TÍTULO I
Do arrendamento rural em geral
BASE I
1. O arrendamento de prédios rústicos para fins agrícolas, pecuários ou florestais denomina-se arrendamento rural e consiste na transferência para o locatário, por certo tempo e mediante determinada retribuição, do uso e fruição da coisa, nas condições de uma exploração regular.2. Se o arrendamento recair sobre prédio rústico e do contrato e respectivas circunstâncias não resultar o destino atribuído ao prédio, presumir-se-á que o arrendamento é rural. Exceptuam-se os arrendamentos em que intervenha como arrendatária qualquer pessoa colectiva de direito público, os quais se entendem celebrados para fins de interesse público.
3. Os contratos mistos de arrendamento rural e outro ou outros negócios jurídicos regem-se por aplicação conjunta das normas próprias de cada um deles; quando isso não seja possível, funcionará o regime do negócio jurídico que, dados os termos do contrato, deva considerar-se predominante.
BASE II
1. O arrendamento rural não necessita de ser reduzido a escrito; mas as alterações ao regime supletivo do contrato ou dos usos e costumes locais só por escrito podem provar-se.2. Os arrendamentos reduzidos a escrito só podem ser alterados por documento de igual força.
BASE III
1. Os arrendamentos rurais não podem ser celebrados por menos de seis anos. Se for estabelecido prazo mais curto, valerão por aquele prazo.2. Findo o prazo referido no número anterior, ou o convencionado, se for superior, presume-se renovado o contrato por mais três anos, e assim sucessivamente, se o arrendatário se não tiver despedido ou o senhorio o não despedir, no tempo e pela forma designados no Código de Processo Civil.
3. A renovação contratual nunca poderá ser feita por prazo inferior a três anos.
4. A Corporação da Lavoura poderá propor ao Governo a alteração dos prazos mínimos estabelecidos nos números anteriores, por meio de regulamento que tenha em conta a diferenciação regional, as convenientes rotações culturais e a estabilidade dos arrendatários.
BASE IV
1. Os arrendamentos não podem celebrar-se por mais de 30 anos; quando estipulados por tempo superior ou como contratos perpétuos, serão reduzidos àquele prazo.2. Exceptuam-se os arrendamentos para fins silvícolas, os quais podem ser celebrados pelo prazo máximo de 99 anos. Se forem convencionados prazos superiores, serão reduzidos àquele limite.
BASE V
1. Ficam sujeitos a registo os arrendamentos cujo prazo de duração seja superior ao referido no n.º 1 da base III.2. Os arrendamentos sujeitos a registo devem constar de escritura pública; mas a falta desta não impede que o contrato subsista pelo prazo de seis anos.
BASE VI
1. São aplicáveis aos arrendamentos rurais os artigos 41.º e 42.º da Lei 2030, de 22 de Junho de 1948.2. Em qualquer dos casos, os arrendamentos só se consideram resolvidos no fim do ano agrícola em curso.
BASE VII
1. Os arrendamentos não caducam por morte do senhorio nem pela transmissão do prédio, seja qual for a natureza da transmissão.2. O arrendamento também não caduca por morte do rendeiro, se este deixar cônjuge ou descendentes que, habitando ou cultivando o prédio arrendado, queiram manter o contrato. Quando estas circunstâncias se não verifiquem, a denúncia pelo senhorio será efectuada nos três meses seguintes à morte, mas só produz efeitos no fim do ano agrícola que estiver em curso no termo daquele prazo.
BASE VIII
1. A expropriação do prédio por utilidade pública importa a caducidade do arrendamento.2. Se a expropriação for total, o arrendamento é considerado como encargo autónomo para o efeito de o arrendatário ser indemnizado pelo expropriante. Nesta indemnização será considerado, além do valor dos frutos pendentes ou das colheitas inutilizadas, acrescido das importâncias a que se refere a base XVI, o prejuízo do arrendatário pela cessação da exploração em função do tempo que faltar para o termo do contrato e até ao limite máximo de quatro vezes o valor da renda anual.
3. Se a expropriação for parcial, o arrendatário, independentemente dos direitos facultados no número anterior em relação à parte expropriada, pode optar pela resolução do contrato ou pela diminuição proporcional da renda.
BASE IX
1. A renda será fixada em dinheiro ou géneros, sempre que possível produzidos pelo prédio.2. Os grémios da lavoura poderão promover a constituição de comissões paritárias de senhorios e arrendatários encarregadas de elaborar e propor à sua apreciação e aprovação ulterior do Governo os limites máximos e mínimos das rendas, em conformidade com os usos e costumes de cada região.
3. As rendas contratuais que se contenham dentro dos limites fixados consideram-se justas.
4. Na falta da regulamentação a que se refere o n.º 2, poderá o Governo estabelecer esses limites quando haja fortes motivos de ordem económico-agrária e social.
BASE X
1. Quando, por causas imprevisíveis ou fortuitas, como inundações que não permitam culturas de recurso, estiagens extraordinárias, ciclones, outros acidentes meteorológicos ou geológicos e pragas de natureza excepcional, o prédio não produzir frutos ou os frutos pendentes se perderem em quantidade não inferior, no todo, a metade dos que produziu normalmente, o arrendatário pode pedir redução equitativa da renda, que não exceda metade do seu quantitativo, e ainda a rescisão do contrato, se a capacidade produtiva do prédio tiver ficado afectada de maneira duradoura.2. A falta de produção ou perda dos frutos não é, todavia, de atender na medida em que for compensada pelo valor da produção do ano ou dos anos anteriores, no caso de contrato plurianual, ou por indemnização recebida ou a receber pelo arrendatário em razão da mesma falta ou perda.
3. As cláusulas derrogadoras do disposto no n.º 1 são nulas.
4. O exercício dos direitos facultados no n.º 1 ao arrendatário fica dependente de aviso por escrito ao senhorio, de modo a permitir-lhe a verificação dos prejuízos.
BASE XI
Se, por virtude de nova lei ou de providências tomadas pela Administração ou empresas concessionárias de serviço público, for alterada a rendabilidade do prédio, qualquer dos contraentes pode, conforme os casos, pedir o aumento ou a redução equitativa da renda.1. O prédio ou prédios presumem-se sempre arrendados com todas as suas partes integrantes; mas, salvo usos e costumes em contrário, as coisas acessórias só se consideram compreendidas no arrendamento se tiverem sido expressamente mencionadas em documento escrito.
2. À locação das coisas acessórias é aplicável, salvo estipulação ou uso e costume em contrário, o regime do respectivo arrendamento.
BASE XIII
1. Consideram-se não escritas as cláusulas em virtude das quais:a) O arrendatário se obrigue, por qualquer título, a serviços que não devam ser prestados em benefício directo do prédio ou se sujeite a encargos extraordinários ou casuais não compreendidos na renda;
b) O arrendatário se obrigue a pagar prémios de seguro de imóveis ou contribuições prediais ou a reparar os prejuízos a que se refere a base X;
c) Qualquer dos contraentes renuncie ao direito de pedir a rescisão do contrato nos de violação das obrigações legais ou contratuais.
2. Se os prémios de seguro ou as contribuições acresciam à renda estipulada, será esta aumentada das respectivas importâncias.
BASE XIV
1. O senhorio pode fazer as benfeitorias que não alterem sensìvelmente a exploração normal e todas as demais que sejam consentidas pelo arrendatário ou judicialmente autorizadas.2. O senhorio indemnizará o arrendatário pelos prejuízos que lhe causarem as obras.
3. Se das benfeitorias consentidas por escrito pelo arrendatário ou judicialmente autorizadas resultar aumento da produtividade do prédio, o senhorio pode exigir acréscimo proporcional de renda.
BASE XV
1. Quando os melhoramentos importarem alteração sensível do regime de exploração do prédio ou o arrendatário se não conformar com o acréscimo da renda, poderá este pedir a rescisão do contrato.2. A rescisão só produzirá os seus efeitos no fim do ano agrícola em que se iniciarem as obras ou o arrendatário tiver conhecimento do aumento da renda.
BASE XVI
1. O arrendatário pode fazer as benfeitorias úteis ou voluptuárias sem consentimento do proprietário, salvo se afectarem a substância do prédio ou o seu destino económico.2. Se houver consentimento por escrito ou se este tiver sido judicialmente suprido, o arrendatário, findo o contrato, tem direito a exigir o valor das benfeitorias úteis.
3. O suprimento judicial só será concedido se o tribunal reconhecer que os melhoramentos são de utilidade manifesta pala o prédio, compatíveis com a razoável economia da exploração e justificados pela duração do contrato. O proprietário ficará com o direito de se substituir ao arrendatário na execução da obra no prazo e modo que forem determinados.
4. O valor das benfeitorias é calculado pelo seu custo, se não exceder o valor do benefício à data da cessação do arrendamento. No caso contrário, não poderá o arrendatário haver mais do que esse valor.
5. Quando o consentimento for judicialmente suprido, a importância da indemnização não ultrapassará o valor da renda de três anos.
6. O proprietário poderá efectuar o pagamento em prestações anuais de valor nunca inferior a um terço da renda, mas, se não renunciar expressamente a este direito, terá de consentir na renovação do contrato pelos anos necessários para o reembolso da indemnização devida, mediante simples notificação do arrendatário.
7. O arrendatário goza do direito de retenção, enquanto não estiver pago das benfeitorias úteis, mas o proprietário poderá obter o despejo desde que garanta o pagamento com hipoteca ou preste caução.
BASE XVII
O arrendatário pode levantar, até ao termo do contrato, as benfeitorias úteis ou voluptuárias que tenha feito, se o puder fazer sem detrimento. Cessa neste caso em relação às benfeitorias úteis levantadas, o direito conferido no n.º 2 da base anterior.
BASE XVIII
1. A não renovação do contrato não dispensa o arrendatário da obrigação de assegurar para futuro a produtividade normal do prédio.2. Exceptua-se a prática de actos que já não possam trazer qualquer proveito ao arrendatário cessante; mas, neste caso, não tens ele direito a opor-se a que o senhorio promova os trabalhos necessários para assegurar aquela produtividade, desde que o faça sem prejuízo para o arrendatário ou o indemnize dos danos que lhe causar.
3. Nas localidades onde houver uso ou costume quanto à realização de tais trabalhos, observar-se-á esse uso ou costume
BASE XIX
1. É proibido o subarrendamento total.2. O subarrendamento parcial é permitido quando autorizado, para cada caso, pelo senhorio.
3. A cessão do direito ao arrendamento é também permitida quando autorizada pelo senhorio.
BASE XX
O senhorio pode obter o despejo imediato do prédio arrendado, sem prejuízo do direito à reparação por perdas e danos, quando o arrendatário:a) Tiver faltado ao cumprimento de alguma obrigação contratual ou legal;
b) Prejudicar a produtividade do prédio;
c) Não tiver velado pela boa conservação dos bens ou causar prejuízos graves nos que, não sendo objecto do contrato, existam nos prédios arrendados.
BASE XXI
As questões entre senhorios e arrendatários serão decididas, com recurso para o Tribunal da Relação competente, por uma comissão arbitral composta pelo juiz de direito da comarca, que presidirá, e representantes da Secretaria de Estado da Agricultura e da organização corporativa da lavoura.
TÍTULO II
Do arrendamento rural ao cultivador directo
BASE XXII
Quando o arrendamento tiver por objecto um ou mais prédios que o arrendatário explore, exclusiva ou predominantemente, com o seu próprio trabalho ou de pessoas do seu agregado familiar, são imperativamente aplicáveis as disposições das bases seguintes.
BASE XXIII
1. O prazo mínimo de duração dos arrendamentos a que se refere a base anterior é de um ano.2. O prazo de renovação legal é igualmente de um ano, mesmo que tenha sido estipulado prazo superior.
3. O senhorio não poderá opor-se às três primeiras renovações anuais.
BASE XXIV
Para efeitos da base XXII, entende-se por agregado familiar o conjunto das pessoas ligadas entre si por qualquer grau de parentesco que vivam habitualmente em comunhão de mesa e habitação com o arrendatário e, bem assim, os serviçais vivendo em idêntico regime.Nestes arrendamentos, quando se verifique a hipótese prevista na base X, o tribunal pode autorizar que a renda reduzida nos termos da mesma base seja paga em prestações.
BASE XXVI
O direito conferido pelo n.º 2 da base XVI não depende, nesta espécie de arrendamento, do consentimento do proprietário, mas o arrendatário não gozará do direito de retenção quando as benfeitorias não tenham sido autorizadas.
TÍTULO III
Disposições finais e transitórias
BASE XXVII
Ficam excluídos da aplicação desta lei os contratos de colónia da ilha da Madeira, que continuam a ser regulados pelas normas que lhes são actualmente aplicáveis. Ficam também excluídas da aplicação do regime do arrendamento as situações de colonização no continente.
BASE XXVIII
1. Aos arrendamentos ou subarrendamentos de pretérito só se aplicam as disposições desta lei se houver, depois da sua entrada em vigor, renovação dos contratos.2. Os subarrendamentos totais, se houver renovação, serão tidos, para todos os efeitos, como contratos de cessão do direito ao arrendamento, assumindo o subarrendatário, em relação ao senhorio, a posição de arrendatário directo.
BASE XXIX
1. O Governo, tendo em conta o interesse económico-agrário e social de assegurar a estabilidade no exercício da profissão agrícola aos arrendatários de unidades de exploração familiar econòmicamente viáveis, poderá regular o regime jurídico que em tais casos se considere mais adequado.2. O Governo procederá também à revisão do regime regulador de outras formas contratuais de exploração da terra.
Publique-se e cumpra-se como nele se contém.
Paços do Governo da República, 15 de Junho de 1962. - AMÉRICO DEUS RODRIGUES THOMAZ - António de Oliveira Salazar.