Assento 1/85
Recurso extraordinário n.º 2/84
Acórdão
1 - O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto interpôs, nos termos dos artigos 6.º, 7.º e 8.º da Lei 8/82, de 26 de Maio, o presente recurso extraordinário do Acórdão do Tribunal de Contas de 12 de Junho de 1984, que julgou improcedente a reclamação apresentada pelo Ministro da Saúde nos autos de reclamação n.º 16/84, e confirmou a resolução de 14 de Fevereiro de 1984 do mesmo Tribunal, que recusou o visto aos diplomas de provimento dos auxiliares de preparador de laboratório de análises clínicas do quadro do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, devidamente identificados no citado acórdão e cuja identificação dá por inteiramente reproduzida para todos os efeitos legais, nos quais se operava a mudança das remunerações da letra M para a letra L.
1.1 - E porque, no domínio da mesma legislação, o Tribunal de Contas proferiu decisões opostas relativamente à mesma questão fundamental de direito, requer que, nos termos do artigo 6.º da Lei 8/82, seja fixada jurisprudência por meio de assento.
1.2 - Como decisões opostas são invocados, por um lado, o referido Acórdão de 12 de Junho de 1984, de que se recorre, e, por outro lado, as deliberações proferidas nas sessões ordinárias de visto de 15 e 16 de Abril de 1982 e 1 de Junho de 1981, concedendo o visto aos diplomas de provimento de Maria da Conceição da Cunha Jesus da Silva a primeira deliberação, de Maria da Conceição Gomes Verdial dos Santos a segunda e de Maria Teresa da Silva, Adelino Teixeira Gonçalves da Silva e Maria Alice Rodrigues da Conceição a terceira.
1.3 - Sendo certo que os actos administrativos respeitavam todos a provimentos de interessados que haviam completado 6 anos de serviço na mesma categoria, com fundamento na mesma disposição legal - o n.º 1 do artigo 5.º do Decreto Regulamentar 87/77, de 30 de Dezembro -, verifica-se estarem preenchidos os pressupostos enunciados no citado artigo 6.º da Lei 8/82.
2 - Por ter sido interposto dentro do prazo legal pela entidade com legitimidade e servindo-se do meio idóneo, foi admitido o recurso.
3 - O Exmo. Representante do Ministério Público sustenta nas suas alegações que o acórdão recorrido fez justa e correcta interpretação do artigo 5.º do Decreto Regulamentar 87/77, pelo que propõe seja tirado assento que consagre tal interpretação.
4 - Colhidos os vistos, cumpre decidir.
5 - Porque não surgem dúvidas sobre estarem preenchidos os pressupostos estabelecidos nos artigos 6.º a 8.º da Lei 8/82 para poder conhecer-se da matéria do recurso, isto é, quanto à existência de duas decisões opostas relativamente à mesma questão fundamental de direito, proferidas pelo Tribunal de Contas no domínio da mesma legislação, desnecessário e inútil se torna entrar na sua apreciação pormenorizada. Deste modo, o problema a resolver está limitado à determinação do campo de aplicação e alcance do n.º 1 do artigo 5.º do Decreto Regulamentar 87/77, isto é, mais concretamente, se o pessoal compreendido neste n.º 1 passa a auferir a remuneração a que corresponde a letra L à medida que vai completando 6 anos de exercício efectivo de funções ou se, pelo contrário, uma vez que lhe seja atribuída a correspondência à letra M, fica impossibilitado de passar a auferir a remuneração correspondente à letra L, ainda que complete os referidos 6 anos de efectivo exercício de funções sem ter sido integrado na carreira de técnico auxiliar dos serviços complementares de diagnóstico e terapêutica.
5.1 - O acórdão recorrido opta pela segunda solução com fundamento em que:
1.º Contendo o referido artigo regras de natureza transitória destinadas a arrumação de pessoal, "só se pode beneficiar uma vez da aplicação dessa norma jurídica, pois que, aplicada ela, esgotou-se relativamente ao respectivo servidor beneficiário toda a sua possível eficácia legal», não havendo "possibilidade ou viabilidade legal de novas transições»;
2.º "O preceito legal em análise nunca pode ser entendido como tendo por finalidade ou objectivo apenas uma promoção dos servidores a quem é aplicável, mas sim a permitir uma sua arrumação para, não possuindo as habilitações exigidas, se poderem manter transitoriamente nas categorias já por eles detidas, com a remuneração correspondente à letra M ou à letra L, consoante tenham menos ou mais de 6 anos de exercício efectivo nessas funções»;
3.º "Aquela transitoriedade da sua situação jurídico-funcional só cessaria para aqueles que viessem a frequentar, com aproveitamento, o respectivo curso de promoção, por então ingressarem na categoria de técnico de 2.ª classe de diagnóstico e terapêutica».
5.2 - Ora, como se verá, crê-se que nenhum destes fundamentos encontrará apoio legal.
O Decreto Regulamentar 87/77 teve por objectivo, conforme se justifica expressamente no seu preâmbulo, pôr termo à situação de desajustamento que se verifica em relação a carreiras de nível idêntico, bem como remodelar a carreira e os vencimentos do pessoal técnico auxiliar dos serviços complementares de diagnóstico e terapêutica.
Para esse fim procedeu-se, por um lado, à criação da carreira de técnico auxiliar dos serviços complementares de diagnóstico e terapêutica (artigo 1.º e mapa anexo), na qual ingressam os referidos profissionais possuidores de determinadas habilitações e de qualificações profissionais obtidas em curso de promoção adequado (artigo 2.º).
Por outro lado, e a par da regulamentação dessa carreira, o referido decreto regulamentar preveniu também a situação de determinadas categorias de pessoal que exercem funções de natureza técnica no mesmo sector de actividades complementares de diagnóstico e terapêutica sem possuírem adequada habilitação.
Para estes instituiu no artigo 5.º um regime próprio, com as seguintes características:
1.º Conservam transitoriamente as respectivas categorias, passando a auferir remunerações correspondentes às letras M ou L, consoante tenham menos ou mais de 6 anos de efectivo exercício (n.º 1);
2.º Após a frequência, com aproveitamento, de curso de promoção adequado serão integrados na referida carreira de técnico auxiliar dos serviços complementares de diagnóstico e terapêutica (n.º 2);
3.º Nenhum deles poderá baixar da sua actual categoria (n.º 4);
4.º Por despacho ministerial, a proferir no prazo 6 meses, serão estabelecidos a abertura do curso de promoção bem como o respectivo programa e duração (n.º 3).
Estas características permitem concluir afoitamente não existir em tal regime qualquer transição ou arrumação de pessoal, como se diz no mencionado acórdão. Pois que onde os profissionais se encontram aí são mantidos sem mudarem para outra função. É a própria lei a dispor expressamente que eles conservam as respectivas categorias, enquanto as referidas transição ou arrumação implicam sempre a mudança ou deslocação do funcionário de uma categoria para outra categoria diferente, normalmente criada de novo. Por iso, o que se trata nestes últimos casos é do reajustamento do pessoal existente aos novos quadros.
Nem tão-pouco se poderá falar de promoção, conforme se faz nos transcritos fundamentos, a respeito do artigo 5.º A promoção anda intrinsecamente ligada à ideia de carreira, e no regime previsto neste preceito a carreira só aparece para receber os candidatos aprovados no curso de promoção.
Expressão esta incorrectamente utilizada, porque do que verdadeiramente trata este curso não é de qualquer promoção, mas antes da preparação para o ingresso na carreira dos técnicos auxiliares dos serviços complementares de diagnóstico e terapêutica de candidatos que não detêm as habilitações exigidas. A finalidade de tal curso é tão-somente suprir a falta das habilitações e qualificações exigidas.
Assim, carece de validade o argumento de que, feita uma arrumação ou transição, se esgotou a possibilidade de novas transições (cf. n.º 5.1).
Este argumento, para além de assentar numa realidade que não existe - transição, arrumação ou promoção -, pretende, aliás indevidamente, fazer aplicação dos princípios privativos do regime dos primeiros provimentos. Simplesmente o regime do artigo 5.º é totalmente diferente dos regimes de transição ou arrumação dos primeiros provimentos. Isto sem esquecer que nestes casos é a própria lei a dizer que se trata de primeiros provimentos e a regulamentar a forma como se efectua a transição ou arrumação. O que também se não verifica no caso em análise.
5.3 - A única alteração introduzida pelo novo regime na situação jurídico-funcional desse pessoal consiste em que, além de conservarem as categorias que já detinham, passam a auferir remunerações correspondentes às letras M ou L.
Mas esta mudança de remunerações, que se integra no objectivo já acentuado de remodelar também os vencimentos pondo termo a desajustamentos entre situações de nível idêntico, de modo algum poderá ser interpretado no sentido do referido acórdão.
Além do que fica dito quanto à inexistência de qualquer arrumação, transição ou promoção, tal interpretação contraria claramente o espírito de justiça contido no objectivo que presidiu à instituição do regime do artigo 5.º e que mais tarde voltou a ser invocado como justificação do Decreto Regulamentar 49/83, de 16 de Junho.
Na verdade, para evitar injustiças, este diploma veio dispor, decorridos 6 anos, explicitando uma solução já defensável com base no n.º 2 do mesmo artigo 5.º, que o pessoal aprovado no curso de promoção e não integrado nos quadros, por falta de lugares, tem direito aos abonos correspondentes à categoria em que se faria a integração, isto é, à letra J, a partir da data da aprovação no curso.
Ora, sendo esta data o factor decisivo para a atribuição da nova remuneração, por paralelismo apoiado nas mesmas exigências de justiça e de objectivos que presidiram ao regime criado pelo artigo 5.º do Decreto Regulamentar 87/77, do qual aquele diploma é mera explicitação, torna-se evidente que também para o pessoal que não frequentou com aproveitamento o curso de promoção e percebe a remuneração da letra M se impõe igual direito a passar para a remuneração da letra L, constituindo neste caso factor decisivo para a mudança a data em que se completem 6 anos do efectivo exercício previsto no n.º 1.
Por isso será injustificável ter-se dito que a interpretação seguida no acórdão recorrido "nem choca o espírito de justiça, dado que a não frequência do curso mostra o desinteresse em melhorar os conhecimentos e por esforço próprio entrar noutra carreira». Em primeiro lugar, não é a frequência do curso que dá direito ao ingresso na referida carreira e, depois, nem sempre a falta dessa frequência ou do aproveitamento traduzem ou são consequência de desinteresse ou esforço pessoal (cf. exemplificação no n.º 5.4). Além de que, mesmo dos aprovados, nem todos puderam encontrar, durante 6 anos, lugar para o ingresso na carreira. Do que se dá conta no preâmbulo do Decreto Regulamentar 49/83.
É, assim, manifesto que, se tal interpretação não tivesse alternativa, seria de concluir que o legislador foi incapaz de realizar o seu objectivo de consagrar uma solução de justiça relativa para as diversas hipóteses cobertas pelo regime instituído. Outra coisa não podendo dizer-se da situação do pessoal que, por não ter obtido aproveitamento no curso de promoção e não deter 6 anos de efectivo exercício à data da publicação do Decreto Regulamentar 87/77, ficava relegado para sempre na letra M sem qualquer expectativa ou estímulo. Resultado que o legislador não pode ter querido, sobretudo em confronto, por um lado, com o pessoal que, tendo já 6 anos naquela data, vê ser-lhe atribuída a letra L, e, por outro lado, com o pessoal aprovado no curso que passa imediatamente para a letra J, sendo de ter em conta que entre os 2 primeiros grupos não se encontra qualquer razão de qualificação profissional que justifique tão importante consequência. Pois que, para a única diferença baseada no período de serviço prestado, num plano de justiça, o factor decisivo dos 6 anos tanto justifica a mudança para a letra L aos que completaram esse período antes de publicado o diploma como aos que o completaram depois.
5.4 - Mas esse entendimento de atribuir à data da publicação do Decreto Regulamentar (n.º 87/77 um tal significado também não encontra apoio legal válido.
Em primeiro lugar, por um argumento tirado do precedente histórico fornecido pelo artigo 3.º do Decreto 534/76, de 8 de Julho, ao qual sucedeu o Decreto Regulamentar 87/77. Nesse artigo se dispunha já que o pessoal por ele incluído na letra M que tenha 6 anos de exercício profissional transita para a letra L. Quer dizer, apesar de a inclusão na letra M se ter efectuado por este decreto, isso não impedia a passagem para a letra L desde que detivesse 6 anos de efectivo exercício.
E depois a letra da lei não distingue entre fazer-se a mudança de remunerações até ou depois daquela data, não se encontrando razões justificativas de tal distinção. Antes pelo contrário: o espírito de justiça e todo o esquema do regime instituído opõem-se a tal distinção.
Além de que a escolha do vocábulo passando, usado no gerúndio, em vez de um significado estático, envolve uma ideia de movimento ligado à mudança em função de evolução do período de efectivo exercício de funções.
E também o advérbio contido na expressão "conservam transitoriamente as respectivas categorias, passando a auferir remunerações correspondentes às letras M ou L» fornece mais um argumento no sentido de serem transitórias e não definitivas estas remunerações.
É que não será correcto pretender que aquele advérbio se dirija apenas às categorias.
Bastará atentar em que dessa situação transitória, quando referida unicamente a categorias, só poderão sair, nos termos do n.º 2, os profissionais que frequentem o curso com aproveitamento.
Mas para além destes, outros haverá para os quais nunca cessará ou demorará a cessar a transitoriedade da sua situação jurídico-profissional em que foram mantidos pelo artigo 5.º
O que resultará, por exemplo, de não ser oportunamente aberto o curso de promoção, da impossibilidade pontual de alguns interessados o poderem frequentar, de falta de aproveitamento e ainda de não haver vagas para os aprovados poderem ingressar, como sucedeu até à publicação do Decreto Regulamentar 49/83.
Para estes profissionais, se o advérbio transitoriamente se referisse apenas às respectivas categorias, porque por natureza e por exigência do seu significado o que é transitório tem de acabar, isso implicaria como consequência necessária a sua exoneração ou a cessação de funções.
Mas esta consequência estaria em contradição com o n.º 4 do mesmo artigo 5.º, onde se dispõe que "nenhum profissional abrangido por este diploma poderá, por virtude da sua aplicação, baixar da sua actual categoria», o que compreende necessariamente a exoneração ou cessação das respectivas funções.
De onde resulta que aquele advérbio se dirije à situação jurídico-funcional dos interessados, nela englobando as remunerações. E, por isso, a fixação das remunerações nos termos do n.º 1 será sempre transitória: a da letra M em relação à da letra L até se completarem os 6 anos e esta relativamente à da letra J até à aprovação no curso, nos termos do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto Regulamentar 87/77 e do artigo 1.º do Decreto Regulamentar 94/83.
5.5 - Em conclusão: de acordo com o objectivo expresso nestes 2 diplomas legais, o que se pretendeu com o regime instituído foi resolver a situação de profissionais que, encontrando-se ao serviço da Administração, se viam impossibilitados de progressão em virtude de novas exigências; impunha-se como inteiramente justo compensá-los com um sistema idêntico ao que foi adoptado para as carreiras horizontais e para as diuturnidades: aumento da remuneração por efeito único do tempo decorrido.
E, assim, foi-lhes concedida a passagem da remuneração que detinham anteriormente para a remuneração correspondente às letras M e L, (o legislador usa frequentemente com o mesmo sentido as conjunções "e» e "ou») à medida que fossem completando 6 anos de efectivo exercício de funções. Mas para que esta concessão pudesse revestir-se de algum estímulo profissional e respeitasse a justiça relativa, tornava-se indispensável que tanto ao grupo da letra M como ao da letra L fosse dada, pelo menos, mais uma oportunidade de melhorar o seu vencimento, sobretudo numa época histórica em que isso constituía reivindicação generalizada.
Solução perfeitamente compreensível na sequência lógica, de ter sido consagrado no n.º 2 do mesmo artigo 5.º, conjugado com os artigos 1.º e 2.º do Decreto Regulamentar 49/83, que a partir da sua aprovação no curso de promoção teriam direito aos abonos correspondentes à categoria de técnico auxiliar de 2.ª classe, isto é, letra J imediatamente superior às referidas letras M e L.
Tanto a letra da lei bem como a sua razão de ser e ainda o espírito de justiça que a inspirou conduzem a que o n.º 1 do artigo 5.º do Decreto Regulamentar 87/77 seja interpretado no sentido de ser permitido ao pessoal ali previsto passar da remuneração correspondente à letra M para a remuneração da letra L quando tiver completado 6 anos de efectivo exercício de funções.
Estas as razões por que anteriormente foram visados dezenas de diplomas de provimento em idênticas condições respeitantes ao mesmo organismo, conforme se refere no presente processo.
6 - Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal de Contas em conceder provimento ao recurso interposto, revogando o Acórdão de 12 de Julho de 1984, e determinam que sejam visados os diplomas de provimento nele agraciados.
Consequentemente, é proferido o seguinte assento:
O pessoal que, nos termos do artigo 5.º do Decreto Regulamentar 87/77, de 30 de Dezembro, passou a auferir remuneração correspondente à letra M tem direito aos abonos correspondentes à letra L a partir da data em que completar os 6 anos de efectivo exercício nele previstos.
Sem emolumentos.
Lisboa, 18 de Março de 1985. - João de Deus Pinheiro Farinha (presidi à sessão sem ter de tomar posição quanto ao fundo por se ter formado maioria) - António Rodrigues Lufinha - José Lourenço de Almeida Castello Branco - Pedro Tavares do Amaral - Mário Valente Leal (vencido) - Francisco Pereira Neto de Carvalho - Orlando Soares Gomes da Costa (vencido). - Fui presente, João Manuel Fernandes Neto.