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Acórdão 371/2007, de 7 de Setembro

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Sumário

Dá por verificado o recebimento, por parte do PPD/PSD, durante o ano de 2002, de um donativo indirecto, em violação do disposto no artigo 5.º, n.º 4, da Lei n.º 56/98, de 18 de Agosto, na redacção dada pela Lei n.º 23/2000, de 23 de Agosto, e determina que os autos sejam continuados com vista ao Ministério Público

Texto do documento

Acórdão 371/2007

Processo 10/CPP - Apenso n.º 9-A

Acta

Aos 27 dias do mês de Junho de 2007, achando-se presentes o Excelentíssimo Conselheiro presidente Rui Manuel Gens de Moura Ramos e os Exmo.s Conselheiros José Manuel Cardoso Borges Soeiro, Gil Manuel Gonçalves Gomes Galvão, Carlos José Belo Pamplona de Oliveira, Maria João da Silva Baila Madeira Antunes, Ana Maria Guerra Martins, Mário José de Araújo Torres, Maria Lúcia Amaral, Vítor Manuel Gonçalves Gomes, Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Benjamim Silva Rodrigues e João Eduardo Cura Mariano Esteves, foram trazidos à conferência os presentes autos de fiscalização das contas do PPD/PSD relativas a 2002.

Após debate e votação, foi ditado pelo Exmo. presidente o seguinte:

I - Relatório

1 - Em 11 de Dezembro de 2006, a Direcção-Geral dos Impostos enviou à Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (doravante, ECFP), para os efeitos previstos no artigo 24.º, n.º 4, da Lei 19/2003, de 20 de Junho, uma informação elaborada pela Direcção de Finanças de Lisboa, relativa ao exercício de 2002 da SOMAGUE - Sociedade Gestora de Participações Sociais, S. A., dando conta dos seguintes factos:

"No âmbito de um procedimento de inspecção à sociedade Brandia Creating - Design e Comunicação, S. A. (na qual se integra a NOVODESIGN - Companhia Portuguesa de Design, S. A.), foi detectada a factura n.º 20 176/1, de 15 de Março de 2002, no valor de Euro 233 415, emitida à sociedade SOMAGUE - S. G. P. S., S. A.

Anexada a essa factura encontraram-se sete facturas, no valor total de Euro 233 415 e com data de 15 de Março de 2002, por serviços prestados ao PPD/PSD, que foram anuladas.

Em anexo a estas últimas facturas encontrou-se um documento interno, com o seguinte teor: 'estes sete pedidos de facturas vão dar origem a uma factura única à SOMAGUE, com o seguinte descritivo [...]'."

Os factos referidos nessa informação vêm acompanhados de prova documental (cópia das facturas e do documento interno acima mencionados).

2 - Tendo em conta que os factos em questão não chegaram ao conhecimento da ECFP através de um processo de auditoria por si realizado - note-se que esta Entidade só entrou em funcionamento em Janeiro de 2005, data em que já estava concluída a auditoria às contas dos partidos políticos relativas a 2002 -, foram os presentes autos enviados ao Ministério Público.

Em 20 de Dezembro de 2006, o procurador-geral-adjunto em funções neste Tribunal promoveu a remessa de certidão dos autos aos serviços do Ministério Público competentes, para averiguação da existência de possível e eventual ilícito criminal nos actos praticados pelos vários intervenientes, bem como o que a seguir se relata:

"Dos elementos documentais remetidos pela Inspecção Tributária resulta indiciado, no plano contra-ordenacional, o eventual cometimento de infracção ao disposto no n.º 4 do artigo 5.º da Lei 56/98, de 18 de Agosto, com as alterações decorrentes da Lei 23/2000, de 23 de Agosto: na verdade, terá ocorrido pagamento por terceiro - a SOMAGUE - de um débito resultante de relação jurídica estabelecida entre o PPD/PSD e a NOVODESIGN - Companhia Portuguesa de Design, S. A. (que integra a Brandia Creating), com vista a contornar a proibição legal de recebimento pelos partidos políticos de donativos de pessoas colectivas.

A situação ora denunciada integra-se na previsão do n.º 2 do artigo 103.º-A da Lei do Tribunal Constitucional, pelo que se promove a autuação do correspondente processo complementar de prestação de contas do ano de 2002 (atenta a data das facturas em causa) ou, eventualmente, de 2001, por parte do PPD/PSD, já julgadas por este Tribunal Constitucional através dos Acórdãos n.os 647/2004 e 423/2004.

O trânsito em julgado de tais acórdãos não obsta - atentos os limites objectivos e temporais do caso julgado - à imputação de responsabilidades de natureza contra-ordenacional, com base em ilegalidades, supervenientemente conhecidas, e que se configurem como manifestamente autónomas relativamente às que o Tribunal teve por verificadas na sequência do normal procedimento de auditoria, previsto e regulado no n.º 1 do referido artigo 103.º-A: na verdade, a violação do preceituado no n.º 4 do artigo 5.º da Lei 56/98 (na redacção emergente da Lei 23/2000) consubstancia-se no cometimento de uma ilegalidade perfeitamente autónoma (do ponto de vista objectivo e subjectivo) relativamente às irregularidades que foram verificadas e sancionadas naqueles arestos, pelo que não deve naturalmente considerar-se integrada, consumida ou precludida, já que não representa simples afloramento, desenvolvimento ou concretização das que foram efectivamente verificadas e sancionadas na sequência do normal processo de prestação de contas pelo Partido em causa.

Para além da prova documental constante dos autos, o esclarecimento cabal dos factos e o apuramento seguro das possíveis responsabilidades contra-ordenacionais indiciadas dependerá da prática de indispensáveis diligências instrutórias suplementares, nomeadamente - e em termos liminares e imediatos:

A audição dos responsáveis financeiros do PPD/PSD, nos anos de 2001 e 2002, de modo a facultar-se-lhes o contraditório e as alegações ou explicações que porventura considerem pertinentes, salientando-se que estará em causa não apenas a responsabilidade do próprio partido mas também a dos dirigentes partidários que terão participado ou determinado o cometimento da infracção, consubstanciada no recebimento de um 'donativo proibido indirecto' (artigo 14.º, n.º 3, da citada Lei 56/98);

A audição, quer dos administradores das pessoas colectivas que teriam comparticipado em tal ilegalidade, quer dos respectivos responsáveis pela gestão contabilística e financeira, tendo em vista - não apenas o esclarecimento cabal dos factos ligados à infracção indiciariamente imputável ao Partido - mas também a responsabilidade contra-ordenacional que poderá recair sobre tais entes colectivos e respectivos administradores, nos termos dos n.os 5 e 6 do citado artigo 14.º

Não dispondo o Ministério Público de competências próprias para a realização de tais diligências instrutórias no âmbito dos processos regulados no artigo 103.º-A da Lei do Tribunal Constitucional e sendo, no caso, tais diligências instrutórias essenciais, quer para apurar da consistência da prova documental remetida pelos serviços tributários, quer para imputar a pessoas ou entidades colectivas determinadas a responsabilidade contra-ordenacional, concorrente com a que poderá incidir sobre o Partido - sugere-se que o Tribunal Constitucional possa ser coadjuvado tecnicamente pela Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, ao abrigo do preceituado nos artigos 24.º da Lei 19/2003, de 20 de Junho, e 9.º, n.º 1, alínea c), da Lei Orgânica 2/2005, de 10 de Janeiro."

3 - Na sequência da promoção do Ministério Público, o Tribunal enviou os autos à ECFP, tendo esta solicitado a colaboração da Polícia Judiciária, ao abrigo do disposto no artigo 15.º da Lei Orgânica 2/2005, de 10 de Janeiro, para proceder às diligências instrutórias necessárias.

Em 3 de Maio de 2007, a Polícia Judiciária entregou ao Tribunal vários autos de declarações e um relatório, cujo teor é, em suma, o seguinte:

"Foram ouvidos vários administradores e funcionários da sociedade NOVODESIGN - Companhia Portuguesa de Design, S. A., à data da prática dos factos.

João Paulo Sequeira (administrador e responsável pela área financeira da NOVODESIGN) declarou que: i) os serviços descritos nos documentos com a epígrafe 'pedido de factura' que constam do processo foram prestados ao PPD/PSD e à JSD; ii) os serviços em causa foram facturados à SOMAGUE e pagos por esta sociedade; iii) foi Cláudia Figueira (funcionária da NOVODESIGN) quem o informou que o cliente efectivo pretendia que fosse outrem a liquidar a despesa; e iv) deu assentimento à operação, mas não agiu isoladamente (os restantes administradores conheciam e concordavam com a alteração da identidade do pagador) nem discricionariamente (pretendia apenas que os serviços prestados fossem pagos).

Paulo Pinto (administrador executivo da NOVODESIGN) declarou que: i) o seu pelouro era exclusivamente de índole criativa e ignorava os procedimentos da área administrativa e financeira; ii) não anuiu à modificação da entidade pagadora; e iii) o cliente PPD/PSD foi angariado por João Paulo Sequeira.

Carlos Coelho (administrador executivo da NOVODESIGN) declarou que: i) desconhecia os factos em investigação; ii) as suas funções se limitavam à área comercial e ao desenvolvimento técnico dos projectos; e iii) o cliente PPD/PSD foi angariado por João Paulo Sequeira.

Artur Ferreira (administrador não executivo da NOVODESIGN) declarou que: i) não participava na gestão operacional da sociedade; ii) só aquando da inspecção tributária realizada em 2006 teve conhecimento dos factos ora em investigação; iii) é de presumir que os serviços descritos nos 'pedidos de factura' foram prestados ao PPD/PSD; e iv) apenas João Paulo Sequeira poderia autorizar superiormente a facturação à SOMAGUE, na medida em que era o responsável pela área administrativa e financeira.

Cláudia Figueira (directora de projecto da NOVODESIGN) declarou que: i) era a gestora do cliente PPD/PSD; ii) este cliente foi angariado por João Paulo Sequeira, que acompanhava de perto a evolução dos respectivos projectos; iii) os serviços mencionados nos 'pedidos de factura' foram prestados ao PPD/PSD e à JSD; iv) esses serviços foram facturados à SOMAGUE e pagos por esta sociedade; v) a alteração da entidade pagadora foi solicitada pelo PPD/PSD, através de Vieira de Castro; vi) essa alteração foi autorizada por João Paulo Sequeira; e vii) uma das frases escritas no documento interno de alteração da entidade pagadora foi escrita por si.

João Baluarte (responsável administrativo e financeiro da NOVODESIGN, tendo por superiores hierárquicos Paulo Sequeira e Armando Serrano) declarou que: i) o PPD/PSD era cliente da sociedade; ii) os serviços mencionados nos 'pedidos de factura' foram prestados ao PPD/PSD e à JSD; iii) esses serviços chegaram a ser facturados ao cliente; e iv) a assinatura da factura enviada à SOMAGUE é de Armando Serrano.

Armando Serrano (director financeiro da NOVODESIGN, reportando directamente a João Paulo Sequeira) declarou que: i) os serviços mencionados nos 'pedidos de factura' foram prestados ao PPD/PSD e à JSD; ii) esses serviços chegaram a ser facturados ao cliente, mas as facturas foram anuladas, mediante a emissão de notas de crédito; iii) esses serviços foram facturados à SOMAGUE e pagos por esta sociedade; e iv) a responsabilidade pela alteração da entidade pagadora é de João Paulo Sequeira.

Paulo Machado (controlador financeiro da NOVODESIGN) declarou que: i) os serviços mencionados nos 'pedidos de factura' foram prestados ao PPD/PSD e à JSD; ii) esses serviços foram facturados à SOMAGUE e pagos por esta sociedade; iii) elaborou os 'pedidos de factura'; e iv) a maior parte das frases escritas no documento interno de alteração da entidade pagadora foi escrita por si, de acordo com orientações de João Paulo Sequeira.

Luís Miguel Correia (funcionário do sector de cobranças e controlo de crédito da NOVODESIGN) declarou que: i) Vieira de Castro era o elo de ligação entre a sociedade e o PPD/PSD, tendo ele solicitado que os serviços prestados fossem facturados à SOMAGUE; e ii) contactou a SOMAGUE, tendo esta assumido o ónus de liquidar a despesa.

Nancy Luís (funcionária do departamento de facturação da NOVODESIGN) declarou que escreveu no documento interno a frase 'entregar factura ao cuidado do Dr. Vieira de Castro PMP - Sede Nacional, Rua de São Caetano à Lapa, 9', por ordem de um superior hierárquico.

Jorge Andrade (director administrativo e financeiro da sociedade Mestre de Aviz, detentora da maioria do capital social da NOVODESIGN) declarou que: i) os serviços mencionados nos 'pedidos de factura' foram prestados ao PPD/PSD e à JSD; ii) esses serviços chegaram a ser facturados ao cliente, mas as facturas foram anuladas, mediante a emissão de notas de crédito; iii) esses serviços foram facturados à SOMAGUE e pagos por esta, apesar de a sociedade ser completamente alheia ao circuito comercial acima descrito.

Foram também ouvidos vários responsáveis da SOMAGUE, à data da prática dos factos.

João Silvestre (director financeiro da SOMAGUE) declarou que: i) a sociedade liquidou a factura da NOVODESIGN, de 15 de Março de 2002, no valor de Euro 233 415, independentemente de o serviço nela descrito ter sido prestado a uma terceira entidade; ii) não pode apresentar uma justificação para o sucedido; iii) a assinatura aposta na factura, que caucionava o seu pagamento, pertence a Diogo Vaz Guedes (presidente do conselho de administração da SOMAGUE); e iv) como meio de pagamento foi emitido um cheque, assinado por Luís Santos e Nuno Silva (administradores da SOMAGUE).

João Barragan Pires (director de auditoria interna da SOMAGUE) corroborou o depoimento de João Silvestre e declarou que a responsabilidade pelo pagamento da factura é de Diogo Vaz Guedes.

Luís Santos e Nuno Silva (administradores da SOMAGUE) declararam que: i) assinaram o cheque que liquidou a factura da NOVODESIGN; ii) estavam de boa fé, porque confiavam na idoneidade da factura e na existência da subjacente relação comercial e porque a factura tinha sido conferida pelo departamento de contabilidade e tinha aposta a assinatura do presidente do conselho de administração; e iii) tais assinaturas foram efectuadas de forma maquinal, uma vez que era procedimento corrente assinarem muitos cheques por dia, que lhes chegavam às mãos já preenchidos.

Diogo Vaz Guedes (presidente do conselho de administração da SOMAGUE) expressou a vontade de não prestar declarações.

Pretendeu-se ouvir alguns responsáveis do PPD/PSD, à data da prática dos factos.

Todavia, não se conseguiu obter o depoimento de Vieira de Castro (referido nas declarações de vários depoentes), por razões de saúde, e de José Luís Arnaut (secretário-geral do PPD/PSD), por falta de autorização da Assembleia da República (exigida pelos artigos 157.º, n.º 2, da Constituição, e 11.º, n.º 2, do Estatuto dos Deputados).

Apenas Manuel Ricardo Almeida (secretário-geral da JSD) foi ouvido e, confrontado com um dos pedidos de factura dirigidos à JSD constantes dos autos, declarou que: i) os serviços mencionados na factura anulada foram efectivamente prestados; ii) a NOVODESIGN remeteu à JSD a factura referente aos serviços prestados; iii) essa factura foi enviada ao PPD/PSD; iv) a entidade responsável pelo pagamento era o PPD/PSD, uma vez que a JSD carecia de autonomia financeira; e iv) presumiu que a factura foi efectivamente liquidada pelo PPD/PSD, desconhecendo que foi uma terceira entidade a saldar a dívida."

4 - O Tribunal notificou, de seguida, o PPD/PSD para se pronunciar, querendo, sobre a matéria constante dos autos, dando cumprimento ao princípio do contraditório e permitindo ao Partido exercer as garantias de defesa consagradas no artigo 13.º, n.º 2, da Lei 56/98, de 18 de Agosto (entretanto revogada), e no artigo 26.º, n.º 2, da Lei 19/2003, de 20 de Junho.

O PPD/PSD pronunciou-se, em suma, nos seguintes termos:

"Das sete facturas endereçadas ao PPD/PSD constantes dos autos, uma delas (a de fls. 50), foi liquidada pelo cheque n.º 9394505139, de 6 de Março de 2002.

Não foi encontrado qualquer registo das restantes facturas.

Consta da contabilidade do PPD/PSD um conjunto de facturas, no montante total de Euro 243 331,93, relativas ao período e ao fornecedor em apreço (a sociedade NOVODESIGN).

Na ausência de qualquer outro suporte documental e na impossibilidade de contactar, por ponderosas razões de saúde, o então secretário-geral-adjunto, responsável pela área administrativa e financeira, José Luís Vieira de Castro, não estamos habilitados a prestar quaisquer outros esclarecimentos."

II - Fundamentos

5 - O procedimento normal de fiscalização das contas dos partidos políticos relativas ao exercício de 2002 está já concluído, tendo sido aplicadas coimas aos partidos infractores (Acórdão 288/2005, de 31 de Maio) e aos dirigentes partidários que nelas pessoalmente participaram (Acórdão 348/2006, de 31 de Maio).

Posteriormente à prolação dessas decisões, através de comunicação da Direcção-Geral dos Impostos, em 11 de Dezembro de 2006, teve o Tribunal conhecimento de factos que indiciavam a prática de uma infracção ao regime de financiamento dos partidos políticos, cometida em 2002.

Para além desses factos serem subjectivamente supervenientes à apreciação das contas partidárias de 2002, consubstanciam uma infracção autónoma relativamente às que foram sancionadas nos Acórdãos acima referidos. Trata-se do recebimento de um donativo indirecto, através do pagamento por terceiros de despesas que aproveitaram a um partido político, em infracção ao disposto no artigo 5.º, n.º 4, da Lei 56/98, na redacção dada pela Lei 23/2000, de 23 de Agosto.

Tais factos podem ainda ser apreciados pelo Tribunal, apesar de já terem transitado em julgado os acórdãos acima mencionados. Como explica o Ministério Público, na promoção junta aos presentes autos, o caso julgado não preclude a imputação de responsabilidades de natureza contra-ordenacional, "com base em ilegalidades supervenientemente conhecidas e que se configurem como manifestamente autónomas relativamente às que o Tribunal teve por verificadas na sequência do normal procedimento de auditoria".

A própria LTC prevê, no artigo 103.º-A, n.º 2, que "quando, fora da hipótese contemplada no número anterior [fiscalização anual do cumprimento das obrigações que impendem sobre os partidos, em matéria de financiamento e organização contabilística], se verifique que ocorreu o incumprimento de qualquer das obrigações nele referidas, o presidente determinará a autuação do correspondente processo [...]".

6 - Os indícios apresentados pela Direcção de Finanças de Lisboa foram confirmados, de forma cabal, pelas diligências de instrução levadas a cabo pela Polícia Judiciária, a pedido da ECFP.

Os depoimentos recolhidos junto de vários responsáveis e funcionários da NOVODESIGN (João Paulo Sequeira, Cláudia Figueira, João Baluarte, Armando Serrano, Paulo Machado e Jorge Andrade), bem como do secretário-geral da JSD (Manuel Ricardo Almeida), confirmam que os serviços referidos nos pedidos de factura constantes de fl. 10 a fl. 16 dos autos, emitidas em 15 de Março de 2002, foram efectivamente prestados pela NOVODESIGN ao PPD/PSD e à JSD.

A prova documental junta aos autos permite concluir que os sete pedidos de factura, dirigidos ao PPD/PSD e à JSD (uma organização especial do PPD/PSD, integrada na orgânica deste Partido, nos termos previstos no artigo 10.º dos respectivos Estatutos) foram anulados e deram origem a uma factura única, com a mesma data, dirigida à SOMAGUE. Tais factos resultam claros: i) dos pedidos de factura, na medida em que a referência ao PPD/PSD e à JSD nelas aposta foi riscada e substituída por uma referência à SOMAGUE; ii) do documento interno da NOVODESIGN anexo aos pedidos de factura (constante de fl. 18 dos autos), no qual se refere que "estes sete pedidos de factura vão dar origem a uma factura única à SOMAGUE [...]"; e iii) da factura dirigida à SOMAGUE (constante de fl. 8 dos autos), que corresponde ao teor do documento interno, no que toca à entidade pagadora, ao descritivo e ao valor dos serviços prestados. Esses factos foram também confirmados por vários responsáveis e funcionários da NOVODESIGN (João Paulo Sequeira, Cláudia Figueira, Armando Serrano, Paulo Machado, Luís Miguel Correia e Jorge Andrade) e parcialmente admitidos por dois responsáveis da SOMAGUE (João Silvestre e João Barragan Pires - embora estes não tenham identificado a entidade que beneficiou dos serviços facturados pela NOVODESIGN).

O PPD/PSD alega que liquidou a factura correspondente a um dos sete pedidos de factura (o de fl. 11, no valor de Euro 2919,15), através de cheque. Todavia, o Partido não fez prova dessa afirmação - e poderia tê-lo feito, designadamente juntando cópia do cheque através do qual terá efectuado o pagamento ou cópia do recibo correspondente à factura em questão). Acresce que a soma do valor constante dos sete pedidos de factura passados ao PPD/PSD corresponde exactamente ao valor da factura passada à SOMAGUE e por esta liquidada (Euro 233 415), pelo que se conclui que a SOMAGUE liquidou a dívida referente ao pedido de factura acima identificado.

Além disso, as facturas apresentadas pelo PPD/PSD (de fl. 123 a fl. 130) referem-se a outros serviços prestados pela NOVODESIGN, que não correspondem - nem em valor, nem em descritivo, nem em data - aos pedidos de factura constantes de fl. 10 a fl. 16. A sua relevância para o presente processo consiste apenas em reforçar a prova de que o PPD/PSD era, à data da prática dos factos, cliente da NOVODESIGN.

Em suma, os elementos constantes dos autos provam que os serviços referidos nos sete pedidos de factura da NOVODESIGN, emitidos em 15 de Março de 2002, no valor global de Euro 233 415, foram prestados ao PPD/PSD e à JSD, mas foram facturados à SOMAGUE e pagos por esta sociedade, embora se ignore o que fundamentou tal liberalidade.

7 - A factualidade apurada traduz-se numa violação do disposto no artigo 5.º, n.º 4, da Lei 56/98 (na redacção dada pela Lei 23/2000), que prescreve que "aos partidos políticos está [...] vedado receber ou aceitar quaisquer contribuições ou donativos indirectos que se traduzam no pagamento por terceiros de despesas que àqueles aproveitem, fora dos limites previstos no artigo 4.º".

Com efeito, no caso dos autos ocorreu um pagamento por terceiro (SOMAGUE) de despesas (decorrentes de serviços prestados pela NOVODESIGN) que aproveitaram a um partido político (PPD/PSD). Além disso, o valor do donativo indirecto (Euro 233 415) ultrapassa o limite previsto no artigo 4.º, n.º 1, da Lei 56/98, na redacção dada pela Lei 23/2000 - esse limite é de 30 salários mínimos mensais nacionais por doador, isto é, Euro 10 440, uma vez que o salário mínimo mensal nacional no ano de 2002 correspondia a Euro 348 (artigo 1.º do Decreto-Lei 325/2001, de 17 de Dezembro).

Essa conduta consubstancia uma contra-ordenação, punível com coima e perda a favor do Estado dos valores ilegalmente recebidos, nos termos previstos no artigo 14.º da Lei 56/98, na redacção dada pela Lei 23/2000.

8 - A responsabilização dos infractores, nos termos previstos nos artigos 5.º, n.º 4, e 14.º da Lei 56/98 (na redacção dada pela Lei 23/2000), não fica prejudicada pela circunstância de esses preceitos normativos terem sido ulteriormente modificados e substituídos.

Com efeito, deve aplicar-se a lei vigente à data da prática dos factos, a não ser que a lei posterior seja mais favorável ao arguido (artigo 3.º, n.os 1 e 2, do Regime Geral das Contra-ordenações).

Ora, posteriormente à prática dos factos, o legislador agravou a responsabilidade pelo recebimento de donativos indirectos. A Lei 19/2003, de 20 de Junho, que revogou e substituiu a Lei 56/98, proíbe aos partidos políticos o recebimento de donativos indirectos que se traduzam no pagamento de despesas partidárias por terceiros, independentemente do valor em causa [artigo 8.º, n.º 3, alínea c)], e mantém o regime sancionatório aplicável à violação dessa proibição, quer no que toca às pessoas susceptíveis de responsabilização, quer no que toca às coimas aplicáveis (artigo 29.º).

As vicissitudes sofridas pela Lei 56/98 posteriormente à data da prática dos factos não relevam, portanto, para o presente processo.

9 - De acordo com artigo 14.º da Lei 56/98, na redacção dada pela Lei 23/2000, devem ser responsabilizados pela prática da contra-ordenação não só o partido político que recebeu o donativo ilegal (n.º 2), mas também os dirigentes partidários, as pessoas colectivas e os dirigentes destas últimas que tenham participado na infracção (n.os 3, 5 e 6, respectivamente).

Tendo o Tribunal reconhecido, no presente processo complementar de prestação de contas dos partidos políticos, a ocorrência objectiva de ilegalidades, devem os autos seguir com vista ao Ministério Público, para os efeitos previstos no artigo 103.º-A, n.º 2, da LTC.

Finalmente, deve notificar-se o PPD/PSD da presente decisão, para dela tomar conhecimento.

III - Decisão

10 - Nos termos e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:

1.º Dar por verificado o recebimento, por parte do PPD/PSD, durante o ano de 2002, de um donativo indirecto, no valor de Euro 233 415, efectuado pela SOMAGUE - Sociedade Gestora de Participações Sociais, S. A., através do pagamento, por parte desta sociedade, de serviços prestados pela NOVODESIGN - Companhia Portuguesa de Design, S. A., àquele Partido, em violação do disposto no artigo 5.º, n.º 4, da Lei 56/98, na redacção dada pela Lei 23/2000.

2.º Determinar que os autos sejam continuados com vista ao Ministério Público, nos termos do disposto no artigo 103.º-A, n.º 2, da LTC, e que o PPD/PSD seja notificado da presente decisão, para dela tomar conhecimento.

Lisboa, 27 de Junho de 2007. - José Borges Soeiro - Gil Galvão - Carlos Pamplona de Oliveira - Maria João Antunes - Ana Maria Guerra Martins - Mário Torres - Maria Lúcia Amaral - Vítor Gomes - Carlos Fernandes Cadilha - Benjamim Rodrigues - João Cura Mariano - Rui Manuel Moura Ramos.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1603797.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1998-08-18 - Lei 56/98 - Assembleia da República

    Regula o regime aplicável aos recursos financeiros dos partidos políticos e das companhas eleitorais.

  • Tem documento Em vigor 2000-08-23 - Lei 23/2000 - Assembleia da República

    Primeira alteração às Leis 56/98, de 18 de Agosto (financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais), e 97/88, de 17 de Agosto (afixação e inscrição de mensagens de publicidade e propaganda).

  • Tem documento Em vigor 2001-12-17 - Decreto-Lei 325/2001 - Ministério do Trabalho e da Solidariedade

    Aprova os novos valores do salário mínimo nacional.

  • Tem documento Em vigor 2003-06-20 - Lei 19/2003 - Assembleia da República

    Regula o regime aplicável ao financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.

  • Tem documento Em vigor 2005-01-10 - Lei Orgânica 2/2005 - Assembleia da República

    Regula a organização e funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos.

Ligações para este documento

Este documento é referido no seguinte documento (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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