Decreto-Lei 43864
Criando a Faculdade de Letras da Universidade do Porto, o Governo satisfaz uma aspiração tão veemente como persistentemente expressa pelo Norte do País e, em especial, por aquela cidade, ao mesmo tempo que procura resolver problemas suscitados pela superlotação das duas Faculdades de Letras existentes.
Mas procede, sobretudo, movido por imperativos que se ligam à própria essência da instituição universitária.
Constituída pelas Faculdades de Ciências, Medicina, Engenharia, Farmácia e Economia, a Universidade do Porto não contava no seu quadro de disciplinas uma representação das ciências do espírito.
Esse quadro, tal como se encontrava organizado, assegurava a formação profissional e, pelo que respeita a uma das escolas (sem embargo do carácter preparatório que também lhe cabe), permitia o estudo desinteressado das ciências matemáticas, físico-químicas e naturais.
Mas não propiciava o das humanidades, factor indispensável da educação que à Universidade compete fornecer.
Como já se escreveu com verdade, "desde o professor comunista Langevin ao filósofo católico Maritain, passando pelo professor liberal Ortega y Gasset e pelo professor protestante Sir Walter Moberly, todos concordam em que é tríplice a missão das Universidades de hoje: preparação profissional; investigação científica; ensino cultural».
Se é certo que o desenvolvimento impetuoso das ciências e das técnicas arrastou por vezes as Universidades a excessos de especialização susceptíveis de comprometer a unidade da cultura, de que elas devem ser imagem viva e actuante, não é menos certo que a reacção contra tais excessos se afirma com vigor e extensão verdadeiramente notáveis.
A preocupação de associar à especialização imposta pelas condições económicas e sociais da vida moderna a cultura geral, hierarquizadora de valores, integradora de noções e amplificadora de perspectivas, aparece como dominante não só nos meios universitários, como entre todos os que se interessam pelo destino e pelo papel da Universidade.
Entre os inumeráveis testemunhos desse movimento merece citar-se, pelo seu especial significado, o que se vem passando nas conferências dos reitores das Universidades da Europa e nas conferências internacionais das Universidades.
Das primeiras, a da Haia, em 1953, depois de acentuar que "o valor educativo do ensino superior supõe um equilíbrio entre a cultura geral, a iniciação na especialidade e a pesquisa científica», verificou "uma tendência para especializar cada vez mais a investigação e, por conseguinte, a formação do estudante» e manifestou a sua inquietação perante essa tendência, que "constitui uma grave ameaça para toda a civilização ocidental».
A de Clermont-Ferrand, em 1954, notou que existe nos programas universitários uma tendência para aumentar os ensinos consagrados à formação profissional, e recomendou que em todos os casos esses ensinos "sejam fundados sobre uma base científica e humanista sólida».
E a de Cambridge, em 1955, perfilhando a orientação das anteriores, proclamou a necessidade de uma cultura geral que "nutra o espírito, desenvolva a capacidade de formular juízos e o carácter do estudante e suscite nele o sentido inquiridor que o habilite e interessar-se pelo Mundo e pelos homens do seu tempo».
Das conferências internacionais das Universidades, a de Utrecht, em 1948, preconizou, nas suas conclusões, uma séria educação geral para o especialista e acentuou que "há certos domínios do conhecimento humano, tais como as línguas, a filosofia e a história da civilização, que todos os estudantes, qualquer que seja a sua especialidade, devem ser obrigados a estudar e a discutir: é preciso que estas matérias encontrem lugar em todos os programas de todas as Universidades».
Na de Istambul, em 1955, afirmou-se que nos períodos mais resplandecentes da história as ciências e as humanidades nunca foram consideradas como rivais, mas como solidárias; que a urgência e a necessidade da informação não excluem um ideal de formação; e que é absurdo depreciar o humanismo em nome da ciência e paralisar esta em nome do humanismo.
E a do México, reunida em Setembro último, inscreveu no respectivo temário o "Diálogo das ciências e das humanidades no ensino superior de hoje».
A bem dizer, a necessidade de impregnar de humanismo a formação científica e técnica do estudante universitário já hoje se não discute. O que se discute - e continuará a discutir-se - é a escolha dos meios a utilizar para isso.
Não se discute a necessidade do diálogo das ciências e das humanidades para evitar que a Universidade caia em formas de pragmatismo capazes de sacrificar o que constitui fundamento da sua imperecível glória. Apenas se discutem os processos de estabelecer o diálogo.
Mas neste aspecto nao se contestará nem o significado nem o alcance da medida que institui a Faculdade de Letras numa Universidade até agora de feição exclusivamente científica e técnica.
Na nova Faculdade serão versados os estudos históricos, filosóficos e pedagógicos.
As dificuldades que oferece o recrutamento de pessoal docente para outros ensinos, bem demonstradas nas Faculdades de Coimbra e de Lisboa, aconselharam a manter dentro destes limites o quadro dos estudos.
Não fica, porém, excluída a hipótese de, através de revisões que as circunstâncias venham a permitir, se estabelecerem novos cursos - os que são professados nas escolas congéneres ou cursos diferentes.
Usando da faculdade conferida pela 1.ª parte do n.º 2.º do artigo 109.º da Constituição, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:
Artigo 1.º É criada a Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
Art. 2.º Em tudo o que não for contrariado pelo presente diploma a Faculdade rege-se pelas disposições vigentes do Estatuto da Instrução Universitária e legislação complementar e do Decreto 18003, de 25 de Fevereiro de 1930, bem como pelos preceitos do Decreto 41341, de 30 de Outubro de 1957.
Art. 3.º Na Faculdade são professadas as licenciaturas em História e em Filosofia e ainda o curso de Ciências Pedagógicas.
§ único. A escolha das disciplinas de opção é limitada às que figuram no elenco daquelas licenciaturas.
Art. 4.º A Faculdade confere o grau de doutor em História, em Arqueologia e História da Arte e em Filosofia.
§ único. Enquanto não estiverem providos todos os lugares de professor catedrático da Faculdade, os júris das provas de doutoramento serão constituídos de harmonia com o disposto no Decreto-Lei 37350, de 24 de Março de 1949.
Art. 5.º O quadro de professores da Faculdade será igual ao que nas Faculdades de Letras das Universidades de Coimbra e Lisboa corresponder aos grupos de Ciências Históricas, Ciências Filosóficas e Ciências Pedagógicas.
O restante pessoal da Faculdade consta da tabela anexa ao presente diploma.
§ único. Os lugares dos quadros só serão providos à medida que as necessidades do serviço o justificarem.
Art. 6.º Os assistentes serão contratados, nos termos do artigo 10.º do Decreto-Lei 31658, de 21 de Novembro de 1941, conforme as necessidades do serviço e escolhidos entre doutores e licenciados em ciências compreendidas no grupo respectivo.
Art. 7.º Se os concursos para provimento de lugares de professor ficarem desertos ou não derem resultado útil, poderá o Ministro da Educação Nacional autorizar, até se completarem dez anos sobre a data da instalação da Faculdade, o contrato de pessoal docente com a designação de encarregado de curso.
§ 1.º O número de encarregados de curso será o estritamente necessário para se assegurar o funcionamento do serviço docente.
§ 2.º Os encargos com os contratos de encarregados de curso serão suportados pelas disponibilidades das dotações para pessoal docente da Faculdade.
Art. 8.º Os encarregados de curso serão escolhidos mediante concurso documental entre doutores e licenciados em ciências compreendidas no grupo respectivo.
§ único. Os júris para os concursos de que trata o presente artigo serão nomeados pelo Ministro da Educação Nacional, de harmonia com o estabelecido no Decreto-Lei 37350.
Art. 9.º A categoria de encarregado de curso corresponde o vencimento de professor extraordinário.
Art. 10.º Os encarregados de curso são obrigados ao mesmo serviço docente que a legislação em vigor exige dos professores catedráticos. Pela acumulação de regência de aulas magistrais receberão a gratificação que é abonada a estes professores.
Art. 11.º Os encarregados de curso não poderão, em qualquer hipótese, permanecer com esta categoria ao serviço da Faculdade por mais de seis anos.
§ único. É aplicável aos encarregados de curso o preceituado no Decreto-Lei 37186, de 10 de Maio de 1950, para os assistentes.
Art. 12.º Enquanto não for nomeado o director da Faculdade e não estiver instalado o conselho escolar, as respectivas atribuições serão exercidas pelo reitor da Universidade.
§ único. O conselho será instalado logo que se encontrem em exercício na Faculdade três professores catedráticos.
Publique-se e cumpra-se como nele se contém.
Paços do Governo da República, 17 de Agosto de 1961. - AMÉRICO DEUS RODRIGUES THOMAZ - António de Oliveira Salazar - José Gonçalo da Cunha Sottomayor Correia de Oliveira - Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior - João de Matos Antunes Varela - António Manuel Pinto Barbosa - Mário José Pereira da Silva - Fernando Quintanilha Mendonça Dias - Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira - Eduardo de Arantes e Oliveira - Adriano José Alves Moreira - Manuel Lopes de Almeida - José do Nascimento Ferreira Dias Júnior - Carlos Gomes da Silva Ribeiro - José João Gonçalves de Proença - Henrique de Miranda Vasconcelos Martins de Carvalho.
Tabela a que se refere o artigo 5.º de Decreto-Lei 43864
Pessoal docente:
1 director.
1 secretário.
1 bibliotecário.
Pessoal técnico:
1 segundo-bibliotecário.
2 catalogadores.
Pessoal menor:
1 contínuo de 1.ª classe.
2 contínuos de 2.ª classe.
2 serventes.
Ministério da Educação Nacional, 17 de Agosto de 1961. - O Ministro da Educação Nacional, Manuel Lopes de Almeida.