo perfil, interesse e formação se mostre mais adequado;

j) O trabalho cooperativo e continuado que a reorganização curricular pressupõe implica uma nova organização dos horários escolares dos professores com tempos próprios para reuniões e encontros das equipas educativas, a par de uma maior estabilidade do corpo docente das escolas;

k) O desenho curricular sugerido para o ciclo básico não poderá constituir um modelo único de organização curricular, devendo ser permitido às escolas apresentar e pôr em prática outras soluções que, no respeito pelos princípios e objectivos da reorganização curricular, procurem atingir os mesmos objectivos recorrendo a modelos e formas de trabalho diversificadas;

l) As inovações curriculares introduzidas por esta reorganização (áreas-transversais) não dispensam um estudo sistemático das práticas pedagógicas no interior das disciplinas e das áreas disciplinares para assegurar uma efectiva alteração dos modos de ensinar e aprender na escola portuguesa, para que se atinja o essencial desta proposta - novas práticas de gestão curricular associadas à garantia de efectivas aprendizagens nucleares para todos os alunos;

m) Os programas disciplinares, não constituindo o essencial da mudança a atingir, terão de ser ajustados à filosofia de reorganização curricular, devendo ser desenvolvida a definição das competências disciplinares e indicados os núcleos centrais das aprendizagens a desenvolver (reduzindo o excesso de conteúdos e o carácter academicista e enciclopedista de muitos programas), com vista à viabilização do ensino experimental e prático em todas as áreas do saber;

n) O projecto de turma, apesar das suas virtualidades actuais, deve ser encarado como instância transitória e instrumental para chegar a um processo educativo centrado no aluno;

o) Deverá ocorrer a criação de condições para que a área de projecto não se confine apenas à realização de um projecto no âmbito das duas disciplinas cujos professores são responsáveis pela sua coordenação;

p) Deverá haver a disponibilização de condições físicas para a concretização do trabalho cooperativo que esta proposta de reorganização curricular exige, nomeadamente ao nível de espaços (salas e gabinetes) tendo em conta que a maioria das escolas se encontra sobrelotada, vivendo em regime de turno;

q) O currículo não se esgota nas componentes obrigatórias, pelo que as escolas deverão desenvolver e oferecer outras actividades de enriquecimento curricular;

r) Deve haver uma diversificação da gestão dos tempos curriculares, de modo a responder melhor às necessidades de organização pedagógica do trabalho na sala de aula;

s) A sequencialidade e a integração dos três ciclos deverá ser defendida, através da legislação a aprovar e de adequada formação, no sentido de anular os sucessivos desenraizamentos a que os alunos são submetidos;

t) O 1.º ciclo deve ser objecto de abordagem normativa ajustada à sua especificidade;

u) Deverão ser elaboradas orientações curriculares genéricas para enquadrar as novas áreas transversais.

Documentação consultada

Conselho Nacional de Educação (1990), parecer 5/89 - Formação de educadores de infância e de professores dos ensinos básico e secundário, Pareceres e Recomendações 88-89, vol. I, CNE, Lisboa.

Conselho Nacional de Educação (1990), parecer 6/89 - Novos planos curriculares dos ensinos básico e secundário, Pareceres e Recomendações 88-89, vol. I, CNE, Lisboa.

Conselho Nacional de Educação (1995), parecer 4/94 - Desenvolvimento pessoal e social - Programa do 3.º ciclo do ensino básico, Pareceres e Recomendações 1994, vol. II, CNE, Lisboa.

Conselho Nacional de Educação (1997), recomendação 1/97 - Contributo para a definição de políticas nacionais de educação e formação ao longo da vida, Pareceres e Recomendações 1997, CNE, Lisboa.

Conselho Nacional de Educação (1999), parecer 2/98 - Sociedade da informação na escola, Pareceres e Recomendações 1998, CNE, Lisboa.

Conselho Nacional de Educação (1999), parecer 3/98 - Educação estética, ensino artístico e sua relevância na educação e na interiorização dos saberes, Pareceres e Recomendações 1998, CNE, Lisboa.

Conselho Nacional de Educação (2000), parecer 1/99 - Crianças e alunos com necessidades educativas especiais, Pareceres 1999, CNE, Lisboa.

Conselho Nacional de Educação (2000), parecer 2/99 - Sistema de acreditação dos cursos de formação inicial de educadores de infância e de professores dos ensinos básico e secundário, Pareceres 1999, CNE, Lisboa.

Grupo Parlamentar do PS (1997), projecto de lei n.º .../VII/2.ª - Cria um programa de educação para a cidadania no 3.º ciclo do ensino básico, Assembleia da República, Lisboa.

Ministério da Educação (1998a), A Unidade da Educação Básica em Análise - Relatório, DEB, Lisboa.

da Educação (1998b), Educação, Integração, Cidadania - Documento orientador das políticas para o ensino básico, Lisboa, REIFFERS, J. L., et al. (1997), Grupo de Reflexão para a Educação e a Formação da Comissão Europeia, Comissão Europeia, Bruxelas.

SILVA, J. J. R. Fraústo da (Coord.) - (1997), "Proposta de reorganização dos planos curriculares dos ensinos básico e secundário", in Documentos Preparatórios I, CRSE, Lisboa.

UNESCO (1996), Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI - Educação Um Tesouro a Descobrir, Edições ASA, Rio Tinto.

14 de Julho de 2000. - A Presidente, Maria Teresa Ambrósio.

Declaração de voto. - Votei favoravelmente dadas as muitas contribuições positivas que o documento tem e por isso louvo o trabalho dos relatores, em especial o do Prof. Fernando Regateiro. Contudo, teria sido meu desejo que o parecer tivesse considerado a minha proposta ligada à realização de exames nacionais no final do 9.º ano nos seguintes moldes, então apresentados oralmente, e por escrito.

O documento "Proposta de reorganização curricular do ensino básico", de Março de 2000, refere-se, a pp. 15 e 16, ponto 3, à "Avaliação das aprendizagens". Contudo, não prevê a existência de exames nacionais. Entendo que, pelo menos no final do ensino básico, os alunos deveriam ter um exame nacional em cada uma das áreas fundamentais da sua aprendizagem. Esse exame deveria ser em, pelo menos, duas chamadas intervaladas de três a quatro semanas. Para cada disciplina seria escolhida a nota mais altas dessas duas chamadas, para efeitos de avaliação.

Os enunciados dos textos escritos desses exames seriam feitos por um júri nacional, nomeado pelo ministério da tutela, e constituído por personalidades de competência reconhecida para o efeito. Elaborariam uma dezena de enunciados para cada disciplina até ao Natal do ano em curso. Nessa altura, seriam sorteados quatro para ficarem em arquivo para as provas em Junho e Julho. Os restantes seis seriam publicados, de tal modo que professores e alunos saberiam, a partir do Natal, que género de provas sairiam nos exames nacionais a efectuar em Junho e Julho desse ano lectivo.

Os alunos teriam um diploma de frequência do 9.º ano (logo, do ensino básico) meramente por aprovação dos seus professores ao longo do ano, que teria a mesma validade legal que hoje tem a aprovação do 9.º ano.

O resultado do exame nacional seria fundamentalmente para orientação no prosseguimento de estudos. Poderia também ser útil para entidades empregadoras escolherem os candidatos a eventuais empregos a oferecer. Seria, naturalmente, a melhor forma de avaliar o desempenho das diferentes instituições de ensino. - Victor M. M. Lobo e Mário Victor S. Gonçalves.

Declaração de voto. - A minha abstenção representa uma ponte entre o contra e o a favor.

Não votei contra porque o parecer está bem redigido, tem coerência interna e consistência com um modelo, com uma certa visão conceptual do comportamento juvenil. Tece comentários e achegas à "Proposta de reorganização curricular do ensino básico", sendo dentro do universo conceptual perfilhado um documento bem elaborado.

Não votei a favor porque julgo que as competências dos portugueses e a competência global do Povo Português estão-se a degradar e esta era uma boa ocasião para tentar inverter esta tendência. Desde logo, chamando a atenção para esta situação em baixa de que importa urgentemente e de modo gradual recuperar. O modelo de ensino que vem sendo praticado faliu, por muitas boas intenções e teorias que o suportaram e continuam a suportar. Senão vejamos: as avaliações e comparações internacionais deixam-nos sempre em posição deprimentemente menor. As Comissões de Avaliação Externa do Conselho de Avaliação da FUP mostram que os alunos de Literaturas Portuguesas e Clássicas - os jovens que na matéria são os expoentes - não dominam a expressão escrita e falada da Língua Portuguesa e que os alunos de Engenharia não têm o domínio básico dos conceitos e pensamento matemático, o que leva que, em todas as universidades portuguesas, as taxas de sucesso nas disciplinas de Matemática dos dois primeiros anos tenham valores indignos e tristemente reduzidos, havendo disciplinas de 2% a 3% de aproveitamento relativamente aos alunos inscritos.

Sendo esta a situação, como de facto é, no currículo escolar do ensino básico deveria ser expressa, com força, a necessidade do desenvolvimento das competências essenciais - o Português, a Matemática, as Ciências. Será nestas competências, que criam o espírito crítico e de análise, o pensamento abstracto, a capacidade de raciocinar, interpretar e ter opinião fundamentada (ler António Sérgio), que a consciência do mundo e da cidadania naturalmente brota e se alicerça.

Sem competência nacional, resultante da conjugação e coordenação das competências individuais, a nossa independência, autonomia e soberania sofrerão diminuições efectivas. Parece-me urgente reorganizar o percurso, os objectivos, os conteúdos e métodos do ensino ministrado aos jovens até aos 15-16 anos para ganhar mais competências e capacidades para Portugal. As aprendizagens básicas não precisam de mais de cinco ou seis anos de escolaridade. Depois, com 11 ou 12 anos, os alunos deveriam, já sempre com possibilidade de correcção, seguir percursos escolares diversificados, tendo em conta as suas aptidões, vocações e ambições. Assim o ensino básico terminaria no 6.º ano e, a partir daí, o ensino secundário, com objectivos específicos determinados pelas personalidades dos alunos, arrancaria no 7.º ano. Esta alteração representará um grande choque em termos organizativos, a começar nos espaços físicos. A ter de se fazer, como eu firmemente creio e a prática europeia generalizadamente aponta, quanto mais cedo melhor. Os 7.º, 8.º e 9.º anos constituiriam assim o ensino secundário Inferior que seria a plataforma reguladora de todo o sistema de ensino.

E para não estender demais as minhas razões, aponto apenas mais uma: a da avaliação. Presentemente há uma prática avaliadora muito generalizada: eles são as universidades e os politécnicos, eles são os institutos e centros de investigação, de eles são os dirigentes e quadros públicos e privados, etc., etc., tudo e todos são avaliados. Em todos estes processos, a avaliação é externa, realizada por peritos que não estão directamente envolvidos no processo a avaliar. Se assim não fosse, não haveria motivação dos agentes interventores para a qualificação e o descrédito social da avaliação instalar-se-ia. No entendimento que a avaliação externa tem carácter activo e dinâmico, promovendo o trabalho colectivo de cooperação na meta da melhoria das competências, cria vontade e sentido de responsabilidade em cada aluno, personaliza o acto de aprendizagem, dando-lhe a dignidade humana da responsabilidade, penso ser urgente introduzir os exames nos finais de cada ciclo, realizados com base em critérios de carácter nacional. A avaliação formativa, que é interna, é indispensável para a boa aprendizagem dos alunos: tal como os treinos de uma equipa desportiva são indispensáveis para os jogos do campeonato. Acrescento ainda que defendo o conceito de comunidade educativa, com autonomia nas suas práticas e a que está ligado indissociavelmente o ter de prestar contas, que será naturalmente feito através da avaliação externa.

Eis os motivos porque não devia votar contra e não podia votar a favor. Daí a minha abstenção. - Carlos Sá Furtado.

Declaração de voto. - Votei favoravelmente o parecer sobre a "Proposta de reorganização curricular do ensino básico" por estar de acordo com as linhas fundamentais de análise do documento e, em particular, com as sugestões veiculadas pelas suas "Recomendações"; há, no entanto, grandes questões que atravessam a "Proposta de reorganização curricular do ensino básico" que não obtiveram no parecer a devida relevância apreciativa. Na verdade, embora seja louvável a intenção de uma reorganização curricular, em ordem à instauração de uma escola renovada, a "Proposta", em relação à qual é emitido parecer, mostra-se ambígua, em questões fundamentais, não optando, com clareza, por um conceito de "escola aberta"; parece, antes, fechar-se numa escola sem referência aos valores e à educação plena da pessoa (numa escola moderna deve privilegiar-se a formação autónoma da identidade pessoal dos alunos através de propostas de opções amplas de áreas de formação); contém uma deficiente clarificação dos conteúdos das áreas transversais que se apresentam claramente redutoras; não perspectiva uma atenção cuidada à cultura portuguesa, nem uma rigorosa formação cultural geral dos alunos; ao considerar a escola como única instância formativa, desliga-a da comunidade, em particular das famílias, primeiros agentes educativos e primeiros responsáveis pela educação. Por outro lado, a importância da "proposta" exige a reflexão participada de toda a sociedade civil e, em particular, dos professores, sem os quais será inviabilizada qualquer alteração ou reforma do sistema educativo. A "Proposta" contém, ainda, ambiguidades no que respeita ao entendimento da relação entre o ensino e a educação, mostrando-se desligada de um sentido essencialmente formador, projectando-se para diferentes níveis, esquecendo o essencial que está em jogo no processo educativo; apresenta uma concepção de escola centrada nos alunos, o que é teoricamente discutível. Afigura-se-nos grave a orientação da "proposta" ao optar pela instauração de uma visível negatividade existencial, no que respeita à compreensão do homem como ser moral e religioso; devido à necessidade da construção de um mundo melhor, numa sociedade cada vez mais marcada pelo egoísmo e pela agressividade estimulados pelo progresso tecnológico, valorizando esquemas concorrenciais que degradam o relacionamento intersubjectivo, em que existe uma incapacidade de responder ao que é essencial para o homem, há que dar oportunidade àqueles que, sem abdicar de viver no mundo, querem viver segundo os ditames do espírito, em que valores, aparentemente esquecidos, se apresentam como alternativos a um existir segundo modelos objectivantes. As boas práticas educativas devem ser capazes de conferir um sentido à existência; é, por isso, inconsciente um projecto educativo que não prepare o cidadão para a complexidade do fenómeno religioso; a importância deste fenómeno e a sua influência na cultura dizem respeito a todos quer crentes quer descrentes; neste sentido, no que concerne ao enquadramento curricular da Educação Moral e Religiosa (EMR), merece repúdio a sua consideração, no desenho curricular proposto, como disciplina opcional, desarticulada do conjunto das restantes disciplinas, constituindo um acréscimo ao total das horas semanais de leccionação; também não se pode aceitar, para a sua leccionação, um tempo semanal de quarenta e cinco minutos, pois constitui uma discriminação em relação às demais disciplinas, cuja carga horária semanal não pode ser inferior a noventa minutos; por outro lado, para não penalizar os alunos que se inscrevam em EMR (que terão uma sobrecarga horária suplementar) sugere-se que, em ordem a enriquecer a formação cultural de todos os alunos, seja criada uma disciplina alternativa situada na área da história das religiões ou da história da cultura e das religiões. - Cassiano Reimão.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1810568.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1989-08-29 - Decreto-Lei 286/89 - Ministério da Educação

    Aprova os planos curriculares dos ensinos básico e secundário.

  • Tem documento Em vigor 1992-06-20 - Despacho Normativo 98-A/92 - Ministério da Educação

    APROVA O SISTEMA DE AVALIAÇÃO DOS ALUNOS DO ENSINO BASICO, PUBLICADO EM ANEXO.

  • Tem documento Em vigor 1996-12-17 - Decreto-Lei 241/96 - Ministério da Educação

    Altera o regime que regula a composição, competências e funcionamento do Conselho Nacional de Educação. Republicado integralmente em anexo.

  • Tem documento Em vigor 1998-05-04 - Decreto-Lei 115-A/98 - Ministério da Educação

    Aprova o regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos públicos da educação pré-escolar e dos ensinos basico e secundário, bem como dos respectivos agrupamentos.

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