Acordam, na 3.ª Secção, do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1 - O presente recurso vem interposto pelo Ministério Público, com natureza obrigatória, ao abrigo do artigo 280.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3 da CRP e dos artigos 70.º, n.º 1, alínea a) e 72.º, n.º 3, ambos da LTC, do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, em 03 de Outubro de 2007 (fls. 447 a 459) que recusou aplicar o"n.º 7 da Portaria 234/97, na parte em que prevê a responsabilidade dos proprietários ou os responsáveis legais pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público do gasóleo colorido e marcado pela diferença entre o montante do ISP e IVA liquidado e pago e a que seria devida se se tratasse de gasóleo rodoviário [por ser] orgânica e materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 106.º, n.º 2, e 168.º, n.º 1, alínea i), da CRP, na redacção vigente em Abril de 1997" (fls. 459).
Entre outras considerações, a decisão recorrida entendeu que:
"[...]
A determinação da incidência, subjectiva e objectiva, dos impostos bem como as suas taxas está sujeita a reserva de lei formal, nos termos dos artigos 106.º, n.º 2, e 168.º, n.º 1, da alínea i), da CRP, na redacção vigente em Abril de 1997 [103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP, nas redacções posteriores].
A parte final deste n.º 7, na parte em que prevê o pagamento de ISP correspondente à venda de gasóleo rodoviário e respectivo IVA aos proprietários ou os responsáveis legais pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público do gasóleo colorido e marcado que o vendam a quem não seja titular de cartão com microcircuito, é uma norma que prevê o pagamento da taxa correspondente ao gasóleo rodoviário relativamente a factos tributários que não consistem na comercialização deste tipo de mercadoria, sendo desta perspectiva, uma norma definidora da incidência objectiva do ISP.
Ou, doutra perspectiva, aquele n.º 7 impõe a quem não vendeu gasóleo rodoviário o pagamento do imposto correspondente à sua comercialização, na parte em que este imposto excede o correspondente à comercialização de gasóleo marcado e colorido, sendo, desta óptica, uma norma que define a incidência subjectiva do ISP.
Ou, ainda doutra perspectiva, aquele n.º 7 reconduz-se a aplicar a taxa correspondente à comercialização de gasóleo rodoviário, à comercialização de gasóleo marcado e colorido, sendo, por isso, uma norma definidora da taxa aplicável à comercialização deste tipo de gasóleo, em termos diferentes da prevista no Código, nas circunstâncias aí indicadas.
Qualquer que seja a perspectiva, a estatuição contida neste n.º 7 insere-se na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, à face das normas constitucionais indicadas.
Assim, a constitucionalidade desta imposição do pagamento da diferença de ISP e correspondente IVA, depende se ela estar contida em lei formal ou Decreto-Lei emitido ao abrigo de autorização legislativa.
No caso em apreço, constata-se que a definição da tributação para estas situações não estava, ao tempo em que ocorreram os factos dos autos, contida em diplomas com este valor legislativo.
Na verdade, embora o artigo 3.º, alínea e), preveja genericamente que são sujeitos passivos do imposto «as pessoas singulares ou colectivas que, em situação irregular, produzam, detenham, transportem, introduzam no consumo, vendam ou utilizem produtos sujeitos a impostos», desta norma apenas decorre que, quando houver irregularidade, essas pessoas podem ser responsabilizadas pelo pagamento do imposto que deveriam cobrar e não cobraram, relativo à mercadoria que transaccionaram, mas já não resulta que possam ser responsabilizadas pelo pagamento de um imposto que não devia ser cobrado pela transacção da mercadoria que efectivamente transaccionam.
No caso em apreço, o que foi transaccionado foi gasóleo marcado e colorido e não gasóleo rodoviário e o imposto que deveria ser cobrado pela venda do mesmo era o correspondente ao gasóleo marcado e colorido e não o correspondente ao gasóleo rodoviário, como resulta do n.º 1 do artigo 74.º do C.I.E.C. ao estabelecer que «são tributados com taxas reduzidas o gasóleo, o gasóleo de aquecimento e o petróleo coloridos e marcados com os aditivos definidos por portaria do Ministro das Finanças».
Isto é, não se está perante uma situação de falta de liquidação do imposto devido relativamente à mercadoria vendida, pois o que foi vendido, apesar do não cumprimento das formalidades legais, foi gasóleo marcado e colorido vendido e não gasóleo rodoviário, e o ISP à taxa reduzida que incide sobre a comercialização daquele primeiro tipo de gasóleo foi liquidada e paga. Pelo facto de não terem sido cumpridas essas formalidades, o gasóleo referido não deixou de ser marcado e colorido e não passou a ser considerado gasóleo rodoviário, não deixando de continuar a ser punida a sua utilização como gasóleo rodoviário, se eventualmente o adquirente o utilizou como tal.
Assim, com base nas normas de incidência que constam do CIEC e do CIVA não se chega à conclusão de que, no caso de o gasóleo marcado e colorido não ser vendido com os requisitos e o destino legal, a taxa de ISP que deve ser aplicada (e o correspondente IVA) não são que a lei prevê para a sua comercialização, mas antes a taxa aplicável a qualquer outro produto petrolífero, designadamente o gasóleo rodoviário. Ou, doutra perspectiva, não resulta daqueles códigos que quem vendeu gasóleo marcado e colorido deva pagar algum imposto correspondente a gasóleo rodoviário, que não vendeu.
Por outro lado, também não é forçoso concluir, em termos lógicos, que a não observância dos requisitos de um regime de tributação privilegiado implique a aplicação do regime normal, pois a punição das ilegalidades cometidas na comercialização pode ser eficientemente efectuada apenas com as sanções criminais ou contra-ordenacionais, que são previstas no Regime Geral das Infracções Tributárias e noutros diplomas especiais.
Aliás, é isso mesmo que inculca o n.º 6 do referido artigo 74., ao estabelecer que «a venda, a aquisição ou o consumo de gasóleo colorido e marcado com violação do disposto no número anterior estão sujeitos às sanções previstas no Regime Geral das Infracções Tributárias e em Legislação especial».
São estas as consequências previstas para a irregularidade em causa e não também que o gasóleo vendido passa a ser juridicamente considerado gasóleo rodoviário ou que, continuando juridicamente a ser gasóleo marcado e colorido, a taxa de ISP aplicável, em vez de ser a prevista na lei para essa mercadoria passa a ser a que corresponde a qualquer outro produto petrolífero diferente do produto que foi vendido.
Poderia aventar-se que o facto de o referido artigo 47.º, n.º 1, da Lei 3-B/2000 ter vindo estabelecer, na redacção dada ao artigo 3.º do Decreto-Lei 566/99, que «na medida em que sejam compatíveis com o código dos Impostos Especiais de Consumo aprovado pelo presente diploma, mantêm-se em vigor as disposições regulamentares da legislação por ele revogadas constantes de portaria ou despacho ministerial, considerando-se que as referências nelas efectuadas se reportam às correspondentes normas do mencionado Código» tornaria irrelevantes, para futuro, as questões de inconstitucionalidade orgânica que se poderiam suscitar em relação aquele n.º 7 da Portaria 234/97.
No entanto, mesmo que, hipoteticamente se aceitasse, em abstracto, a possibilidade de um diploma legislativo vir transformar direito regulamentar anterior em normas legislativas, por mera remissão para o seu conteúdo, tal apenas seria razoável em casos em que houvesse um remissão expressa para o conteúdo de determinado diploma ou diplomas, e não, como sucede no caso em apreço, uma mera referência genérica a «disposições regulamentares... constantes de portaria ou de despacho ministerial», que não identifica claramente as disposições para que se remete.
Por outro lado, a redacção daquele artigo 47.º, n.º 1, da Lei 3-B/2000 nem sequer contém uma remissão para o conteúdo das disposições regulamentares a que alude, que permita aventar a possibilidade de ver nele uma absorção ou recepção material desse direito regulamentar, que passaria a ter força legislativa. Na verdade, a redacção dessa norma ao dizer que «na medida em que sejam compatíveis com o Código dos Impostos Especiais de Consumo aprovado pelo presente diploma, mantém-se em vigor as disposições regulamentares de legislação por ele revogadas constantes de portaria ou de despacho ministerial» revela com evidência que o direito regulamentar é mantido como tal, como regulamentar, e não passa a ter força legislativa.
Conclui-se, assim, que referido n.º 7 da Portaria 234/97, na parte em que prevê responsabilidade dos proprietários ou os responsáveis legais pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público do gasóleo colorido e marcado pela diferença entre o montante do ISP e IVA liquidado e pago e a que seria devida se se tratasse de gasóleo rodoviário é orgânica e materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 106.º, n.º 2, e 168.º, n.º 1, alínea i), da CRP, na redacção vigente em Abril de 1997." (fls. 456 a 459)
2. Notificado para alegar, o Ministério Público apresentou as suas alegações, cujas conclusões são as seguintes:
«1º O princípio constitucional da reserva de lei fiscal implica que os aspectos fundamentais atinentes à definição da relação tributária, incluindo a respectiva incidência subjectiva, devem constar necessariamente de diploma legal, não podendo ser inovatoriamente definidos por normas de índole regulamentar.
2.º Do artigo 3.º, n.º 2, alínea e), do Código dos Impostos Especiais de Consumo resulta que são sujeitos passivos as pessoas singulares ou colectivas que, em situação irregular, introduzam no consumo ou vendam produtos sujeitos a imposto especial de consumo.
3º Face ao preceituado no artigo 74º, n.º 1 e 3, do mesmo Código (na versão aplicável, de 2002) são tributados com um regime fiscal privilegiado, consubstanciado no pagamento de"taxas reduzidas", o gasóleo"colorido" e"marcado", necessariamente destinado às finalidades taxativamente previstas no n.º 3, o qual só pode ser adquirido pelos titulares do cartão microcircuito, instituído para efeitos de controlo da sua afectação aos destinados elencados naquele n.º 3, nº4 do citado artigo 74º.
4º Inferindo-se deste conjunto normativo que a irregular comercialização de gasóleo"colorido" e"marcado", por destinado a quem não seja titular do referido cartão, implica a não aplicação do regime fiscal privilegiado, constante do n.º 1 do artigo 74º, e a consequente responsabilidade pelas taxas"normais" aplicáveis à venda de combustíveis, nos termos da norma de incidência subjectiva que consta da alínea e) do n.º 2 do artigo 3º do referido Código.
5º Não sendo, deste modo, inovatória a norma de responsabilidade tributária, constante da parte final do n.º 7 da Portaria 234/97, ela não incide, de modo constitutivo, sobre a definição da incidência subjectiva do imposto sobre os produtos petrolíferos, não padecendo, consequentemente, da apontada inconstitucionalidade orgânico-formal.
6.º Termos em que deverá proceder o presente recurso." (fls. 476 a 478)»
3. Por sua vez, notificada das alegações, a recorrida deixou expirar o prazo de resposta, sem contra-alegar.
Cumpre, então, apreciar e decidir.
II - Fundamentação
4. Nos presentes autos, importa aferir da eventual inconstitucionalidade orgânica por violação do artigo 168.º, n.º 1, alínea i), da CRP, e material, por violação do artigo 106.º, n.º 2, da CRP da norma extraída do § 7.º da Portaria 234/97, de 04 de Abril, na parte em que dispõe:
"Os proprietários ou os responsáveis pela exploração dos postos autorizados para venda ao público do gasóleo colorido e marcado só poderão vender o produto aos titulares de cartões com microcircuito (...), sendo responsáveis pelo pagamento do ISP e respectivo IVA resultantes da diferença entre a taxa do imposto aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa do imposto aplicável ao gasóleo colorido e marcado em relação às quantidades que venderem e que não fiquem documentadas no movimento contabilístico do posto" (com sublinhado).
A posição que se tomar vai depender de saber se esta norma encontra, ou não, acolhimento numa interpretação conjugada da alínea e) do n.º 2 do artigo 3.º e do artigo 74.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo [de ora em diante, CIEC], aprovado pelo Decreto-Lei 566/09, de 22 de Dezembro. Somente se se entender que a norma é inovatória se poderá concluir pela inconstitucionalidade orgânica, dado que consta de diploma regulamentar e não de acto legislativo.
Antes de mais, há que definir o âmbito de aplicação no tempo daquelas normas legais. Na medida em que os factos constitutivos da obrigação tributária ocorreram entre 21 de Janeiro de 2002 e 31 de Dezembro de 2002 (ver o mapa de vendas irregulares, constante de fls. 23 a 26 dos autos de processo de cobrança fiscal), constata-se que a lei aplicável aos factos seria: i) aquela que resulta da alteração ao CIEC (aprovado pelo Decreto-Lei 566/99, de 22 de Dezembro), introduzida pelo artigo 38.º da Lei 109-B/2001, de 27 de Dezembro, quanto aos factos tributários ocorridos entre 21 de Janeiro de 2002 e 04 de Novembro de 2002; ii) aquela que resulta da alteração ao CIEC introduzida pelo Decreto-Lei 223/2002, de 30 de Outubro, quanto aos factos ocorridos entre a data da sua entrada em vigor - ou seja, 04 de Novembro de 2002 - e 31 de Dezembro de 2002.
Refira-se que, apesar disso, a decisão recorrida aparenta ter aplicado, indistintamente, a redacção conferida ao artigo 74.º do CIEC pelo artigo 38.º da Lei 109-B/2001, não tendo aplicado a redacção introduzida pelo Decreto-Lei 223/2002, nem sequer aos factos ocorridos após a entrada em vigor deste último diploma legal [cf. fls. 455:"No artigo 74.º do mesmo Código, na redacção vigente em 2002, em que ocorreram os factos (...)].
Contudo, estritamente para efeitos de verificação da conformidade orgânica da norma reputada de inconstitucional, importa ter igualmente presente a nova redacção introduzida pelo Decreto-Lei 223/2002, na medida em que o Tribunal Constitucional é livre de tomar em consideração fundamentos que extravasem dos indicados pelos recorrentes ou mesmo que não tenham sido apreciados pelos tribunais recorridos.
O artigo 3.º, n.º 2, alínea e) do CIEC manteve, até à actualidade, a sua redacção originária inalterada:
"2 - São ainda sujeitos passivos.:
[...]
e) As pessoas singulares ou colectivas que, em situação irregular, produzam, detenham, transportem, introduzam no consumo, vendam ou utilizem produtos sujeitos a imposto especial de consumo (...)"
Por sua vez, o artigo 74.º do CIEC tem sido alvo de diversas alterações legislativas, sendo que, naquilo que importa para os presentes autos, aquele preceito legal assumiu, originariamente, a seguinte redacção:
"1. São tributados com taxas reduzidas o gasóleo e o petróleo coloridos e marcados com os aditivos definidos por portaria do Ministro das Finanças.
2 - O petróleo colorido e marcado só pode ser utilizado no aquecimento, iluminação e nos usos previstos no n.º 3 do presente artigo.
3 - O gasóleo colorido e marcado só pode ser consumido por:
a) Motores estacionários utilizados na rega;
b) Embarcações referidas na alínea c) e h) do n.º 1 do artigo 71.º;
c) Tractores agrícolas, ceifeiras-debulhadoras, moto-cultivadores, moto-enxadas, motoceifeiras, colhedores de batatas automotrizes, colhedores de ervilha, colhedores de forragem para silagem, colhedores de tomate, gadanheiras-condicionadoras, máquinas de vindimar, vibradores de tronco para colheita de azeitona e outros frutos, bem como outros equipamentos automotrizes, aprovados por portaria conjunta dos Ministros das Finanças, e da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas;
d) Veículos de transporte de passageiros e de mercadorias por caminhos de ferro;
e) Motores fixos;
4 - Para efeitos deste artigo, entendem-se por motores fixos os motores que se destinem à produção de energia e que, cumulativamente, se encontrem instalados em plataformas inamovíveis."
Mais tarde, por força do artigo 38.º da Lei 109-B/2001, de 27 de Dezembro, aquele preceito passou a assumir a seguinte redacção:
"Artigo 74.º
1 - São tributados com taxas reduzidas o gasóleo, o gasóleo de aquecimento e o petróleo coloridos e marcados com os aditivos definidos por portaria do Ministro das Finanças.
2 - O petróleo colorido e marcado só pode ser utilizado no aquecimento, iluminação e nos usos previstos no n.º 3 do presente artigo.
3 - O gasóleo colorido e marcado só pode ser consumido por:
a) Motores estacionários utilizados na rega;
b) Embarcações referidas na alínea c) e h) do n.º 1 do artigo 71.º;
c) Tractores agrícolas, ceifeiras-debulhadoras, moto-cultivadores, moto-enxadas, motoceifeiras, colhedores de batatas automotrizes, colhedores de ervilha, colhedores de forragem para silagem, colhedores de tomate, gadanheiras-condicionadoras, máquinas de vindimar, vibradores de tronco para colheita de azeitona e outros frutos, bem como outros equipamentos automotrizes, aprovados por portaria conjunta dos Ministros das Finanças, e da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas;
d) Veículos de transporte de passageiros e de mercadorias por caminhos de ferro;
e) Motores fixos;
4 - O gasóleo colorido e marcado só poderá ser adquirido pelos titulares do cartão de microcircuito instituído para efeitos de controlo da sua afectação aos destinos referidos no número anterior.
5 - A venda, a aquisição ou o consumo de gasóleo colorido e marcado com violação do disposto no número anterior estão sujeitos às sanções previstas no Regime Geral das Infracções Tributárias e em legislação especial.
6 - Para efeitos deste artigo, entendem-se por motores fixos os motores que se destinem à produção de energia e que, cumulativamente, se encontrem instalados em plataformas inamovíveis."
Subsequentemente, por força do já referido Decreto-Lei 223/2002, o artigo 74.º do CIEC passou a assumir a seguinte redacção:
"1 - São tributados com taxas reduzidas o gasóleo, o gasóleo de aquecimento e o petróleo coloridos e marcados com os aditivos definidos por portaria do Ministro das Finanças.
2 - O petróleo colorido e marcado só pode ser utilizado no aquecimento, iluminação e nos usos previstos no n.º 3 do presente artigo.
3 - O gasóleo colorido e marcado só pode ser consumido por:
a) Motores estacionários utilizados na rega;
b) Embarcações referidas na alínea c) e h) do n.º 1 do artigo 71.º;
c) Tractores agrícolas, ceifeiras-debulhadoras, moto-cultivadores, moto-enxadas, motoceifeiras, colhedores de batatas automotrizes, colhedores de ervilha, colhedores de forragem para silagem, colhedores de tomate, gadanheiras-condicionadoras, máquinas de vindimar, vibradores de tronco para colheita de azeitona e outros frutos, bem como outros equipamentos automotrizes, aprovados por portaria conjunta dos Ministros das Finanças, e da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas;
d) Veículos de transporte de passageiros e de mercadorias por caminhos de ferro;
e) Motores fixos;
4 - O gasóleo de aquecimento só pode ser utilizado como combustível de aquecimento industrial, comercial ou doméstico.
5.O gasóleo colorido e marcado só poderá ser adquirido pelos titulares do cartão de microcircuito instituído para efeitos de controlo da sua afectação aos destinos referidos no n.º 3 do presente artigo.
6 - A venda, a aquisição ou o consumo de gasóleo colorido e marcado com violação do disposto no número anterior estão sujeitos às sanções previstas no Regime Geral das Infracções Tributárias e em legislação especial
7 - Para efeitos deste artigo, entendem-se por motores fixos os motores que se destinem à produção de energia e que, cumulativamente, se encontrem instalados em plataformas inamovíveis."
Mais recentemente, já depois de os factos constitutivos das obrigações tributárias apreciadas nos autos recorridos, esta redacção do artigo 74.º do CIEC veio a ser ainda alterada pelo artigo 69.º da Lei 53-A/2006, de 31 de Dezembro que, naquilo que se afigura relevante para os presentes autos, clarificou o regime de consequências para o não cumprimento do registo no sistema de controlo informático:
"5. O gasóleo colorido e marcado só pode ser adquirido pelos titulares do cartão com microcircuito instituído para efeitos de controlo da sua afectação aos destinos referidos no n.º 3, sendo o proprietário ou o responsável legal pela exploração dos postos autorizados responsabilizado pelo pagamento do imposto resultante da diferença entre a taxa do imposto aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao gasóleo colorido e marcado, em relação às quantidades que venderem e não fiquem devidamente registadas no sistema informático subjacente aos cartões com microcircuito atribuídos."
Esta nova redacção do n.º 5 do artigo 74.º do CIEC não é, contudo, directamente aplicável aos autos (sob pena de violação do princípio da irretroactividade fiscal (artigo 103.º, n.º 3, da CRP). Deve, contudo, notar-se que a nova redacção do n.º 5 do artigo 74.º do CIEC veio consagrar, com algumas meras correcções de organização frásica, a terminologia empregue no § 7.º da Portaria 234/97, de 04 de Abril de 1997.
5. Retomando a questão deixada em aberto, importa pois averiguar se é possível extrair da redacção CIEC aplicável ao caso nos autos recorridos (ou seja, a que decorre da alteração introduzida pelo artigo 38.º da Lei 109-B/2001, quanto aos factos tributários ocorridos até 04 de Novembro de 2002, e a que decorre da alteração introduzida pelo Decreto-Lei 223/2002, quantos aos factos tributários ocorridos desde aquela data até 31 de Dezembro de 2002) uma obrigação tributária de suportar o valor do imposto resultante da diferença entre a taxa do imposto aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao gasóleo colorido e marcado, em relação às quantidades que venderem e não fiquem devidamente registadas no sistema informático subjacente aos cartões com microcircuito atribuídos, interpretação, aliás, sustentada pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto em funções neste Tribunal.
Como se viu, a decisão recorrida fundamentou o seu juízo de inconstitucionalidade na simples circunstância de as características físicas e químicas do gasóleo comercializado corresponderem às do gasóleo colorido ou reduzido, sujeito a uma taxa reduzida de imposto especial sobre o consumo. Ou seja, a decisão recorrida entende que, tendo sido comercializado gasóleo que corresponde, em função da sua natureza física e química, a gasóleo colorido ou marcado, não existe norma alguma que imponha a tributação à taxa normal, ficcionando-se a sua natureza como de gasóleo rodoviário.
Ora, conforme bem demonstrado pelo recorrente, a aplicação da taxa reduzida fixada no artigo 74.º do CIEC - nas redacções resultantes do artigo 38.º da Lei 109-B/2001 e do Decreto-Lei 223/2002 - não depende exclusivamente das suas características físicas e químicas, mas principalmente da finalidade conferida ao respectivo uso. Assim, o legislador entendeu que só seria justificada a aplicação de taxa reduzida quando o uso do gasóleo colorido e marcado se destinasse a qualquer uma das finalidades previstas no n.º 3 do referido artigo 74.º
Daqui decorre que, mesmo antes da introdução da redacção actualmente vigente do n.º 5 do artigo 74.º do CIEC - recorde-se, pelo artigo 69.º da Lei 53-A/2006, de 31 de Dezembro - , aquele diploma legal já permitia concluir pela responsabilidade tributária dos vendedores de gasóleo colorido ou marcado a consumidores não portadores de cartão válido. É que, sempre que o gasóleo não se destinasse àquelas finalidades, seria evidente que a venda se afiguraria como irregular, ficando sujeita à taxa normal de imposto especial sobre o consumo. Ora, na medida em que a alínea e) do n.º 2 do artigo 3.º do CIEC sempre determinou a sujeição a imposto das pessoas singulares ou colectivas que vendessem, de modo irregular, produtos sujeitos a imposto especial de consumo, torna-se forçoso concluir que o disposto no § 7.º da Portaria 234/97 não pode afigurar-se como inovatório face ao já preceituado nos referidos preceitos legais do CIEC.
No caso dos autos recorridos, o âmbito de incidência subjectiva tributária já se encontrava definido pelos artigos 3.º, n.º 2, alínea e) e 74.º do CIEC, constituindo o § 7.º daquela Portaria uma mera decorrência daqueles preceitos. A circunstância de a Portaria 234/97 ter sido determinada em momento anterior ao da entrada em vigor do CIEC em nada obsta a este entendimento, na medida em que o n.º 1 do artigo 47.º da Lei 2-B/2000, de 04 de Abril, procedeu a um aditamento ao artigo 3.º do diploma que aprovou o CIEC, no sentido de garantir a manutenção em vigor de todas as disposições regulamentares constantes de portaria que tenham sido aprovadas em momento prévio àquele, desde que compatíveis com o CIEC - o que é, manifestamente, o caso.
A circunstância de o legislador ter vindo, em momento posterior, a clarificar uma redacção menos evidente do enunciado normativo, não impede que o texto legal anterior seja interpretado em sentido conforme à Constituição, sempre que permitido pelo sentido possível das palavras. Ora, ainda que menos explícito que a redacção actual do n.º 5 do artigo 74.º do CIEC, já era possível interpretar a redacção originária do CIEC naquele mesmo sentido, seja na redacção conferida pelo artigo 38.º da Lei 109-B/2001, seja na do Decreto-Lei 223/2002.
Em suma, não se revestindo de conteúdo inovatório, mas antes limitando-se a precisar os mecanismos de cobrança de imposto devido nos termos dos artigos 3.º, n.º 2, alínea e) e 74.º,"a contrario", do CIEC, não se verifica qualquer inconstitucionalidade material (artigo 103.º, n.º 2, da CRP) ou orgânica (artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP) do disposto no § 7.º da Portaria 234/97.
III - Decisão
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se:
a) Não julgar inconstitucional a norma constante do § 7.º da Portaria 234/97, de 04 de Abril,"na parte em que prevê a responsabilidade dos proprietários ou os responsáveis legais pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público do gasóleo colorido e marcado pela diferença entre o montante do ISP e IVA liquidado e pago e a que seria devida se se tratasse de gasóleo rodoviário"
b) Conceder provimento ao recurso.
Sem custas, por não serem devidas.
Lisboa, 18 de Junho de 2008. - Ana Maria Guerra Martins - Carlos Fernandes Cadilha - Maria Lúcia Amaral - Vítor Gomes - Gil Galvão.