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Acórdão 404/2005/T, de 31 de Março

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Texto do documento

Acórdão 404/2005/T. Const. - Processo 546/2005. - Acordam na 2.ª secção do Tribunal Constitucional:

1 - Relatório. - Hilário Furtado Fernandes requereu, no Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 222.º do Código de Processo Penal (CPP), a providência de habeas corpus, aduzindo, em suma, que, tendo sido detido à ordem do processo 52/2001 do Tribunal Judicial da Comarca da Praia da Vitória em 15 de Maio de 2002 e tendo-lhe sido aplicada, no termo do primeiro interrogatório judicial de arguido detido, realizado no dia imediato, a medida de coacção de prisão preventiva, esta ultrapassou o prazo máximo de três anos "sem que tenha havido condenação em primeira instância", estabelecido no n.º 3 do artigo 215.º do CPP, aplicável atendendo ao crime em causa (crime de tráfico de estupefacientes) e a natureza do processo. Mais referiu o recorrente que considera ser irrelevante já ter sido condenado em 1.ª instância, nestes autos, primeiro por Acórdão de 21 de Março de 2003 do Tribunal Judicial da Comarca da Praia da Vitória, e depois por Acórdão de 15 de Abril de 2004 do mesmo Tribunal, uma vez que os recursos que interpôs dessas condenações obtiveram provimento, pelos Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de, respectivamente, 27 de Novembro de 2003 e 3 de Março de 2005, que anularam os julgamentos e subsequentes decisões condenatórias e determinaram a realização de novas audiências de julgamento. Desde logo o requerente sustentou que interpretação diversa - isto é, interpretação que atribuísse relevância às condenações em 1.ª instância entretanto anuladas - seria inconstitucional, por violação dos artigos 27.º, 28.º, n.º 4, e 32.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Por Acórdão de 1 de Junho de 2005, o Supremo Tribunal de Justiça indeferiu o pedido de habeas corpus formulado pelo ora recorrente, com a seguinte fundamentação:

"II - Constam dos autos os seguintes elementos que interessam para a decisão da providência requerida:

O requerente encontra-se em prisão preventiva desde o dia 16 de Maio de 2002;

Foi deduzida acusação contra o requerente e demais arguidos em 24 de Dezembro de 2002, tendo sido imputado àquele o crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela 1-A, anexa a esse diploma;

Os arguidos foram julgados e condenados por Acórdão datado de 21 de Março de 2003;

Foi interposto recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, por Acórdão datado de 27 de Novembro de 2003, determinou a anulação do julgamento efectuado pelo tribunal colectivo;

Realizado novo julgamento, [os arguidos] foram condenados por Acórdão datado de 15 de Abril de 2004, pela prática de crimes de tráfico de estupefacientes, sendo o requerente na pena de 6 anos de prisão;

Os arguidos Hilário Fernandes e Mário Pereira interpuseram recurso do referido acórdão;

Por Acórdão de 3 de Março de 2005, o Tribunal da Relação de Lisboa anulou o acórdão condenatório da 1.ª instância e determinou a repetição do julgamento.

III - O requerente apoia sua petição de habeas corpus no excesso de prazo legal de 3 anos de prisão preventiva, dado que decorreram mais de [3] anos sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado.

Para o caso interessa considerar fundamentalmente o disposto no artigo 215.º, n.os 1, alíneas c) e d), 2 e 3, do Código de Processo Penal e no artigo 54.º, n.º 3, do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro.

Estabelece o artigo 215.º, n.º 1, alíneas c) e d), do Código de Processo Penal que a prisão preventiva se extingue quando, desde o seu início, tiverem decorrido 18 meses sem que tenha havido condenação em 1.ª instância [alínea c)] e dois anos sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado [alínea d)].

Esses prazos são alargados para 3 e 4 anos, respectivamente, quando o procedimento for por crimes puníveis com prisão de máximo superior a 8 anos e se revelar de excepcional complexidade - n.º 3, referido ao n.º 2, do referido artigo 215.º

E, nos termos do artigo 54.º, n.º 3, do Decreto-Lei 15/93, com a interpretação dada pelo Acórdão de fixação de jurisprudência de 11 de Fevereiro de 2004, quando o procedimento se reporte a um dos crimes referidos no n.º 1 (tráfico de droga e outros), é aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 215.º do Código de Processo Penal, sem necessidade de verificação e declaração judicial da excepcional complexidade do procedimento.

Haveria assim havido excesso do prazo legal de 3 anos de prisão preventiva se tivessem decorrido mais de 3 anos sem que houvesse condenação em 1.ª instância.

O que não ocorreu no caso, dado que a prisão preventiva se iniciou em 16 de Maio de 2002 e o requerente foi condenado em 1.ª instância em 21 de Março de 2003.

É certo que esse julgamento veio a ser anulado em sede de recurso, mas daí não resulta uma regressão do processo à fase anterior. Na verdade, se em 21 de Março de 2003 o prazo de prisão preventiva passou a ser de 4 anos, não faz sentido que mais tarde, por decorrência da anulação do julgamento, se considere que afinal o prazo era de 3 anos.

Um julgamento anulado não é o mesmo que um julgamento inexistente, pelo que não se pode ignorar a realização daquele, ao menos para os efeitos do disposto no artigo 215.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal.

Tem sido este o entendimento dominante neste Supremo Tribunal em casos análogos - Acórdãos de 16 de Abril de 2004, processo 1610/2004, de 29 de Abril, processo 1813/2004, e de 9 de Dezembro de 2004, processo 4535/2004, entre outros.

Estando assim em curso o prazo de prisão preventiva de 4 anos, não se extinguiu o prazo de prisão preventiva do requerente.

Dado que o fundamento legal da petição de habeas corpus é a situação prevista na alínea c) do n.º 2 do artigo 222.º do Código de Processo Penal - manter-se a prisão para além dos prazos fixados na lei ou por decisão judicial - forçoso é concluir que a prisão do requerente não é ilegal.

IV - Pelo exposto, indeferem o pedido de habeas corpus formulado pelo requerente Hilário Furtado Fernandes."

É deste acórdão que pelo requerente vem interposto o presente recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da lei de organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade, por violação dos artigos 27.º, n.º 1, 28.º, n.º 4, 30.º e 32.º, n.º 2, in fine, da CRP, da norma do artigo 215.º, n.º 1, alínea c), com referência ao n.º 3, do CPP, quando interpretada no sentido de que o prazo máximo da prisão preventiva passa a ser de 4 anos quando em 1.ª instância tenha havido condenação, apesar de a mesma ter sido anulada por decisão do Tribunal da Relação.

No Tribunal Constitucional, o recorrente apresentou alegações, no termo das quais formulou as seguintes conclusões:

"1 - O aqui recorrente foi detido à ordem do processo à margem referenciado no dia 15 de Maio de 2002.

2 - Em primeiro interrogatório judicial de arguido detido, que teve lugar no passado dia 16 de Maio de 2002, foi aplicada ao aqui recorrente a mais grave medida de coacção em direito permitida: prisão preventiva.

3 - O aqui recorrente foi notificado da douta acusação do Ministério Público e foi submetido a julgamento no Tribunal Judicial da Comarca da Praia da Vitória.

4 - Por Acórdão datado de 21 de Março de 2003 foi o aqui recorrente condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 21.º do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 7 anos de prisão.

5 - Inconformado, o agora recorrente interpôs recurso para o venerando Tribunal da Relação de Lisboa.

6 - Por Acórdão datado de 27 de Novembro de 2003, a 9.ª Secção Criminal do venerando Tribunal da Relação de Lisboa decidiu anular o julgamento de que resultou o acórdão recorrido e ordenou a repetição do julgamento.

7 - Conforme acórdão do venerando Tribunal da Relação de Lisboa procedeu-se a novo julgamento.

8 - Por Acórdão datado de 15 de Abril de 2004 foi o aqui recorrente condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 21.º do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 6 anos de prisão.

9 - Inconformado com o aliás mui douto acórdão, a 26 do mesmo mês e ano, interpôs recurso para o venerando Tribunal da Relação de Lisboa.

10 - Por Acórdão datado de 3 de Março do corrente ano, a 9.ª Secção Criminal do venerando Tribunal da Relação de Lisboa decidiu anular o julgamento de que resultou o acórdão recorrido.

11 - Concedendo provimento ao recurso apresentado pelo recorrente, Hilário Furtado Fernandes, foi declarada nula a audiência de discussão e julgamento e subsequente sentença, ordenando-se, em consequência, a repetição da audiência de discussão e julgamento, com o mesmo colectivo e com observância do princípio do contraditório.

12 - Passados mais de três anos o aqui recorrente mantém-se preso preventivamente.

13 - In casu o prazo máximo de duração da prisão preventiva é o prazo estabelecido no n.º 3 do artigo 215.º do Código de Processo Penal. A prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido três anos sem que tenha havido condenação em 1.ª instância.

14 - Ora, conforme melhor resulta dos autos, não há condenação em 1.ª instância.

15 - No caso sub judice não se verifica o circunstancialismo do n.º 4 do artigo 215.º do Código de Processo Penal, nem o circunstancialismo do artigo 216.º do supracitado diploma legal.

16 - É inconstitucional a norma do artigo 215.º, n.º 1, alínea c), com referência ao n.º 3 do referido artigo do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que:

O prazo máximo da prisão preventiva passa a ser de 4 anos, quando em 1.ª instância haja condenação, apesar de a mesma ser anulada por decisão do Tribunal da Relação;

Apesar de um julgamento ser anulado em sede de recurso, daí não resulta uma regressão do processo à fase anterior;

Um julgamento anulado não é o mesmo que um julgamento inexistente, não se podendo ignorar a sua realização, ao menos para os efeitos do disposto no n.º 1, alínea c), do artigo 215.º do Código de Processo Penal;

Apesar de as decisões finais serem anuladas, em recurso, pelo venerando Tribunal da Relação de Lisboa, é de considerar que a respectiva tramitação processual não recuou ao momento anterior ao julgamento, tudo se passando como se houvesse condenação em 1.ª instância, pelo menos para efeitos de determinação do prazo máximo de prisão preventiva.

17 - A norma constante do artigo 215.º, n.º 1, alínea c), com referência ao n.º 3 do mesmo artigo, do Código de Processo Penal, assim interpretada, é inconstitucional, por derrogação dos artigos 27.º, n.º 1, 28.º, n.º 4, 30.º e 32.º, n.º 2, in fine, todos da Constituição da República Portuguesa.

18 - A referida norma aplicada com a interpretação que lhe foi dada pelo venerando Supremo Tribunal de Justiça esbarra claramente com o direito à liberdade e com a natureza temporária, limitada e definida da prisão preventiva.

19 - A interpretação e aplicação das normas que podem conduzir a um aumento da privação de liberdade tem necessariamente que ser cautelosa e revestir um elevado cuidado, pois em questão estão direitos e garantias constitucionais.

20 - Interpretação diferente, salvo o respeito devido por melhor e mais douta opinião, colidiria manifestamente com princípios constitucionalmente consagrados.

21 - Interpretação e aplicação diversa colocaria em questão o carácter excepcional da prisão preventiva, colidiria claramente com o artigo 28.º da Constituição da República Portuguesa.

22 - Em face dos elementos colocados à apreciação do Supremo Tribunal de Justiça em sede de petição de habeas corpus, em face do disposto no artigo 215.º do Código de Processo Penal, em face do disposto no artigo 222.º, n.º 2, alínea c), do supracitado diploma legal, deveria o Supremo Tribunal de Justiça deferir a pretensão do aqui recorrente, declarando procedente a petição de habeas corpus, e consequentemente ter decretado a imediata libertação do arguido, aqui recorrente.

23 - Se a decisão final é anulada, em recurso, pelo Tribunal da Relação, deve entender-se que a tramitação processual recuou ao momento anterior ao julgamento, tudo se passando como se não houvesse qualquer condenação.

24 - Tendo os aliás doutos acórdãos do Tribunal da 1.ª instância sido anulados pelo venerando Tribunal da Relação de Lisboa, não há condenação em 1.ª instância, anulado o julgamento, 'a tramitação processual recuou ao momento anterior ao julgamento, não existindo assim qualquer condenação' - Acórdão datado de 10 de Outubro de 2001, processo 3333/2001, 3.ª

25 - Ninguém pode ser privado da liberdade, a não ser pelo tempo e nas condições que a lei determinar.

26 - E, in casu, salvo o devido respeito por melhor e mais douta opinião, o tempo é o previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 215.º, com referência ao n.º 3 do mesmo artigo do Código de Processo Penal, ou seja, três anos.

27 - A corrente que sustenta a sua posição na distinção entre acto processual inexistente e acto processual nulo e fundamenta assim a manutenção de uma prisão preventiva é, salvo o respeito por melhor e mais douta opinião, inconstitucional.

28 - Nos termos do n.º 1 do artigo 122.º do Código de Processo Penal, as nulidades tornam inválido o acto em que se verificam, bem como os que deles dependerem e aqueles que puderem afectar.

29 - A nulidade afecta necessariamente, em nosso entender, o andamento do processo.

30 - O acórdão anulado determina que a tramitação processual recuou ao momento anterior ao julgamento, o que determina, necessariamente, em nosso entender, a aplicação da alínea c) do supracitado artigo e diploma legal.

31 - Assim, porque inexiste condenação, foi já largamente ultrapassado o prazo de prisão preventiva legalmente previsto, tendo o arguido, aqui recorrente, direito a ser indemnizado.

32 - As normas sob recurso, com o sentido interpretativo que lhes foi conferido, colidem directamente com direitos e princípios constitucionalmente consagrados:

Direito à liberdade;

Natureza excepcional e carácter subsidiário da prisão preventiva;

Princípio da proporcionalidade;

Princípio da legalidade.

33 - As normas sob recurso, com o sentido interpretativo que lhes foi conferido, violam o disposto nos artigos:

27.º, n.os 1 e 3;

28.º;

30.º, n.º 1;

31.º;

todos da Constituição da República Portuguesa.

34 - As normas sob recurso, com o sentido interpretativo que lhes foi conferido, violam, ainda, o disposto nos artigos:

215.º, n.os 1 e 3;

217.º, n.º 1;

220.º;

122.º, n.os 1 e 2;

todos do Código de Processo Penal.

Termos em que, nos mais e melhores de direito que VV. Exmas. mui doutamente suprirão, deve o presente recurso ser declarado procedente e, consequentemente, ser declarada a inconstitucionalidade da norma ínsita no artigo 215.º, n.º 1, alínea c), com referência ao n.º 3 do mesmo artigo, do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que, apesar de as decisões finais serem anuladas, em recurso, pelo venerando Tribunal da Relação de Lisboa, é de considerar que a tramitação processual não recuou ao momento anterior ao julgamento, tudo se passou como se houvesse condenação em 1.ª instância, pelo menos, para efeitos de determinação do prazo máximo de prisão preventiva."

O representante do Ministério Público no Tribunal Constitucional contra-alegou, concluindo:

"1.º É inconstitucional, por violação do n.º 4 do artigo 28.º da Constituição, a interpretação normativa do artigo 215.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, que considera relevante, para efeitos de estabelecimento do prazo máximo de duração da prisão preventiva, a sentença condenatória proferida em 1.ª instância e subsequentemente anulada na Relação.

2.º Termos em que deverá proceder o presente recurso."

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.

2 - Fundamentação. - 2.1 - Cumpre, antes de mais, assinalar que não compete ao Tribunal Constitucional apreciar a correcção, ao nível da aplicação do direito ordinário, da interpretação normativa acolhida pelo acórdão recorrido, mas tão-só controlar a conformidade constitucional dessa interpretação.

Apenas interessará registar que se trata de entendimento que, embora não pacífico [no sentido de que a anulação, pela Relação, da condenação em 1.ª instância implica que "a tramitação processual recuou ao momento anterior ao julgamento, não existindo, assim, qualquer condenação", tornando ilegal a prisão preventiva de duração superior à prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 215.º do CPP, decidiu o Acórdão de 10 de Outubro de 2001, processo 3333/2001, citado por Manuel Leal Henriques, Medidas de Segurança e Habeas Corpus, Lisboa, 2002, p. 132; no mesmo sentido, são também citados os Acórdãos de 29 de Maio de 2002, processo 1090/2002, e de 29 de Outubro de 2002, processo 3729/2002], se pode considerar actualmente dominante na jurisprudência conhecida do Supremo Tribunal de Justiça. Para além das decisões referidas no acórdão recorrido [Acórdãos de 16 de Abril de 2004, processo 1610/2004, de 29 de Abril de 2004, processo 1813/2004, e de 9 de Dezembro de 2004, processo 4535/2004, o segundo publicado em Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano XIII, 2004, t. II, p. 176], podem ainda citar se os Acórdãos de 11 de Julho de 2002, processo 2778/2002, e de 26 de Junho de 2003, processo 2543/2003 (publicados em Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano X, 2002, t. III, p. 178, e ano XI, 2003, t. II, p. 230, respectivamente), e de 30 de Agosto de 2002, processo 2943/2002, de 20 de Novembro de 2003, processo 4029/2003, e de 22 de Dezembro de 2003, processo 4499/2003 (estes três últimos com texto integral disponível em www.dgsi.pt/jstj.nsf).

A fundamentação desta última corrente jurisprudencial, em que insere o acórdão ora recorrido, foi desenvolvida no citado Acórdão de 20 de Novembro de 2003, nos seguintes termos:

"[P]ara além de o acto nulo não se confundir com o acto inexistente, pois na nulidade o acto existe, apesar de não produzir ou poder não produzir os efeitos para que foi criado [...] a anulação não faz com que o prazo máximo de prisão preventiva 'encolha' para 3 anos, por regressão à fase anterior, como se não tivesse havido condenação em 1.ª instância.

O requerente sempre já foi condenado e essa condenação foi mantida pela Relação num primeiro recurso. Até aí - até haver essa condenação - o prazo de 3 anos foi respeitado e passou-se para a fase seguinte - a do trânsito em julgado, passando a vigorar o prazo de 4 anos. É nessa fase que o processo se encontra, apesar da referida anulação. O que tem é que respeitar-se o prazo máximo de 4 anos até ao trânsito em julgado da decisão condenatória, contados aqueles 4 anos, obviamente, desde o início da prisão preventiva do requerente.

Mas não pode proceder-se como se não tivesse havido nunca nenhuma condenação. A interpretação teleológica do artigo 215.º do CPP, nos seus vários números, não conduz a esse resultado. O que se pretende, obviamente, evitar é que o arguido esteja preso preventivamente por mais de 3 anos, sem nunca ter sido condenado por um tribunal de 1.ª instância. Isso é que é intolerável do ponto de vista legal. Mas não assim quando já houve condenação, não obstante o julgamento ter sido anulado.

Assim sendo, o prazo máximo de prisão preventiva, neste caso, continua a ser de 4 anos e não de 3 anos, como sustenta o requerente, encontrando-se justificação e apoio para tal no mesmo n.º 3 do artigo 215.º citado na petição, mas com referência à alínea d) do n.º 1 e não à alínea c)."

Orientação jurisprudencial que foi reiterada no também citado Acórdão de 22 de Dezembro de 2003, onde se refere:

"Todavia, uma outra corrente, em que se filia, por exemplo, o Acórdão de 30 de Agosto de 2002, processo 2493/2002, 5.ª, sustenta, a partir da distinção entre os conceitos de acto processual nulo e de acto processual inexistente [enquanto a inexistência corresponde àqueles casos mais graves 'em que, verdadeiramente, se pode dizer que para o direito não há nada', na nulidade o acto existe. Apenas não produz ou pode não produzir os efeitos para que foi criado, ante uma falta ou irregularidade no tocante aos seus elementos internos], que a sentença anulada nunca se pode ter como apagada do processo.

Pela nossa parte, sufragamos este último entendimento.

Embora uma parte da doutrina entenda que não há diferença entre acto nulo e acto inexistente, a verdade é que, como ensinou Manuel de Andrade, há diferença entre os dois conceitos, na justa medida em que, enquanto o acto inexistente não é susceptível de produzir quaisquer efeitos jurídicos, o acto nulo, embora não produza os efeitos que lhe são próprios, pode produzir efeitos laterais (Teoria Geral ..., vol. II, p. 415). Ora, em processo penal, como no processo em geral, a nulidade não acarreta, por via de regra, a inexistência. Como diz Germano Marques da Silva, no Curso ..., vol. II, 1993, p. 57, 'no direito processual não tem aplicação o princípio quod nullum est nullum producit effectum, salvo o caso de actos inexistentes'. E assim é que o n.º 1 do artigo 122.º do CPP consigna que as nulidades tornam inválido o acto em que se verificam, bem como os que dele dependerem e aqueles que puderem afectar, o n.º 2 manda que sejam determinados quais os actos que passam a ser considerados inválidos em consequência da declaração de nulidade e o n.º 3 que sejam aproveitados todos os actos que ainda puderem ser salvos do efeito da nulidade.

Tendo, por isso, sido proferida condenação pelo Tribunal de Loures, muito embora ela possa não produzir os efeitos que lhe são próprios por via da anulação do julgamento que a precedeu, decretada pela Relação de Lisboa, nem por isso se poderá dizer que inexistiu essa condenação. Tanto existiu que terá sido invalidada. Ora, a alínea c) do n.º 1 do artigo 215.º do CPP não se refere a sentença definitiva (a esse momento processual refere-se a alínea seguinte) nem se preocupa com as vicissitudes por que eventualmente passe, depois de proferida pelo tribunal competente. Tem em vista apenas um determinado patamar do iter processual e esse foi, sem dúvida, alcançado."

Repete-se que não compete ao Tribunal Constitucional apreciar a correcção desta interpretação (que se assume como meramente declarativa) do direito ordinário, mas unicamente da sua conformidade constitucional.

2.2 - Das normas constitucionais invocadas pelo recorrente no requerimento de interposição de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional e nas alegações aqui apresentadas - artigos 27.º, n.os 1 e 3 (direito à liberdade e admissibilidade da sua privação por prisão preventiva), 28.º, n.º 4 (sujeição da prisão preventiva a prazos legalmente estabelecidos), 30.º, n.º 1 (proibição de penas com carácter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida), 31.º (providência de habeas corpus contra prisão ilegal) e 32.º, n.º 2, in fine (direito do arguido a ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa), da CRP -, a que especificamente releva como parâmetro de avaliação da conformidade constitucional da interpretação normativa questionada é a do artigo 28.º, n.º 4, segundo a qual (na redacção introduzida pela revisão constitucional de 1997): "A prisão preventiva está sujeita aos prazos estabelecidos na lei".

Nas versões anteriores, esse preceito dispunha: "A prisão preventiva, antes e depois da formação da culpa, está sujeita aos prazos estabelecidos na lei". A eliminação, em 1997, da expressão "antes e depois da formação da culpa" foi explicada pelo propósito de eliminar "conceitos ultrapassados", como seria o de "prisão sem culpa formada" (José Magalhães, Dicionário da Revisão Constitucional, Lisboa, 1999, p. 163) ou como inserida "na lógica das correcções técnicas" do texto anterior (Luís Marques Guedes, Uma Constituição Moderna para Portugal, Lisboa, 1997, p. 86). No entanto, a utilização da aludida expressão na versão originária da Constituição teve o objectivo de impor a cessação da situação então vigente, em que a legislação processual penal apenas previa prazos máximos de duração para a prisão sem culpa formada (artigo 308.º do CPP de 1929), não havendo qualquer limite legalmente fixado para a prisão preventiva com culpa formada, que duraria (sem prejuízo da eventualidade da sua revogação por reapreciação judicial dos seus requisitos) até à decisão final (com a soltura do arguido, se absolutória, ou com passagem a cumprimento de pena, se condenatória), independentemente da extensão da demora na prolação dessa decisão. Foi com o Decreto-Lei 377/77, de 6 de Setembro, que, através de alteração de redacção do artigo 273.º do CPP, pela primeira vez se estabeleceram limites máximos de duração da prisão preventiva após a formação da culpa: em regra, 2 anos (aumentado para 3 anos pelo Decreto-Lei 402/82, de 23 de Setembro), ou quando a prisão preventiva igualasse metade da duração máxima da pena correspondente ao crime mais grave imputado ao arguido, ou, no caso de recurso da duração condenatória, quando atingisse a duração da pena de prisão fixada na decisão recorrida, sendo aplicável aquele destes três limites que, no caso concreto, se mostrasse inferior.

A Constituição impõe, pois, que a duração da prisão preventiva esteja preestabelecida na lei, sendo inadmissíveis situações de indeterminação da duração máxima dessa privação de liberdade. Não fixando a Constituição directamente esses limites, a delegação dessa tarefa no legislador ordinário não pode ser vista, porém, como uma remissão em branco. Na verdade, essa norma há-de naturalmente ser lida à luz do precedente n.º 2, que proclama a natureza excepcional da prisão preventiva, aliás em consonância quer com o seu carácter de restrição do direito fundamental à liberdade quer com o princípio da presunção de inocência do arguido. Daqui decorre que o legislador ordinário, no cumprimento dessa incumbência, está sujeito a um princípio de razoabilidade, ínsito no princípio da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2, da CRP), e próximo do requisito do "prazo razoável" a que alude o n.º 3 do artigo 5.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra, 1993, p. 190), em anotação à redacção originária do preceito, referiam:

"A prisão preventiva não pode deixar de ser temporalmente limitada (n.º 4) e, de acordo com a sua natureza, estritamente limitada. Antes da formação da culpa, porque não pode deixar de ser pequeno o tempo em que é tolerável que se mantenha privado da liberdade quem, sendo embora arguido de um crime, não está ainda pronunciado ou acusado; depois da formação da culpa, porque mesmo depois disso se mantém a presunção de inocência, devendo o julgamento ocorrer dentro do prazo mais curto possível (artigo 32.º, n.º 2), com libertação do acusado ou início de cumprimento da pena de prisão que haja de cumprir.

É constitucionalmente duvidoso o alargamento dos prazos com base na complexidade do processo e características dos crimes ('processos monstruosos'), mas, de qualquer modo, impõe-se aqui a observância estreita do princípio da proibição do excesso."

Mais recentemente e reflectindo já a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a matéria, Jorge Miranda e Rui Medeiros (Constituição Portuguesa Anotada, t. I, Coimbra, 2005, p. 321) assinalam:

"VII - A prisão preventiva está sujeita aos prazos estabelecidos na lei.

Esta regra exprime, antes de mais, a exigência, derivada da natureza excepcional da prisão preventiva, de que ela seja temporalmente delimitada (v. Acórdão 246/99, embora os prazos se contem para cada processo: Acórdãos n.os 298/99 e 584/2001), o que tem como consequência que não pode haver hiatos temporais subtraídos à contagem desses prazos, sob pena de estes serem subvertidos (Acórdão 137/92).

Por outro lado, os prazos de prisão preventiva estão sujeitos ao princípio geral de proporcionalidade (Acórdãos n.os 137/92 e 246/99), muito embora, tal como sucede em casos semelhantes, não seja fácil precisar as exigências concretas que daí derivam para a exacta situação da fronteira entre o constitucionalmente lícito e o constitucionalmente vedado (v., ilustrativo, o Acórdão 246/99)."

2.3 - O Tribunal Constitucional nunca foi directamente confrontado com a questão de constitucionalidade que constitui objecto do presente recurso. No entanto, já teve oportunidade de emitir pronúncia sobre questões relativas à prisão preventiva, de que é possível extrair contributos úteis para a decisão do presente caso.

Assim, logo no Acórdão 246/99 (que não julgou inconstitucional a norma que resulta da conjugação do n.º 3 do artigo 54.º do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, e do n.º 3 do artigo 215.º do CPP, segundo a qual, quando o procedimento respeita aos crimes de tráfego de droga, desvio de precursores, branqueamento de capitais ou de associação criminosa, os prazos máximos da prisão preventiva são, ope legis, os referidos no n.º 3 do artigo 215.º do CPP, sem necessidade da qualificação do processo, por despacho judicial, como de excepcional complexidade, estando em causa nesses autos o prazo de prisão preventiva até dedução da acusação), o Tribunal Constitucional salientou a natureza excepcional da prisão preventiva, expressamente consagrado no n.º 2 do artigo 28.º da CRP desde a revisão de 1997, a que está ligado o seu carácter subsidiário (mesmo n.º 2) e temporalmente limitado (n.º 4), tendo entendido que este último carácter (único em causa no recurso) não era violado pelas normas impugnadas, "porque o alargamento dos prazos não equivale, como é óbvio, ao seu afastamento, à admissão de prisão preventiva independentemente de limites temporais ou à fixação de limites tão dilatados que, na prática, o frustrassem". Também na perspectiva do respeito pelo princípio da proporcionalidade, a que deve obedecer o regime legal da prisão preventiva por constituir uma restrição constitucionalmente admitida do direito à liberdade, o Tribunal Constitucional emitiu juízo de não inconstitucionalidade, porquanto, "tendo em conta a natureza dos crimes imputados, os bens jurídicos postos em perigo e o risco de continuação da actividade criminosa, entre outras considerações, afigura-se constitucionalmente legítima, porque respeitadora do princípio da proporcionalidade, a elevação de prazo indicada" (de 8 para 12 meses).

No Acórdão 137/92 teve oportunidade o Tribunal Constitucional de afirmar ser incompatível com a imposição constitucional da fixação legal dos prazos da prisão preventiva a interpretação da norma do artigo 273.º, § 2.º, do CPP de 1929, na redacção do Decreto-Lei 402/82, de 23 de Setembro, que fora feita no acórdão então recorrido, do Supremo Tribunal de Justiça, de que o prazo de três anos "após a formação da culpa" coincide com o trânsito em julgado do despacho de pronúncia, enquanto o prazo relativo à fase precedente, fixado no § 2.º do artigo 308.º, que se iniciava com a notificação ao arguido da acusação ou do pedido de instrução contraditória pelo Ministério Público, terminava com a prolação do despacho de pronúncia, pois essa interpretação implicava o surgimento de um "hiato" na contagem dos prazos de prisão preventiva - abarcando o período entre a prolação do despacho de pronúncia e o seu trânsito em julgado, de duração imprevisível, dependente das vicissitudes dos recursos interpostos desse despacho -, que subverteria a limitação legal do tempo de prisão preventiva imposta pelo artigo 28.º, n.º 4, da CRP.

Mas - como se decidiu no Acórdão 584/2001 - já não existe obstáculo constitucional a que um arguido, cuja libertação foi determinada na sequência da concessão da providência de habeas corpus por excesso de prisão preventiva verificada num processo, possa continuar detido à ordem de outro processo penal. É que a Constituição não exige um prazo máximo de prisão preventiva quando estejam em causa vários processos sem conexão entre si, mas sim que "a medida de coacção prisão preventiva, quando aplicada em determinado processo, esteja subordinada aos prazos previstos na lei ordinária", acrescentando-se: "E os prazos estabelecidos na lei ordinária, nomeadamente no artigo 215.º, são-no, não só para as diversas fases processuais nele consideradas (pelo que, por exemplo, libertado um arguido em virtude de, numa dessas fases, ter atingido o correspondente limite da prisão, pode o mesmo voltar a ser preso se se passar a outra fase e se mantiverem as razões para determinar a sua prisão, desde que se não tenha ainda adquirido o máximo global referido), como, sobretudo, estão fixados para terem a sua valência relativamente a cada processo em concreto".

Finalmente, no Acórdão 13/2004, o Tribunal Constitucional julgou inconstitucionais, por violação do n.º 4 do artigo 28.º da CRP, as normas constantes dos artigos 215.º, n.os 1 a 3, e 217.º, ambos do CPP, "numa dimensão interpretativa de acordo com a qual a prolação de despacho judicial a declarar de especial complexidade o procedimento por um dos crimes referidos no n.º 2 daquele artigo 215.º, prolação essa efectuada após ter decorrido o prazo máximo de duração da prisão preventiva prevista nos n.os 1 e 2 do mesmo artigo, não explica a extinção daquela medida de coacção". No caso, em que já fora excedido o prazo máximo de 30 meses de prisão preventiva sem que tivesse havido trânsito em julgado da condenação por crime referido no n.º 2 do artigo 215.º, a atribuição de "efeito retroactivo" à prolação posterior de despacho a declarar a excepcional complexidade do processo, o que acarretaria a ampliação daquele prazo máximo para 4 anos, e a "convalidação" do excesso cometido, significava - no juízo do Tribunal - retirar eficácia prática ao comando constitucional.

2.4 - Recordada a jurisprudência relevante do Tribunal Constitucional sobre a matéria, importa salientar que o legislador processual penal de 1987 adoptou modelo diverso do até então vigente quanto à fixação dos limites máximos de prisão preventiva.

Na vigência do CPP de 1929 e suas diversas modificações, adoptou-se o sistema de fixação de prazos máximos de prisão preventiva directamente correspondentes a cada fase processual. Esses prazos eram, na redacção do artigo 308.º dada pelo Decreto-Lei 377/77, de 6 de Setembro, e do artigo 273.º, na redacção do Decreto-Lei 402/82, de 23 de Setembro: 1.º desde a captura até à notificação ao arguido da acusação ou do pedido de instrução contraditória pelo Ministério Público: 40 dias por crimes a que caiba pena de prisão maior; 90 dias por crimes cuja investigação caiba exclusivamente à Polícia Judiciária ou que legalmente lhe seja deferida; 2.º desde a notificação ao arguido da acusação ou do pedido de instrução contraditória pelo Ministério Público até ao despacho de pronúncia em 1.ª instância: 4 meses, se ao crime couber pena a que corresponda processo de querela; 3.º após a formação da culpa: 3 anos (ou, se terminarem antes, quando se igualar metade da duração máxima da pena correspondente ao crime mais grave imputado ao arguido, ou, no caso de recurso da decisão condenatória, quando se atingir a duração da pena de prisão fixada na decisão recorrida). Neste regime, não havia "transferências" de tempos de prisão preventiva: se esta fosse determinada apenas após a notificação da acusação, aplicava-se o prazo indicado em 2.º lugar, sendo indiferente que na fase precedente o arguido tivesse estado em liberdade.

O regime instituído pelo CPP de 1987 é diverso, pois não há contagens separadas de prazos para cada fase. O prazo conta-se sempre do início da prisão preventiva, mas não pode exceder certos limites (acumulados) reportados a quatro marcos processuais: 1.º dedução da acusação; 2.º prolação de decisão instrutória quando tenha havido instrução; 3.º condenação em 1.ª instância; 4.º trânsito em julgado da condenação. A estes quatro marcos aplicam-se três regimes: o normal (6, 10 e 18 meses e 2 anos), o especial atendendo à gravidade dos crimes (8 meses, 1 e 2 anos e 30 meses) e o excepcional quando a essa gravidade dos crimes acresce a excepcional complexidade do procedimento (12 e 16 meses e 3 e 4 anos) - n.os 1, 2 e 3 do artigo 215.º do CPP. Como refere Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, vol. II, 2.ª ed., Lisboa, 1999, p. 289):

"Não há um prazo de prisão preventiva para cada fase processual, há é um limite máximo de duração da prisão preventiva até que se atinja determinado momento processual. Por isso, se o início da prisão preventiva só se verificar já na fase de instrução ou na de julgamento, os limites máximos até à decisão instrutória, condenação em 1.ª instância ou decisão transitada continuam a ser os mesmos. Por idêntica razão, se numa determinada fase se tiver esgotado o limite do prazo de duração da prisão, o arguido pode voltar a ser preso se se passar a outra fase e se se mantiverem as razões para determinar a sua prisão, desde que se não tenha ainda atingido o máximo da correspondente fase."

Na base desta alteração de sistema terá estado o propósito de promover o andamento sem delongas do processo, incentivando os respectivos responsáveis a respeitar os prazos de conclusão de cada fase, sob risco de insubsistência de uma prisão preventiva tida por essencial para a prossecução dos objectivos da justiça criminal. Não se ignora a existência de críticas ao sistema, quer com base em juízos de excesso de alguns dos prazos, quer pela deficiente correspondência entre os prazos máximos de prisão preventiva e os prazos normais de conclusão da cada fase processual (cf. Fernando Gonçalves e Manuel João Alves, A Prisão Preventiva e as Restantes Medidas de Coacção - A Providência do Habeas Corpus em Virtude de Prisão Ilegal, Coimbra, 2003, pp. 146-147; Frederico Isasca, "A prisão preventiva e as restantes medidas de coacção", na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 13.º, n.º 3, Julho-Setembro de 2003, pp. 365-385, e Maria Fernanda Palma (coord.), Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Coimbra, 2004, pp. 99-118, e Eduardo Maia Costa, "Prisão preventiva: Medida cautelar ou pena antecipada?", Revista do Ministério Público, ano 24.º, n.º 96, Outubro-Dezembro de 2003, pp. 91-106). Como também não se ignora a apresentação na Assembleia da República, durante a anterior legislatura, dos projectos de lei n.os 424/IX, do Bloco de Esquerda, e 519/IX, do Partido Socialista, e da proposta de lei 150/IX (Diário da Assembleia da República, 2.ª série-A, IX Legislatura, 2.ª sessão legislativa, n.º 50, de 3 de Abril de 2004, pp. 2214-2219, e 3.ª sessão legislativa, n.os 20, de 3 de Dezembro de 2004, pp. 6-267, e 17, de 20 de Novembro de 2004, pp. 20-40, respectivamente), com os declarados objectivos de aperfeiçoar a correspondência entre os limites máximos de prisão preventiva e a duração normal das fases processuais respectivas e de reduzir a extensão de alguns prazos, sobretudo os mais elevados.

No entanto, apesar dos ajustamentos pontuais que se venham a mostrar convenientes, em sede de política legislativa, permanece a ideia central do novo sistema de fazer coincidir, ao menos tendencialmente, a duração máxima (acumulada) de prisão preventiva com o atingir do termo das sucessivas fases processuais. Os 6, 8 e 12 meses de limite máximo de prisão preventiva até dedução de acusação correspondem aos 6, 8 e 12 meses de duração do inquérito em correspondentes situações [artigo 276.º, n.os 1, primeira parte, e 2, alíneas a) e c)]. O acréscimo de 4 meses do limite máximo de prisão preventiva, em todas as situações, até prolação da decisão instrutória, toma em atenção os prazos máximos de 2 e 3 meses para conclusão da instrução, que só se inicia com o requerimento para abertura de instrução, a apresentar no prazo de 20 dias a contar da notificação da acusação e a que acresce o prazo de 10 dias para prolação do despacho de pronúncia (artigos 306.º, n.os 1, 2 e 3, 287.º, n.º 1, e 307.º, n.º 3, todos do CPP). É dentro desta lógica que se fixou o prolongamento da duração máxima da prisão preventiva por mais 8, 12 e 20 meses, tempo estimado como eventualmente necessário para conclusão do julgamento em 1.ª instância, e por mais 6, 6 e 12 meses, tempo estimado para conclusão das fases de recursos até se atingir o trânsito em julgado.

No presente recurso, porém, não está em causa a apreciação da conformidade constitucional do regime global da prisão preventiva e da sua duração, mas apenas a da específica interpretação normativa acolhida no acórdão recorrido.

Ora, neste aspecto, não se vislumbra fundamento para emissão de juízo de inconstitucionalidade. Trata-se de um prazo fixado na lei, de acordo com uma interpretação desta, que, independentemente do juízo sobre a sua correcção, tem na letra da lei suporte suficiente, e não se mostra incongruente com a aventada justificação do sistema instituído de duração da prisão preventiva, nem desrazoável, tendo em atenção os factores relevantes de estar em causa crime de especial gravidade e procedimento de excepcional complexidade.

Aliás, o recorrente não suscita, em rigor, a questão da inconstitucionalidade nem do limite de 3 anos de duração máxima de prisão preventiva até à condenação em 1.ª instância, nem do limite de 4 anos até ao trânsito em julgado da condenação, tratando-se de situação prevista no n.º 3 do artigo 215.º do CPP, mas apenas o entendimento de que a anulação daquela condenação não tem como efeito o regresso ao primeiro limite. Mas esse entendimento, além de se mostrar juridicamente fundado na distinção entre os efeitos da nulidade e da inexistência (cf., sobre o tema, João Conde Correia, Contribuição para a Análise da Inexistência e das Nulidades Processuais Penais, Coimbra, 1999), mostra-se adequado aos objectivos do legislador, pois respeita a intenção de o processo chegar à fase da condenação em 1.ª instância sem ultrapassar 3 anos de prisão preventiva, e não se mostra directamente violador de qualquer norma ou princípio constitucionais.

A regra de que a nulidade torna inválido o acto em que se verificar, bem como os que dele dependerem e aquela puder afectar (artigo 122.º, n.º 1, do CPP), se torna insubsistentes os efeitos típicos do acto nulo e os dele indissociáveis (no caso, a aplicação de uma pena e eventualmente a fixação de uma indemnização), não determina o total apagamento de uma actividade processual efectivamente desenvolvida nem dos efeitos ligados a essa realidade. Nesta perspectiva, assume relevo próprio a efectiva realização de um julgamento, por um tribunal, em audiência pública, com produção de prova, sujeita ao princípio do contraditório, que culmina com uma sentença condenatória. A "mera" realização desta actividade, independentemente das vicissitudes que as fases posteriores do processo venham a registar, representa uma significativa e relevante realidade jurídica, constituindo mesmo, em certa perspectiva, o momento culminante do processo, e traduz também a satisfação de direitos do arguido, desde logo o direito a "ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa", constitucionalmente consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da CRP. Esta realidade, que representa o atingir de uma fase específica do processo penal, não "desaparece" totalmente pela eventualidade de o julgamento vir a ser anulado. Esta anulação, que aliás pode ser total ou meramente parcial, com reenvio do processo apenas para novo julgamento das questões concretamente identificadas na decisão de recurso, tal como a confirmação, alteração ou revogação da decisão recorrida, inserem-se já noutra fase processual, a fase dos recursos, cujo prazo máximo de prisão preventiva é o fixado na alínea d), e não na alínea c), do n.º 1 do artigo 215.º do CPP. A solução que admitisse o "retrocesso" à duração máxima prevista na alínea c) encontraria dificuldades no caso de anulação parcial, em que podem coincidir, no mesmo processo e relativamente ao mesmo arguido, decisões já confirmadas pelo tribunal de recurso e decisões reenviadas para novo julgamento.

Embora a intervenção do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem se insira numa perspectiva diferente da do Tribunal Constitucional (esta incidindo sobre a constitucionalidade de normas e aquela sobre o respeito pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem por parte de práticas judiciárias concretas, em que as particularidades de cada caso são especialmente relevantes), não deixam de ser relevantes as considerações tecidas na jurisprudência daquele Tribunal a propósito do requisito do prazo razoável mencionado no n.º 3 do artigo 5.º da referida Convenção (cf. o número especial sobre esse tema da Revue Trimestrielle des Drois de l'Homme, ano 2.º, n.º 5, Janeiro de 1991, e Irineu Cabral Barreto, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2.ª ed., Coimbra, 1999, pp. 106-109), e também a essa luz não se afigura que a interpretação normativa em causa viole o princípio da razoabilidade, ínsito no princípio da proporcionalidade.

Segundo a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, o período de tempo a considerar como prisão preventiva "termina com a decisão, em 1.ª instância, sobre o mérito da acusação" (Irineu Cabral Barreto, ob. cit., p. 107, com citação de diversa jurisprudência nesse sentido), o que está associado ao entendimento de que o que o n.º 3 do artigo 5.º da Convenção garante é que qualquer pessoa presa ou detida tem direito a ser julgada num prazo razoável. Este julgamento é o julgamento em 1.ª instância; efectuado este, entra-se já na fase dos recursos e aí a regra que valerá é a do artigo 6.º, n.º 1, sendo sabido que prazo razoável para efeitos do artigo 5.º, n.º 3, é diferente de prazo razoável para efeitos do artigo 6.º, n.º 1 (cf. autor e loc. cit.).

Salvo o devido respeito pela opinião adversa, o decidido pelo Tribunal Constitucional nos Acórdãos n.os 13/2004 e 483/2002, citados nas alegações do Ministério Público, versa sobre situações diversas: no primeiro, já atrás referido, estava em causa a aplicação "retroactiva" da decisão de especial complexidade proferida já depois de esgotado o prazo máximo de prisão preventiva consentido pelo n.º 2 do artigo 215.º do CPP; no segundo, entendeu-se que, para efeitos de interrupção da prescrição de procedimento criminal, "não bastará [...] atender-se à ocorrência de uma mera formalidade tabeliónica e instrumental desprendida da substancial validade do acto por intermédio do qual o Estado manifesta a sua vontade de punir". No presente caso, está o entendimento de que, atingida, sem excesso de prisão preventiva, a fase processual de condenação em 1.ª instância, as vicissitudes que em sede de recurso dessa condenação venham a surgir, já se inserem na fase seguinte, a que se aplica a alínea d) do n.º 1 do citado artigo 215.º Quanto à razoabilidade do prazo considerado aplicável pela decisão recorrida, basta ponderar que se, por hipótese, o mesmo estivesse explicitamente consagrado na lei (isto é, se o CPP dissesse explicitamente que o prazo máximo de prisão preventiva para este tipo de processos e crimes era de três anos até à conclusão do julgamento em 1.ª instância, independentemente de eventuais anulações), ele não se apresentaria como inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade.

3 - Decisão. - Em face do exposto, acordam em:

a) Não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 215.º, n.º 1, alínea c), com referência ao n.º 3, do CPP, na interpretação que considera relevante, para efeitos de estabelecimento do prazo máximo de duração da prisão preventiva, a sentença condenatória proferida em 1.ª instância, mesmo que, em fase de recurso, venha a ser anulada por decisão do Tribunal da Relação; e, consequentemente b) Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida, na parte impugnada.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.

Lisboa, 22 de Julho de 2005. - Mário José de Araújo Torres (relator) - Benjamim Rodrigues - Paulo Mota Pinto (vencido nos termos da declaração de voto em anexo) - Maria Fernanda Palma (vencida nos termos da declaração de voto junta) - Rui Manuel Moura Ramos.

Declaração de voto

Votei vencido por se me afigurar que a interpretação normativa em análise viola as disposições conjugadas dos artigos 18.º, n.º 2, 27.º, n.º 3, e 28.º, n.º 4, da Constituição. Numa matéria com efeitos tão gravosos como a que está em causa, entendo que deve observar-se estritamente uma exigência de legalidade das medidas restritivas da liberdade. Julgo que é também isso que resulta dos artigo 27.º, n.º 3, e 28.º, n.º 4, da Constituição (este ao dispor que a "prisão preventiva está sujeita aos prazos estabelecidos na lei"). Ora, para além de ser muito duvidoso que a equiparação a actos válidos (ainda que sob recurso) de um julgamento e de uma condenação nulos tenha apoio na lei - não bastando para o afirmar a invocação da distinção entre inexistência e nulidade -, a suficiência de tal julgamento e condenação nulos (no presente caso, anulados ambos por duas vezes), para o prolongamento da prisão preventiva, parece-me abrir a porta a efeitos desproporcionados, ou, mesmo a manipulações e a resultados arbitrários afectando a liberdade do arguido. Tendo votado favoravelmente o Acórdão 483/2002 (inconstitucionalidade da suficiência da notificação de uma decisão instrutória inválida para interrupção da prescrição do procedimento criminal), dificilmente poderia, aliás, deixar de extrair consequência idêntica no presente caso, em que está em questão um efeito bem mais gravoso (a manutenção, após julgamento e condenação nulos, de uma prisão preventiva já com 3 anos). - Paulo Mota Pinto.

Declaração de voto

1 - No presente processo, o recorrente coloca o problema da eventual violação dos artigos 27.º, n.º 1, 28.º, n.º 4, 30.º, n.º 1, e 32.º, n.º 2, in fine, da Constituição pela interpretação segundo a qual uma condenação em 1.ª instância proferida em julgamento anulado é passível de promover o aumento para 4 anos do prazo de prisão preventiva, nos termos do disposto no artigo 215.º, n.os 1, alínea c), e 3, do Código de Processo Penal. O critério normativo que constituiu ratio decidendi do acórdão impugnado pelo presente recurso de constitucionalidade corresponde a uma interpretação da alínea c) do n.º 1 do artigo 215.º do Código de Processo Penal que inclui na locução "condenação em 1.ª instância" uma condenação anulada em sede de recurso ordinário.

Não está agora em causa, de modo directo, a admissibilidade dos prazos máximos de prisão preventiva estabelecidos por lei ou a razoabilidade de um regime que faça depender tais prazos da conclusão de determinadas fases processuais - inquérito, instrução e audiência de julgamento, nos termos das alíneas a), b) e c), respectivamente, do n.º 1 do artigo 215.º do Código de Processo Penal. Está apenas em crise a equiparação entre condenações válidas e inválidas para efeitos de contagem dos referidos prazos.

2 - As normas contidas no n.º 1 do artigo 215.º do Código de Processo Penal fazem depender o prazo da prisão preventiva do avolumar de indícios que, não invertendo a presunção de inocência (artigo 32.º, n.º 2, da Constituição), a enfraquecem. Assim se explica a relevância atribuída à acusação e à condenação - e não simplesmente à conclusão do inquérito ou da audiência de julgamento - nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 215.º do Código de Processo Penal.

Por conseguinte, não está só em causa o andamento do processo e o estádio atingido - critério à luz do qual seria na realidade irrelevante a existência de acusação ou condenação válidas - mas também a prolação de decisões desfavoráveis ao arguido que apreciaram os indícios ou as provas contra ele aduzidos. Do mesmo modo se explica, aliás, que qualquer sentença absolutória (não transitada em julgado) implique a extinção da prisão preventiva e das demais medidas de coacção, por força da alínea d) do n.º 1 do artigo 214.º do Código de Processo Penal.

3 - Conclui-se, pois, que o regime vigente no Código de Processo Penal não assenta apenas na extensão do iter processual mas ainda - e principalmente - no modo de desfecho das suas fases. Tem razão, por isso, o presente acórdão quando assinala que os prazos não variam (ou seja, o prazo máximo é, por exemplo, de 6 meses até à acusação, abstraindo da altura em que a medida de coacção foi imposta) mesmo que a prisão preventiva não tenha sido aplicada desde o início do processo.

Todavia, esse argumento de modo nenhum favorece a tese consagrada no acórdão. Ele prova, repete-se, que não é só a morosidade do processo que justifica o alargamento dos prazos de prisão preventiva mas também, e sobretudo, o avolumar de indícios ou provas contra o arguido. Ora, nesta perspectiva, não faz sentido equiparar uma condenação válida a uma condenação inválida.

4 - Poder-se-á objectar que a Constituição não impõe prazos "faseados" para a prisão preventiva, sendo concebível até um prazo máximo invariável, tal como sucede quanto à detenção (artigo 28.º, n.º 1, da Constituição). Assim, toda a discussão sobre a possibilidade de equiparar condenações válidas e inválidas neste domínio situar-se-ia, por implicação lógica, num plano infraconstitucional.

Mas esta objecção não procede por duas razões fundamentais. A primeira razão resulta, desde logo, da extensão dos prazos previstos no Código de Processo Penal: como se poderiam aceitar prazos de 4 e até de 4 anos e 6 meses para a prisão preventiva sem ter sido sequer deduzida acusação, ante uma norma constitucional que prescreve a excepcionalidade desta medida de coacção (artigo 28.º, n.º 1)? A segunda razão advém da impossibilidade lógica e valorativa de equiparar condenações válidas e inválidas, em prejuízo do arguido, à luz das garantias de defesa e da presunção de inocência (artigo 32.º, n.os 1 e 2, da Constituição).

5 - Um processo justo e equitativo - o due process de que fala a doutrina anglo-saxónica - não pode seleccionar efeitos da anulação judicial de um julgamento e de uma condenação em prejuízo do arguido invalidamente condenado. E muito menos pode negar os efeitos da anulação em matérias que se "prendam directamente com os direitos fundamentais" (isto, para usar a linguagem de que o legislador constitucional se prevalece no n.º 4 do artigo 32.º), como sucede com a prisão preventiva e o direito à liberdade.

Por mais respeitáveis que sejam, em abstracto, os desígnios de política criminal que lhe presidam, uma tal manipulação dos efeitos da anulação reconduz-se sempre a uma afectação da confiança processual, fazendo recair sobre o arguido as consequências de vícios do julgamento que são imputáveis aos próprios tribunais. E essa afectação é incompatível com a ideia de Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição).

6 - Apenas se admite, apesar da genérica eficácia retroactiva que é reconhecida ao instituto da anulabilidade (artigo 289.º, n.º 1, do Código Civil), que a sentença condenatória valha, antes da anulação, como se fosse válida também para os efeitos do artigo 215.º do Código de Processo Penal, diferentemente do que sucederia no caso de inexistência. Mas jamais se poderá ficcionar, após a anulação, a subsistência de tal sentença como se fosse válida.

Assim, uma interpretação da alínea c) do n.º 1 do artigo 215.º do Código de Processo Penal (e também dos n.os 2, 3 e 4 do mesmo artigo na parte em que remetem para ela) que inclua na locução "condenação em 1.ª instância" condenações já anuladas deve ter-se como materialmente inconstitucional, ao contrário do que se conclui no presente acórdão.

7 - A posição que subscrevo insere-se, de resto - e até por maioria de razão, como sublinhou, nas suas contra-alegações, o representante do Ministério Público no Tribunal Constitucional -, na orientação deste Tribunal quanto à interrupção do prazo de prescrição do procedimento criminal (cf. Acórdão 483/2002, de 20 de Novembro).

Com efeito, nesse aresto (em que se verificaram votos de vencido, incluindo o meu próprio, mas por razões estranhas à orientação consensual que agora se evoca), julgou-se inconstitucional a interpretação normativa que conduzira a ter por interrompido o prazo prescricional com o acto de notificação de um despacho de pronúncia que depois foi considerado inválido. Ora, no âmbito da prisão preventiva não está em causa matéria com menor dignidade na perspectiva dos direitos fundamentais e os efeitos da anulação projectam-se para o futuro, em vez de se confinarem a um singular momento processual situado no passado, ao tempo do qual a invalidade não era ainda conhecida (como sucede, precisamente, com a notificação do despacho de pronúncia).

8 - Ante o exposto, votei contra o juízo de não inconstitucionalidade constante do presente acórdão por entender que a interpretação do artigo 215.º, n.os 1, alínea c), e 3, do Código de Processo Penal realizada pelo Supremo Tribunal de Justiça viola as disposições conjugadas dos artigos 32.º, n.os 1 e 2, e 2.º da Constituição.

Votei ainda vencida por entender que a referida interpretação normativa contraria o disposto nos artigos 27.º, n.os 1 e 3, alínea b), e 28.º, n.º 4, da Constituição. Estas normas, ao remeterem para a lei a regulação da prisão preventiva, impõem uma observância estrita do princípio da legalidade e proscrevem interpretações (extensivas) que não correspondem ao sentido normal das palavras e "roçam" a analogia (artigo 9.º, n.º 2), para além de ignorarem a ratio essendi da excepcionalidade desta medida de coacção. - Maria Fernanda Palma.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1479864.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1977-09-06 - Decreto-Lei 377/77 - Ministério da Justiça

    Revê diversas disposições relativas à legislação de Processo Penal.

  • Tem documento Em vigor 1982-09-23 - Decreto-Lei 402/82 - Ministério da Justiça

    Introduz alterações ao Código de Processo Penal e legislação complementar e estabelece o regime de execução das penas e medidas de segurança.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1993-01-22 - Decreto-Lei 15/93 - Ministério da Justiça

    Revê a legislação do combate à droga, definindo o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas.

  • Tem documento Em vigor 1998-02-26 - Lei 13-A/98 - Assembleia da República

    Altera a lei orgânica sobre a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional.

Aviso

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