Processo 378/99 - 5.ª Secção
Acordam no plenário das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça:1 - A procuradora-geral-adjunta no Tribunal da Relação de Lisboa interpôs o presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do Acórdão proferido em 20 de Janeiro de 1999 no processo 6828/98, da 3.ª Secção do aludido Tribunal, nos termos dos artigos 437.º, n.os 1 e 2, e seguintes do Código de Processo Penal, alegando em suma:
«1.º O acórdão de que agora se recorre pronunciou-se expressamente pela verificação da questão prévia da prescrição do procedimento contra-ordenacional e para tal decisão considerou que:
É aplicável ao procedimento contra-ordenacional o prazo subsidiário dos artigos 120.º, n.º 3, e 121.º, n.º 3, ambos do Código Penal;
O regime da suspensão do procedimento contra-ordenacional encontra-se integralmente definido no artigo 27.º-A da lei quadro das contra-ordenações, pelo que não é aplicável subsidiariamente o regime da suspensão da lei penal geral.
2.º Do que se referiu resulta, inequivocamente, que o acórdão de que agora se recorre considera que a impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima e posterior notificação do despacho que designa dia para julgamento não tem eficácia suspensiva da prescrição do procedimento contra-ordenacional.
3.º Sobre a mesma questão de direito, no âmbito da mesma legislação, foi proferido em 5 de Fevereiro de 1997, no recurso n.º 558/96, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, publicado na Colectânea de Jurisprudência, 1997, t. I, p. 156, que consagra solução oposta como se constatará da sumariação acolhida na sua publicação:
'No processo de contra-ordenação, o despacho que, aceitando a impugnação judicial, designe dia para julgamento, ou no qual se considere possível decidir, por simples despacho, conforme se permite nos artigos 64.º e 65.º do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, equivale ao de pronúncia, pelo que a sua notificação tem a mesma eficácia suspensiva da prescrição do procedimento contra-ordenacional.' 4.º Tais acórdãos decidiram a mesma questão de direito - regime da suspensão da prescrição do procedimento contra-ordenacional -, assentando em soluções opostas e no domínio da mesma legislação.
5.º Do acórdão proferido no processo em epígrafe não é admissível recurso ordinário - artigos 400.º, n.º 1, alínea d), e 427.º, ambos do Código de Processo Penal.
6.º Ambos os acórdãos transitaram em julgado.
7.º Face ao decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido a 9 de Julho de 1998, in Colectânea de Jurisprudência - Supremo Tribunal de Justiça - 1998, t. II, p. 257, indica-se que, no nosso entendimento, a jurisprudência a fixar deverá ser a de que, a entender-se que o regime da prescrição do procedimento contra-ordenacional deverá ser, subsidiariamente, o da lei geral, então haverá que aplicar-se, também subsidiariamente, o regime da suspensão do prazo prescricional, indicação essa que se faz sem prejuízo de se entender acto inútil, face ao disposto no artigo 442.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, norma que estabelece o momento processual onde, aí sim, se formulam conclusões e se indica o sentido em que, no entender do recorrente, deverá fixar-se jurisprudência.
8.º O Ministério Público tem legitimidade - artigo 401.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal - e encontram-se preenchidos os requisitos legais da admissibilidade do presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência.
Termos em que se requer que, cumpridas as formalidades referidas no artigo 439.º do Código de Processo Penal, se digne admitir o recurso.» Admitido o recurso e instruído apenas com o acórdão recorrido, subiram os autos a este Supremo Tribunal, deles tendo tido vista o Ministério Público (artigo 440.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), que se pronunciou nos seguintes termos:
«1 - A Dig.ma Magistrada do Ministério Público, junto do venerando Tribunal da Relação de Lisboa, interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, nos termos dos artigos 437.º e seguintes do Código de Processo Penal do douto Acórdão do venerando Tribunal da Relação de Lisboa de 20 de Janeiro de 1999, proferido nos autos de recurso crime n.º 6828/98.
Indicou como acórdão fundamento o douto Acórdão do mesmo Tribunal da Relação de 5 de Fevereiro de 1997, publicado na Colectânea de Jurisprudência, t. I, pp. 157 e segs.
As aludidas decisões foram proferidas no domínio da mesma legislação.
Ambas as decisões não admitem recurso ordinário e mostram-se transitadas.
O recorrente tem legitimidade e o recurso foi tempestivamente interposto.
Como assinala a Dig.ma Magistrada do Ministério Público, junto do venerando Tribunal da Relação de Lisboa, existe manifesta oposição de soluções relativamente à mesma questão de direito - regime da suspensão da prescrição do procedimento contra-ordenacional.
2 - Estando pendente no Supremo Tribunal de Justiça processo sobre a mesma questão objecto do presente recurso - cf. processo 217, 3.ª, 1.ª - devem os presentes autos ficar suspensos, pois a decisão que vier a resolver o conflito constituirá jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais.» Proferido despacho liminar e colhidos os necessários vistos, teve lugar a conferência a que se refere o artigo 441.º do Código de Processo Penal, tendo-se reconhecido que:
«[...] é patente, por insofismável que existe manifesta oposição de soluções sobre a mesma questão de direito - regime da suspensão da prescrição do procedimento contra-ordenacional, sendo certo que as concernentes decisões foram proferidas no domínio da mesma legislação, não admitem recurso ordinário e mostram-se transitadas.
Também é patente a legitimidade do recorrente e a tempestividade do recurso.
Resulta dos autos que sobre a mesma questão do presente recurso existe processo pendente neste Supremo Tribunal (processo 217, 3.ª, 1.ª), onde já se concluiu e reconheceu a oposição de julgados relativamente ao caso sub judicio, embora não haja ainda decisão final sobre o objecto do correspondente recurso.
Assim sendo, haverá que suspender os presentes autos até ao julgamento do recurso a que se refere e dá conta o processo 217, 3.ª, 1.ª (cf. artigo 441.º, n.º 2, do Código de Processo Penal).» Junta aos autos certidão do Acórdão proferido em 28 de Abril de 1999 no aludido processo 217, constatou-se ter-se este pronunciado pela não oposição de julgados. Todavia, tendo tal oposição sido reconhecida no processo 1205/98 da mesma Secção (3.ª, 1.ª), continuaram os presentes autos a aguardar decisão nesse processo, o que ocorreu em 8 de Março de 2001, pelo Acórdão 6/2001 (in Diário da República, 1.ª série-A, de 30 de Março de 2001), que fixou jurisprudência no seguinte sentido:
«A regra do n.º 3 do artigo 121.º do Código Penal, que estatui a verificação da prescrição do procedimento quando, descontado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição, acrescido de metade, é aplicável, subsidiariamente, nos termos do artigo 32.º do regime geral das contra-ordenações (Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei 244/95, de 14 de Setembro), ao regime prescricional do procedimento contra-ordenacional.» Foi o processo de novo à conferência, tendo aí sido acordado no sentido do prosseguimento do presente recurso, determinando-se o cumprimento do artigo 442.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Penal, por se ter entendido «que a questão tratada e decidida no processo 1205/98 (aplicação subsidiária ao direito contra-ordenacional da regra do artigo 121.º, n.º 3, do Código Penal - prazo limite da prescrição) é diversa da tratada (e ainda não decidida) neste outro (a de saber se 'o regime da suspensão do procedimento contra-ordenacional se encontra integralmente definido no artigo 27.º-A do regime geral das contra-ordenações) ou se, pelo contrário, lhe é aplicável, subsidiariamente, o regime penal da suspensão do procedimento criminal - artigo 120.º do Código Penal'.
Há, assim, que decidir no pleno das secções criminais a questão ainda não decidida, da eficácia - a nível da suspensão da prescrição do procedimento contra-ordenacional - do despacho judicial que, em processo de contra-ordenação, dê seguimento à impugnação judicial da decisão administrativa de aplicação da coima».
Notificados os intervenientes processuais para os efeitos do aludido artigo 442.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, apenas o Ministério Público apresentou alegações, formulando as seguintes conclusões:
«a) Sob pena de risco de incoerência e quebra de unidade do sistema, a solução do presente conflito terá de ter presente e estar em sintonia com a jurisprudência fixada no douto Acórdão do pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2001, de 8 de Março, que perfilhou a tese da aplicação subsidiária do regime da prescrição do procedimento criminal ao regime da prescrição do procedimento contra-ordenacional;
b) No que concerne à fixação do prazo máximo de prescrição, o elemento radicado no 'prazo normal de prescrição' e o elemento 'tempo de suspensão' formam um todo indissociável, essencial à prossecução dos objectivos fundantes de tal fixação;
c) Ao aplicar-se ao regime contra-ordenacional a regra da determinação do prazo máximo de prescrição estabelecida para a prescrição do procedimento criminal, a não consideração do instituto da suspensão importaria incompreensível diminuição do prazo máximo de prescrição, sendo que a especificidade das contra-ordenações não justifica que se exclua o instituto da suspensão, nem tão-pouco importa aumento das exigências determinantes da estatuição daquele prazo máximo;
d) Num sistema como o contra-ordenacional, em que, contrariamente ao que sucede no sistema penal, apenas o arguido pode determinar a abertura da fase judicial, seria ilógico e contrário às exigências de eficácia do próprio sistema contra-ordenacional - exigências ínsitas ao regime estabelecido - não ocorrer a suspensão a partir da notificação de actos equivalentes, na economia do procedimento contra-ordenacional, ao despacho de pronúncia ou equivalente em processo penal;
e) Na versão originária do Decreto-Lei 433/82, nada impedia, antes se impunha, por força do disposto no seu artigo 32.º, a aplicação subsidiária do regime da suspensão da prescrição do procedimento criminal (artigo 119.º), por si e na sua conjugação com o prazo máximo de prescrição (artigo 120.º, n.º 3), ao regime da prescrição do procedimento contra-ordenacional;
f) A ratio legis do artigo 27.º-A, esclarecida, nomeadamente, pelas exigências de política criminal inerentes ao regime estatuído - de que se salienta a eficácia do sistema - e pela necessidade de preservação da unidade e harmonia do mesmo, aponta para o entendimento de que, na parte não prevista pelo artigo 27.º-A, continua, por força do disposto no artigo 32.º do Decreto-Lei 433/82, a ser subsidiariamente aplicável o artigo 120.º do Código Penal;
g) A jurisprudência a fixar deverá ser no seguinte sentido:
O regime da suspensão da prescrição do procedimento criminal é subsidiariamente aplicável, por força do disposto no artigo 32.º do regime geral das contra-ordenações, ao regime da prescrição do procedimento contra-ordenacional, quer na versão original desse regime quer na versão de 1995.» 2 - Redistribuído o processo, por motivo de baixa e posterior jubilação do primitivo relator, cumpre decidir.
Tendo em conta o requerimento de interposição do presente recurso, as alegações do Ministério Público neste Supremo Tribunal, os acórdãos recorrido e fundamento e o acórdão proferido nestes autos a fls. 85 e 86, são duas as questões aparentemente envolvidas nos arestos:
a) Decidir se o despacho judicial que, em processo de contra-ordenação, dê seguimento à impugnação judicial da decisão administrativa de aplicação da coima se integra em alguma das alíneas daqueles artigos do Código Penal;
b) Indagar se as causas de suspensão do prazo prescricional, referidas nos artigos 119.º do Código Penal de 1982 e 120.º do Código Penal de 1995, são subsidiariamente aplicáveis às contra-ordenações.
As posições em confronto:
a) O acórdão fundamento, defendendo a aplicação subsidiária do regime da suspensão do prazo prescricional previsto no Código Penal, bem como a consideração do aludido despacho judicial que admite o recurso da decisão administrativa como causa suspensiva, assentou a sua decisão nos seguintes argumentos:
«Suspensão da prescrição:
Esta questão é bastante complexa e de elevado melindre, pelas consequências que da solução perfilhada podem resultar.
Nas versões actuais do Código Penal (Decreto-Lei 48/95, de 15 de Março) e do Decreto-Lei 433/82 (Decreto-Lei 244/95, de 14 de Setembro), a resolução da problemática da suspensão da prescrição do procedimento por contra-ordenação mostra-se algo facilitada.
Com efeito, o artigo 120.º, do n.º 1, alínea b), do Código Penal determina que a prescrição do procedimento criminal se suspende, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação.
Por sua vez, o artigo 27.º-A do Decreto-Lei 433/82 estipula que a prescrição do procedimento por contra-ordenação se suspende, para além dos casos previstos na lei (na lei geral e de aplicação subsidiária, o direito penal substantivo, comentamos), durante o tempo em que o procedimento não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal.
Ora, em caso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, a apresentação pelo Ministério Público dos autos ao juiz do tribunal competente, vale como acusação (artigo 62.º, n.º 1, do Decreto-Lei 433/82).
E valerá, obviamente, como notificação da acusação a notificação do despacho que, aceite o recurso (artigo 65.º do Decreto-Lei 433/82), marca dia para a audiência de julgamento ou em que não considera necessária a audiência de julgamento e se proponha decidir através de simples despacho (artigo 64.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei 433/82).
Nas versões originárias do Código Penal e da lei quadro das contra-ordenações, a resolução da questão da suspensão postula uma análise mais aprofundada e com alguma subtileza, na busca do pensamento legislativo.
O Decreto-Lei 433/82, na sua versão originária, não faz referência directa à suspensão da prescrição do procedimento por contra-ordenação.
Com certeza porque as normas do Código Penal, relativas à matéria, já eram aplicáveis como direito subsidiário e a suspensão da prescrição do procedimento em nada contrariava o regime geral das contra-ordenações (artigo 32.º do Decreto-Lei 433/82).
Na versão actual (artigo 27.º-A), o legislador optou por fazer uma referência directa a um caso específico de suspensão da prescrição do procedimento (necessidade de autorização legal para o procedimento se iniciar ou continuar), talvez para clarificar este aspecto, dissipando dúvidas que, entretanto, tenham surgido mas mantendo toda a amplitude do que sempre foi tido por direito subsidiário ('para além dos casos previstos na lei').
O Código Penal de 1982, quando tratava da suspensão da prescrição (artigo 119.º), não tomava por acto determinante da suspensão a notificação da acusação mas a notificação do despacho de pronúncia ou equivalente, salvo no caso do processo de ausentes [n.º 1, alínea b)].
No processo de contra-ordenação, evidentemente, não existe despacho de pronúncia (que era exclusivo do processo de querela, antes da vigência do actual Código de Processo Penal e agora somente surge quando, no processo penal, é requerida a abertura da instrução).
Mas existirá despacho equivalente (ao de pronúncia)? No Código de Processo Penal de 1929, equivalia ao despacho de pronúncia o despacho que, no processo correccional, apreciando os resultados do inquérito preliminar ou da instrução, apresentados em requerimento ou na acusação, designava dia para julgamento (artigo 390.º, n.º 1, conjugado com os artigos 385.º e 386.º).
No Código de Processo Penal vigente, não tendo havido instrução e despacho de pronúncia, equivale ao despacho de pronúncia o despacho que, no processo comum, designa dia para a audiência de julgamento (artigo 312.º, conjugado com os artigos 311.º e 313.º).
No processo de contra-ordenação, há-de ter-se por equivalente a este despacho o despacho que, aceitando a impugnação judicial (misto de introdução do feito em juízo e de recurso), designa dia para a audiência ou entende ser possível decidir por simples despacho, conforme se dispõe nos artigos 64.º e 65.º, já citados, do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro.
Se existe um acto que vale como acusação (artigo 62.º), o despacho que o aprecia, o não rejeita e designa os termos subsequentes do processo, vale naturalmente como equivalente ao despacho de pronúncia, para os efeitos prevenidos no artigo 119.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal de 1982, sendo que as disposições citadas do Código de Processo Penal de 1987 são aplicáveis no processo de contra-ordenação, como direito subsidiário (artigo 41.º, n.º 1, do Decreto-Lei 433/82).
Assim, a notificação daquele despacho tem a mesma eficácia suspensiva que a notificação do despacho equivalente ao de pronúncia, determinando a suspensão da prescrição do procedimento por contra-ordenação e pelo prazo previsto no artigo 119.º, n.º 2, do Código Penal de 1982 (dois ou três anos, conforme não haja ou haja lugar a recurso) (ver nota 1).
O prazo da prescrição inferior a dois anos e a suspensão da prescrição (artigo 120.º do Código Penal de 1982).
Nestes casos (alega-se), não opera a suspensão da prescrição do procedimento.
Salvo o devido respeito, o n.º 3 do artigo 120.º do Código Penal contempla o acréscimo do tempo da suspensão, sem qualquer restrição.
O instituto da suspensão da prescrição do procedimento criminal é introduzido no nosso ordenamento jurídico-penal pelo Código Penal de 1982 e regulamentado, em sintonia, com o instituto da interrupção da prescrição.
A Comissão Revisora do Código Penal [v. Actas (AAFDL), vol. I, pp. 223 e segs.] teve por preocupação principal delimitar e coordenar os prazos da interrupção e da suspensão da prescrição do procedimento criminal, estabelecendo os respectivos limites máximos (mais metade e dobro e três ou dois anos quando haja ou não lugar a recurso), mas nunca aventou a hipótese de a suspensão da prescrição não funcionar nos prazos de prescrição mais curtos (inferiores a dois anos), e houve mesmo quem (o Exmo. Juiz Conselheiro José Osório, de saudosa memória) propusesse que a regra do dobro abrangesse os prazos de prescrição de dois anos ou menos (o que foi aprovado por maioria).
A Comissão Revisora não discutiu a questão ora posta neste recurso de a suspensão da prescrição não abranger os casos de interrupção em que vigorasse a regra do dobro do prazo normal da prescrição, porque sempre teve por assente, por indiscutível, que a suspensão da prescrição operaria em todos os casos onde ocorresse, pois solução diferente, restritiva, seria ilógica, irrealista e ofensiva da harmonia do sistema.
Já Cabral de Moncada ensinava que o direito tem de estar ao serviço da vida e que o pensamento deve acompanhar a evolução social, o que vale dizer, o próprio sentimento de justiça, naturalmente evolutivo (Filosofia do Direito e do Estado, 2.º vol., v. g., pp. 76 e 157). Nesta linha, o artigo 9.º do Código Civil não sublinha o pensamento do legislador (que, no caso, como vimos era bem explícito) mas, sim, o pensamento legislativo e tem uma nota que, vincadamente, permite interpretação actualista (P. Lima e A. Varela, Anotado I, 4.ª ed., p. 58), além de que o seu n.º 3 aponta para soluções concretas tanto quanto possível justas (declaração de voto do Exmo. Juiz Conselheiro Dr.
Cardona Ferreira, in Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Dezembro de 1996, Diário da República, 1.ª série-A, de 30 de Janeiro de 1997).
O citado douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Maio de 1992, ao decidir que o artigo 120.º, n.º 3, do Código Penal de 1982 vigora também para as contra-ordenações, segue na peugada daquele entendimento, uma vez que contabiliza os três anos da suspensão (artigo 119.º, n.º 2, do Código Penal), pois considera aquele segmento normativo (apesar de o prazo da prescrição ser de dois anos) na sua globalidade e sem qualquer referência restritiva.
Assim se verifica e conclui que não está extinto, por prescrição, o procedimento da contra-ordenação em apreço nestes autos.» b) Por sua vez, o acórdão recorrido chega à conclusão contrária, ao negar a aplicação subsidiária do Código Penal em matéria de suspensão da prescrição, argumentando - após defender a aplicação, em processo contra-ordenacional, do artigo 121.º, n.º 3, do Código Penal de 1995 (artigo 120.º, n.º 3, do Código Penal de 1982), ainda antes da fixação de jurisprudência nessa matéria - do seguinte modo:
«Anteriormente ao Decreto-Lei 244/95, de 14 de Setembro (e é aí que nos situamos, atenta a data da infracção), a lei quadro das contra-ordenações não continha qualquer preceito que tratasse da suspensão do prazo da prescrição do procedimento, pois apenas se referia à interrupção (seu artigo 28.º), diferentemente do que acontecia com a coima, relativamente a cujo prazo prescricional previa a suspensão (e já não a interrupção - artigo 30.º do mesmo diploma legal).
Havia então quem entendesse ser subsidiariamente aplicável o artigo 119.º do Código Penal de 1982, o que não se nos afigura correcto, máxime no que concerne à sua alínea b), uma vez que esta tratava de uma notificação, e as notificações (quaisquer que fossem) estavam previstas como facto interruptivo no artigo 28.º, n.º 1, alínea a), lei quadro das contra-ordenações (cf. artigo 32.º, 1.ª oração, da lei quadro das contra-ordenações).
Por outro lado, nenhuma das demais alíneas do citado artigo 119.º tinha aplicação no caso.
Isto é, a lei quadro das contra-ordenações não padecia de qualquer lacuna que pudesse ser colmatada por recurso ao Código Penal, sendo claro que aquele diploma excluía qualquer hipótese de suspensão do prazo de prescrição do procedimento.
Sintomaticamente, o mencionado Decreto-Lei 244/95, introduziu um novo preceito na lei quadro (o artigo 27.º-A), prevendo uma hipótese de suspensão da prescrição ('durante o tempo em que o procedimento não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal').
Repare-se, desde já, que esta hipótese é apenas uma das que se contemplavam no sobredito artigo 119.º e que nem sequer toda a alínea a) deste preceito foi aproveitada. Por outras palavras, é manifesto que o legislador de 1995 escolheu de entre as hipóteses de suspensão (da lei penal geral) aquelas que considerou poderem ser aplicadas no processo contra-ordenacional, com exclusão das restantes, com especial saliência para a estipulada na alínea b).
Diz ainda o artigo 27.º-A que a prescrição se suspende 'para além dos casos previstos na lei'.
Importará, assim, proceder à interpretação desta remissão.
O primeiro impulso será inevitavelmente o de querer ver, nesta ressalva, ou remissão, os casos previstos no Código Penal, pois este até é direito subsidiário (citado artigo 32.º da lei quadro das contra-ordenações).
Nada nos parece, contudo, mais errado, desde logo porque tal remissão se revelaria, desta forma, claramente redundante. Isto é, precisamente porque o Código Penal é direito subsidiário (e já o era antes das alterações de 1995) é que a remissão do artigo 27.º-A não poderá dizer-lhe respeito.
Acresce que só deste modo a interpretação é conciliável com a conclusão a que acima se chegou.
Por outro lado, esta ressalva, ou remissão, é idêntica à que o corpo do artigo 120.º, n.º 1, do Código Penal de 1995 contém e é mister ter presente que ambos os diplomas (o Código Penal de 1995 e a nova redacção do Decreto-Lei 433/82) entraram em vigor no mesmo dia 1 de Outubro de 1995 e que, portanto, era evidente a intenção da sua harmonização por parte do legislador.
Usando outras palavras, e sendo irrefutável a escolha a que atrás se aludiu (de entre as hipóteses previstas no artigo 119.º do Código Penal de 1982), resulta inegável que este novo artigo 27.º-A restringe, ao invés de alargar, o leque de possibilidades de suspensão do prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional, esclarecendo ao mesmo tempo todas as dúvidas suscitáveis acerca da aplicação subsidiária dos preceitos penais gerais que àquela suspensão concernem.
Ou seja, e em conclusão, o prazo prescricional do procedimento por contra-ordenação, ainda que fossem aplicáveis o Decreto-Lei 244/95 e o Código Penal de 1995 (e não o são), não teria sofrido qualquer suspensão.» c) Em apoio da tese por si proposta, a Exma. Procuradora-Geral-Adjunta neste Supremo Tribunal argumenta, dizendo em suma o seguinte:
«Ao justificar esta jurisprudência (Acórdão 6/2001), o pleno do Supremo Tribunal de Justiça considerou 'decorrente dos princípios subjacentes ao nosso sistema jurídico, e com eles conforme', a posição doutrinária que 'defende ser aplicável, subsidiariamente, ao regime da prescrição do procedimento contra-ordenacional o regime que se acha consignado na lei penal para a prescrição do procedimento criminal'.
O Supremo Tribunal de Justiça acolheu, assim, embora maioritariamente, a tese da aplicação subsidiária do regime da prescrição do procedimento criminal ao regime da prescrição do procedimento contra-ordenacional.
Torna-se, pois, evidente que, sob pena de risco de incoerência e quebra de unidade do sistema, a solução do presente conflito terá de ter presente e estar em sintonia com a jurisprudência fixada, acima referida, e respectiva fundamentação.» E mais adiante, após discorrer sobre a função da suspensão do prazo de prescrição, alega:
«Como é sabido, o ilícito de mera ordenação social caracteriza-se, nomeadamente, pelo carácter axiologicamente neutro das condutas que o integram - pela natureza da sanção respectiva - coima - e pela possibilidade de atribuição às autoridades administrativas da aplicação do respectivo direito, sem prejuízo de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, assegurando-se, deste modo, o acesso garantido no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
Assim, o processo por contra-ordenações tem uma fase administrativa e uma fase de impugnação judicial, designada 'recurso', a qual tem a especificidade de só poder ser desencadeada pelo arguido ou seu defensor.
As normas do Código Penal e do Código de Processo Penal funcionam como direito subsidiário.
O instituto da prescrição do procedimento foi naturalmente acolhido no regime das contra-ordenações, como logo resulta do disposto no capítulo IV do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro.
Salvo o devido respeito, não pode concluir-se, como no douto acórdão recorrido, que a circunstância de a versão originária do referido Decreto-Lei 433/82 não incluir qualquer disposição específica relativa à prescrição do procedimento contra-ordenacional significa que a lei excluiu do regime da prescrição deste procedimento o instituto da suspensão.
O acima referido quanto às especificidades do regime das contra-ordenações e ao fundamento do instituto da suspensão mostra, por um lado, que este não é contrário aos princípios daquele regime. E revela, por outro, que a suspensão constitui factor imprescindível que tem de ser tido em conta na determinação do prazo máximo de prescrição do procedimento previsto no artigo 120.º, n.º 3, do Código Penal (actual artigo 121.º, n.º 3) - prazo máximo que o douto Acórdão de uniformização de jurisprudência 6/2001 considerou aplicável ao procedimento contra-ordenacional.
O entendimento do douto acórdão recorrido implicaria a diminuição do prazo máximo de prescrição. Efectivamente, como, de acordo com tese acolhida no douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2001, se aplica ao regime contra-ordenacional a regra da determinação do prazo máximo de prescrição estabelecida para a prescrição do procedimento criminal, a não consideração do instituto da suspensão importaria diminuição do prazo máximo de prescrição, em virtude de, como acima se referiu, este prazo ter sido concebido pela lei como um todo indissociável, integrando dois elementos - o dobro do prazo normal de prescrição acrescido de metade (ou o dobro daquele prazo, se inferior a dois anos), e o 'tempo de suspensão'.
Ora, a diminuição do prazo máximo não se compreenderia. Na verdade, a especificidade das contra-ordenações não justifica que se exclua o instituto da suspensão e tão-pouco importa aumento das exigências determinantes da estatuição daquele prazo máximo. Bem pelo contrário, o carácter axiologicamente neutro das condutas integradoras do ilícito contra-ordenacional e a natureza da sanção poderiam antes justificar uma diminuição dessas exigências, por tornarem menos onerosa para o arguido a pendência do processo, ainda que por período superior.
De notar, aliás, que num sistema como o contra-ordenacional, em que, contrariamente ao que sucede no sistema penal, apenas o arguido pode determinar a abertura da fase judicial, seria ilógico e contrário às exigências de eficácia do próprio sistema contra-ordenacional - exigências ínsitas ao regime estabelecido - não ocorrer a suspensão a partir da notificação de actos equivalentes, na economia do procedimento contra-ordenacional, ao despacho de pronúncia ou equivalente em processo penal.
Face ao exposto, conclui-se que, na versão originária do Decreto-Lei 433/82, nada impedia, antes se impunha, a aplicação subsidiária ao regime contra-ordenacional, por força do disposto no artigo 32.º daquele decreto-lei, do regime da suspensão da prescrição do procedimento criminal (artigo 119.º), por si e na sua conjugação com o prazo máximo de prescrição (artigo 120.º, n.º 3).
Nem faria sentido que, na lógica do sistema pressuposto na decisão do douto Acórdão de uniformização de jurisprudência 6/2001, se considerasse aplicável subsidiariamente a norma do artigo 120.º, n.º 3, do Código Penal, apesar de no Decreto-Lei 433/82 se incluir norma pormenorizada e abrangente, respeitante à interrupção da prescrição, e, na ausência de preceito relativo à suspensão da prescrição do procedimento contra-ordenacional, se recusasse a aplicação subsidiária do regime da suspensão do procedimento criminal.
O Decreto-Lei 244/95, de 14 de Setembro, incluiu, no referido capítulo IV, o artigo 27.º-A, com o seguinte teor:
'Artigo 27.º-A
Suspensão da prescrição
A prescrição do procedimento por contra-ordenação suspende-se, para além dos casos previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal.' A letra da lei, quando confrontada com o disposto no artigo 120.º do Código Penal, versão de 1995, suporta o entendimento, defendido no douto acórdão recorrido, segundo o qual foi escolhida, entre as previstas naquele artigo 120.º, como única causa de suspensão a especificada no artigo transcrito.Salvo, porém, o devido respeito, a ratio legis, esclarecida, nomeadamente, pelas exigências de política criminal inerentes ao regime estatuído, de que se salienta a eficácia do sistema, e pela necessidade de preservação da unidade e harmonia do mesmo, aponta para um entendimento diverso - continua a ser subsidiariamente aplicável, na parte não prevista, por força do disposto no artigo 32.º do Decreto-Lei 433/82, o disposto no artigo 120.º do Código Penal.
Entendimento este que tem na norma um mínimo de correspondência verbal, ao excepcionar 'salvo os casos previstos na lei'.
Na verdade, como se refere no preâmbulo do Decreto-Lei 244/95, verifica-se:
Alargamento notável das áreas de actividade que agora são objecto de ilícito de mera ordenação social;
Fixação de coimas de montantes muito elevados e a cominação de sanções acessórias especialmente severas;
o que implica um aumento de exigência de eficácia do sistema contra-ordenacional, sob pena de não cumprir os fins de descriminalização, aliados aos de 'ordenação social', reclamada pela complexidade das relações sociais do nosso tempo.
Essa exigência de eficácia é, aliás, salientada no referido preâmbulo do Decreto-Lei 244/95, a par da preocupação do reforço dos direitos e garantias dos arguidos, que não é posto em causa pelo entendimento perfilhado no douto acórdão fundamento e que vimos defendendo.
Considerando a falta de ressonância ética das condutas integrantes do ilícito de mera ordenação social, compreende-se que sejam curtos os prazos de prescrição do procedimento contra-ordenacional (dois anos e um ano, conforme o montante máximo da coima aplicável).
Sendo, porém, o procedimento contra-ordenacional integrado por uma fase administrativa e a possibilidade de uma fase judicial - esta só susceptível de ser desencadeada pelo arguido -, a obter vencimento a tese segundo a qual não é subsidiariamente aplicável o disposto no artigo 120.º do Código Penal, não haveria normalmente 'tempo de suspensão' a 'ressalvar', o que resultaria em forte limitação do natural objectivo de eficácia no sistema punitivo das contra-ordenações, realçado, como já se referiu, no preâmbulo do Decreto-Lei 244/95.
Poderá mesmo dizer-se que, sendo direito exclusivo do arguido a iniciativa da fase judicial, mal se compreenderia que, ficando na sua total disponibilidade a continuação da tramitação processual, a notificação do acto correspondente à acusação não fosse, contrariamente ao que sucede no regime penal, considerada causa de suspensão da prescrição do procedimento contra-ordenacional.
Tanto mais que, segundo a jurisprudência fixada no douto Acórdão do pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2001, se aplica subsidiariamente o disposto no artigo 121.º, n.º 3, do Código Penal e a causa de suspensão especificada no referido artigo 27.º-A é de ocorrência muito rara.
Por outras palavras, a vingar o entendimento contrário ao que vimos defendendo, bastaria ao arguido impugnar a decisão da autoridade administrativa para que, facilmente, fosse atingido o 'prazo máximo' de prescrição [note-se que este 'prazo máximo' não seria o querido pela lei, no artigo 121.º, n.º 3, pois que, na sua ratio substancial, esta norma supõe a consideração do(s) período(s) de suspensão que possa(m) natural e justificadamente ocorrer - como acontece, designadamente, com a prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 120.º do Código Penal - e não uma suspensão de verificação rara, como a que se mostra especificada no artigo 27.º-A]. Tal entendimento introduziria um grave e injustificado desequilíbrio no sistema.
De salientar, também, que o entendimento que vimos defendendo é harmónico com os demais objectivos das alterações introduzidas pelo citado Decreto-Lei 244/95, igualmente enfatizados no respectivo preâmbulo - a intenção de aperfeiçoamento da coerência interna do regime geral de mera ordenação social e da coordenação deste com o disposto na legislação penal e processual penal.
De notar, a tal respeito, a norma do artigo 121.º, n.º 3, do Código Penal, considerada, pelo citado douto Acórdão de uniformização de jurisprudência 6/2001, aplicável ao regime da prescrição do procedimento contra-ordenacional. Deve ainda atentar-se, na busca dos sinais da unidade do sistema, que a lei de 1995, ao estabelecer a norma do artigo 30.º-A, n.º 2 - relativa ao prazo máximo de prescrição da coima -, igualmente determinou a constituição desse prazo máximo pela soma do tempo de suspensão ao prazo normal de prescrição, acrescido de metade, consagrando assim, também neste aspecto do regime contra-ordenacional, a consideração desses dois elementos como constituindo um todo indissociável, conforme supra se referiu.
Face ao exposto, conclui-se que, também na versão de 1995 do Decreto-Lei 433/82, é de sufragar o entendimento da aplicação subsidiária, por força do disposto no artigo 32.º do regime geral das contra-ordenações, da suspensão da prescrição do procedimento criminal (artigo 120.º do Código Penal) ao regime da suspensão da prescrição do procedimento contra-ordenacional.» Aqui chegados, cumpre a reapreciação da questão da oposição de julgados, pressuposto adjectivo do conhecimento do recurso.
Do confronto das três peças processuais em presença logo se conclui, porém, que, como já ficou expresso, só aparentemente as soluções em oposição contemplam as duas questões que supra se individualizaram.
É que, bem vistas as coisas, o acórdão recorrido em lado algum se debruça, implícita ou explicitamente, sobre a questão, respondida ex professo no acórdão fundamento, qual seja a de saber se em processo contra-ordenacional a admissão da impugnação judicial incidente sobre decisão administrativa e consequente designação de dia para julgamento configura o equivalente processual, ao menos para efeitos de suspensão prescricional, do despacho de pronúncia em processo penal.
Ora, mesmo aceitando, neste ponto, a posição processualmente menos exigente segundo a qual «o recurso [...] pode ter por fundamento a oposição entre um julgado explícito e um julgado implícito» (ver nota 2), não tendo sido aquela questão objecto de tratamento, ainda que implícito, no acórdão recorrido, está ela fora do âmbito da oposição relevante para o efeito, nos termos exigidos pelo artigo 437.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, pese embora a última decisão intercalar poder induzir outro entendimento, que, porém, se não impõe aqui acatar, dada a diferente composição do Tribunal - artigos 441.º, n.º 3, 419.º, n.º 1, e 443.º, n.º 1, do mesmo diploma adjectivo.
Como assim, não se configurando, nesse ponto, a pressuposta oposição de julgados, resta a questão mencionada fora do objecto do presente recurso extraordinário.
Subsiste, sim, em oposição, nos dois arestos em confronto, a questão de saber se em processo contra-ordenacional - artigo 27.º-A do Decreto- Lei 433/82, de 27 de Outubro, na redacção emergente do Decreto-Lei 244/95, de 14 de Setembro - as causas de suspensão de prescrição do procedimento são apenas as contempladas no estrito quadro de previsão de tal dispositivo, como decidiu o acórdão recorrido, ou se , ao invés, como assegura o acórdão fundamento, aí tem aplicação subsidiária o regime geral das causas de suspensão do procedimento criminal desenhado no artigo 120.º do Código Penal, na redacção que lhe adveio do Decreto-Lei 48/95, de 15 de Março, e da Lei 65/98, de 2 de Setembro, artigo 119.º da versão originária do mesmo diploma.
Precisada, assim, a questão, há que prosseguir.
2.1 - Vejamos, antes de mais, o que dizem as normas em causa.
Dispunha o Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, na sua redacção original:
Prescrição do procedimento
O procedimento por contra-ordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contra-ordenação hajam decorrido os seguintes prazos:a) Dois anos, quando se trate de contra-ordenações a que seja aplicável uma coima superior a 100000$00;
b) Um ano, nos restantes casos.
Artigo 28.º
Interrupção da prescrição
1 - A prescrição do procedimento por contra-ordenação interrompe-se:a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação;
b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;
c) Com quaisquer declarações que o arguido tenha proferido no exercício do direito de audição.
2 - Nos casos de concurso de infracções, a interrupção da prescrição do procedimento criminal determina a interrupção da prescrição do procedimento por contra-ordenação.
Artigo 29.º
Prescrição da coima
1 - As coimas prescrevem nos prazos seguintes:a) Quatro anos, no caso de uma coima superior a 100000$00;
b) Três anos, nos restantes casos.
2 - O prazo conta-se a partir do trânsito em julgado da decisão condenatória.
Artigo 30.º
Suspensão da prescrição da coima
A prescrição da coima suspende-se durante o tempo em que:a) Por força da lei, a execução não pode começar ou não pode continuar a ter lugar;
b) A execução foi interrompida;
c) Foram concedidas facilidades de pagamento.
Artigo 31.º
Prescrição das sanções acessórias
Aplica-se às sanções acessórias o regime previsto nos artigos anteriores para a prescrição da coima.
Artigo 32.º
Do direito subsidiário
Em tudo o que não for contrário à presente lei aplicar-se-ão subsidiariamente, no que respeita à fixação do regime substantivo das contra-ordenações, as normas do Código Penal.» Por sua vez, prescreve o artigo 119.º do Código Penal de 1982:
«Artigo 119.º
Suspensão da prescrição
1 - A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:a) O procedimento criminal não possa legalmente iniciar-se ou não possa continuar por falta de uma autorização legal ou de uma sentença prévia a proferir por tribunal não penal, ou por efeito da devolução de uma questão prejudicial para juízo não penal;
b) O procedimento criminal esteja pendente, a partir da notificação do despacho de pronúncia ou equivalente, salvo no caso de processo de ausentes;
c) O delinquente cumpra no estrangeiro uma pena ou uma medida de segurança privativa da liberdade.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar 2 anos, quando não haja lugar a recurso, ou 3 anos, havendo-o.» Com a entrada em vigor - em 1 de Outubro de 1995 - do Decreto-Lei 244/95, de 14 de Setembro, que alterou o referido Decreto-Lei 433/82, foram acrescentados a este algumas normas, relevando para o presente caso o novo artigo 27.º-A, que dispõe:
«Artigo 27.º-A
Suspensão da prescrição
A prescrição do procedimento por contra-ordenação suspende-se, para além dos casos previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal.» Em simultâneo, entrou em vigor o Código Penal de 1995, que introduziu alterações ao seu antecessor, nomeadamente em matéria de prescrição, adaptando-o ao novo Código de Processo Penal, passando a matéria da suspensão da prescrição a ser regulada pelo artigo 120.º, que assumiu a seguinte redacção:
«Artigo 120.º
Suspensão da prescrição
1 - A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:a) O procedimento criminal não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal ou de sentença a proferir por tribunal não penal, ou por efeito da devolução de uma questão prejudicial a juízo não penal;
b) O procedimento estiver pendente a partir da notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, a partir da notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou do requerimento para a audiência em processo sumaríssimo;
c) Vigorar a declaração de contumácia; ou d) O delinquente cumprir no estrangeiro pena ou medida de segurança privativas da liberdade.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior a suspensão não pode ultrapassar 3 anos.
3 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão.» Este artigo sofreu alterações (de pormenor) pela citada Lei 65/98, de 2 de Setembro, que substituiu a expressão da alínea b) «requerimento para a audiência» por «requerimento para aplicação de sanção» e introduziu uma nova alínea d) - passando a anterior alínea d) a alínea e) - com a seguinte redacção: «A sentença não puder ser notificada ao arguido julgado na ausência.» Com interesse para a questão a dilucidar foi fixada jurisprudência, em matéria de prescrição, com o seguinte teor:
Acórdão de fixação de jurisprudência 6/2001, já transcrito supra;
Assento de 15 de Fevereiro de 1989, in Diário da República, 1.ª série-A, de 17 de Março de 1989, e Boletim do Ministério da Justiça, n.º 384, p. 163:
«Em matéria de prescrição do procedimento criminal deve aplicar-se o regime mais favorável ao réu, mesmo que no momento da entrada em vigor do Código Penal de 1982 estivesse suspenso o prazo de prescrição por virtude de acusação deduzida.» 2.2 - Fazendo uma breve indagação sobre o enquadramento doutrinal dos conceitos chamados à colação para fundamento da questão que nos ocupa, encontramos na obra do Prof. Figueiredo Dias (ver nota 3) uma referência inultrapassável:
«§ 1125 - A prescrição justifica-se, desde logo, por razões de natureza jurídico-penal substantiva. É óbvio que o mero decurso do tempo sobre a prática de um facto não constitui motivo para que tudo se passe como se ele não houvesse ocorrido; considera-se, porém, que uma tal circunstância é, sob certas condições, razão bastante para que o direito penal se abstenha de intervir ou de efectivar a sua reacção. Por um lado, a censura comunitária traduzida no juízo de culpa esbate-se, se não chega mesmo a desaparecer.
Por outro, e com maior importância, as exigências da prevenção especial, porventura muito fortes logo a seguir ao cometimento do facto, tornam-se progressivamente sem sentido e podem mesmo falhar completamente os seus objectivos: quem fosse sentenciado por um facto há muito tempo cometido e mesmo porventura esquecido, ou quem sofresse a execução de uma reacção criminal há muito tempo já ditada, correria o sério risco de ser sujeito a uma sanção que não cumpriria já quaisquer finalidades de socialização ou de segurança. Finalmente, e sobretudo, o instituto da prescrição justifica-se do ponto de vista da prevenção geral positiva: o decurso de um largo período sobre a prática de um crime ou sobre o decretamento de uma sanção não executada faz com que não possa falar-se de uma estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, já apaziguadas ou definitivamente frustradas.
Por todas estas razões, a limitação temporal da perseguibilidade do facto ou da execução da sanção liga-se a exigências político-criminais claramente ancoradas na teoria das finalidades das sanções criminais e correspondentes, além do mais, à consciência jurídica da comunidade.
§ 1126 - Também do ponto de vista processual, aliás, como tem sido geralmente notado, o instituto geral da prescrição encontra pleno fundamento.
Sobretudo o instituto da prescrição do procedimento, na medida em que o decurso do tempo torna mais difícil e de resultados duvidosos a investigação (e a consequente prova) do facto e, em particular, da culpa do agente, elevando a cotas insuportáveis o perigo de erros judiciários. A conclusão vale, também, para o instituto da prescrição da pena, por isso que é a sua própria execução que se torna inadmissível e deve, portanto, ser impedida.
§ 1127 - Com o que ficou apontado em matéria de fundamentos do instituto da prescrição não se tomou posição, do mesmo passo, sobre a sua (extraordinariamente discutida, nas doutrinas e nas jurisprudências) natureza jurídica e consequente localização sistemática.
Também aqui se debatem fundamentalmente três diferentes teorias. Uma concepção material (absolutamente dominante em tempos mais afastados) vê na prescrição um instituto relativo à punibilidade do facto e considera-o, assim, como uma pura causa de impedimento da pena ou da sua execução; quando não mesmo o reputa atinente ao próprio ilícito e o considera como causa da sua exclusão ou do seu impedimento. Uma estrita concepção processual (que tem ganho progressivamente adeptos em tempos mais recentes) confere ao instituto a natureza de um obstáculo processual. Finalmente, uma concepção mista vê na prescrição um instituto jurídico tanto substantiva como processualmente relevante e fundado. Esta última concepção merece preferência; mas, na sua justificação, não é possível renunciar a uma consideração separada da prescrição do procedimento e da prescrição da pena.
§ 1149 - O instituto da suspensão da prescrição - uma novidade introduzida pelo artigo 119.º do Código Penal de 1982 no direito penal português - radica na ideia segundo a qual a produção de determinados eventos, que excluem a possibilidade de o procedimento se iniciar ou continuar, deve impedir o decurso do prazo de prescrição. Uma vez eliminado o obstáculo - isto é, uma vez cessada a causa de suspensão -, o resto do prazo deve voltar a correr (artigo 119.º, n.º 3, actual artigo 120.º, n.º 3). O instituto é, nesta medida, teleológica e político-criminalmente fundado.
§ 1150 - As mais relevantes causas de suspensão (outras podem, como sempre será necessário, constar expressamente da lei) contêm-se no artigo 119.º, n.º 1 [actual artigo 120.º], segundo o qual a prescrição do procedimento se suspende 'durante o tempo em que ...'.» 2.3 - Pesquisando a jurisprudência mais relevante:
a) No sentido da aplicação do artigo 121.º, n.º 3, do Código Penal de 1995, afastando, porém, a aplicação do artigo 120.º do mesmo diploma:
Acórdão da Relação de Lisboa de 19 de Maio de 1998, proferido no recurso n.º 2411/98, da 5.ª Secção, no qual se cita a fundamentação do acórdão proferido no processo 574/98, da mesma Relação, do seguinte teor:
«É que embora as causas de interrupção da prescrição por contra-ordenação estejam previstas no artigo 28.º do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, a regulamentação de tal matéria tem de ser integrada e completada com o disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 120.º do Código Penal de 1982, que corresponde ao artigo 121.º, n.os 2 e 3, do Código Penal de 1995, e deste modo mantém-se a unidade do sistema jurídico.
Já o mesmo se não pode dizer quanto ao regime da suspensão da prescrição do procedimento por contra-ordenação face ao disposto no artigo 27.º-A do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, na redacção do Decreto-Lei 244/95, de 14 de Setembro, pois aí se dispõe que 'a prescrição do procedimento por contra-ordenação suspende-se, para além dos casos previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal'. O que significa que face às várias situações do artigo 119.º do Código Penal de 1982, que corresponde ao artigo 120.º do Código Penal de 1995, que prevê a suspensão da prescrição, o legislador do processo de contra-ordenação apenas elegeu uma delas, a alínea a) do n.º 1, como susceptível de suspender a prescrição do procedimento por contra-ordenação, pelo que não será legítimo sustentar a aplicação subsidiária das outras causas que permitem a suspensão, uma vez que não se está perante lacuna a carecer de integração. Do que fica dito resulta, pois, que no caso vertente se verifica a prescrição do procedimento por contra-ordenação decorridos que foram dois anos após a prática dos factos - artigos 27.º, alínea b), e 28.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, na redacção do Decreto-Lei 244/95, de 14 de Setembro, e artigos 2.º, n.º 4, do Código Penal, e 120.º, n.º 3, do Código Penal de 1982, que corresponde ao artigo 121.º, n.º 3, do Código Penal de 1995.» No mesmo sentido podem ainda consultar-se os Acórdãos da Relação de Lisboa de 3 de Março de 1998, proferido no recurso n.º 575/98, da 5.ª Secção, e de 7 de Outubro de 1998, proferido no processo 573/98.
Acórdão da Relação do Porto de 7 de Julho de 1999, in Colectânea de Jurisprudência, t. IV, 1999, p. 231:
«[...] deve aplicar-se, subsidiariamente, o n.º 3 do artigo 121.º do Código Penal vigente.
O Decreto-Lei 244/95, de 14 de Setembro, introduziu no regime das contra-ordenações o instituto da suspensão da prescrição do procedimento contra-ordenacional. E, assim, o artigo 27.º-A do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, preceitua que a prescrição do procedimento por contra-ordenação suspende-se, para além dos casos previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal.
Ora, tendo o legislador consagrado esta causa de suspensão da prescrição do procedimento contra-ordenacional - correspondente à constante da primeira parte da alínea a) do artigo 121.º do Código Penal vigente -, temos para nós claro que, nesta matéria, não pode pretender aplicar-se subsidiariamente as outras causas de suspensão constantes do citado artigo 121.º do Código Penal, pois entendemos que, neste aspecto, não existe qualquer lacuna da lei que deva ser suprida.
Daí que, a nosso ver, só nos casos expressamente referidos no citado artigo 27.º-A do Decreto-Lei 433/82 é que existe a suspensão da prescrição do procedimento contra-ordenacional.» b) No sentido da inaplicabilidade às contra-ordenações do regime da prescrição constante do Código Penal:
Acórdão da Relação de Lisboa de 9 de Março de 1999, in Colectânea de Jurisprudência, t. III, 1999, p. 134, com a seguinte conclusão final:
«A perseguição infraccional é um valor constitucionalmente tutelado pelo que tem de ser atendido na interpretação do regime das contra-ordenações. E é consagrado constitucionalmente numa perspectiva menos garantística que a penal, tendo em conta a menor gravidade dos factos e das sanções aplicáveis, mas tendo igualmente em conta a necessidade de protecção eficaz de bens para os quais a perseguição criminal não é eficiente.
Não tem por isso sentido aplicar o regime penal da prescrição às contra-ordenações [...] pelo que, interrompida a prescrição do procedimento, não se aplica o limite peremptório do prazo de prescrição acrescido de metade previsto no artigo 121.º, n.º 3, do Código Penal.» c) Pela aplicação subsidiária do regime suspensivo previsto no Código Penal:
Acórdão da Relação do Porto de 27 de Outubro de 1999, in Colectânea de Jurisprudência, t. IV, 1999, p. 249, no qual foi entendido que o recurso para o Tribunal Constitucional, em processo de contra-ordenação, suspende o prazo de prescrição, pelo período de tempo em que os autos permanecerem naquele Tribunal, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º do Código Penal de 1995.
Acórdão da Relação de Lisboa de 21 de Outubro de 1997, in Colectânea de Jurisprudência, t. IV, 1997, p. 155:
«O artigo 32.º do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, prescreve a aplicação subsidiária do Código Penal ao regime substantivo das contra-ordenações.
Embora as causas de interrupção da prescrição estejam reguladas no Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, a regulamentação dessa matéria tem de ser completada e integrada com o disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 121.º do Código Penal, para se manter a unidade do sistema jurídico (v.
Figueiredo Dias, in As Consequências Jurídicas do Crime, pp. 699 e segs.).
As razões que determinaram que no Código Penal se estabelecesse um prazo limite para efeito dos actos interruptivos da prescrição são igualmente válidas para o procedimento contra-ordenacional (v. Cavaleiro Ferreira, in Direito e Justiça, ano IV, 1989-1990, pp. 276 e 277).
Na verdade, a lei não permite que se eternize um prazo, mesmo que o ilícito seja apenas de contra-ordenação, e daí a obrigatoriedade da regra estabelecida no n.º 3 do artigo 121.º do Código Penal, que não foi afastada nem se compreenderia que o fosse em matéria de contra-ordenação.
O instituto da suspensão da prescrição radica na ideia segundo a qual a produção de determinados eventos, que excluem a possibilidade de o procedimento se iniciar ou continuar, deve impedir o decurso do prazo de prescrição.
Uma vez eliminado o obstáculo, isto é, cessada a causa da suspensão, o resto do prazo da prescrição deve voltar a correr.
O instituto é, nesta medida, teleológica e político-criminalmente fundado (v. ob.
cit., Figueiredo Dias, p. 171).
Embora o legislador haja introduzido no regime das contra-ordenações o instituto da suspensão da prescrição, consagrando com o artigo 27.º-A, introduzido pelo Decreto-Lei 244/95, uma causa de suspensão da prescrição do procedimento contra-ordenacional, isso não poderá implicar a inaplicabilidade subsidiária do Código Penal quando houver lacunas a carecerem de integração (artigo 32.º do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro).
Na verdade, se não há possibilidade de o procedimento continuar, a partir da notificação da acusação ou não tendo esta sido deduzida, a partir da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou do requerimento para audiência em processo sumaríssimo, no dizer do Código Penal de 1995, ou a partir da notificação do despacho de pronúncia ou equivalente, salvo no caso de processo de ausentes, no dizer do Código Penal de 1982, a pendência do procedimento, ou melhor, o tempo durante o qual o procedimento está pendente vai implicar a suspensão da prescrição, voltando, por isso, esta a correr a partir do dia em que cessa a causa da suspensão, sem prejuízo de se fixar um prazo que de modo algum pode ser ultrapassado ainda que o procedimento continue pendente.
As contra-ordenações podem ser de per si o objecto único da acusação ou pode a acusação englobar crime e contra-ordenações.
Na verdade, não se conformando o arguido com a decisão da autoridade administrativa, há-de esta enviar os autos ao Ministério Público, que os tornará presentes ao juiz.
Este acto vale como acusação (artigo 62.º do Decreto-Lei 433/82), o que implica, após notificação, a pendência do procedimento, nos termos do consignado nos artigos 119.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal de 1982 e 120.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal de 1995.
Nos casos de concurso de infracções, se o mesmo processo versar sobre crimes e contra-ordenações, há primazia do processo-crime em relação ao contra-ordenacional (artigo 78.º do Decreto-Lei 433/82), pelo que a suspensão do procedimento criminal não pode deixar de determinar a suspensão do procedimento por contra-ordenação, por igualmente se verificar a pendência do procedimento.
Reportando-nos ao caso sub judicio, o mesmo processo versa sobre um crime de ofensas corporais por negligência e sobre uma contra-ordenação, imputados ao arguido na acusação do Ministério Público.
Assim sendo, com a notificação ao arguido do despacho equivalente ao de pronúncia, ocorreu não só uma causa de interrupção mas também uma causa de suspensão [artigo 119.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal de 1982, aplicável por força do artigo 32.º do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro].
Isto significa que, embora o procedimento contra-ordenacional nos presentes autos prescreva quando, desde o seu início e ressalvado o tempo da suspensão, decorram dois anos, ainda não decorreu o prazo da prescrição do procedimento contra-ordenacional.
Com efeito, em 1 de Março de 1997, por força das diversas interrupções que determinaram a contagem de novos prazos, ainda se não tinha atingido o limite máximo de dois anos.
Como, a partir dessa data, se descontar o prazo de suspensão, cujo limite máximo é, in casu, três anos, fácil é verificar que o procedimento contra-ordenacional ainda não se extinguiu por prescrição.» Acórdão da Relação do Porto de 21 de Maio de 1997, in Colectânea de Jurisprudência, t. II, 1997, p. 234, em cujo sumário se pode ler:
«Tendo sido interposto recurso da decisão aplicativa da coima e sendo, posteriormente, o arguido notificado do despacho que designou dia para julgamento, com essa notificação suspendeu-se a prescrição até decisão final.» Acórdão da Relação de Coimbra de 28 de Abril de 1999, in Colectânea de Jurisprudência, t. II, 1999, p. 56, no qual se pode ler:
«No processo de contra-ordenação, o despacho que, aceitando a impugnação judicial, designa dia para julgamento (ou que considera possível a decisão por mero despacho) equivale ao de pronúncia; e daí que a sua notificação tenha a mesma eficácia da alínea b) do n.º 1 do artigo 120.º do Código Penal.» 2.4 - A oportunidade de consideração teórica das teses em confronto, para solução da questão que nos é posta, perdeu muito da sua relevância face à publicação do citado Acórdão uniformizador n.º 6/2001, deste Supremo Tribunal, cuja doutrina se mantém válida, quanto mais não seja por não se terem alterado, em sentido contrário, os pressupostos de que partiu, nomeadamente, o quadro legislativo em que assentou a divergência que visou solucionar.
Mais do que isso: a doutrina perfilhada em tal aresto uniformizador veio a ser expressamente acolhida pelo recentemente inovado n.º 3 do artigo 28.º do citado Decreto-Lei 433/82, na redacção que lhe foi dada pela Lei 109/2001, de 24 de Dezembro.
E, assim, adquirido que tem de haver-se, ao menos por agora, que à prescrição do procedimento contra-ordenacional se aplica, subsidiariamente, a limitação temporal prevista no artigo 121.º, n.º 3, do Código Penal, haveremos de concluir que, como bem faz notar a Exma. Procuradora-Geral-Adjunta neste Supremo Tribunal, resultaria contraditório, e mesmo gerador de incerteza e desconfiança na ordem jurídica, que, com os mesmos pressupostos, isto é, mantendo-se inalterado, no essencial, se não mesmo reforçado, no sentido proclamado pelo aresto, o quadro legislativo em que assentou aquela decisão uniformizadora, se viesse agora, sem mais, trilhar caminho oposto, o que não pode ser aceite.
Com efeito, «possibilitar a confiança e proteger a confiança justificada é [...] um dos preceitos fundamentais que deve cumprir todo o ordenamento jurídico» (ver nota 4).
Por outra via, em sede de interpretação das normas jurídicas, «o problema concreto não deixa de convocar o sistema de normatividade que pressupõe (enquanto problema jurídico de um certo contexto ou ordem normativa) e que vai, aliás, desde logo intencionado pela mediação da norma [...] O punctum crucis do actual pensamento metodológico jurídico de sentido jurisprudencial está justamente no modo de compreender e assumir metodicamente a dialéctica entre sistema e problema, enquanto coordenadas metodologicamente complementares e irredutíveis do judicium jurídico» (ver nota 5).
Ou ainda «[...] a aplicação de uma norma a um caso começa por co-envolver de certo modo uma operação de 'aplicação' de todo o ordenamento jurídico.
Vimos que este ordenamento constitui uma unidade, um universo de ordem e de sentido cujas partes componentes (as normas) não podem ser tomadas e entendidas por forma avulsa, ou isoladas dessa unidade de que fazem parte, sob pena de se lhes deturpar o sentido. Isto por força daquela unidade da ordem jurídica, que postula uma coerência intrínseca» (ver nota 6).
E se é certo que o resultado desta interpretação conforme à unidade do sistema não será, porventura, a mais conforme aos objectivos que presidiram, inicialmente, à institucionalização do regime de mera ordenação social consagrado pelo Decreto-Lei 432/82 citado, e que, atenta a diferente natureza dos respectivos ilícitos, pressupunha uma autonomia dogmática daquele ilícito, máxime face ao ilícito penal, é o próprio legislador que, em aparente mudança de perspectiva, vem dando sinais claros de querer afastar o regime contra-ordenacional de tal caminho diferenciado, já que aquela é uma «autonomia que a reforma do Decreto-Lei 433/82, operada pelo Decreto-Lei 244/95, de 14 de Setembro, tende a neutralizar, porventura no pressuposto de que não existe nenhuma distinção essencial entre crimes e contra-ordenações, como alguns sustentam» (ver nota 7).
Por isso, tal reforma de 1995 que, nomeadamente, consagrou, também neste domínio, o princípio da proibição da reformatio in pejus, «aproximou tanto o seu regime substantivo do regime penal geral que é de prever que a curto prazo seja necessária nova reforma, sem o que se perderá em grande parte a eficácia da intervenção administrativa que se buscou realizar mediante as especialidades de regime, material e processual, estabelecido nos primeiros diplomas» (ver nota 8).
Não obstante, é neste sentido que se vai, claramente, caminhando, tal como se intui do sentido da publicação da citada Lei 109/2001, de 24 de Dezembro, e, nomeadamente, da falada inovadora formulação do n.º 3 do artigo 28.º do regime geral, onde, reproduzindo-se o texto correspondente do artigo 121.º, n.º 3, do Código Penal, se preceitua sem hesitação que «a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade».
Em todo o caso, cumprirá afirmar que, mesmo na perspectiva da bondade da preconizada autonomia dogmática entre os dois ramos de direito em causa, a interpretação que aqui conceda maior extensão à aplicação das causas de suspensão da prescrição do procedimento não atraiçoa o espírito inicial do regime contra-ordenacional já que se torna «incompreensível que o regime das contra-ordenações acabe por conceder mais garantias (ver nota 9), pelo menos formais, do que o regime penal, o que pode ter na prática, como já está efectivamente a ter, efeitos contraproducentes pela redução ou limitação dos direitos de defesa na fase administrativa do processo, remetendo-se as garantias do arguido para a fase da impugnação judicial» (ver nota 10), até, porque, «a experiência mostra que a exacerbação de garantias formais facilita manobras dilatórias e tem frequentemente uma resposta redutora das que são essenciais por parte das autoridades» (ver nota 11).
Não será, pois, nem na unidade do sistema, nem na preservação do espírito inicial do regime geral do ilícito, ora em causa, que se encontrará obstáculo intransponível a que se aplique, subsidiariamente, à suspensão da prescrição do procedimento respectivo a norma contida para situação paralela em direito penal, ou seja, o citado artigo 120.º do Código Penal.
Até porque a aplicação subsidiária do direito penal, além de prevista expressamente pelo artigo 32.º do Decreto-Lei 433/82, é doutrinalmente comportável (ver nota 12).
Assim sendo, restará indagar se o falado artigo 27.º-A do elenco do regime contra-ordenacional - na redacção vigente nas datas em que foram prolatados ambos os arestos em oposição - encerra ou não alguma «lacuna» ou, no dizer do Prof. Germano Marques da Silva (ver nota 13), se a sua «disciplina normativa específica está incompleta», o que, como ali se reconhece, nem sempre constitui tarefa fácil.
Os acórdãos em oposição, recorrido e fundamento, chegam a conclusões opostas, o primeiro, como se viu, assentando essencialmente em considerações sistemáticas e de lógica legislativa, entendeu, como se viu, que o citado artigo 27.º-A restringe, ao invés de alargar, o leque de possibilidades de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal. Isto porque outra interpretação seria redundante, «isto é, precisamente porque o Código Penal é direito subsidiário [...] é que a remissão do artigo 27.º-A não poderá dizer-lhe respeito».
E vai mais longe, entendendo que antes daquele artigo 27.º-A, «aquele diploma excluía qualquer hipótese de suspensão da prescrição do procedimento».
Por seu lado, o acórdão fundamento, estribando-se na história dos preceitos em causa e na busca sistemática do «pensamento legislativo» por oposição ao mero «pensamento do legislador», considera que a solução é, em termos de adequada interpretação actualista, exactamente a contrária da alcançada pelo primeiro.
Já se alcança, do que fica exposto, que a solução para que se propende é a acolhida no acórdão fundamento.
Desde logo, e sem prejuízo do que adiante se dirá, sobre a evolução da filosofia subjacente ao nosso direito contra-ordenacional vigente, sendo as razões da prescrição do procedimento as que se adiantaram, não se compreenderia muito bem, mesmo antes da reforma operada pelo Decreto-Lei 244/95, citado, que aquela causa extintiva não lograsse ser impedida por acto tão manifestamente explícito da intenção de exercício da actividade sancionatória do Estado, como é a notificação da acusação ou acto equivalente.
Se é certo que, como se pode inferir do já exposto, se pode entender que a solução encontrada pelo acórdão recorrido seria a que melhor se coadunaria com a pureza do regime contra-ordenacional inicialmente instituído, não é menos verdade que, como se viu também, tal regime original, concorde-se ou não, sofreu alterações profundas que se não deturparam completamente a filosofia subjacente à sua instituição, pelo menos, desvirtuaram-na significativamente.
De tal modo que, contra o reclamado pela almejada autonomia que a concepção do direito contra-ordenacional, como um aliud qualitativamente diferenciado implicava, se caminhou e, pelos vistos, continua a caminhar, ao invés, no sentido de uma aproximação ou sobreposição de princípios, que retiraram ao novel regime muito da sua proposta utilidade e campo de actuação.
Daí que as considerações sistemáticas em que assenta o aresto recorrido tenham perdido grande parte da sua valia.
De resto, não é certo que, como se afirma neste mesmo acórdão, se possa dizer, com inteira segurança, que a interpretação adversa tornava redundante a formulação do citado artigo 27.º-A.
Com efeito, quer na redacção originária (artigo 119.º do Código Penal de 1982), quer na redacção actual (artigo 120.º, n.º 1), se todas as demais causas de suspensão da prescrição podem ser estendidas indistintamente à fase judicial e à fase administrativa do processo contra-ordenacional, a ora autonomizada «suspensão durante o tempo em que o procedimento não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal» estará mais afeiçoada a esta última, onde por natureza o processo se inicia sempre (artigo 33.º do regime geral) e, assim, num domínio em que ao lado de critérios de legalidade, pontua também a actuação subordinada ao princípio da oportunidade e, portanto, onde faz mais sentido falar em dependência de «autorização legal».
Donde, a possível justificação para aquela autonomização, que, a ser válida, destronaria a acusação de redundância de que se falou.
Ex abundanti, e não obstante, não deixará de considerar-se, no sentido da orientação que se defende, que, assumidamente, «não pode o direito de mera ordenação social continuar a ser olhado como um direito de bagatelas penais» (ver nota 14). E também que a «eficácia do sistema» constitui preocupação dominante do legislador (ver nota 15).
Ora, como bem se deu conta a Exma. Procuradora-Geral-Adjunta, haverá de convir-se que, decretado que está, em consideração, essencialmente, aos direitos de defesa do arguido, que o prazo prescricional, mesmo relativo a contra-ordenações, não pode, em caso algum, ir além do previsto no artigo 121.º, n.º 3, do Código Penal, nula ou pouca eficácia conseguiria um sistema que, para além disso, limitasse ao mínimo possível - no caso, à previsão do falado artigo 27.º-A do Decreto-Lei 433/82, na redacção então vigente - as hipóteses de suspensão daquela causa extintiva do procedimento, já que nem sequer a notificação da acusação ou acto equivalente teria essa força suspensiva, o que, por direitas contas, tornaria a aplicação de qualquer coima vulnerável a toda a espécie de manobras dilatórias, em suma, dependente, em último termo, da vontade do acusado.
Neste contexto, a aplicação subsidiária do artigo 120.º, n.º 1, do Código Penal ou do seu antecessor constitui, numa óptica plausível de equilíbrio estatutário, a contribuição mínima a exigir do arguido, a quem a interpretação fixada no citado Acórdão 6/2001, inegavelmente, outorgou um substancial benefício processual, porventura alheio à original intenção do legislador contra-ordenacional, mas, como se viu, não desdenhado pelo reformador.
É certo que a nova redacção do artigo 27.º-A do regime geral (ver nota 16)(ver nota 17), conferida pela citada Lei 109/2001, de 24 de Dezembro, ao aditar à anterior duas novas causas de suspensão da prescrição do procedimento dá corpo à ideia de que o legislador assumiu, explicitamente, a reposição daquele equilíbrio.
Mas a solução do problema, à luz das implicações do novo quadro legislativo, ultrapassa o objecto do presente recurso extraordinário, pelo que, neste momento, àquele se terá de cingir o veredicto deste Supremo Tribunal.
O que impõe a conclusão, em suma, de que a interpretação acolhida no acórdão recorrido, ao menos enquanto apartada das assumidas preocupações de eficácia do sistema, permite ter como incompleta a «disciplina normativa específica [do artigo 27.º-A, citado, na redacção coeva da prolação dos dois arestos em oposição]», o mesmo é dizer que torna mais aceitável, no contexto exposto, a professada no acórdão fundamento.
3 - Tudo visto, o pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça, reunido em conferência, delibera, na procedência do recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência interposto pelo Ministério Público:
a) Fixar jurisprudência nos seguintes termos:
O regime da suspensão da prescrição do procedimento criminal é extensivo, com as devidas adaptações, ao regime de suspensão prescricional das contra-ordenações, previsto no artigo 27.º-A do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, na redacção dada pelo Decreto-Lei 244/95, de 14 de Setembro;
e b) Reenviar oportunamente o processo ao Tribunal da Relação de Lisboa, para que este, sem prejuízo do disposto no artigo 409.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, reveja a decisão recorrida, conformando-a com a jurisprudência ora fixada.
Oportunamente, será observado o disposto no artigo 444.º do mesmo Código.
(nota 1) Os passos em itálico são da responsabilidade do relator.
(nota 2) Alberto dos Reis, citado por Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 4.ª ed., Rei dos Livros, p. 171.
(nota 3) Cf. Direito Penal Português, as Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas Editorial de Notícias, 1993, pp. 699 a 711.
(nota 4) Cf. Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, 3.ª ed., tradução de José Lamego, FCG, p. 679.
(nota 5) Cf. Castanheira Neves, «Metodologia jurídica - Problemas fundamentais», Stvdia Ivridica I, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, pp. 147 e 148.
(nota 6) Cf. J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, Almedina, 1987, p. 207.
(nota 7) Cf. Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, I, Verbo, 1997, p. 140.
(nota 8) Ibidem, p. 141.
(nota 9) Conforme faz notar o mesmo autor, a proibição da reformatio in pejus a que se alude no texto se convida à interposição indiscriminada de recursos, por um lado, pode também determinar na prática que a autoridade administrativa decidente seja tentada a subir o limite da sanção aplicada, em prejuízo da justiça.
(nota 10) Cf. Germano Marques da Silva, ob. cit., p. 141.
(nota 11) Ibidem, p. 142.
(nota 12) Cf. Faria Costa, «Les problèmes juridiques et pratiques posés par la différence entre le droit criminel et le droit administratif-pénal», separata do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, LXII, 1988, p. 14, e, ao que parece, Eduardo Correia, «Direito penal e direito de mera ordenação social», separata do mesmo Boletim, XLIX, 1973, p. 29.
(nota 13) Ob. cit., p. 144.
(nota 14) Preâmbulo do Decreto-Lei 244/95, de 14 de Setembro.
(nota 15) Ibidem.
(nota 16) Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro.
(nota 17) «1 - A prescrição do procedimento por contra-ordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento:
a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal;
b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do artigo 40.º;
c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso.
2 - Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses.» Lisboa, 17 de Janeiro de 2002. - António Pereira Madeira (relator) - Manuel José Carrilho de Simas Santos - Sebastião Duarte Vasconcelos da Costa Pereira - David Valente Borges de Pinho - José António Carmona da Mota (vencido conforme declaração de voto anexa) - José Marcelino Franco de Sá (vencido de acordo com a declaração anterior do Exmo. Conselheiro Carmona da Mota) - José António Dias Bravo - Virgílio António da Fonseca Oliveira - Luís Flores Ribeiro - António Correia de Abranches Martins - Hugo Afonso dos Santos Lopes - António Gomes Lourenço Martins - Florindo Pires Salpico - Manuel de Oliveira Leal Henriques - António Luís Sequeira Oliveira Guimarães - Dionísio Manuel Dinis Alves.
Declaração de voto
1 - Haverá, decerto, alguma coerência entre a jurisprudência restritiva (do prazo prescricional contra-ordenacional) decorrente do assento 6/2001 e a jurisprudência extensiva (desse mesmo prazo - um de cujos componentes é, justamente, o tempo de suspensão) ditada pelo actual. Tanto uma como a outra, na verdade, confluem - a despeito da diversa natureza substantiva dos ilícitos e das diferentes regras processuais correspondentes - em preterir o regime específico da prescrição contra-ordenacional a favor de um pretensamente genérico regime de prescrição criminal. Só que essa aproximação/confusão arriscará/implicará, ao mesmo tempo, a incoerência interna (e, porventura, a ininteligibilidade ou, mesmo, a inutilidade) do específico regime de prescrição contra-ordenacional estabelecido pelos artigos 27.º e seguintes do regime geral das contra-ordenações. Se o regime de suspensão prescricional criminal lhe fosse extensivo, que campo de aplicação restaria ao artigo 27.º-A do Decreto-Lei 433/82 (introduzido pelo Decreto-Lei 244/95, de 14 de Setembro, justamente para «intensificar a coerência interna do regime geral de mera ordenação social»)? E se as causas de suspensão da prescrição contra-ordenacional acabassem, por integração, por coincidir com as de suspensão da prescrição criminal, por que razão (substantiva) o artigo 28.º do regime geral das contra-ordenações teria estabelecido um regime de interrupção prescricional consideravelmente mais amplo (e que, por isso, pressuporia, em contraponto, um regime de suspensão mais restritivo) que o regime de interrupção da prescrição criminal? 2 - À coerência interna de um regime prescricional criminal (contido na interrupção e distendido na suspensão) passou a corresponder - sobretudo com a Lei 13/95, de 5 de Maio, e o Decreto-Lei 244/95, de 14 de Setembro - um igualmente coerente regime prescricional contra-ordenacional (particularmente contido na suspensão - artigo 27.º-A do regime geral das contra-ordenações (ver nota 1) - e amplamente distendido na interrupção - artigo 28.º). Porém, a intervenção interpretativa jurisprudencial iniciada pelo Assento 6/2001 (e continuada agora pelo actual) lançou sobre o específico regime pescricional contra-ordenacional, ao aproximá-lo/confundi-lo com o regime prescricional criminal, uma irreparável e, mesmo, fatal incoerência. Na medida em que, pela via (que se pretenderia pontual) da aplicação subsidiária (que, também, se pretenderia limitada ao que não fosse «contrário» à lei quadro - artigo 32.º), acabou, em primeira linha, por limitar o funcionamento das causas específicas de interrupção da prescrição contra-ordenacional através da intrusão, na área das contra-ordenações, de um expediente específico - o do artigo 121.º, n.º 3, do Código Penal - do direito penal e, agora, por aditar às causas da suspensão prescricional contra-ordenacional - adrede introduzidas pela reforma de 1995 - as de suspensão da prescrição criminal (moldadas, todas elas, pela específica estrutura do processo penal e, por isso, inconciliáveis ou dificilmente conciliáveis com a singular estrutura do processo contra-ordenacional).3 - Chega, aliás, a ser chocante como, pela via da integração (que pressuporia lacuna, que, decididamente, não ocorre) (ver nota 2), se aniquila a originalidade de um determinado texto legal - no caso, o do artigo 27.º-A do Decreto-Lei 433/82 (que, explicitamente, pretendeu autonomizar o regime prescricional contra-ordenacional, dando-lhe «coerência interna», do regime prescricional criminal), reconduzindo-o à norma de que ele, ostensivamente, se desvinculara.
4 - A prescrição do procedimento por contra-ordenação regia-se - antes da reforma operada em 1995 (Lei 13/95 e Decreto-Lei 44/95) - pelos artigos 27.º a 31.º do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro. Nenhuma dessas normas, porém, previa a «suspensão» da prescrição do procedimento contra-ordenacional, se bem que, relativamente à «interrupção», determinasse que a prescrição se interrompesse, além do mais, «com a comunicação ao arguidos dos despachos, de decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação» [artigo 28.º, n.º 1, alínea a)]. E, quanto à coima propriamente dita, o artigo 29.º fixava o respectivo prazo da prescrição e o seu modo de contagem, ao mesmo tempo que o artigo 30.º indicava quais os factores suspensivos da correspondente prescrição. Isto é: enquanto o Código Penal previa, relativamente à prescrição do procedimento criminal e das penas, factores de interrupção (artigos 120.º e 124.º) e de suspensão (artigos 119.º e 123.º), o regime geral das contra-ordenações, no tocante à prescrição do procedimento contra-ordenacional, era ostensivamente omisso quanto à suspensão da prescrição do procedimento contra-ordenacional e à interrupção da prescrição das coimas.
5 - Punha-se por isso a questão de saber se essa omissão decorria de uma pretensa auto-suficiência e exaustão do regime próprio das contra-ordenações (que, assim, arredaria qualquer eventualidade de suspensão da prescrição do procedimento contra-ordenacional e de interrupção da prescrição das coimas) ou, pelo contrário, de uma qualquer remissão implícita para o regime subsidiário («as normas do Código Penal» - ex vi artigo 32.º do regime geral das contra-ordenações - e, mais precisamente, os artigos 119.º e 124.º do Código Penal de 1982). Ora, foi exactamente para a solucionar que o legislador se sentiu na necessidade de, «aperfeiçoando a coerência interna do regime geral do ilícito de mera ordenação social» [artigo 2.º, alínea c), da Lei 13/95 de 5 de Maio], «introduzir regras sobre a suspensão da prescrição do procedimento e a interrupção da prescrição da coima» [artigo 3.º, alínea h)]. E se a Lei 13/95 concedera ao Governo autorização legislativa para «rever o regime geral do ilícito de mera ordenação social» (artigo 1.º) e, designadamente, para «introduzir regras sobre a suspensão da prescrição do procedimento e a interrupção da prescrição da coima» [artigo 3.º, alínea h)], fora decerto no pressuposto - pois que de outro modo não falaria em «introduzir» mas em «alterar» - de que essas regras não existiam, directa ou supletivamente, no quadro geral do ordenamento contra-ordenacional. Aliás, teria sido também por isso que o Decreto-Lei 244/95, de 14 de Setembro, «no plano da intensificação da coerência interna do regime geral de mera ordenação social e da respectiva coordenação com a legislação penal e processual penal» (cf. preâmbulo), procedera, «entre outros aspectos», à «fixação de regras sobre a suspensão da prescrição do procedimento e a interrupção da prescrição da coima» (ver nota 3).
6 - A «fixação de regras sobre a suspensão da prescrição do procedimento e a interrupção da prescrição da coima» deveu-se, assim, confessadamente, à necessidade de intensificar a «coerência interna do regime geral de mera ordenação social» - que estava a ser posta em causa por alguma tendência jurisprudencial e doutrinal em recorrer abusivamente às «normas do Código Penal» (embora estas apenas fossem de interpelar em caso de lacuna e, de qualquer modo, nunca «em contrário à presente lei» - artigo 32.º do Decreto-Lei 433/82). Mas a integração das lacunas da lei exigiria, por um lado, que se estivesse perante um «caso que a lei não previsse» (e, na situação, a lei previra, rejeitando-a embora, a hipótese de suspensão do prazo de procedimento contra-ordenacional e de interrupção do prazo de prescrição da coima) e, por outro, a existência de uma «norma aplicável aos casos análogos» (artigo 10.º, n.º 1, do Código Civil). De qualquer modo, só haveria «analogia» se «no caso omisso» (quando houvesse «caso omisso») «procedessem as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei» (idem). E, na situação, tanto não procediam no âmbito contra-ordenacional as «razões justificativas da regulamentação» criminal que as revisões de 1995 e de 2001 do regime geral das contra-ordenações se viram forçadas, para demarcar estremas, a «introduzir» no Decreto-Lei 433/82 regras específicas «sobre a suspensão da prescrição do procedimento contra-ordenacional e a interrupção da prescrição da coima». E, daí, o aditamento ao regime geral das contra-ordenações («São aditados ao Decreto-Lei 433/82» - artigo 2.º do Decreto-Lei 244/95), a partir de 1 de Outubro de 1995 (artigo 5.º), dos novos artigos 27.º-A e 30.º-A, que enfim fixaram (realçando e reforçando a autonomia e a coerência interna do regime contra-ordenacional perante o regime penal) as regras da suspensão da prescrição («A prescrição do procedimento por contra-ordenação suspende-se, para além dos casos previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal») e de interrupção da prescrição da coima («A prescrição da coima interrompe-se com a sua execução») (ver nota 4). E daí ainda que a Lei 109/2001, de 24 de Dezembro, tenha dado nova redacção aos artigos 27.º, 27.º-A e 28.º do regime geral das contra-ordenações, prolongando os prazos de prescrição contra-ordenacional e admitindo novos factores de suspensão e de interrupção e, em compensação, introduzindo enfim no âmbito contra-ordenacional - ante a significativa distensão assim operada - uma regra (de contenção) semelhante à do artigo 121.º, n.º 3, do Código Penal.
7 - Importará, de qualquer modo, captar e compreender a razão dessa inadequação (e da paralela necessidade de redefinição de fronteiras e de aprofundamento da «coerência interna do regime geral de mera ordenação social»). E, para tanto, terão de se «apreciar os fundamentos materiais que estão por detrás desta solução» e as razões da sua autonomia relativamente aos preceitos correspondentes do Código Penal:
«O legislador constitucional quando deu em 1982 assento constitucional ao regime das contra-ordenações fê-lo com a consciência das suas implicações.
Em primeiro lugar, o desvalor destas condutas tem natureza diferente da dos crimes. Nos crimes põem-se em causa valores fundamentais da comunidade.
Nas contra-ordenações regulam-se aspectos ligados ao tráfego jurídico. Daí que, e significativamente, nas contra-ordenações encontremos muito mais infracções de perigo, nomeadamente abstracto, que as que encontramos no direito penal. Em segundo lugar, e na sequência desta premissa, as sanções respectivas têm uma natureza intrusiva na esfera dos particulares completamente diferente. Valorativamente uma pena e uma coima são realidades completamente diferentes, mesmo que as coimas atinjam com frequência valores muito superiores aos das multas. Em terceiro lugar, e em consequência, as garantias não são nem podem ser as mesmas, nos crimes e nas contra-ordenações. Repare-se que por detrás do regime constitucional está uma opção de política criminal [...] Reconheceu-se que a perseguição criminal de certas condutas é ineficaz. Ineficaz porque desproporcionada.
Ineficaz porque desadequada ao tipo de interesses e valores dos agentes típicos destas infracções. Ineficaz, e não em menor importância, por força do peso das garantias criminais na eficiência da perseguição infraccional. É óbvio que num Estado de direito o peso das garantias criminais na eficácia do sistema sancionatório não pode ser fundamento para o aligeiramento das mesmas garantias. Há fundamentos materiais (desvalor das condutas, menor gravidade das infracções) que o fundamentam. Mas isto não pode fazer esquecer que é também por força do aligeiramento das garantias que o regime das contra-ordenações encontra a sua razão de ser. Estes considerandos são fundamentais, na medida em que é à luz deles que tem de ser lido o regime (constitucional e legal) das contra-ordenações. Este consagra um regime com garantias, mas forçosamente menor que as penais. Impor forçadamente todo o regime penal substantivo e adjectivo às contra-ordenações é desvirtuar as injunções constitucionais. É que a Constituição não tutela apenas os direitos fundamentais mas também interesses públicos. Fácil seria a resolução dos problemas constitucionais se não houvesse conflitos e confluências entre estes dois valores. Mas também são valores constitucionalmente tutelados a realização da justiça e a perseguição infraccional [...] Isto explica por que razão não se pode aplicar o regime penal da prescrição às contra-ordenações. As garantias [...] relativas à suspensão constantes do artigo 120.º do Código Penal compreendem-se em relação a um processo que é penal e a sanções que são igualmente penais, com garantias que têm em consequência de ser penais.
Mas também explica a dificuldade que têm todos os que pretendem fazer aplicações subsidiárias do Código Penal nesta área das prescrições.
Dificilmente se encontra uma norma que se adeqúe plenamente à estrutura do processo de contra-ordenações. Desde logo porque este, por definição, não tem estrutura acusatória. Nem sequer se prevê [...] uma acusação formal ou requer uma contestação enquanto fase autónoma, prevendo-se apenas um direito genérico de defesa [...] Em síntese, podemos concluir o seguinte:
A perseguição infraccional é um valor constitucionalmente tutelado pelo que tem de ser atendido na interpretação do regime das contra-ordenações. E é consagrado constitucionalmente numa perspectiva menos garantística que a penal, tendo em conta a menor gravidade dos factos e das sanções aplicáveis, mas tendo igualmente em conta a necessidade de protecção eficaz de bens para os quais a perseguição criminal não é eficiente. Não tem por isso sentido aplicar o regime penal da prescrição às contra-ordenações», Alexandre Brandão da Veiga, Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 1/1997.
8 - Em suma, e tal como no Assento 6/2001 sustentei, vencido, que «o n.º 3 do artigo 121.º do Código Penal não se aplica ao procedimento contra-ordenacional» (ver nota 5) (ver nota 6), também aqui votei por que se fixasse jurisprudência no sentido - oposto ao que fez vencimento - de que «o regime de suspensão do procedimento contra-ordenacional, encontrando-se integral e autonomamente definido no artigo 27.º-A do regime geral das contra-ordenações, não suscita a aplicação subsidiária do regime de suspensão prescricional criminal».
(nota 1) Cuja contenção original viria contudo, com a Lei 109/2001, de 24 de Dezembro, a sofrer alguma - ainda que ligeira (pois que «a suspensão não pode ultrapassar seis meses») - descompressão (com a introdução de dois novos factores de suspensão).
(nota 2) A Lei 109/2001 veio, aliás, a consagrar definitivamente a auto-suficiência e a exaustão, em matéria de suspensão e interrupção da prescrição, do regime geral das contra-ordenações.
(nota 3) Regras essas mais tarde aperfeiçoadas pela Lei 109/2001.
(nota 4) Note-se, de resto, que, em 1995, o n.º 2 do novo artigo 30.º-A do regime geral das contra-ordenações importou - quanto à prescrição das coimas - a regra do «prazo normal + metade» (constante, quanto à «prescrição da pena», do artigo 124.º, n.º 3, do Código Penal de 1982). O que queria dizer, por um lado, que essa norma (embora já existente na ordem penal) ainda não fazia parte - sequer supletivamente - da ordem administrativa/contra-ordenacional (pois que, se o fizesse, não teria havido necessidade de a «introduzir» então no regime geral das contra-ordenações) e, por outro, que o Decreto-Lei 244/95, ao inserir aquela regra no capítulo da prescrição da coima e ao deixar de inserir, no capítulo da prescrição do procedimento contra-ordenacional, a regra análoga do procedimento criminal - a do artigo 120.º, n.º 3, do Código Penal de 1982 (correspondente ao actual artigo 121.º, n.º 3, do Código Penal de 1995) -, seria porque de caso pensado a quisera manter afastada, por inadequada, do ordenamento contra-ordenacional.
(nota 5) E tanto era assim que, quando da reforma de 2001, o legislador - ciente da especificidade do regime prescricional contra-ordenacional e da inaplicabilidade às contra-ordenações do regime prescricional criminal - se sentiu na necessidade, para contrabalançar o alongamento do prazo da prescrição (cf. a nova redacção dada ao artigo 27.º) e a admissão de dois novos factores de suspensão (cf. a nova redacção dada ao artigo 27.º-A), de introduzir no regime geral das contra-ordenações (cf. o novo n.º 3 do artigo 28.º) uma regra semelhante à do artigo 121.º, n.º 3, do Código Penal: «A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando desde o seu início e ressalvado o tempo da suspensão tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.» (nota 6) Aliás, antes da reforma de 2001 não existia no regime geral das contra-ordenações «norma idêntica ao n.º 3 do artigo 121.º do Código Penal»:
«Este n.º 3, apesar de se inserir no artigo referente à interrupção da prescrição, estabelecia, sim, um prazo de prescrição (criminal); de qualquer modo, o regime geral das contra-ordenações definia o regime, quer do prazo de prescrição, quer da interrupção da prescrição; assim, não havia, nessa parte, nenhuma omissão; logo, não havia que aplicar subsidiariamente o Código Penal, pois esta aplicação subsidiária tem por pressuposto a existência de uma omissão, não se podendo confundir uma omissão com a definição de regimes diferentes. Se nele não constava norma idêntica ao n.º 3 do artigo 121.º do Código Penal era porque o legislador entendia, por bem, que uma regra como esta não devia ser aplicada ao procedimento contra-ordenacional.
A inexistência de preceito igual a este n.º 3 não podia ser interpretada senão no sentido da sua deliberada exclusão.» (António Beça Pereira, Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, Almedina, 1996, p. 68).
José António Carmona da Mota.