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Acórdão 275/2007, de 18 de Junho

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Sumário

Julga inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade, conjugado com o artigo 59.º, n.º 1, alínea e), da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 61.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 119/99, de 14 de Abril, interpretado no sentido de que o incumprimento do prazo de 90 dias consecutivos a contar da data do desemprego para o interessado requerer à segurança social a atribuição do subsídio de desemprego determina a irremediável preclusão do direito global a todas as prestações a que teria direito durante todo o período de desemprego involuntário

Texto do documento

Acórdão 275/2007

Processo 205/2007

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

1 - Relatório. - Maria Alice Neves Madeira da Silva Quintal intentou, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, acção administrativa especial contra o Instituto de Segurança Social, I. P., impugnando a decisão que, com fundamento em caducidade do respectivo direito (por ultrapassagem do prazo de 90 dias fixado no artigo 61.º, n.º 1, do Decreto-Lei 119/99, de 14 de Abril), indeferira o seu pedido de concessão de subsídio de desemprego (situação em que se encontrava na sequência de rescisão com justa causa do contrato de trabalho que a ligava à entidade empregadora, ocorrida em 9 de Maio de 2002), formulado em 19 de Novembro de 2002, e peticionando a condenação do réu a praticar o acto devido de atribuição desse subsídio à autora a partir da data em que esta apresentou o referido requerimento.

Por Acórdão de 9 de Novembro de 2006 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra foi a acção julgada procedente e o réu condenado a, através do órgão administrativo competente, e no prazo de 30 dias, emitir acto administrativo que decida sobre o mérito do pedido de atribuição de subsídio de desemprego formulado pela autora no seu requerimento de 19 de Novembro de 2002, tendo, para o efeito, sido recusada a aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade, do "segmento da norma do artigo 61.º, n.º 1, do Decreto-Lei 119/99, de 14 de Abril, que estabelece o prazo de 90 dias para apresentação do requerimento, por violação do direito dos trabalhadores a assistência material em situação de desemprego involuntário consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea e), da CRP".

Para alcançar esta conclusão, o referido acórdão desenvolveu a seguinte argumentação jurídica:

"A questão suscitada pela autora assenta, em suma, no facto de a mesma considerar que deve ser atribuído subsídio de desemprego mesmo quando aquele é requerido para além do prazo de 90 dias previsto no artigo 61.º, n.º 1, do Decreto-Lei 119/99, de 19 de Abril. Sustenta a autora que a não apresentação do requerimento de concessão das prestações de desemprego no prazo de 90 dias subsequentes à data em que se verificou o desemprego involuntário não pode significar a preclusão do direito à percepção do subsídio, mas apenas que o beneficiário que o tiver requerido em data posterior àqueles 90 dias só terá direito ao subsídio desde a data em que formulou o pedido, contanto que esta se compreenda num dos períodos de concessão referidos no artigo 31.º do Decreto-Lei 119/99, de 14 de Abril; que a não se entender deste modo haverá que concluir que a interpretação efectuada pelo réu da norma contida no referido artigo 61.º, n.º 1, colide frontalmente não só com o disposto no artigo 59.º, n.º 1, alínea e), da CRP, segundo o qual todos os trabalhadores têm direito a assistência material, quando involuntariamente se encontrem em situação de desemprego, como também com o consagrado nos n.os 1 e 3 do artigo 63.º da CRP, nos termos dos quais é garantido o direito à segurança social na vertente da protecção dos cidadãos em situação de desemprego, entre outras; que se o prazo de 90 dias ínsito no artigo 61.º, n.º 1, do Decreto-Lei 119/99, de 14 de Abril, dever ser interpretado como sendo um prazo cuja inobservância terá a virtualidade de precludir o direito à percepção das prestações de desemprego mesmo a partir do momento da entrega do requerimento para além dos 90 dias posteriores à ocorrência da situação de desemprego involuntário, forçoso é concluir que aquela norma é materialmente inconstitucional, por colidir com os artigos 59.º, n.º 1, alínea e), e 63.º, n.os 1 e 3, da CRP; que a decisão de indeferimento está ferida de ilegalidade, por violação dos direitos fundamentais da autora, consagrados nos artigos 59.º, n.º 1, alínea e), e 63.º, n.os 1 e 3, da CRP, que configura uma nulidade, nos termos do artigo 133.º, n.º 1, alínea d), do Código do Procedimento Administrativo, por ofender o conteúdo essencial daqueles direitos fundamentais da autora.

Atentemos, pois, no Decreto-Lei 119/99, de 14 de Abril - diploma que estabelece, no âmbito do regime geral de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem, o quadro legal da reparação da eventualidade de desemprego.

De harmonia com o disposto no artigo 12.º, n.º 2, do Decreto-Lei 119/99, 'a titularidade do direito ao subsídio de desemprego é reconhecida aos beneficiários cujo contrato de trabalho tenha cessado nos termos do artigo 7.º daquele diploma e reúnam as respectivas condições de atribuição à data do desemprego'.

E dispõe o artigo 61.º, n.º 1, do Decreto-Lei 119/99 que 'a atribuição das prestações de desemprego depende da apresentação do requerimento à instituição de segurança social que abrange o trabalhador ou àquela em cujo âmbito de competência territorial se situa a sua residência, no prazo de 90 dias consecutivos a contar da data do desemprego', sendo que, em conformidade com o artigo 62.º, n.º 1, do Decreto-Lei 119/99, é considerada como data do desemprego o dia imediatamente subsequente àquele em que se verificou a cessação do contrato de trabalho.

Da matéria dada como provada nos presentes autos resulta que a autora rescindiu o contrato de trabalho então em vigor por carta datada de 9 de Maio de 2002, invocando justa causa, e que em 19 de Novembro de 2002 requereu a concessão de subsídio de desemprego ao Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Coimbra, através da apresentação do requerimento em formulário próprio (cf. facto n.º 1 da matéria assente). Pelo que, à luz do disposto no citado artigo 61.º, n.º 1, do Decreto-Lei 119/99, a autora apresentou o requerimento para atribuição de subsídio de desemprego para além do prazo de 90 dias ali previsto.

Vejamos então agora se aquela norma, naquele segmento, é inconstitucional por violação dos artigos 59.º, n.º 1, alínea e), e 63.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa.

O artigo 59.º, n.º 1, alínea e), da CRP dispõe o seguinte:

'1 - Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito:

a) ...

b) ...

c) ...

d) ...

e) À assistência material, quando involuntariamente se encontrem em situação de desemprego;

f) ...'

E o artigo 63.º da CRP dispõe o seguinte:

'1 - Todos têm direito à segurança social.

2 - Incumbe ao Estado organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social unificado e descentralizado, com a participação das associações sindicais, de outras organizações representativas dos trabalhadores e de associações representativas dos demais beneficiários.

3 - O sistema de segurança social protege os cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho.

4 - Todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado.

5 - O Estado apoia e fiscaliza, nos termos da lei, a actividade e o funcionamento das instituições particulares de solidariedade social e de outras de reconhecido interesse público sem carácter lucrativo, com vista à prossecução de objectivos de solidariedade social consignados, nomeadamente, neste artigo, na alínea b) do n.º 2 do artigo 67.º, no artigo 69.º, na alínea e) do n.º 1 do artigo 70.º e nos artigos 71.º e 72.º'

O citado artigo 59.º, n.º 1, alínea e), da CRP consagra um direito de cariz económica, conferindo aos trabalhadores um direito positivo a uma prestação do Estado assistência material - quando involuntariamente se encontrem em situação de desemprego. E aquele direito tem a natureza análoga a direito, liberdade e garantia (cf. artigo 17.º da CRP), atenta a sua densificação constitucional (v., neste sentido, Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra Editora, 1993, pp. 141 e 142 e 318-320). Assim, aquele direito constitucional dos trabalhadores à assistência material na situação de desemprego involuntário aproveita do regime constitucional próprio dos direitos, liberdades e garantias.

Aquela assistência material é efectivada através do subsídio de desemprego a satisfazer pelo sistema de segurança social, nos termos da Constituição da República Portuguesa (artigo 63.º), da Lei de Bases da Segurança Social, aprovada pela Lei 32/2002, de 20 de Dezembro [artigos 4.º, alínea c), 29.º, n.º 1, alínea c), e 33.º, n.º 1], e do Decreto-Lei 119/99, de 14 de Abril [artigo 2.º, alínea a)].

Assim, o subsídio de desemprego visa proteger os trabalhadores (e as suas famílias) na situação de desemprego, através da concessão de prestações pecuniárias (mensais) substitutivas dos rendimentos da actividade profissional perdidos. Trata-se, por conseguinte, de uma prestação pecuniária continuada que perdura no tempo, e que se mantém enquanto se verificar a situação de desemprego involuntário (e pelo período de concessão legalmente previsto). E destina-se a assegurar aos trabalhadores colocados em situação de desemprego involuntário os rendimentos que estes deixaram de auferir.

A lei (Decreto-Lei 119/99) faz depender a atribuição do subsídio de desemprego da apresentação de requerimento para o efeito. E estipula (no artigo 61.º, n.º 1) um prazo (de 90 dias) para a sua apresentação.

É o seguinte o disposto no artigo 61.º, n.º 1, do Decreto-Lei 119/99:

'A atribuição das prestações de desemprego depende da apresentação do requerimento à instituição de segurança social que abrange o trabalhador ou àquela em cujo âmbito de competência territorial se situa a sua residência, no prazo de 90 dias consecutivos a contar da data do desemprego.'

De harmonia com o disposto no artigo 9.º do Código Civil, o intérprete deve, na fixação do sentido e alcance da lei, presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, e reconstituir, a partir da letra da lei, o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico e as circunstâncias em que a lei foi elaborada. E na determinação do verdadeiro sentido e alcance das normas legais, o intérprete tem de utilizar sempre conjuntamente o elemento gramatical (a letra da lei) e o elemento lógico (o espírito da lei), neste se incluindo o elemento racional ou teleológico, o elemento sistemático e o elemento histórico (Baptista Machado, in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1985, p. 181).

A esta luz, o prazo de 90 dias previsto na parte final do artigo 61.º, n.º 1, do Decreto-Lei 119/99 é um prazo de caducidade, em conformidade com o artigo 298.º, n.º 2, do Código Civil. De onde resulta que, não sendo o requerimento apresentado naquele prazo, fica precludido o correspectivo direito. Ora, tal norma, naquele segmento, viola o direito constitucional à assistência material dos trabalhadores em caso de desemprego involuntário. Com efeito, a exigência introduzida pela lei ordinária da apresentação de requerimento dentro de prazo determinado a contar da data da verificação da situação de desemprego involuntário para que o trabalhador possa perceber o subsídio de desemprego colide com o conteúdo do direito constitucional consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea e), da CRP. Com efeito, e como já vimos, o subsídio de desemprego visa proteger os trabalhadores (e as suas famílias) na situação de desemprego, através da concessão de prestações pecuniárias substitutivas dos rendimentos da actividade profissional perdidos, satisfeita de forma continuada, perdurando no tempo, e mantendo-se enquanto se verificar a situação de desemprego involuntário (e pelo período de concessão legalmente previsto). Ora, conforme assinala Vaz Serra, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 107.º, p. 24, 'a caducidade é estabelecida com o fim de, dentro de certo prazo, se tornar certa, se consolidar, se estabelecer determinada situação jurídica', constituindo, assim, um instrumento ao serviço da segurança jurídica. Nos termos do Decreto-Lei 119/99, as prestações de desemprego são devidas desde a data do requerimento e o seu período de concessão é estabelecido em função da idade do beneficiário à mesma data (cf. os artigos 30.º e 31.º, n.º 1), podendo ir até 30 meses (acrescidos ainda de 2 meses por cada grupo de 5 anos com registo de remunerações no âmbito do regime geral, nos últimos 20 anos civis que precedem o do desemprego para os beneficiários que à data do requerimento tenham idade igual ou superior a 45 anos). Assim, a preclusão do direito à percepção das prestações de desemprego decorrente da não apresentação do pedido de atribuição de subsídio no prazo de 90 dias previsto no artigo 61.º, n.º 1, do Decreto-Lei 119/99 priva os trabalhadores em situação de desemprego involuntário da percepção de prestações pecuniárias substitutivas das remunerações salariais perdidas durante o período em que lhe seriam concedidas (perdurando a situação de desemprego involuntário) se tivessem sido requeridas dentro daquele prazo.

Aos tribunais é vedada a aplicação de normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados, devendo recusar a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade (cf. os artigos 204.º, 277.º e 280.º, n.º 1, da CRP).

Resultando inconstitucional, nos termos supra-expostos, o segmento da norma do artigo 61.º, n.º 1, do Decreto-Lei 119/99, de 14 de Abril, que estabelece o prazo de 90 dias para apresentação do requerimento, por violação do direito dos trabalhadores a assistência material em situação de desemprego involuntário consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea e), da CRP, há que recusar a sua aplicação ao caso concreto - artigos 204.º, 277.º e 280.º, n.º 1, da CRP.

Aqui chegados, cumpre, neste momento, decidir o caso dos autos desaplicando aquele segmento da norma contida no artigo 61.º, n.º 1, do Decreto-Lei 119/99, de 14 de Abril.

Nos presentes autos, a autora impugna a decisão de indeferimento do requerimento de concessão de subsídio de desemprego vertida no documento de fls. 21 e seguintes do processo administrativo (facto n.º 6 da matéria assente) e mantida por deliberação do conselho directivo do Instituto de Segurança Social de 29 de Julho de 2004, vertida no documento de fls. 56 e seguintes do processo administrativo (facto n.º 9 da matéria assente), em sede de recurso hierárquico, peticionando a decretação da anulação ou da nulidade do acto e a condenação do réu a praticar o acto devido de atribuição de subsídio de desemprego à autora a partir da data em que esta apresentou o requerimento respectivo (19 de Novembro de 2002).

E como já vimos supra, uma vez que em causa nos autos está uma decisão de indeferimento expresso, o que importa é apreciar e decidir se o réu recusou ilegalmente a prática de acto considerado devido no entender da autora e se se verificam os requisitos legais para a procedência da pretensão material da interessada (já que, atento o objecto do processo, a atenção do Tribunal deve focar-se na pretensão material do interessado e não no acto que a não deferiu).

Ora, quanto à primeira questão, atendendo à factualidade dada como provada nos presentes autos - designadamente aos factos n.os 4, 6 e 9 - resulta que o Instituto de Segurança Social expressamente recusou a atribuição de subsídio de desemprego requerido pela autora, invocando o disposto no artigo 61.º, n.º 1, do Decreto-Lei 119/99, de 14 de Abril, e considerando, à luz daquela norma, bem como da norma do artigo 63.º, n.º 3, do mesmo diploma, que a autora não tem direito à concessão de subsídio de desemprego por o ter requerido para além do prazo de 90 dias contado da data em que cessou o contrato de trabalho, não se verificando o condicionalismo previsto no n.º 3 do artigo 63.º para a suspensão daquele prazo. Uma vez que, nos termos supra expostos, é de desaplicar o segmento da norma do artigo 61.º, n.º 1, do Decreto-Lei 119/99, de 14 de Abril, por inconstitucional, resulta ilegal, por violação de lei, a decisão administrativa que, com fundamento naquela norma, recusou a atribuição de subsídio de desemprego à autora.

E quanto à apreciação do pedido condenatório e uma vez que, tal como resulta da matéria dada como provada dos autos, os serviços do réu não procederam à verificação dos pressupostos para a atribuição do requerido subsídio de desemprego, tendo-se ficado pela apreciação da tempestividade do pedido, indeferindo o com fundamento na sua extemporaneidade, impõe-se, por conseguinte, que o réu proceda à apreciação do fundo do pedido formulado pela autora no seu requerimento de 19 de Novembro de 2002.

Pelo que se condena o réu a, através do órgão administrativo competente, e no prazo de 30 dias, emitir acto administrativo que decida sobre o mérito do pedido de atribuição de subsídio de desemprego formulado pela autora no seu requerimento de 19 de Novembro de 2002."

É deste acórdão que, pelo representante do Ministério Público junto do tribunal recorrido, vem interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), pretendendo-se ver apreciada a questão da inconstitucionalidade, por violação do direito dos trabalhadores a assistência material em situação de desemprego involuntário, consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea e), da Constituição da República Portuguesa (CRP), da norma do artigo 61.º, n.º 1, do Decreto-Lei 119/99, de 14 de Abril, no segmento que estabelece o prazo de 90 dias para apresentação do requerimento para a atribuição dos subsídios de desemprego.

No Tribunal Constitucional, o representante do Ministério Público apresentou alegações, que culminam com a formulação das seguintes conclusões:

"1.º É materialmente inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade, conjugado com o 'direito social' previsto nos artigos 59.º, n.º 1, alínea e), e 63.º, n.º 3, da Constituição, a norma constante do artigo 61.º, n.º 1, do Decreto-Lei 119/99, de 14 de Abril, enquanto estabelece um prazo de caducidade de 90 dias para o interessado requerer à segurança social a atribuição das prestações de desemprego, contado da data em que tal situação se verificou, determinando qualquer 'mora' do trabalhador desempregado na respectiva formulação a irremediável preclusão do direito global a todas as prestações a que teria direito, substitutivas das remunerações salariais perdidas durante todo o período de desemprego involuntário.

2.º Termos em que deverá confirmar se o juízo de inconstitucionalidade formulado pela decisão recorrida."

A recorrida, notificada para contra alegar, veio declarar que dava por integralmente reproduzidas, para todos os efeitos legais, as alegações apresentadas pelo Ministério Público.

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir:

2 - Fundamentação. - 2.1 - Em termos constitucionais, a situação de desemprego não é apenas uma daquelas "situações de falta ou diminuição de meios de subsistência" em que incumbe ao "sistema de segurança social" a protecção dos "cidadãos" (artigo 63.º, n.º 3, da CRP, inserido no capítulo dedicado aos direitos e deveres sociais). Especificamente quanto aos trabalhadores que "involuntariamente se encontrem em situação de desemprego", o artigo 59.º, n.º 1, alínea e), da CRP (inserido no capítulo dedicado aos direitos e deveres económicos) confere expressa e directamente a esses trabalhadores o direito a "assistência material".

O direito a assistência material nas situações de desemprego involuntário constitui, assim, um direito fundamental dos trabalhadores, com amplo âmbito de aplicação (abrangendo os trabalhadores da Administração Pública, como se decidiu no Acórdão 474/2002, e os trabalhadores independentes), embora a sua plena concretização dependa das disponibilidades financeiras e materiais do Estado (Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, t. I, Coimbra, 2005, pp. 609 e 610). Para J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª ed., vol. I, Coimbra, 2007, p. 774), o direito ao subsídio de desemprego consiste numa espécie de compensação ou indemnização por não satisfação do direito ao trabalho (proclamado no artigo 58.º, n.º 1), pelo que, nesta perspectiva, ele deveria satisfazer os seguintes requisitos: a) ser universal, abrangendo todos os desempregados, independentemente de já terem tido um emprego ou não; b) manter-se enquanto persistir a situação de desemprego, não podendo, portanto, ter um limite temporal definido; c) permitir ao desempregado uma existência condigna, não podendo portanto ficar muito aquém do salário mínimo garantido. Reconhecendo embora que a realização deste direito prestacional, de natureza positiva, depende do legislador e da sua implementação administrativa e financeira, entendem os referidos autores que o regime legal actual (Decreto-Lei 119/99) não dá resposta aos apontados requisitos.

No citado Acórdão 474/2002, em que se deu por verificado o não cumprimento da Constituição, por omissão das medidas legislativas necessárias para tornar exequível o direito previsto na alínea e) do n.º 1 do seu artigo 59.º, relativamente a trabalhadores da Administração Pública, o Tribunal Constitucional entendeu não ser relevante, para a tarefa então em causa (apuramento de uma situação de inconstitucionalidade por omissão), a adopção de uma posição expressa quanto à qualificação - sustentada pelo requerente (Provedor de Justiça) - do direito à assistência material em situação involuntária de desemprego como um direito de natureza análoga à dos denominados direitos, liberdades e garantias, pois para a ocorrência de uma situação de inconstitucionalidade por omissão basta que o legislador não tenha executado, ou tenha executado apenas parcialmente, uma imposição constitucional concreta, mesmo que o direito em causa seja um direito social e não deva ser tido como análogo aos direitos, liberdades e garantias.

Seja como for, a inegável fundamentalidade do direito dos trabalhadores à assistência material em situação de desemprego involuntário implica - obviamente sem questionar a liberdade de conformação do legislador na concretização material desse direito - que a regulação do correspondente procedimento administrativo fique subordinada ao princípio da proporcionalidade, no sentido de que as exigências procedimentais devem ser necessárias e adequadas e de que as consequências do seu incumprimento devem ser razoáveis.

2.2 - O Decreto-Lei 119/99, editado em desenvolvimento do regime jurídico estabelecido na Lei 28/84, de 14 de Agosto, após regular substantivamente as medidas de reparação do desemprego, designadamente de natureza prestacional e respectivas condições de atribuição, montantes e duração, insere, no plano procedimental ou adjectivo, regras relativas ao processamento e gestão de tais prestações, resultando do artigo 61.º, n.º 1, na interpretação desaplicada pela decisão recorrida, a fixação de um prazo de caducidade da totalidade das prestações que integram o subsídio de desemprego se o interessado não requerer a sua atribuição nos "90 dias consecutivos a contar da data do desemprego".

O subsequente artigo 63.º prevê diversas situações de suspensão deste prazo, entre elas a de incapacidade por doença [alínea a) do n.º 1], mas, quanto a esta causa de suspensão, o n.º 3 do preceito exige que, quando a incapacidade se prolongue por mais de 30 dias, seguidos ou interpolados, só determina a suspensão "se confirmada pelo sistema de verificação de incapacidades, após comunicação do facto pelo interessado". No presente caso, embora a requerente tenha invocado uma situação de doença, susceptível de funcionar como "justo impedimento" da tempestiva formulação do requerimento, apresentando atestado médico (cf. fl. 14 do processo administrativo anexo), não cumpriu o ónus de provocar a "confirmação" de tal incapacidade pelo "sistema de verificação" instituído e, por isso, não foi considerada qualquer suspensão do aludido prazo de 90 dias.

Como resulta da decisão recorrida, não se questiona a constitucionalidade da exigência de formulação pelo próprio interessado de pedido de concessão de subsídio de desemprego, nem sequer do estabelecimento de um prazo para tal formulação.

O que está em causa - como se salienta nas alegações do Ministério Público, convocando o princípio da proporcionalidade - não é, porém, o estabelecimento de tal prazo, ou mesmo a sua normal suficiência para a dedução do pedido pelo trabalhador em situação de desemprego involuntário, mas antes a razoabilidade das consequências associadas ao incumprimento desse prazo. É que importa distinguir o direito global ou complexo às prestações emergentes da verificação de uma situação de desemprego relevante, podendo o período de concessão do subsídio de desemprego alcançar, nos termos do artigo 31.º, n.º 2, do Decreto-Lei 119/99, 30 meses (ainda susceptíveis dos acréscimos previstos no subsequente n.º 3) para os beneficiários com idade igual ou superior a 45 anos de idade (como era o caso da requerente, nascida em 14 de Setembro de 1948 - cf. fl. 1 do processo administrativo anexo); e o direito a cada uma das prestações parcelares que sucessivamente se vão vencendo, a partir da data do requerimento.

Nem a decisão recorrida nem o recorrente questionam que o retardamento injustificado na apresentação do requerimento pelo interessado - iniciando ou impulsionando o procedimento de verificação pela segurança social dos pressupostos ou condições da atribuição das prestações - possa fazer caducar ou precludir as prestações parcelares que entretanto se poderiam ter vencido. O que se reputa inconstitucional, por desproporcionado, é o entendimento segundo o qual qualquer atraso no cumprimento do referido prazo peremptório de 90 dias dita a irremediável caducidade do direito global a todas as prestações.

Como refere o recorrente, não se vê que as razões de segurança jurídica, subjacentes ao estabelecimento de prazos de caducidade, sejam suficientes para - com base em qualquer "mora" do trabalhador desempregado - o privar, na totalidade, da percepção de todas as prestações pecuniárias substitutivas das remunerações salariais perdidas durante o período em que lhe deveriam ser concedidas, perdurando a situação de desemprego involuntário: a circunstância de a autora ter formulado a sua pretensão perante a segurança social apenas em 19 de Novembro de 2002 (quando o deveria ter feito até 9 de Agosto de 2002) não é susceptível de dificultar, de modo relevante, a actividade procedimental cometida à segurança social no âmbito do procedimento em causa, destinada essencialmente a ajuizar da existência dos pressupostos e condições do direito às prestações de desemprego e calcular a respectiva duração e montante - sendo certo que tal "mora" dos trabalhadores sempre ditará a preclusão ou caducidade das prestações parcelares que se teriam vencido até à referida data de apresentação do requerimento.

A estas considerações - que se sufragam - apenas se aditará que, tendo o subsídio de desemprego uma função sucedânea da remuneração salarial de que o trabalhador se viu privado e sendo a situação de desemprego, geradora do direito àquele subsídio, por natureza uma situação permanente e não instantânea, que se prolonga e renova no tempo, é de todo desrazoável fulminar com a perda definitiva e irreversível do direito ao subsídio de desemprego, por todo o tempo (futuro) em que o trabalhador a ele teria direito (que se pode prolongar por anos), por qualquer atraso na formulação inicial do pedido. A situação de desemprego involuntário, em que se funda o direito ao subsídio de desemprego, persistia no momento em que o pedido da sua concessão foi formulado e ter-se-á prolongado para além dessa data. Negar este direito, embora limitado ao período temporal em que se pode considerar ter sido tempestivamente exercitado, significa, em termos substanciais, uma negação, sem motivo adequado, do próprio direito dos trabalhadores, constitucionalmente garantido, à assistência material em situação de desemprego involuntário.

3 - Decisão. - Em face do exposto, acordam em:

a) Julgar inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade conjugado com o artigo 59.º, n.º 1, alínea e), da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 61.º, n.º 1, do Decreto-Lei 119/99, de 14 de Abril, interpretado no sentido de que o incumprimento do prazo de 90 dias consecutivos a contar da data do desemprego para o interessado requerer à segurança social a atribuição do subsídio de desemprego determina a irremediável preclusão do direito global a todas as prestações a que teria direito durante todo o período de desemprego involuntário; e, consequentemente,

b) Confirmar o acórdão recorrido, na parte impugnada.

Sem custas.

Lisboa, 2 de Maio de 2007. - Mário José de Araújo Torres - Benjamim Silva Rodrigues - João Cura Mariano - Rui Carlos Pereira - Rui Manuel Moura Ramos.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1574408.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1984-08-14 - Lei 28/84 - Assembleia da República

    Lei de Bases da Segurança Social.

  • Tem documento Em vigor 1998-02-26 - Lei 13-A/98 - Assembleia da República

    Altera a lei orgânica sobre a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional.

  • Tem documento Em vigor 1999-04-14 - Decreto-Lei 119/99 - Ministério do Trabalho e da Solidariedade

    Estabelece, no âmbito do regime geral de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem, o quadro legal da reparação da eventualidade de desemprego.

  • Tem documento Em vigor 2002-12-18 - Acórdão 474/2002 - Tribunal Constitucional

    Dá por verificado o não cumprimento da Constituição por omissão das medidas legislativas necessárias para tornar exequível o direito previsto na alínea e) do n.º 1 do seu artigo 59.º relativamente a trabalhadores da Administração Pública ( direito à assistência material quando em situação involuntária de desemprego (Procº. 489/94).

  • Tem documento Em vigor 2002-12-20 - Lei 32/2002 - Assembleia da República

    Aprova as bases gerais da segurança social, bem como as atribuições prosseguidas pelas instituições de segurança social e a articulação com entidades particulares de fins análogos.

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